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Processos de trabalho em saúde: práticas de cuidado em saúde mental na Estratégia Saúde da Família

Work processes in health: mental health care practices in the Family Health Strategy

Resumos

OBJETIVO: Refletir sobre processos de trabalho em saúde na rede básica do Sistema Único de Saúde (SUS) em relação ao cuidado em saúde mental. METODOLOGIA: Entrevistas com 12 trabalhadores da Estratégia Saúde da Família (ESF), sendo médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS); observação participante do cotidiano da Unidade de Saúde da Família e visitas domiciliares. RESULTADOS: Os processos de trabalho em saúde são organizados de modo burocratizados e hierarquizados e as práticas de cuidado esquadrinham os usuários a partir do saber/fazer de cada categoria profissional. Há repetição da lógica do especialismo e as equipes não acolhem e não se responsabilizam pela demanda, realizando o encaminhamento para outras unidades. CONCLUSÃO: Consideramos que a partir de um novo modo de arranjo de trabalho e gestão é possível interferir na subjetividade e na cultura dominante entre os trabalhadores da saúde, potencializar o vínculo terapêutico, a transversalidade dos saberes e práticas e produzir processos de trabalhos que gerem acolhimento e responsabilização pela vida do usuário.

Estratégia saúde da família; Estratégia de atenção Psicossocial; Saúde mental; Trabalho


OBJECTIVE: To reflect on work processes in the primary care network of the SUS (Brazil's National Health System), focusing on the care practices in mental health. METHODOLOGY: Interviews with 12 workers of the Family Health Strategy: physicians, nurses and community health agents; participant observation of the daily routine of the Family Health Unit; home visits. RESULTS: The work processes in health are bureaucratically and hierarchically organized and the care practices scrutinize users based on the knowledge/action of each professional category. The specialism logic is recurrent and the teams, in general, do not receive the users well, do not attend/ to the demands and end up referring users to other units. CONCLUSION: We believe that with a new work and management arrangement mode it is possible to interfere in the subjectivity and/ in the culture that prevails among the health workers, intensify the therapeutic bond and the intersection between knowledge and practices, and produce work processes that result in receptivity and responsibility for the user's life.

Family Health Strategy; Psychosocial Care Strategy; Mental Health; Work Processes


PARTE I - ARTIGOS

Processos de trabalho em saúde: práticas de cuidado em saúde mental na Estratégia Saúde da Família1 1 Esse trabalho é parte da Dissertação de Mestrado de Danilo Camuri, sob orientação de Magda Dimenstein defendida em 2009 e contou com o apoio financeiro da Capes.

Work processes in health: mental health care practices in the Family Health Strategy

Danilo CamuriI; Magda DimensteinII

IMestre em Psicologia. Professor da Universidade Potiguar. Endereço: Avenida Ayrton Senna, Condomínio Parque das Flores, bloco "A", apartº 104, Capim Macio, CEP 59088-100, Natal, RN, Brasil. E-mail: danilocamuri@hotmail.com IIDoutora em Saúde Mental. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisadora do CNPq. Endereço: UFRN, CCHLA, Deptº de Psicologia, Campus Universitário, Lagoa Nova, CEP 59078-970, Natal, RN, Brasil. E-mail: magda@ufrnet.br

RESUMO

OBJETIVO: Refletir sobre processos de trabalho em saúde na rede básica do Sistema Único de Saúde (SUS) em relação ao cuidado em saúde mental.

METODOLOGIA: Entrevistas com 12 trabalhadores da Estratégia Saúde da Família (ESF), sendo médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS); observação participante do cotidiano da Unidade de Saúde da Família e visitas domiciliares.

RESULTADOS: Os processos de trabalho em saúde são organizados de modo burocratizados e hierarquizados e as práticas de cuidado esquadrinham os usuários a partir do saber/fazer de cada categoria profissional. Há repetição da lógica do especialismo e as equipes não acolhem e não se responsabilizam pela demanda, realizando o encaminhamento para outras unidades.

CONCLUSÃO: Consideramos que a partir de um novo modo de arranjo de trabalho e gestão é possível interferir na subjetividade e na cultura dominante entre os trabalhadores da saúde, potencializar o vínculo terapêutico, a transversalidade dos saberes e práticas e produzir processos de trabalhos que gerem acolhimento e responsabilização pela vida do usuário.

Palavras-chave: Estratégia saúde da família; Estratégia de atenção Psicossocial; Saúde mental; Trabalho.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To reflect on work processes in the primary care network of the SUS (Brazil's National Health System), focusing on the care practices in mental health.

METHODOLOGY: Interviews with 12 workers of the Family Health Strategy: physicians, nurses and community health agents; participant observation of the daily routine of the Family Health Unit; home visits.

RESULTS: The work processes in health are bureaucratically and hierarchically organized and the care practices scrutinize users based on the knowledge/action of each professional category. The specialism logic is recurrent and the teams, in general, do not receive the users well, do not attend/ to the demands and end up referring users to other units.

CONCLUSION: We believe that with a new work and management arrangement mode it is possible to interfere in the subjectivity and/ in the culture that prevails among the health workers, intensify the therapeutic bond and the intersection between knowledge and practices, and produce work processes that result in receptivity and responsibility for the user's life.

Keywords: Family Health Strategy; Psychosocial Care Strategy; Mental Health; Work Processes.

Introdução

Este artigo está focado na articulação entre as políticas de Saúde Mental e Atenção Básica. Visa refletir sobre os processos de trabalho em saúde na rede básica e especializada do SUS, especificamente em relação às práticas de cuidado em saúde mental desenvolvidas nessa interface, ancorando-se para tanto nos conceitos propostos pela Análise Institucional. Objetivamos discutir as dificuldades encontradas e ajustes realizados nos processos de trabalho das equipes de saúde da família no cuidado aos portadores de transtornos mentais. Nesse processo nos interessou mapear as forças, as linhas e instituições que atravessam esse fazer, para pensar na gestão do cotidiano em saúde, na cristalização dos modelos de atenção e nos processos de mudança que permitem instituir novos arranjos de cuidado em saúde mental.

Nossa investigação foi realizada em um município do nordeste brasileiro a partir de observação participante, realização de entrevistas semi-estruturadas e visitas domiciliares com equipes de saúde. Neste trabalho buscaremos discutir os seguintes aspectos: o cotidiano das equipes, as demandas de cuidado, o saber/fazer de cada categoria profissional e as relações hierárquicas que organizam os processos de trabalho.

A Estratégia Saúde da Família e a Estratégia da Atenção Psicossocial: interfaces nos processos de trabalho

A partir da municipalização da saúde e do fortalecimento dos sistemas locais de saúde no Brasil, em 1994, nasceu o Programa Saúde da Família (posteriormente nomeado de Estratégia Saúde da Família) como uma estratégia de mudança da estrutura da rede de serviços e dos modos de trabalho em saúde. Fazia-se necessário:

[...] Transitar de um modelo de atenção médica, fruto do paradigma flexneriano, para um modelo de atenção à saúde, expressão do paradigma da produção social da saúde. É nesse sentido, que os reformistas ingleses falam hoje de uma imprescindível "revolução silenciosa" no sistema de saúde que derive as preocupações da atenção médica para resultados medidos em melhoria da qualidade de vida da população. Tais considerações permitem, mais uma vez, sustentar a pertinência do SUS como processo social de construção da saúde. (Mendes, 1996, p. 9.)

O Ministério da Saúde apontou a Estratégia Saúde da Família (ESF) como sua principal tática para reorganização do acesso da população aos serviços de saúde básicos (Brasil, 2005). Nesse sentido, foi criada para responder à crise do sistema de saúde provocada pela assistência centrada no modelo biomédico (medicalizante, verticalizado e focalizado na produtividade). Foram propostas modificação das diretrizes do trabalho em saúde, voltados para a doença, reorientando-o para um modelo que privilegiasse parcerias com as famílias, tendo-as como importantes aliadas para efetivar um trabalho baseado na promoção da saúde. Esse dispositivo visava à resolutividade do sistema e à prática assistencial em equipe, centrada nas necessidades da população, considerando-a como participante do processo de produção de saúde, através de seus saberes e práticas sociais. Foi ainda proposta uma atuação centrada no vínculo e na responsabilização das ações coletivas e individuais (Matumoto, 2003). Assim, destacamos que o objetivo da ESF destinava-se à:

Reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças no hospital. A atenção está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes da Família uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que vão além de práticas curativas. (Merhy e Franco, 2000, p. 145.)

Compõe atualmente o cenário de uma política intersetorial centrada na produção social de saúde, como um modelo tecnoassistencial que se apoia nas ações de saúde que sejam resolutivas e integradas com a rede de serviços de saúde. Propõe-se a substituição do modelo tradicional da assistência à saúde, curativo, hospitalocêntrico, de alto custo e baixa resolutividade, carente de uma eficiente articulação em rede, hierarquizada por complexidade, e sem criação de vínculos de cooperação e coresponsabilidade com os usuários (Brasil, 1994, 2000).

A proposta de reordenação dessa lógica de trabalho e de organização da assistência em saúde é a que também orienta os processos de transformação da assistência psiquiátrica em curso no país. Com base nos mais variados autores e atores do campo da reforma psiquiátrica é possível dizer que a implementação de uma nova lógica de cuidados ao portador de transtornos mentais implica na superação do modo asilar e na implementação do modelo de atenção psicossocial. Concebido enquanto Estratégia de Atenção Psicossocial (EAP), esse modelo paradigmático vem evidenciando que para além de mudanças restritas ao aparato assistencial é preciso avançar na construção de uma diversidade de dispositivos territorializados de atenção e cuidado. Dessa forma, a EAP é uma lógica baseada na "integralidade das problemáticas de saúde e na ação territorializada sobre elas" (Yasui e Costa-Rosa, 2008, p. 36).

A superação da lógica tradicional que orienta os processos de trabalho em saúde impõe a necessidade de discutir o planejamento, a organização dos serviços e as formas de gestão (Santos-Filho, 2008), enfim, os processos de trabalho em saúde. Em função disso consideramos que a Estratégia Saúde da Família e a Estratégia de Atenção Psicossocial apresentam-se atualmente como forças instituintes que buscam a modificação das práticas de cuidado seja na atenção básica, seja na atenção especializada, tendo como foco de intervenção os processos de trabalho e de gestão aí desenvolvidos.

Desse modo, tal transformação implicará na substituição dos modelos assistenciais hierarquizados, fragmentados e calcados em uma perspectiva técnico-burocrático, por tecnologias de escuta, acolhimento/diálogo e negociação. Implica também na produção de um modelo de gestão em saúde, no qual gestores, trabalhadores e usuários sejam do setor saúde e do campo intersetorial, possam dialogar e deliberar sobre a condução, implementação, financiamento e avaliação das políticas públicas de saúde, bem como sobre os processos de trabalho realizados no cotidiano dos serviços, produzindo assim uma gestão dos modos de cuidado, para além de um controle de dados, índices e planilhas, tal como se observa comumente.

Contudo, para que essa proposta seja efetivada e assuma seu estatuto de política, são necessários processos de subjetivação transformadores, ou seja, "sujeitos coletivos que nas práticas concretas e cotidianas transformam o modo de produzir cuidados em saúde, transformando-se a si também" (Deslandes, 2005, p. 402). Enfim, significa produzir um novo modo de gestão do cuidado em saúde e novas relações entre trabalhadores e usuários.

Nesse encontro, diversas instituições (saúde, família, trabalho e comunidade) entram em cena e processos tecnológicos operam para que a prática de cuidado seja efetivada (Franco e col., 1999). Nesse encontro entre trabalhador e usuário está sendo produzido um "trabalho vivo em ato", que objetiva a produção de escuta e responsabilização, a constituição de vínculos e de compromissos em projetos de intervenção (Merhy, 2002b). O "trabalho vivo" em saúde a partir desse autor é entendido como trabalho em ação. Isso, por sua vez, possibilita a expressão da inventividade/criação por parte do trabalhador que o realiza através da utilização de determinados instrumentos materiais e de certo saber operante (instrumentos imateriais), atendendo às suas necessidades cotidianas. Ao contrário do "trabalho vivo", há o "trabalho morto" (Merhy, 2002a) que são todos os produtos que estão relacionados ou com a matéria-prima ou com as ferramentas utilizadas. Para Merhy (2002a; 1999) qualquer abordagem assistencial dentro de um serviço de saúde, seja ele de saúde mental ou de atenção básica, produz-se através de um "trabalho vivo em ato", em uma relação. Quando trabalhador e usuário se encontram, operam um sobre o outro, há uma confluência de expectativas e produções, criando-se, intersubjetivamente, alguns momentos importantes, como o acolhimento, a produção de responsabilização e a confiabilidade, que dão sustentação às relações de vínculo e aceitação (Merhy, 1999).

Assim, o "trabalho vivo" em ato deve ser a finalidade de qualquer ação em saúde. Isso, porém, demanda o uso de tecnologias de trabalho, bem como um conjunto de conhecimentos e ações que se materializam em recursos teórico-técnicos, instrumentos e máquinas. São as "tecnologias leves, leve-duras e duras". Estas últimas são as que estão inscritas nas máquinas e instrumentos, ou seja, nos equipamentos. As "tecnologias leve-duras" são os saberes bem estruturados, os quais podem se observar, por exemplo, na clínica, na epidemiologia, nos diagnósticos. Finalmente, as "tecnologias leves" são as chamadas tecnologias das relações, do acolhimento e do cuidado.

O trabalho em saúde é essencialmente relacional e intercessor, no qual as "tecnologias leves" devem conduzir a produção do cuidado, atuando na função criativa dos serviços/estabelecimentos de saúde. Essas tecnologias, entendidas como o conjunto de conhecimentos e ações aplicadas à produção de algo, têm a potência de criar estratégias para a produção de processos cuidadores como o acolhimento e os vínculos a partir das relações e dos afetos resultantes dos encontros entre os trabalhadores da saúde e os usuários (Matumoto, 2003). Essas tecnologias das relações acontecem no momento de interação/conexão entre trabalhador e usuário no ato da produção de saúde, cujo total controle escapa do trabalhador por envolver processos de subjetivação. Desse modo, na relação atenção básica e saúde mental, o ponto crucial está nos processos de trabalho que são desenvolvidos cotidianamente junto aos usuários portadores de transtornos mentais. Em outras palavras, tanto a reforma sanitária quanto a psiquiátrica partilham a ideia de que a produção de saúde implica na produção de sujeitos (Brasil, 2004b).

Estudo de Campo

Buscamos mapear os processos de trabalho de uma equipe de Estratégia Saúde da Família diante da demandas de saúde mental em torno das seguintes indagações: "Que demandas em saúde mental chegam ao serviço?", "Que dificuldades encontram para esse acolhimento?", "Que problemas a gestão e a rede de saúde apresentam nesse sentido?", "O que esse trabalho convoca e exige dos técnicos?".

Com base na Análise Institucional, entendemos que as relações que se engendram no cotidiano movimentam um conjunto de forças, tanto instituintes quanto instituídas. As forças que propiciam a transformação das instituições, ou mesmo as forças que tendem a fundá-las, quando ainda não existem, chamam-se instituintes (Baremblitt, 1992). Essas forças são produtoras de lógicas institucionais. O instituído, porém, é o efeito da atividade instituinte, ou seja, do processo ininterrupto de produção, de criação de instituições, gerando um resultado, um produto que será o instituído. Por instituinte, compreende-se ao mesmo tempo a diferença e a capacidade de renovação ou inovação. Em geral, o instituído é uma prática política como significante da prática social.

No que se refere ao instituído, pondera-se que esse não se trata apenas da "ordem estabelecida, os valores, modos de representação e de organização considerados normais, como igualmente os procedimentos habituados de previsão (econômico, social e político)" (Lourau, 2004, p. 47). Para exemplificar, lembremos da reforma sanitária, que foi uma invenção de forças que se colocaram instituintes, as mesmas que já estão instituídas como Sistema Único de Saúde, no qual operam novas forças instituintes, que posteriormente ficarão instituídas (Fortuna, 2003). Como outro exemplo temos o processo de reforma psiquiátrica como uma invenção de forças primeiramente instituintes, materializadas nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que são alvos de preocupação atual em termos de processos de cronificação em curso (Barros, 2003).

O nosso local de estudo foi uma Unidade de Saúde da Família (USF), situada em um município do nordeste brasileiro com precário serviço de saneamento básico, elevados índices de violência, desemprego e consequentemente pessoas com reduzido poder de compra. A USF conta com seis equipes de Saúde da Família. Cada equipe é composta de um médico, um enfermeiro, um técnico em enfermagem, um dentista, um auxiliar de consultório dentário e seis ACS. Ressalvamos que a ESF só foi implantada nesta localidade há cinco anos, mas a Unidade Integrada de Saúde, com a qual compartilha o espaço físico, já funciona desde 1986.

Dessa forma, a inserção dos trabalhadores na ESF deu-se de duas formas: através de convite para os trabalhadores que já atuavam na Unidade Integrada e por meio de contratação através de concurso público. A escolha dessa USF se deveu ao fato de, em 2006, a Secretaria Municipal de Saúde ter realizado treinamento com os ACS e demais técnicos. Esse treinamento tinha como objetivo possibilitar a identificação de usuários que necessitassem de atendimento especializado em saúde mental e instruir os agentes a como proceder nesses casos. Além disso, no levantamento preliminar de campo, diversos técnicos relataram a existência de uma considerável demanda em saúde mental, com elevada utilização de benzodiazepínicos, bem como dificuldades no trabalho com usuários portadores de transtornos mentais. Essas dificuldades referem-se ao diagnostico e terapêuticas a serem realizadas, como trabalhar com a família do usuário e intervir em situações de crise. Os trabalhadores ainda relataram que na área de abrangência da USF ocorrem diversos casos de tentativas de suicídio, transtornos de humor, esquizofrenia, transtornos de ansiedade.

Delimitamos como ferramenta de pesquisa a entrevista semiestruturada, por meio da qual analisamos a micropolítica dos processos de trabalho. Entrevistamos 12 trabalhadores de três equipes, sendo um médico, um enfermeiro e dois ACS por equipe. As entrevistas foram realizadas na própria unidade no turno em que a equipe atuava, com duração média de uma hora e 30 minutos a duas horas. Não participaram deste estudo o dentista, o auxiliar de consultório dentário e o técnico em enfermagem, pois priorizamos os trabalhadores que em sua prática cotidiana fazem visitas domiciliares, trabalham com o diagnóstico de problemas de saúde mental, prescrevem medicamentos e modos como a família deve conduzir o cuidado com os usuários portadores de transtornos mentais.

Além da entrevista utilizamos como ferramenta de pesquisa a observação participante e os diálogos informais, bem como participamos de visitas domiciliares à casa de usuários portadores de transtorno mental. Destacamos que foi imprescindível utilizar essas ferramentas para analisar os processos de trabalho em curso nessa unidade e nas visitas que realizamos, pois essas técnicas possibilitavam adentrar no mundo das intensidades e presenciar o encontro entre subjetividades, uma vez que esse campo de forças ultrapassa os limites das palavras, dos afetos que atravessam as relações, de múltiplas interconexões que se estabelecem em cada encontro.

Resultados e Discussão

Como indicado anteriormente, nossa discussão se dará em torno de quatro eixos: 1. O cotidiano e as demandas em saúde mental; 2. Acolhimento em saúde mental na ESF; 3. Modos de gestão e a rede de saúde; 4. Processos de subjetivação e trabalho.

No que se refere ao cotidiano, às atividades realizadas e às demandas recebidas, as equipes relataram destinar a maior parte de seu tempo de trabalho a atendimentos individuais. Entretanto, também desenvolvem atividades como grupos, reuniões de equipe e visitas domiciliares. Destinam pelo menos um turno semanal para atividades coletivas, desenvolvendo trabalhos nas áreas do cuidado à saúde da mulher, criança e do adulto. A reunião semanal de equipe foi referida por alguns trabalhadores, porém, outros mencionaram que a reunião não ocorre de maneira sistemática.

No que se refere às atividades desenvolvidas no cotidiano com os usuários observamos: prescrição e administração de medicação; atendimento a usuários diabéticos e hipertensos; cadastro e entrega de preservativo; consultas médicas e de enfermagem; consulta de pré-natal; consultas na área de saúde da mulher; fornecimento de medicação; orientação puérpere; orientação para uso de métodos contraceptivos, planejamento familiar e prevenção DST/Aids; puericultura; exames de prevenção citológica-oncológica; revisão ginecológica; revisão puerperal; vacinação; consulta acompanhamento da família; grupo de crianças (acompanhamento do crescimento e desenvolvimento); grupo de crônicos (hipertensos e diabéticos); grupo de gestantes; grupo de mulheres; grupo semanal de planejamento e visitas domiciliares.

Os ACS relataram participar de várias dessas atividades, colaborando com os auxiliares de enfermagem, médicos e enfermeiros, na entrega de preservativos e no acompanhamento das gestantes e crianças em situação de risco e desnutrição. Especificamente, a atividade por excelência desse trabalhador é a realização das visitas domiciliares, que devem ser de no mínimo oito visitas diárias. Nessas visitas, por meio de diálogos com as famílias, o agente comunitário de saúde procura identificar os problemas de saúde da microárea de sua responsabilidade, através do preenchimento da folha de registro do Sistema de Informação da Atenção Básica e de suas experiências nesse campo. Os problemas mais graves são encaminhados e agendados para a equipe. Esses trabalhadores são os elementos principais na articulação do serviço com a comunidade.

As equipes relatam que em média cada agente é responsável pela visita domiciliar mensal de 150 famílias, como cada equipe possui seis agentes, perfaz uma média de 900 famílias acompanhadas por cada equipe. Essas ações da Estratégia Saúde da Família têm potencial para deflagrar ações onde sujeito está localizado, fazendo com que ele deixe de ser apenas um prontuário e passe a ser uma biografia (Lancetti, 2001). Através da descentralização da relação médico-paciente para a relação usuário-equipe, as equipes podem desenvolver maiores vínculos com os usuários e a comunidade, em especial, com a ajuda dos agentes comunitários de saúde. Contudo, os agentes comunitários de saúde e os enfermeiros relatam um descontentamento por realizarem várias atividades burocráticas em seus turnos de trabalho, desde o registro das atividades, recebimento e solicitação de materiais e medicações, até o preenchimento do Sistema de Informação da Atenção Básica e outros formulários da EDF, em vez de investir seu tempo em outras atividades, como, por exemplo, articulações com equipamentos comunitários, atividades com as famílias ou com grupos de usuários.

Vale ressaltar que, anteriormente, nessa região, existia apenas o Programa de Agentes Comunitário de Saúde e a implementação da ESF ocorreu nessa Unidade Integrada de Saúde, no ano de 2002. Desse modo, todo o espaço físico antes destinado às atividades específicas da Unidade Integrada, teve que ser dividido a partir da implantação da ESF. Compreendemos que o órgão gestor decidiu assim para se evitar gastos com a locação ou construção de um espaço específico para as equipes de saúde da família. Fato que, segundo os trabalhadores entrevistados, é uma questão problemática, pois em muitos momentos eles necessitam de mais espaço para realizar suas tarefas, em especial as atividades em grupo.

Com efeito, compartilhar esse espaço comum possibilita vantagens e desvantagens para as ações de saúde das equipes de saúde da família, pois apesar de ser uma unidade para o nível primário de saúde, apresenta serviços de média complexidade. No tocante às vantagens apresentadas, referem-se principalmente à utilização da estrutura física da Unidade Integrada para a internação e realização de exames clínicos, o que possibilita para os usuários não serem encaminhados para outros serviços de saúde, em especial a hospitais gerais, seguindo assim a lógica do cuidado no território.

Outro ponto analisado nessa configuração são as forças institucionalizadas no modelo de trabalho hospitalocêntrico se fazendo presente na reprodução das hierarquias entre os profissionais das equipes de saúde da família. Hierarquias delimitadas a partir da prescrição dos saberes, fazeres e poderes constituintes de cada categoria profissional. Equipes que metaforicamente se hierarquizam: tenentes, sargentos, cabos e soldados, isto é: médicos, odontólogos, enfermeiros, técnicos/auxiliares e agentes comunitários de saúde.

Nessa configuração, no trabalho em saúde na atenção básica, o saber médico e biologizante "impede" outra produção de cuidado em saúde por parte de outros trabalhadores, em especial os ACS que não se sentem empoderados para realizar práticas de cuidado, acolhimento e estabelecimento de redes de circulação para os usuários a partir do conhecimento que adquirem com a experiência diária no território onde trabalham. Nessa circunstância, a equipe de saúde da família entra em antiprodução, que é um processo de destruição das realidades produzidas ou impedimento de sua produção (Baremblitt, 1992). A antiprodução é explicitamente nociva, destrói e impede a produção do trabalho, ou seja, a equipe em anti-produção se autodestrói.

Desse modo, na atual conjectura de expansão da ESF, podemos ver tanto perigo quanto oportunidade. As oportunidades de modificação da assistência à saúde trazem como perigo os "vícios ideológicos", como, por exemplo, a compreensão que a atenção básica é uma "tecnologia simplificada" (Ayres, 2004). Esses vícios podem tornar as propostas da ESF apenas mais um rearranjo político-institucional no sistema de saúde brasileiro, o que o tornaria um sistema demasiadamente excludente sob a ótica da organização social.

Problematizamos que as instituições que atravessam esses discursos estão permeadas de confrontos, disputas e jogos políticos que ocorrem no campo da saúde e, como consequência, atribui valor à vida humana, e até mesmo acarreta influências sobre a enorme fatia de dinheiro investido na saúde pelo setor público e privado que tem um grande destaque na economia do município em questão, ou seja, essa problemática se refere tanto às questões da esfera dos projetos político, econômico, social, como, por exemplo, as políticas de financiamento e investimento para a atenção básica, através do Piso de Atenção Básica (PAB), quanto às questões dos embates políticos, ideológicos que atravessam as práticas em saúde e ordenam o valor da vida (Matumoto, 2003).

Percebemos esse ordenamento do valor da vida humana nas prescrições do atual jeito de viver, na percepção do corpo como mercadoria, bem como no modo como a vida e a saúde são tratadas como produtos. A saúde é um "objeto" conquistado com dificuldades e por isso se torna desejada e passa a ser explorada por todos os meios, como busca de usufruto de um bem social (Silva, 1994).

Em relação às demanda em saúde mental recebidas, as equipes, de modo geral, relataram receber diversos casos de sofrimento psíquico, como, por exemplo, problemas associados ao uso prejudicial de álcool e outras drogas, egressos de hospitais psiquiátricos, transtornos mentais graves, transtornos de humor, transtornos de ansiedade, fobias específicas, situações decorrentes de violência familiar, sexual e exclusão social. Em especial, os trabalhadores relataram o significativo número de usuários que tentam cometer suicídio, sendo que já houve casos de concretização desse ato, fato que percebemos provocar nos técnicos um extremo desconforto, disparando um sentimento de impotência e dúvidas sobre os processos de trabalho realizados com os usuários.

Foram realizadas pesquisas na área da saúde mental em diversos países e observaram que cerca de dias ou semanas antes de cometer o ato suicida, cerca de 40% dos sujeitos procuraram algum serviço de saúde em busca de ajuda, mas sem mencionar especificamente o que estão sofrendo e que estão próximos de cometer tal ato. Segundo essa pesquisa, essa procura pode "ser um último pedido de socorro" (Brasil, 2006). Assim, o Ministério da Saúde aponta que um profissional de saúde capacitado para trabalhar com essa questão tem condições de identificar a situação-problema, acolher esse usuário e realizar terapêutica adequada ou encaminhar a uma e com isso tentar evitar que o suicídio ocorra.

Contudo, observamos, a partir das narrativas dos trabalhadores entrevistados, que eles não se sentem preparados para o cuidado com essa demanda, pois ela exige a utilização de outras tecnologias de trabalho, ou seja, "tecnologias leves", "tecnologias relacionais" (Merhy, 2002a). A partir dessa experiência no campo de pesquisa, entendemos que trabalho e vida são instâncias indissociáveis. O trabalho afeta a vida do trabalhador, e seus modos de gerir sua vida afetam suas práticas de trabalho, ou seja, a afetação provocada pelos diversos encontros com a diferença, seja ela com relação ao território em que habitam os usuários, a forma de vida deles, as articulações que os usuários fazem para viver, as suas condições de vida e até mesmo a forma com eles governam suas vidas, irão reverberar em suas práticas cotidianas, mais especificamente nas práticas de cuidado, acolhimento e responsabilização pela demanda.

No que se refere às outras demandas em saúde mental relatadas no início dessa sessão, observamos nas narrativas dos trabalhadores que a maioria dos usuários que requerem cuidado de saúde mental é enquadrada na nosografia depressão, bem como é perceptível o elevado número de usuários que utiliza antidepressivos, anticonvulsivantes e ansiolíticos. Em geral, esses usuários fazem uso dessas medicações de modo indiscriminado, deslocando-se para a unidade apenas para solicitar a renovação de sua receita e pegar mais medicamentos. Os trabalhadores relataram não fazer o acompanhamento sistemático da utilização desses medicamentos na USF, não alteram a dosagem nem suspendem a medicação, o que ocorre é um encaminhamento para o psiquiatra da Unidade Integrada de Saúde e as equipes ficam apenas renovando as receitas. Observamos que a substância amitriptilina é bastante prescrita para os casos de usuários com depressão, pois, segundo os médicos entrevistados, esse medicamento se encontra disponível na unidade e possibilita "avanços no quadro". No entanto, quando se percebem agitações psicomotoras fala desordenada e confusa encaminha-se o usuário para o psiquiatra da referida Unidade Integrada, e/ou para o Centro de Atenção Psicossocial/CAPS II-Norte.

Entendemos que os modos como vem sendo operado o cuidado aos usuários portadores de transtornos mentais na ESF extrapolam os discursos que os trabalhadores apontaram sobre a falta de capacitação para realizar essa atividade. Ocorre a repetição da lógica do especialismo biomédico com esquadrinhamento do sujeito e de seu sofrimento a partir de determinado campo de saber. Assim as equipes, de modo geral, não acolhem e não se responsabilizam pela demanda e encaminham para quem foi delegado o poder de cura. A institucionalização desse arranjo de trabalho com o psiquiatra da Unidade Integrada não deixa de ser um modo para que esses usuários sejam atendidos. Contudo, está produzindo cronicidades nas ações dos trabalhadores da ESF com a demanda saúde mental, ou seja, cronicidades no sentido de que esses trabalhadores não articulam ou planejam uma estratégia de cuidado territorial, fixado-se no modelo hospitalocêntrico e no especialismo para o trabalho com os usuários portadores de transtornos mentais. Como consequência, isso propicia a falta de vínculos e a responsabilização por esses usuários e seus sofrimentos.

É nesse sentido que articulamos os problemas indicados à institucionalização dos CAPS discutida por Barros (2003). Fazendo esse paralelo, no trabalho em saúde mental na ESF estão se processando cotidianamente cronicidade dos modos de gestão, dos dispositivos profissionais, com pouco comprometimento com os princípios da reforma psiquiátrica, e ainda, a cronicidade produzida pela falta ou pela fragilidade da rede de atenção em saúde e em saúde mental. Avançando um pouco mais, diríamos que a relação do órgão gestor com as equipes é da ordem da gestão dos dados, em detrimento da gestão de modos de cuidados. Ainda na esteira da discussão sobre cronicidade, observamos que as demandas em saúde e as que as equipes recebem, de modo geral, estão vinculadas aos programas do Ministério da Saúde e ofertados pela ESF. As propostas de intervenções observadas e de acordo com a opinião dos trabalhadores visam ao cumprimento desses programas instituídos, por exemplo, o cumprimento das indicações do programa de saúde da mulher, do hipertenso e diabético, dentre outros. Não obstante, outros tipos de demanda que escapam a esses programas, como é o caso dos usuários portadores de transtornos mentais, ficam sem um sistemático e eficaz cuidado, pois tanto o Ministério da Saúde quanto a Fundação Municipal de Saúde não delimitaram a obrigatoriedade de ações específicas para as equipes trabalharem com esses usuários.

Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 1994), a ESF deveria priorizar atividades voltadas ao trabalho com a vulnerabilidade dos grupos e com riscos populacionais, tendo como foco a coletividade que vive em determinado território ou convive em algumas organizações. Contudo, essa antiprodução entorno da segmentação do cuidado pelos programas instituídos é apontada e reconhecida pelos próprios trabalhadores, que indicam a existência de diversos casos de usuários portadores de transtornos mentais que utilizam de maneira indiscriminada medicamentos psicotrópicos em suas áreas; alguns trabalhadores ainda relataram que realizar atividades com os usuários portadores de transtornos mentais é um trabalho a mais e não vão ganhar mais por isso.

Diante dessas questões observamos que o trabalho em saúde na atenção básica junto aos portadores de transtornos mentais não tem conseguido produzir efeitos que fortaleçam os processos de desinstitucionalização, nem tampouco de produzir um aprimoramento do cuidado com a incorporação de novas tecnologias e sensibilidades. Como uma potente estratégia para modificação desses processos de trabalho, apostamos na Política Nacional de Humanização do SUS/PNH (Brasil, 2004a), que tem como uma de suas diretrizes a alteração dos modelos de atenção e de gestão das práticas de saúde, da relação entre usuários, destes com suas redes sociais, com os trabalhadores, bem como a criação de vínculos solidários. Propõe, ainda, um trabalho acolhedor, resolutivo e confortável, com valorização e promoção da autonomia e protagonismo dos diferentes sujeitos. Instiga o compromisso pela reivindicação de melhores condições de trabalho.

Sendo mais específicos, a PNH propõe a indissociabilidade entre atenção e gestão, a substituição dos modelos de assistências hierarquizados, fragmentados e calcados em uma perspectiva técnico-burocrático, por tecnologias de escuta, acolhimento/diálogo e negociação para que se possa produzir uma gestão do cuidado, para além da apenas gestão de dados, tal como observamos ocorrer em Teresina-PI.

Desse modo, podemos concluir a partir dessa rica experiência pelo território da atenção básica e saúde mental que o ponto crucial para a efetivação dessa proposta está na transformação dos processos de trabalhos em saúde que são desenvolvidos cotidianamente com os usuários portadores de transtorno mental, bem como do modo como vêm sendo conduzidas as políticas e a gestão em saúde no município, ou seja, o projeto de reforma psiquiátrica brasileira só terá êxito a partir do momento em que os coletivos de trabalhadores compreenderem e atuarem a partir da concepção que atenção em saúde e gestão, clínica e política são movimentos indissociáveis, inseparáveis, bem como entenderem que a produção de saúde implica na produção de sujeitos (Brasil, 2004a).

Por fim, o trabalho em saúde deve ser passagem para o inédito, para o novo, isto é, ser processo contínuo de gestação do novo como engendramento das diferenças/singularidades absolutas em qualquer realidade. Deveria ainda possibilitar a criação, encaminhando o trabalho para a produção de vida, de cuidados e cidadania, pois é no dia a dia que os trabalhadores e suas práticas são vivenciadas e reproduzidas.

Considerações Finais

Nossa pesquisa reitera a literatura do campo que aponta os inúmeros problemas vividos pelas equipes da ESF no país quando se trata da atenção em saúde mental. Essas equipes atendem cotidianamente uma demanda importante de transtornos mentais, sejam comuns e/ou graves, muitos dos quais ficam fora de seu âmbito de atenção porque essas equipes não sabem o que fazer diante dessa demanda. Além disso, são equipes que estão inseridas em áreas pobres, com poucos recursos sociais e comunitários, afetadas pela violência, pelo tráfico de drogas e pelo desemprego, indicando um cenário complexo de problemas. Os transtornos mentais aparecem nesse cenário associados à exclusão social histórica vivida por essas populações, à falta de uma rede de cuidados em saúde integrada, bem como à dissociação tradicional entre condições de vida e saúde, que marca de forma indiscutível a formação dos profissionais de saúde e as políticas públicas.

Nesse contexto, observamos entre os trabalhadores, desconforto, impotência, indiferença e muitas dúvidas sobre o que fazer com a demanda de saúde mental. Não há para essas equipes nenhuma orientação sobre que tipos de intervenções devem ser desenvolvidas para essas pessoas com necessidades múltiplas, vivendo situações de isolamento social, de abandono familiar e com baixo nível de adesão aos serviços de saúde. O trabalho cotidiano apresenta-se instituído, dentro dos padrões conhecidos e pouco inovador. Os processos de trabalho são esquadrinhados a partir de cada categoria profissional e o usuário não é compreendido a partir das problemáticas sociais do território onde vive.

Por parte da Fundação Municipal de Saúde, não observamos um estímulo à criação de espaços para reflexão e problematização acerca dos processos de trabalho desenvolvidos na USF. Além disso, os participantes deste estudo apontaram outras questões centrais na discussão atual da atenção básica e sua integração com as equipes de saúde mental: a falta de clareza acerca das atribuições da ESF em saúde mental, os limites da sua atuação nesse campo, o papel dos ACS como mediadores do processo, a necessidade de formação continuada para essas equipes, a redefinição da perspectiva de matriciamento que tem se mostrado pouco eficiente na implementação de práticas de cooperação entre as equipes desses dois níveis de atenção, bem como a proposta de implementação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família/NASFs no país.

Não basta inserir profissionais de saúde mental na atenção básica; não é suficiente planejar ações de supervisão às equipes da ESF. É preciso ter profissionais capacitados para detectar problemas de saúde mental em seu território e propor formas de intervenção adequadas, além de criar redes de cooperação e coordenação entre os dois níveis, com a participação dos trabalhadores e com mecanismos institucionais claros que articulem essas equipes cotidianamente em relação à organização do trabalho.

Recebido em: 13/08/2009

Reapresentado em: 14/05/2010

Aprovado em: 02/08/2010

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  • 1
    Esse trabalho é parte da Dissertação de Mestrado de Danilo Camuri, sob orientação de Magda Dimenstein defendida em 2009 e contou com o apoio financeiro da Capes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Revisado
      14 Maio 2010
    • Recebido
      13 Ago 2009
    • Aceito
      02 Ago 2010
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