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Metodologia de avaliação estratégica de processo de gestão ambiental municipal

A methodology for strategic assessment of municipal environmental management process

Resumos

Este artigo insere-se nos estudos de gestão ambiental municipal. Tem por objetivo elaborar e detalhar uma proposta de metodologia de avaliação de processo de gestão ambiental, avaliação estratégica contínua, aplicada a processos participativos. Trata-se de um registro de uma experiência realizada no município de Santo André (SP) que resultou em metodologia de avaliação. A finalidade desta experiência foi desenvolver um instrumento que favorecesse o feedback aos formuladores e tomadores de decisão sobre as suas políticas, propiciando um processo de melhoria contínua. Não obstante os avanços na formulação de políticas públicas ambientais, observa-se ainda lacunas nas práticas de monitoramento e avaliação de sua implementação, gerando obstáculos à efetivação de seus objetivos.

Gestão ambiental; Avaliação de políticas públicas; Indicadores


This paper, part of studies on environmental management, aims at elaborating in detail a proposal of strategic assessment methodology applied to participative processes. It registers an experience which happened in the city of Santo André - SP.. Its objective was to develop an instrument to favor feedback to policy and decision makers about their policies, promoting a process of continuous improvement. In spite of the advances in the formulation of environmental public policies, gaps can still be observed in the evaluation of their implementation, which hinders the completion of its objectives.

Environmental Management; Public Policies Assessment; Indicators


ARTIGOS

Metodologia de avaliação estratégica de processo de gestão ambiental municipal1 1 Os autores agredecem a FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o apoio recebido por meio do Edital PPP7. E à Alcoa Foundation pelo apoio financeiro.

A methodology for strategic assessment of municipal environmental management process

Valdir FernandesI; Tadeu Fabrício MalheirosII; Arlindo Philippi JrIII; Carlos Alberto Cioce SampaioIV

ICientista Social, Doutor em Engenharia Ambiental, Professor da FAE e da Universidade Positivo (UP), Endereço: Av. Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300. CEP 81280-330, Curitiba, PR, Brasil, E-mail: vfernandes@up.edu.br

IIEngenheiro Civil e Ambiental. Doutor em Saúde Pública. Professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, Endereço: Av. Trabalhador Sãocarlense, 400 CP 359, CEP 13566-590, São Carlos, SP, Brasil, E-mail: tmalheiros@usp.br

IIIEngenheiro Civil e Sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Professor Titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Pesquisador CNPq, Endereço: Av Dr Arnaldo 715, Cerqueira Cesar, CEP 01156 -000, São Paulo, SP, Brasil, E-mail: aphij@usp.br

IVAdministrador. Doutor em Engenharia de Produção. Professor do Departamento de Turismo e do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná. Pesquisador CNPq, Endereço: Rua Vereador Washington Mansur, 248 apt. 61 Ahú, CEP 80540-210, Curitiba, PR, Brasil, Email: carlos.cioce@gmail.com

RESUMO

Este artigo insere-se nos estudos de gestão ambiental municipal. Tem por objetivo elaborar e detalhar uma proposta de metodologia de avaliação de processo de gestão ambiental, avaliação estratégica contínua, aplicada a processos participativos. Trata-se de um registro de uma experiência realizada no município de Santo André (SP) que resultou em metodologia de avaliação. A finalidade desta experiência foi desenvolver um instrumento que favorecesse o feedback aos formuladores e tomadores de decisão sobre as suas políticas, propiciando um processo de melhoria contínua. Não obstante os avanços na formulação de políticas públicas ambientais, observa-se ainda lacunas nas práticas de monitoramento e avaliação de sua implementação, gerando obstáculos à efetivação de seus objetivos.

Palavras-chave: Gestão ambiental; Avaliação de políticas públicas; Indicadores.

ABSTRACT

This paper, part of studies on environmental management, aims at elaborating in detail a proposal of strategic assessment methodology applied to participative processes. It registers an experience which happened in the city of Santo André – SP.. Its objective was to develop an instrument to favor feedback to policy and decision makers about their policies, promoting a process of continuous improvement. In spite of the advances in the formulation of environmental public policies, gaps can still be observed in the evaluation of their implementation, which hinders the completion of its objectives.

Keywords: Environmental Management; Public Policies Assessment; Indicators.

Introdução

Atingir a sustentabilidade, tal como é entendida atualmente nas suas várias dimensões do desenvolvimento – ecológica, espacial, cultural, social e econômica – é, sobretudo, um desafio no âmbito dos municípios. A gestão municipal contempla um amplo conjunto de variáveis que tornam complexos os processos de tomada de decisão na gestão pública. Dentre estas variáveis, cresce a importância da pressão sobre os recursos naturais decorrente da concentração populacional e produtiva. A velocidade de produção de rejeitos e a força poluidora das atividades industriais, aliadas a práticas ambientais inadequadas de uso e ocupação do solo, ameaçam exceder a capacidade regenerativa e de suporte dos ecossistemas e evidenciam os desafios frente à questão ambiental. Cresce o consenso de que a problemática ambiental demanda políticas públicas específicas que considerem a sua complexidade e interconexões com outros problemas, sociais e econômicos.

Como resposta da sociedade, pode ser observado que o arcabouço legal na questão ambiental cresceu em países do mundo inteiro. Vários instrumentos de promoção de sustentabilidade do desenvolvimento frente ao fenômeno mudanças climáticas vêm sendo discutidos e há necessidade de colocá-los em prática. A participação social no processo de tomada de decisão, o respeito ao princípio da precaução, a transparência do sistema de gestão, investimentos em ciência e tecnologia, proporcionalidade adequada entre as dimensões da sustentabilidade, são algumas das mudanças que o paradigma da sustentabilidade propõe.

No Brasil, destaca-se a Política Nacional de Meio Ambiente (1981), com a criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, com proposta de integração dos sistemas nos âmbitos federal, estadual e municipal; a Lei de Interesses Difusos (1985), que disciplina a Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos Causados ao Meio Ambiente, ao Consumidor, a Bens e Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico, Turístico; a Constituição Federal (1988), que traz de forma clara o princípio do desenvolvimento sustentável em seu artigo 225; a Política Nacional de Recursos Hídricos (1997), que evidencia a água como um recurso limitado e de valor econômico; a Lei de Crimes Ambientais (1998) dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, portanto, consolidando a questão processual relativa aos danos ambientais; a Política Nacional de Educação Ambiental (1999), insere a questão da educação ambiental como um componente estratégico na construção de modelo de desenvolvimento mais justo do ponto de vista socioambiental; o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000), reforçando a importância do zoneamento ambiental e da manutenção de áreas de interesse ecológico. Finalmente, a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (2001), no contexto de um país com mais de 80% da população vivendo em áreas urbanas, e a Política Nacional de Saneamento Básico (2007), que consolida a proposta de universalização e integração das ações de promoção dos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem urbana, e mais recentemente a revisão do Código Florestal.

Entretanto, o entrelaçamento entre a política ambiental e as outras diversas políticas faz com que a questão ambiental ao mesmo tempo ganhe e perca espaço no processo de tomada de decisão. Ganha espaço porque sofre influência de praticamente todas as atividades socioeconômicas e sendo assim é critério fundamental de tomada de decisão; perde porque é complexa e de difícil resolução e por isso frequentemente não tem foco único – não se trata de um problema ambiental, mas de um universo de problemas – e é relegada ao segundo plano, principalmente no paradigma atual, cuja primazia é do desenvolvimento entendido como crescimento econômico. A política ambiental num primeiro momento conflita com outras políticas de desenvolvimento, tais como urbanas, de energias, agrícolas, caracterizando-a, num entendimento limitado, como impeditivo ao desenvolvimento almejado. De acordo com Fernandes e Sant'Anna (2007), montou-se um considerável aparato legal e institucional ambiental, mas não foram dadas as condições para que ele operasse com resultados efetivos, permanecendo assim uma espécie de inércia institucional. Criou-se o jargão de que no Brasil se avançou nas políticas ambientais, inclusive sendo indicado como referência no conjunto de legislação ambiental, entretanto omisso na sua aplicação.

Portanto, para serem colocados em prática os princípios e instrumentos trazidos por este amplo conjunto de políticas públicas, nos diversos âmbitos de governo, bem como sua atualização e ampliação, é preciso um processo coordenado e contínuo. Tal processo é característica das metodologias que podem ser vistas como um processo pedagógico que articula os diferentes setores governamentais e não governamentais, integra esforços e soma os aprendizados, que compatibiliza a capacidade suporte dos ecossistemas e a demanda de recursos ambientais e financeiros. Isto é, tendo como objetivo um desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente correto e economicamente viável, como estabelecido pelo Relatório Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1991).

Não obstante os avanços na formulação de políticas públicas ambientais, observa-se ainda lacunas nas práticas de monitoramento e avaliação da implementação destas políticas, e isto gera obstáculos à efetivação de seus objetivos. Conforme Dalal Clayton e Bass (2002), as ações de monitoramento e avaliação devem acompanhar sistematicamente variáveis-chave e o processo ao longo do tempo e espaço, bem como observar como elas mudam com o impacto do conjunto de ações da gestão empreendida.

Quando Sampaio (2000) faz analogia entre planejamento e políticas públicas, ambas podem ser enquadradas em três etapas, nas quais compreendem elaboração, implantação e avaliação. De um modo geral, a etapa de elaboração é aquela que diagnóstica os problemas a serem enfrentados; a etapa de implantação é a que sugere ações regulamentadoras; e a etapa de avaliação é a que monitora a aplicação dessas ações. No entanto, como aponta o autor, os problemas não são difíceis de serem diagnosticados; as ações de regulamentação não são fáceis de serem aplicadas; é muito difícil garantir o monitoramento dessas ações.

Não se nega os avanços na formulação de políticas públicas ambientais, no entanto se observa ainda lacunas nas práticas de monitoramento e avaliação da implementação destas políticas, gerando obstáculos à efetivação de seus objetivos.

Neste contexto, este artigo visa elaborar e detalhar uma proposta de metodologia de avaliação de processo de gestão ambiental, avaliação estratégica contínua, aplicada a processos participativos promovidos na esfera municipal. Trata-se de resultado de pesquisa de âmbito municipal cuja finalidade foi desenvolver um instrumento de feedback aos formuladores e tomadores de decisão sobre as suas políticas, propiciando processo de melhoria contínua.

Bases Contextuais da Avaliação Estratégica Ambiental em Âmbito Municipal

Para avaliar estrategiamente as políticas públicas ambientais, parte-se das seguintes questões: a) qual o estilo de desenvolvimento que se quer, considerando proteção e conservação ambiental, saúde humana, desenvolvimento social e econômico (sustentabilidade)? b) quem planeja, promove e controla o desenvolvimento e os seus efeitos sociais e ambientais (aparato estatal e legal apoiado em arranjos institucionais)? c) como determinar e monitorar esse nível de desenvolvimento (quais indicadores)? d) como favorecer a continuidade das políticas públicas, principalmente considerando a descontinuidade política no Brasil?

As respostas a essas questões envolvem os conflitos e interesses políticos, econômicos e sociais que decorrem da problemática ambiental e do próprio processo político. No que se refere à sustentabilidade, questão (a), seguindo o modelo da Agenda 21 (CPDS, 2007) e a formulação de Sachs (1993), ela pode ser expressa em cinco dimensões: ecológica, espacial, cultural, social e econômica. Ou seja, ao planejar o desenvolvimento em parâmetros sustentáveis é necessário considerar simultaneamente essas cinco dimensões de sustentabilidade.

A primeira, ecológica, refere-se à conservação da natureza (dos ecossistemas), levando em conta seus elementos biológicos e físico-químicos. A segunda, espacial, considera a ocupação planejada do espaço, respeitando os limites impostos pelo sistema ecológico na construção da territorialidade, isto é, se associa à ideia de integração de uma área efetivamente ocupada pela população, pela economia, a produção, o comércio, os transportes, a fiscalização, onde se dão as relações (Haesbaert, 2002). A terceira, cultural, consiste em garantir o respeito às tradições culturais, evitando preconceitos e, principalmente valorizando as culturas ditas "não modernas", como as comunidades tradicionais. A quarta, social, diz respeito ao equilíbrio social em termos econômicos e políticos. Ou seja, garantir os processos democráticos e diminuir as diferenças socioeconômicas. Por fim, a quinta, econômica, significa garantir a viabilidade econômica do desenvolvimento, no sentido de construir um modelo produtivo viável não dilapidador dos recursos naturais e não degradador do equilíbrio sociocultural.

A formulação de políticas e a gestão das ações por elas determinadas que visam determinado estilo de desenvolvimento é antes de tudo uma opção política que pode variar conforme o grau de informação e capacidade técnica disponível para a tomada de decisão. Portanto, depende da formulação de alternativas que se baseiam em processos continuados de avaliação de políticas.

Depende também do conjunto de forças envolvidas no processo, questão (b). É importante mencionar que, acompanhando as demandas por políticas específicas que deem sustentação aos processos de tomada de decisão e diretrizes aos processos de gestão que visam a sustentabilidade, observa-se uma visível ampliação do número de atores sociais envolvidos na gestão pública. Essa ampliação coloca em evidência o tema "governança", como forma de gestão compartilhada e democrática, de responsabilidade não só dos governos, mas também de todas as organizações que configuram a territorialidade. Governança é um processo e conjunto de mecanismos que facilitam a participação da sociedade nos processos de tomada de decisão na gestão pública e social (Williamson, 1985).

Desde a emergência da questão ambiental, cresce uma corrente de formadores de opinião que enfatizam e insistem no caráter interdependente do mix de problemas socioambientais, deixando claro que o desafio crucial está em compreender que a sua complexidade não se restringe à destruição da natureza e dos seus ecossistemas (Vieira, 2001). Além disso, como destaca Frey (2000), o surgimento de novos atores políticos ligados à sociedade civil confere maior complexidade e importância aos arranjos institucionais, redefinindo os próprios processos políticos relativos às questões ambientais e suas consequências na saúde pública em todos os níveis da ação estatal. Esses processos perpassam instituições e atores, refletindo constelações específicas de interesses (Fernandes e Sant'Anna, 2007).

Nesta perspectiva, Sachs (2003) defende que as políticas estatais sejam capazes de organizar a governança no seu significado democrático, com espaço de discussão para todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento, conferindo importância não só às políticas, mas aos processos dos quais elas se originam. Ou seja, são fundamentais as parcerias entre instituições públicas e privadas capazes de gerar arranjos institucionais e produtivos – formas de organização e de redes horizontais de cooperação geradoras de políticas públicas flexíveis – para que seja possível a adequação às especificidades. O objetivo desse processo deve ser a inserção da dimensão ambiental na tomada de decisão local, considerando a realidade e potencialidade de cada região e os princípios do desenvolvimento sustentável.

Um exemplo importante de arranjo, motivado pela natureza e complexidade dos problemas ambientais, é a Agenda 21, em todos os níveis – local, estadual e nacional. Ela é um arranjo que a partir da conciliação de interesses diversos visa construir uma agenda política. Como consta do próprio documento da Agenda 21 Brasileira, mais que um documento, ela constitui um processo de planejamento participativo na busca, a partir da análise ambiental do espaço-tempo, estadual, regional e/ou municipal, de um futuro sustentável. Esse processo de planejamento deve envolver todos os atores e esferas sociais na discussão dos principais problemas e na formação de parcerias e compromissos para (a curto, médio e longo prazo) a solução dos problemas eleitos mais importantes. A análise e o encaminhamento das propostas para o futuro devem ser feitas dentro de uma abordagem integrada e sistêmica das dimensões econômica, social, ambiental e político-institucional. Em outras palavras, o esforço de planejar o futuro, com base nos princípios da Agenda 21, deve ser caracterizado pelos compromissos pactuados entre estes atores para garantir a sustentabilidade também dos resultados (CPDS, 2000).

Como consta na Agenda 21, ela não é apenas uma "Agenda Ambiental", mas uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável, na qual, evidentemente, o meio ambiente é um dos pilares do desenvolvimento, ao lado das demandas sociais e econômicas. O enfoque desse processo de planejamento, portanto, não está restrito às questões ligadas à conservação da natureza; ele está em uma proposta que rompe com o planejamento dominante nas últimas décadas, sob primazia do enfoque econômico. Representa o anseio de traduzir em ações o conceito de desenvolvimento sustentável e considera, dentre outras questões, aquelas estratégicas ligadas à geração de emprego e de renda; à diminuição das disparidades regionais e interpessoais; às mudanças nos padrões de produção e consumo; à construção de cidades sustentáveis e saudáveis; à adoção de novos modelos e instrumentos de gestão.

A Agenda 21 coloca nos Governos a prerrogativa e a responsabilidade de deslanchar e facilitar o processo de implementação em todas as escalas, municipais, estaduais, nacionais. Além dos Governos, a convocação da Agenda visa mobilizar todos os segmentos da sociedade, chamando-os de "atores relevantes" e "parceiros do desenvolvimento sustentável". Essa concepção processual e gradativa da validação do conceito implica assumir que os princípios e as premissas que devem orientar a implementação da Agenda 21 não constituem um rol completo e acabado: torná-la realidade é antes de tudo um processo social no qual os atores pactuam paulatinamente novos consensos, visando uma Agenda possível rumo ao futuro sustentável que se deseja. A Agenda 21, pelo processo que representa, trás à tona ainda a sustentabilidade política por meio da democratização do processo de tomada de decisão, com base nos pactos que proporcionam arranjos e questões estratégicas negociadas que devem servir de base para a formulação de políticas públicas.

Dentre estas alternativas, quando se pensa em sustentabilidade, os indicadores, questão (c), têm o objetivo de fornecer subsídios para a formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Os indicadores são referências de relevância regional, nacional e internacional, bem como de interesse de agentes públicos e privados. Conforme Meadows (1998), os indicadores são representativos de valores ao mesmo tempo que os ensejam. Isto é, surgem de valores ao mesmo tempo em que criam valores. O desenvolvimento de indicadores, assim como de processos de monitoramento e avaliação de políticas públicas neles apoiadas, consiste em oferecer ao conceito de sustentabilidade um significado prático e funcional, como representativo do seu avanço ou retrocesso.

É de fundamental importância, portanto, a construção de um elenco de indicadores para cada uma das cinco dimensões de sustentabilidade e a sua utilização num sistema de informação, viabilizando-os como instrumento de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Este conjunto de indicadores, para que se torne efetivo, também deve incorporar um processo participativo e dinâmico, criando familiaridade com os usuários potenciais.

Torna-se importante também, questão (d), avaliar as potencialidades político-pedagógicas dessas informações, no sentido de integrá-las e internalizá-las ao processo de decisão, resgatando assim o seu caráter complexo e o seu significado qualitativo. O desafio da atualidade está em compreender a complexidade embutida na dinâmica dos sistemas socioambientais e a sua articulação com o meio ambiente também no sentido qualitativo.

De acordo com Leff (2001, p. 109), essa compreensão implica "captar a multicausalidade e as relações de interdependência dos processos de ordem natural e social que determinam as mudanças socioambientais", restabelecendo a conexão entre o social e o natural. A intermediação deste processo referenciado e gerador de políticas públicas significa atribuir às ações do Estado, por meio de suas instituições (municipais, estaduais ou federais), a função de solucionar ou administrar os problemas socioambientais, equilibrando as correlações de forças existentes na sociedade, apoiadas em um sistema de informação, monitoramento e avaliação das políticas.

Entretanto, entre avanços e lacunas, o desenvolvimento nos moldes propostos pela Agenda 21 e por Sachs (1993) exige alternativas que consigam operacionalizar os princípios da boa governança. Como já diagnosticado pela literatura (explorada em outros textos desta mesma edição pelos próprios autores), a lacuna persiste nas práticas de monitoramento e avaliação dos processos de implantação de políticas públicas, principalmente quanto aos processos de caráter participativo. Consequentemente, gera obstáculos que dificultam o estabelecimento de mecanismos de ajuste das políticas e do próprio processo.

A efetividade do processo de planejamento e a construção da sustentabilidade têm relação direta com o grau de compromisso dos governos nos diversos âmbitos, nos planos vertical e horizontal, e das lideranças dos setores empresariais e da sociedade civil. A organização das partes interessadas em formato de parceria pode criar condições de sinergismo para que se alcancem resultados palpáveis e duradouros.

Um colegiado de representações efetivas do governo e da sociedade civil pode coordenar a aplicação dos mecanismos e processos que permitam aprendizado e melhoria contínua, uma vez que um dos pontos-chave do sucesso inclui viabilizar uma estrutura adaptativa que incorpore mecanismos exitosos e que perdure nas mudanças de gestão governamental.

No contexto da administração municipal, a gestão ambiental viabiliza a implementação de ações adequadas aos objetivos da política ambiental estabelecida. Philippi Jr e Malheiros (2007) propõem que a gestão ambiental local deve ser entendida como um processo político-administrativo que tem como atores centrais o governo, sociedade civil e empresarial, e tem como objetivo a inserção da dimensão ambiental no processo de tomada de decisão. Assim, estes autores entendem que um sistema de gestão ambiental representa o conjunto de recursos e procedimentos necessários para viabilizar o processo de gestão local, tendo como componentes as ações de mobilização e estruturação social, para inclusão da sociedade no processo decisório, como exercício de cidadania. Inclui também ações de caracterização ambiental para conhecimento do potencial e capacidade suporte dos ecossistemas.

A gestão ambiental dispõe de diversos instrumentos adequados à obtenção de um desenvolvimento com sustentabilidade, que devem contemplar as bases de uma política ambiental local e compreendem: instrumentos de comando e controle, econômicos, participativos, de informação e educação, de planejamento e de fortalecimento institucional. O próprio Fundo Municipal de Meio Ambiente também pode ser considerado um instrumento. Deve-se também trabalhar na inserção da dimensão ambiental nos diversos instrumentos de planejamento do Município, como o Plano Plurianual, Plano Diretor, Zoneamento Ambiental, Código de Posturas, Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, entre outros. Também deve ser operacionalizada a política ambiental no âmbito do planejamento orçamentário, em especial, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei de Orçamento Anual.

Assim, avaliar a gestão ambiental compreende realizar análise sistêmica sobre a evolução do processo no tempo e espaço. Pode ser prospectiva e antecipar a ação, ou concomitante ao próprio processo de estabelecimento de políticas, acompanhando a ação, ou ainda pode ocorrer após, realizada pelos próprios atores (autoavaliação) ou por atores externos ao desenvolvimento das ações analisadas.

Mousinho (2001) destaca em sua pesquisa a importância da promoção de uma cultura de avaliação de políticas, planos, programas e projetos na área governamental e não governamental como forma de ajuste da trajetória planejada rumo ao desenvolvimento sustentável; isto não deve ser entendido como um sistema de ação punitiva, mas de orientação na tomada de decisão.

Uma adequada estratégia de comunicação socioambiental apoiada em indicadores de sustentabilidade cria pontes por meio das quais os anseios da sociedade podem ser captados em tempo que se evite desgaste e desânimo dos grupos. Além disso, ela permite que governo e lideranças possam apresentar resultados, possibilitando então reforçar os termos de um processo em parceria e de manutenção da confiança construída.

Neste contexto, o processo de desenvolvimento municipal depende da criação de sistemas adaptativos à própria dinâmica atual das cidades; do balanceamento das prioridades sociais, ambientais e econômicas; da ampliação da gestão participativa; do investimento em capacitação de recursos humanos para gestão da sustentabilidade local.

Registro de uma Experiência que Resulta em Metodologia de Avaliação

As discussões aqui sintetizadas são parte de projeto coletivo envolvendo diversos pesquisadores, financiado pela FAPESP e ALCOA Foundation. Envolveu pesquisas sobre percepção social, atuação dos conselhos municipais, avaliação de políticas públicas, governança. A ideia central aqui colocada consiste, então, no desenvolvimento de metodologia de auto-avaliação contínua da gestão ambiental local (MEGA) como alternativa técnica (tecnologia social2 2 Entende-se por Tecnologia Social produtos, técnicas ou metodologias desenvolvidas com interação da comunidade visando solucionar problemas desta mesma comunidade (DAGNINO, R., BRANDÃO, F. C., NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual de tecnologias sociais. IN: INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL. Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004.) ), entendendo que a construção do Desenvolvimento Sustentável deve estar apoiada em processo coletivo de aprendizagem, uma vez que este potencializa a capacidade de mudança de paradigma no que se relaciona ao que pode e deve ser feito (objetivos) e como (meios e métodos). Na prática, é um processo contínuo de negociação, no entanto está apoiado em visão de sustentabilidade, em um sistema de informações condizente, e, obrigatoriamente, em um arranjo participativo.

Este enfoque é inovador na proposição metodológica de autoavaliação do sistema municipal de gestão ambiental, seguindo princípios de transparência do processo, de acessibilidade de atores e paridade nos processos decisórios, de incentivo à representatividade das lideranças, visão de futuro e contexto de sustentabilidade como base das decisões.

A partir da análise estratégica do processo de formulação e implementação das políticas públicas ambientais do Município de Santo André – SP e do consequente desenvolvimento de uma metodologia de avaliação e monitoramento de políticas públicas, espera-se colaborar para suprir as lacunas existentes na formulação e avaliação de políticas públicas municipais. Nesse sentido, este estudo se caracteriza como teórico-metodológico e aplicado em função do tipo de condução epistemológica e metodológica. A pesquisa que foi desenvolvida é predominantemente qualitativa e prospectiva. A primeira etapa foi o resgate de estudos teóricos sobre gestão ambiental, políticas públicas, gestão estratégica e gestão organizacional, surgidas da própria prática com planejamento e gestão destes autores. A segunda etapa consistiu na formulação de um modelo de análise, considerando o que Roesch (1996) denomina de avaliação formativa e que tem como propósito melhorar ou aperfeiçoar sistemas ou processos.

Os dados primários surgiram de observação direta, sistemática e assistemática, principalmente durante as oficinas do projeto MEGA - Metodologia de Avaliação Estratégica de Processo Formulação de Políticas Públicas no Município de Santo André – SP, e de entrevistas semiestruturadas, gravadas, feitas pelos pesquisadores do projeto junto aos agentes do poder público municipal e da sociedade civil, membros dos conselhos municipais. Estas entrevistas consideraram o contexto social, político e ambiental municipal e buscaram compreender o processo participativo de formulação das políticas públicas ambientais no Município de Santo André-SP, a partir dos atores diretamente ligados à gestão pública e também a partir da percepção da sociedade civil sobre a política e a gestão ambiental municipal.

Além disso, foram utilizados dados de revisão bibliográfica e documental, assim como a experiência dos autores, proveniente da atuação em processos de gestão, planejamento e formulação de políticas. Os dados secundários, tais como relatos de outros pesquisadores e relatórios de pesquisa sobre o tema, complementaram as informações para esta formulação.

A Figura 2 é representativa do processo de construção da pesquisa em relação ao seu objeto que é a gestão ambiental municipal, mais especificamente a formulação e implementação de políticas ambientais.


A primeira etapa (Figura 2) – coleta de dados – se deu por meio de entrevistas e oficinas, e buscou compreender o caminho percorrido por uma política, desde os problemas que motivaram a sua formulação, passando pelos espaços de discussão e embates políticos até a sua formulação final, implementação e análise de efetividade em alguns casos.

A segunda etapa (Figura 2) – sistematização dos dados – foi composta de três níveis de acesso e construção do conhecimento: dados brutos, dimensões da realidade e conceitos (Quivy e Campenhoudt, 2008). O agrupamento dos dados brutos retrata o fenômeno estudado; as dimensões são a taxonomia que agrupa e qualifica o fenômeno, classificando-o, dando-lhe qualidades e características e transformando-o em categorias (exemplo: transparência e participação). A caracterização das dimensões de realidade é resultante do agrupamento das principais características (maior frequência nos discursos, seja nas entrevistas, seja nas oficinas); e os conceitos são as referências para a análise, o Benchmark, com destaque para as dimensões de sustentabilidade e para os princípios estabelecidos pela Agenda 21. Os conceitos são ainda a abstração do fenômeno e a sua transformação em conhecimento científico e, consequentemente, nos indicadores finais ou referências que ratificam os conceitos anteriormente utilizados ou os reformulam.

A terceira etapa (Figura 2) complementou a segunda, e é denominada análise estratégica, utilizando-se da matriz SWOT (Figura 3).


A matriz SWOT comporta os quatro vetores da estratégia, a saber: pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças. Esta etapa funcionou como modelo de análise a partir do qual se pode evidenciar em cada dimensão da realidade, ou no processo como um todo, méritos e fraquezas, assim como a influência positiva ou negativa exercida pelo contexto no qual está inserido o processo de formulação das políticas.

A quarta etapa (Figura 2) inclui atividades em um processo contínuo de avaliação, que está detalhado na seção 5 deste artigo. Sumariamente, este processo é composto pelas etapas de Tomada de Decisão, Planejamento e Implementação, Monitoramento e Avaliação. A tomada de decisão deve sintetizar todo o processo de avaliação. É a etapa que conclui o processo de formulação e inicia o processo de implementação. Ela é também o momento crucial de todo o processo no qual os tomadores de decisão ratificam ou não o processo. É o momento mais delicado, em que entram em cena atores que muitas vezes se abstiveram de participar do processo nas etapas anteriores para defender seus interesses, mas que agora, por meio de mecanismos diversificados como o lobby, por exemplo, exercem pressão sobre os tomadores de decisão. Esta etapa coloca em xeque também a unidade da proposta de política, e o seu processo de formulação, uma vez que depende da pressão dos seus formuladores e defensores para que seja ratificada. É importante ressaltar que para qualquer processo de tomada de decisão e de gestão ser bem sucedido, deve-se partir de um planejamento, que é peça-chave no contexto da gestão ambiental.

A implementação é resultado direto da tomada de decisão e da disponibilidade de recursos e adequações necessárias. Sem a tomada de decisão não haverá a implementação da política formulada, como não haverá também, se não for previsto em planos e programas, o conjunto de recursos que dará sustentação aos projetos constituídos das ações necessárias. São condições para a etapa de implementação o estabelecimento de objetivos e metas, a formação de uma equipe e a estimativa e previsão de volume de recursos destinados, assim como definição de responsabilidade e prazos para sua divulgação e implantação. Estas condições devem ser atendidas, sabendo que a população e seus setores mais afetados e interessados terão que conhecer e reconhecer, e conforme o caso, se adaptar às novas diretrizes estabelecidas. Estes pressupostos da implementação são também pressupostos para os dois níveis seguintes, compostos das etapas de monitoramento e avaliação.

Para o adequado desempenho, é importante que o passo anterior, a implementação, tenha sido algo formalizado, com a definição de equipes, recursos, metas e prazos. O monitoramento depende de soluções técnicas que permitam a recolha e análise constantes de informações, visando acompanhar e avaliar a implementação, sua eficácia, eficiência e efetividade. Busca-se detectar os riscos e oportunidades do contexto externo (que exercem influência sobre a política ou que são influenciados por ela), bem como as falhas e méritos do próprio processo de formulação e implementação (ambiente interno da política) – por exemplo, a política brasileira de biodiesel exerce e sofre influência do contexto global e das políticas de outros países. Ao mesmo tempo, possui muitos méritos (pontos fortes) e deficiências (pontos fracos) na sua implementação. A diferença importante é que sobre os pontos fortes e fracos o Brasil pode ter governança reforçando uns e corrigindo outros, enquanto que sobre o ambiente externo (oportunidades e ameaças) essa governança não existe e restringe-se apenas à capacidade de exercer influência.

A importância dos quatro vetores que compõem a matriz SWOT e a análise estratégica são fundamentais para a avaliação, pois a análise constitui etapa transversal, como pode ser observado na Figura 4. A avaliação qualitativa depende da análise estratégica, associada aos parâmetros teóricos estabelecidos, referência explicativa da nota atribuída (forte, fraco, oportunidade, ameaça). Em termos quantitativos, a avaliação deve estar baseada nas próprias metas definidas, bem como nos critérios de eficiência, eficácia e efetividade. Cabe lembrar que a eficiência refere-se ao processo, enquanto que a eficácia é o seu produto. A efetividade, por sua vez, é o grau de impacto, aceitação e utilidade do produto. De nada resolve ter um processo eficiente com resultados eficazes se o produto final não trouxer beneficio àqueles aos quais é destinado. Em se tratando de políticas públicas, os processos participativos buscam garantir esta efetividade, uma vez que passam a ter a participação dos interessados, mesmo que reconhecidamente processos participativos percam eficiência e eficácia, principalmente por se delongarem muitas vezes além do necessário (Sampaio e col., 2011).


A síntese dos resultados obtidos nas várias pesquisas que compuseram o projeto MEGA em Santo André evidencia o grande desafio que ainda persiste: incorporar na gestão pública um processo de melhoria contínua, cuja unidade de gestão em âmbito municipal, e em outros âmbitos, seja o projeto do município, aquele definido pela sua Vocação e pela Visão de Futuro que a sociedade deseja. Não apenas um projeto de governo, que sofre mudanças em menor ou maior grau a cada legislatura.

Cabe mencionar, porém que a avaliação, como parte essencial de um processo de melhoria contínua, não é um procedimento facilmente aceito e incorporado na gestão pública como natural, mas ao contrário, há ainda falta de transparência, sustentada pela insuficiência de informação e regras não claras, o que mantém a população interessada alienada do processo de tomada de decisão.

Este cenário pode ser confirmado no município de Santo André – SP, campo empírico objeto do Projeto MEGA já anteriormente referenciado. Neste município foi construída a Agenda 21 e o Plano Diretor, além de um amplo conjunto de Leis que incidem sobre a região, que é área de proteção de mananciais e inclusive tem remanescentes importantes de Floresta de Mata Atlântica que ocupam 54% do território municipal. ; Há certa integração entre secretarias e instituições municipais com planos estruturantes, e houve também a ampliação de espaços participativos de tomada de decisão, como conselhos municipais, que conferem ao município um potencial de participação. No entanto, permanecem ainda questões como baixa disseminação e consolidação do projeto municipal; insuficiente integração entre governo e sociedade civil, que expressam visões contrárias; a comunicação é deficiente; não há um sistema de informação estruturado, nem canais de comunicação efetivos. Os espaços de participação no processo de tomada de decisão são restritos e observou-se baixa efetividade de alguns conselhos municipais.

Análise Estratégica Aplicada à Gestão Municipal

Um processo de gestão, seja ele governamental ou privado, municipal ou de outro âmbito, deve ter como ponto de partida, a missão da organização, do Município, do Estado ou do País. A missão expressa a vocação da organização ou território, dado determinado contexto, ou seja, o que ela pode ser na prática, quais são suas condições objetivas. No caso de um município, por exemplo, cuja vocação seja industrial, este terá que montar seu planejamento e processo de gestão baseado nesta vocação, de forma a explorá-la da melhor maneira possível para que resulte em duradoura qualidade de vida da sua população. Da mesma forma se a vocação for turística, comercial, ecológica etc.

Mas é importante que a vocação de um município não seja utilizada somente para o momento presente, numa visão de curto prazo, por isso é fundamental que seja definida também a sua Visão de Futuro: o que queremos para nossos filhos e netos daqui a 10, 20, 50, n anos. O intervalo entre a Missão, como vocação presente, e a Visão, como futuro, determina o esforço de planejamento e gestão que há de requerer o processo, pois objetivamente significa definir como serão gerenciados os recursos existentes, as potencialidades, as limitações em determinado período de tempo. Ou seja, a partir de que referência o futuro será construído. Nesse sentido, no âmbito municipal e considerando a questão ambiental, é de fundamental importância a participação da sociedade civil na definição da Visão de Futuro do município, como forma de que não seja apenas a Visão de um governo, que acaba limitada pela descontinuidade política. A Visão de Futuro de um município deve ser a Visão da sociedade que ali vive, incorporando também o entorno no qual se insere, transcendendo assim o curto prazo imposto pelo planejamento de governos partidários e descontínuos. Também se deve superar as visões nas quais o desenvolvimento seja baseado apenas no aumento do PIB, sem considerar o atendimento das necessidades da população e das condições ambientais que no longo prazo se traduzem em perda da qualidade de vida. Ela é a formalização do projeto para o município levando em conta sua vocação.

Nesse sentido, a exploração da Vocação do município com vistas a atingir a Visão de Futuro estabelecida só ocorre se houver Arranjos Institucionais que a tornem possível, considerando a territorialidade municipal e as influências sofridas e exercidas. Ou seja, arranjos entre os setores da sociedade, mercado, sociedade civil, agentes governamentais municipais, e também com instituições estaduais e federais. Ainda há que considerar, quando se deseja privilegiar a vocação econômica, os arranjos produtivos locais. Além dos Arranjos, há que se considerar o Mandado municipal, que nesse caso, significa o conjunto de leis que incidem na territorialidade do município. O Mandado é elemento fundamental, tanto na execução da Vocação do município, como também na definição da Visão de Futuro. O mandato muitas vezes é definidor da Vocação do município e consequentemente da sua Visão de Futuro. Por exemplo, se o município estiver numa região de mananciais ou interesse ecológico, o Mandato imporá inúmeras restrições a projetos industriais e de densidade urbana. Portanto, a Vocação deste município não pode ser um parque industrial.

Torna-se fundamental, assim, a existência de um sistema de informações, sustentado num Sistema de Indicadores para gestão ambiental municipal, cuja função inicial é fornecer as bases sobre a Vocação do município e o planejamento de sua Visão de Futuro, a partir de um determinado referencial, dos Arranjos Institucionais e do Mandato. O sistema de informações deve ser continuamente atualizado e confrontado com os indicadores, num processo de análise estratégica e avaliação contínua.

Merece destaque no processo de avaliação a análise estratégica, que tem importante função, tanto na capacitação estratégica formando o pensamento estratégico, tal como sugere Mintzberg (1994), da comissão das partes interessadas, assim como instrumento de análise que contribui para extrair, sistematizar e potencializar o conhecimento acerca do processo de formulação de políticas públicas ambientais. Enquanto parte de uma metodologia de avaliação, a partir dos quatro vetores da estratégia representados na matriz SWOT, a avaliação estratégica permite captar o conhecimento empírico retido pelos atores do processo, revelando não só os problemas como também as próprias soluções. Trata-se de buscar o conhecimento detido pelos atores que o constroem a partir da percepção particular de sua realidade, trazendo à tona aspectos e peculiaridades muitas vezes inacessíveis aos pesquisadores ou consultores externos. Ao mesmo tempo, espera-se, a partir da valorização desses atores e do resgate da sua identidade, fomentar um novo tipo de cidadania baseada na participação engajada (Fernandes e Sampaio, 2006).

Tanto a análise estratégica, como a avaliação da qual ela é parte, devem estar fundamentadas nos pressupostos de participação e conhecimento local, entendidos aqui como princípios de gestão social, e alternativa democrática de engajamento dos stakeholders na tomada de decisão na gestão municipal.

Proposição Metodológica de Avaliação Estratégica Aplicada a Processos Participativos de Gestão Ambiental Municipal

É importante mencionar que a avaliação de processos de formulação e implementação de políticas públicas ambientais, principalmente aplicada a processos participativos, não se trata de avaliação de desempenho com base no cumprimento ou não das metas.

Este processo depende de um conjunto de condições que no caso da política ambiental, pela sua transversalidade e complexidade agrega novas condições. A decisão política é a primeira e condição deflagradora ou não de uma política, evidenciando o comprometimento do tomador de decisão. Mas a decisão política é dependente das condições institucionais e legais, que se configuram como segunda condição. Ela deve estar amparada pela lei e pelas condições institucionais, que são a garantia de sua implementação. Portanto, depende de amarrações políticas, existência ou criação de estruturas necessárias, bem como da sensibilização de funcionários envolvidos na gestão municipal, em relação à importância da política em questão para a sociedade. A terceira condição para a implementação de uma política são os recursos financeiros, como forma de garantir os recursos humanos e técnicos. Em se tratando de política ambiental existem ainda outros condicionantes, como a integração com outras políticas para evitar o desperdício de recursos e o próprio choque entre políticas. Além disso, nos anos recentes a literatura vem considerando quase um axioma a participação social em questões que envolvem gestão ambiental municipal, principalmente como antídoto à descontinuidade política, embora a participação organizada com resultados efetivos seja ainda um grande desafio a ser vencido.

A execução de uma política depende também do planejamento e da sua transformação em planos, programas, projetos e atividades, nos quais sejam expressas as prioridades definidas. Essas prioridades devem ser organizadas na forma de uma agenda coerente na qual estejam definidos os impactos esperados, as responsabilidades, o cronograma e a metodologia (o que, por que, quando, onde, e principalmente como será feito), considerando os recursos financeiros, técnicos e humanos, bem como demais instrumentos e ferramentas a serem utilizados.

Em termos técnicos, a avaliação da formulação e implementação de políticas ambientais em âmbito municipal consiste num conjunto de procedimentos que permitem avaliar o andamento do processo e seus resultados práticos e políticos, garantidas as condições acima explicitadas, que podem ser consideradas, além de indeléveis, também parâmetros para a avaliação.

A figura 5 é representativa deste conjunto de condições e procedimentos que configuram o processo de avaliação estratégica aplicada ao processo de gestão ambiental municipal. Não se trata de um processo estanque, mas integrado com as demais etapas acima apresentadas e que gradativamente devem ser incorporadas na gestão municipal, como parte de sua dinâmica.


O primeiro destes procedimentos é a formação de uma COMISSÃO MULTI-STAKEHOLDER – com diversidade de partes interessadas – responsável por conduzir o processo de avaliação. Esta comissão deve ser composta por membros do governo e sociedade civil. O passo seguinte é estabelecer uma metodologia de trabalho essencialmente interdisciplinar, considerando a característica complexa e multidisciplinar da gestão ambiental. Um domínio linguístico comum deve ser buscado de forma que a comunicação entre profissionais de formação, atuação ou setores diferentes não seja um obstáculo, mas ao contrário a diversidade de setores, formação e atuação constitua riqueza para o processo.

Atendida esta condição, o segundo procedimento é construção de um DIAGNÓSTICO da área de abrangência da política ambiental. Nesta etapa é de fundamental importância a participação da sociedade civil trazendo sua percepção e representações sociais do meio ambiente. O diagnóstico não deve ater-se apenas a aspectos ecológicos, mas também retratar a situação socioambiental e econômica da área de abrangência da política, suas correlações, conflitos e barreiras, que são elementos para definir o foco da avaliação. O diagnóstico permite a pré-avaliação da realidade a partir da avaliação dos dados coletados, através da elaboração de fluxogramas e tabelas representativos da realidade que são correlacionados com os indicadores de sustentabilidade. Nesta etapa do diagnóstico torna-se importante a análise estratégica participativa por meio da qual pode ser extraído da população o conhecimento sobre os impactos gerados pela política, avanços e retrocessos, visando a construção de um SISTEMA DE INFORMAÇÃO AMBIENTAL composto por um sistema de INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE. O objetivo deste procedimento, além de dar suporte ao diagnóstico da realidade, é dar transparência ao processo e fomentar a participação social. Um sistema de informação deve ser uma via de mão dupla entre governo e sociedade civil, estabelecendo comunicação, informando, sensibilizando e educando para a importância da conservação ambiental para o desenvolvimento municipal, para a saúde e a qualidade de vida de seus habitantes. Ele estabelece a relação entre a política formulada e em implementação e a realidade do município, facilitando o terceiro procedimento que é a sensibilização.

A SENSIBILIZAÇÃO do corpo funcional do governo municipal e da população sobre a importância das questões ambientais é essencial para uma avaliação confiável e para o avanço da política em questão. Ela deve ocorrer por meio de programas informativos utilizando-se dos diversos veículos de comunicação disponíveis, considerando o acesso do público-alvo a estes veículos. Estes programas devem tornar-se parte da rotina do sistema de informações ambientais do município.

Por fim, a INCORPORAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS NA GESTÃO deve ser resultado de um processo contínuo e interativo de avaliação e melhoria, cujo resultado esperado é uma cultura de transparência fundamentada na informação e na participação social, como gestão compartilhada. Destaca-se ainda como fundamental desta etapa, que todo o conhecimento sobre o funcionamento (know-how) do sistema de autoavaliação, neste ciclo de construção de sustentabilidade, ficará na própria estrutura de gestão do município e, portanto, menos susceptível a significativas mudanças nos processos eleitorais. Como etapas a serem observadas para a estruturação dos procedimentos de autoavaliação da gestão, alguns aspectos são significativos e devem ser observados: a) desenvolvimento de procedimentos escritos, incluindo a parte operacional, para garantir que os aspectos críticos identificados no diagnóstico sejam acompanhados e a sua evolução devidamente registrada e documentada; b) controle das entradas e fluxo de informações, bem como controle dos fornecedores e prestadores de serviço; c) desenvolvimento de procedimentos que garantam a documentação das normas e registros relativos ao sistema de autoavaliação. Inclui também implementação de sistema administrativo para gestão dos registros, ou seja, acesso, monitoramento, relatórios; d) clara definição de atividades e responsabilidades para as diferentes partes do sistema de auto-avaliação; e) capacitação e treinamento do corpo técnico administrativo associado ao sistema de autoavaliação. f) Sistema de comunicação do sistema de autoavaliação; g) implementação de rotina de auditoria interna e de acompanhamento do próprio sistema de autoavaliação, visando ajustes e atualização dos procedimentos.

Destaca-se no Quadro 1 um resumo dos principais requisitos para os componentes do sistema de autoavaliação.

Considerações Finais

A inserção da dimensão ambiental na gestão ambiental municipal, além de ser dificultada pela complexidade dos problemas ambientais e seu entrelaçamento com problemas sociais e econômicos, é dificultada também pela cultura política estabelecida, que condiciona os processos eleitorais e por vezes provoca descontinuidade da gestão. Permanece na gestão municipal como um todo o desafio de estabelecer projetos verdadeiramente municipais que transcendam as legislaturas políticas. Ou seja, permanece o desafio do empoderamento da sociedade e sua indução, por meio da participação, a tomar parte no processo de tomada de decisão, e no projeto de futuro do município.

O esboço aqui apresentado visa ser uma alternativa técnica cuja função é dar ao processo de gestão transparência, a partir de um conjunto de procedimentos. Considera-se a informação da sociedade e a sua consequente capacitação o maior desafio e a melhor estratégia para inserir a gestão ambiental como parte integrante do processo de gestão municipal. O resultado adjacente de um processo participativo de gestão, orientado por procedimentos de avaliação contínua, deve ser o de transcender legislaturas e superar a consequente descontinuidade política vigente. Espera-se, assim, que este esforço, além de uma alternativa técnica que visa contribuir para a concretização e funcionalidade da sustentabilidade, possa ser aporte substantivo para promover a participação e a cidadania, evidenciando o saber local, concebendo novas práticas políticas, mais democráticas e mais efetivas.

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  • 1
    Os autores agredecem a FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o apoio recebido por meio do Edital PPP7. E à Alcoa Foundation pelo apoio financeiro.
  • 2
    Entende-se por Tecnologia Social produtos, técnicas ou metodologias desenvolvidas com interação da comunidade visando solucionar problemas desta mesma comunidade (DAGNINO, R., BRANDÃO, F. C., NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual de tecnologias sociais. IN: INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL.
    Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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