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Associação espacial entre variáveis socioeconômicas e risco relativo de nascimentos pré-termo na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e na Área Metropolitana de Lisboa (AML)1 1 Agradecimentos a Fundação de Amparo a Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento da presente pesquisa através da concessão de bolsa de doutoramento, processo 2010/15515-8.

Spatial association between socioeconomic variables and risk related to pre-term births in metropolitan region of Sao Paulo (MRSP) and Lisbon metropolitan area (AML)

Resumos

A prematuridade é um dos grandes problemas de saúde pública, contribuindo fortemente para a morbi-mortalidade infantil, tanto em países em desenvolvimento como o Brasil, quanto em países europeus como Portugal. O nascido prematuro é aquele que nasce com menos de 37 semanas de gestação. Os fatores de risco individuais associados à incidência da prematuridade são conhecidos. No entanto, os fatores contextuais que podem influenciar a sua incidência têm sido pouco estudados. O principal objetivo deste estudo foi identificar o padrão espacial do risco relativo de nascimento pré-termo e possíveis agrupamentos espaciais, assim como examinar se as condições socioeconômicas estão espacialmente associadas com o risco relativo de nascimento pré-termo em duas áreas metropolitanas: Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), no Brasil, e Área Metropolitana de Lisboa (AML), em Portugal. Foi recolhida informação relativa aos nascidos vivos (2000-2010) de mães residentes em ambas as áreas metropolitanas e às condições socioeconômicas das mães. Para análise de associação espacial entre o risco relativo de nascimentos pré-termo e as variáveis do contexto geográfico, foram aplicados testes de associação espacial global (I Moran) para ambas as áreas metropolitanas. A distribuição geográfica do risco relativo de nascimentos pré-termo ocorreu de maneira não aleatória e heterogênea tanto na RMSP como na AML: na RMSP verificou-se existir uma associação espacial global negativa significativa entre risco relativo e taxa de desemprego; na AML, foi revelada associação global positiva significativa entre o risco relativo e a taxa de analfabetismo, o índice de privação sóciomaterial e a da taxa de desemprego.

Nascimentos Pré-termo; Fatores Socioeconômicos; Fatores de Risco; Análise Espacial; Região Metropolitana de São Paulo (RMSP); Área Metropolitana de Lisboa (AML)


Preterm birth is a major public health problem, contributing greatly to childhood morbidity and mortality, both in developing countries like Brazil, as in European countries like Portugal. Preterm babies are those that born with less than 37 weeks of gestation. The individual risk factors associated with the incidence of prematurity are known. However, the contextual factors that may influence its incidence have been little studied. The present study aimed to identify the spatial pattern of relative risks of preterm birth and possible spatial clusters, as well as examine if the socioeconomic conditions are spatially associated with relative risks of preterm births in two different metropolitan areas: Metropolitan Region of São Paulo (MRSP), in Brazil, and the Lisbon Metropolitan Area (LMA), in Portugal. Data related with preterm births (2000-2010) and their mothers and socioeconomic conditions from both metropolitan areas were collected. For analysis of spatial association between the relative risk of preterm birth and geographical context variables, tests of overall spatial association (Moran I) for both metropolitan areas were applied. The geographical distribution of the relative risk of preterm births occurred not random and unevenly both in MRSP as in LMA: in the MRSP, there was only a significant global spatial association between relative risk and the unemployment rate; in LMA, there was a global significant association between the relative risk and the illiteracy rate, sociomaterial deprivation index and the unemployment rate.

Premature Births; Socioeconomic Factors; Risk Factors; Spatial Analysis; Metropolitan Region of São Paulo (MRSP); Lisbon Metropolitan Area (AML)


Introdução

A saúde é um pré-requisito básico para o desenvolvimento econômico e social dos indivíduos e das sociedades (Wilkinson e Marmot, 2003WILKINSON, R. G.; MARMOT, M. Social determinants of health: the solid facts. 2. ed. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe, 2003.). Nesse sentido, vários autores têm evidenciado o impacto que as condições individuais e de contexto (por exemplo, socioeconômicas e culturais) têm na saúde da população (Santos e col., 2008SANTOS, R. et al. Effects of neighbourhoods deprivation on adverse birth outcomes in an urban area of Lisbon metropolitan area. European Journal of Public Health, Oxford, v. 18, n. 1, p. 134-138, 2008., Santana e col., 2014aSANTANA, P. et al. A saúde dos portugueses. In: CAMPO, A. C. de; SIMÕES, J. (Org.). 40 anos de Abril na Saúde. Coimbra: Almedina, 2014a. p. 69-92.).

É necessário salientar o papel importante que a Geografia da Saúde exerce nas pesquisas sobre os processos de saúde-doença sob a perspectiva espacial. Trata-se de uma área do conhecimento científico que articula assuntos da Geografia Física (Climatologia, Biogeografia) e temas da Geografia Humana (Demografia, Urbanização, Planejamento Ambiental e Territorial, por exemplo), envolvendo tanto a perspectiva ecológica e espacial das doenças, como dos serviços de saúde, além de contemplar a relação dinâmica entre a saúde das populações e os lugares que elas habitam (Santana e col., 2014bSANTANA, P. et al. Geografias da Diabetes Mellitus em Portugal. Acta Médica Portuguesa, Lisboa, v. 27, n. 3, p. 309-317, 2014b.; Barrozo, 2011BARROZO, L. Técnicas em geografia da saúde. In: VENTURI, L. A. B. (Org.). Geografia: práticas de campo, laboratório e sala de aula. São Paulo: Sarandi, 2011. p. 287-308.).

Por um lado, um dos atuais desafios para as pesquisas da Geografia da Saúde é a avaliação, ou mensuração, dos contextos socioeconômicos, que moldam atitudes/comportamentos dos indivíduos, na saúde das populações. Por isso, é cada vez mais frequente o uso de informações de áreas censitárias para se definir a localização e o padrão espacial de diferentes eventos da saúde, quando associados às condições socioeconômicas dos indivíduos e das áreas de residência. Dessa forma, índices compósitos podem ser calculados para diferentes níveis territoriais, já que se pretende avaliar os contextos utilizando, por exemplo: linha de pobreza, qualidade de vida, exclusão social, índice de desenvolvimento humano, índice de privação sociomaterial, etc. (Rojas, 2008ROJAS, L. I. La diferenciación territorial de la salud en la recuperación de los contextos. In: BARCELOS, C. (Org.). A geografia e o contexto dos problemas de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2008. p. 87-106.).

Por outro, hoje, um pouco por todo o mundo, o espaço urbano é um espaço crítico quando associado a valores como a qualidade de vida, bem-estar e saúde das populações (Santana e col., 2009SANTANA, P. et al. The link between local environment and obesity: a multilevel analysis in the Lisbon Metropolitan Area, Portugal. Social Science and Medicine, London, v. 68, n. 4, p. 601-609, 2009.). De fato, a urbanização acelerada, o aparecimento de bolsões de pobreza e de privação, o aumento da inequidade em saúde e a mobilidade trouxeram novos desafios para o planejamento da cidade e, consequentemente, para a saúde pública (Santana e col., 2009SANTANA, P. et al. The link between local environment and obesity: a multilevel analysis in the Lisbon Metropolitan Area, Portugal. Social Science and Medicine, London, v. 68, n. 4, p. 601-609, 2009.). É deste modo apropriada a realização de estudos que foquem os espaços urbanos e a análise de pequena escala (Santana, 2014SANTANA, P. Saúde, território e sociedade: contributo para uma geografia da saúde. 2. ed. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2014. (Colecção Textos Pedagógicos e Didácticos).).

Nascimentos pré-termo

Nascidos prematuros, ou pré-termo, são considerados os recém-nascidos com idade gestacional inferior a 37 semanas, o que resulta num grupo heterogêneo de crianças com idades próximas ao termo (Silveira e col., 2008SILVEIRA, M. F. et al. Aumento da prematuridade no Brasil: revisão de estudos de base populacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 5, p. 957-964, 2008.).

O Código Internacional de Doenças define idade gestacional: pré-termo – menos de 37 semanas (menos de 259 dias); termo – de 37 a 42 semanas de gestação (de 260 a 293 dias); pós-termo – 42 semanas ou mais (mais de 293 dias) (CID-10, 1997OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: CID-10, 10. rev. São Paulo: EDUSP, 1997. v. 1.). Quanto menor a idade gestacional, maior a probabilidade de risco para a mortalidade, abandono, problemas de saúde, etc. (Rodrigues e col., 2011RODRIGUES, O. M. P. R. et al. Efeitos da prematuridade sobre o desenvolvimento de lactentes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 111-121, 2011.).

O nascimento prematuro afeta desproporcionalmente minorias étnicas e mulheres desfavorecidas socioeconomicamente, ao mesmo tempo é uma consequência comum de uma convergência complexa de fatores biológicos, genéticos, sociais e econômicos (Berhrman e Butler, 2007BEHRMAN, R. E.; BUTLER, A. S. Preterm birth: causes, consequences, and prevention. Institute of Medicine Committee on Understanding Premature Birth and Assuring Healthy Outcomes. Washington, DC: National Academies, 2007.; Harding e col., 2006bHARDING, S. et al. Decline in, and lack of difference between, average birth weights among African and Portuguese babies in Portugal. International Journal of Epidemiology. Oxford: Oxford University, v. 35, n. 2. p. 270-276, 2006b.). Blumenshine e colaboradores (2010)BLUMENSHINE, P. et al. Socioeconomic disparities in adverse birth outcomes: a systematic review. American Journal of Preventive Medicine, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 263-272, 2010. fizeram uma revisão sistemática de 106 artigos, publicados entre 1999 e 2007, e concluíram que em 93 destes estudos foi encontrada uma associação significativa entre uma medida do estatuto socioeconômico e um resultado neonatal adverso, como a prematuridade, com variações por grupo étnico ou racial. Num outro estudo realizado num hospital localizado na Área Metropolitana de Lisboa verificou-se que a prematuridade é maior entre as mães imigrantes (Machado e col., 2007MARTINET, S. A. Prematuridade. In: BAYLE, F.; MARTINET, S. A. (Ed.). Perturbações da parentalidade. Lisboa: Climepsi, 2008. p. 113-120.), principalmente africanas (Harding e col., 2006aHARDING, S. et al. Birth weights of black African babies of migrant and nonmigrant mothers compared with those of babies of European mothers in Portugal. Annals of Epidemiology, Raleigh, v. 16, n. 7, p. 572-579, 2006a.).

Os fatores de risco das mães associados a nascimentos pré-termo revelados pela literatura são a gravidez na adolescência (10 a 19 anos) e a gravidez tardia (mães acima de 35 anos) (Silveira e col. 2008SILVEIRA, M. F. et al. Aumento da prematuridade no Brasil: revisão de estudos de base populacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 5, p. 957-964, 2008.). Adicionalmente, o baixo peso, sobrepeso, infecção, gestação múltipla, ruptura prematura de membranas e histórico de partos prematuros anteriores são também fatores de risco de prematuridade (South e col., 2012SOUTH, A. P. et al. Spatial analysis of preterm birth demonstrates opportunities for targeted intervention. Maternal and Child Health Journal, New York, v. 6, n. 2, p. 470-478, 2012.). Os fatores socioeconômicos, culturais e psicossociais, raça, tabagismo e acesso a cuidados médicos também têm uma grande importância (Charreire e col., 2009CHARREIRE, E. et al. Poor pre-natal care in an urban area: a geographic analysis. Health & Place, Amsterdam, v. 15, n. 2, p. 412-419, 2009.; Harding e col., 2006bHARDING, S. et al. Decline in, and lack of difference between, average birth weights among African and Portuguese babies in Portugal. International Journal of Epidemiology. Oxford: Oxford University, v. 35, n. 2. p. 270-276, 2006b.).

Embora tenha havido avanços consideráveis nos indicadores de saúde no Brasil (Bezerra-Filho e col., 2007BEZERRA-FILHO, J. G. et al. Mortalidade infantil e contexto socioeconômico no Ceará, no período de 1991 a 2001. Revista Brasileira de Saúde Materna e Infantil , Recife, v. 7, n. 2, p. 135-142, 2007.) e em Portugal (Santana, 2014SANTANA, P. Saúde, território e sociedade: contributo para uma geografia da saúde. 2. ed. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2014. (Colecção Textos Pedagógicos e Didácticos). Reis e col., 2011REIS, Z. S. N. et al. Análise de indicadores da saúde materno-infantil: paralelos entre Portugal e Brasil. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v. 33, n. 9, p. 234-239, 2011.), nos últimos anos, as taxas de prematuridade continuam a ser um dos maiores problemas de saúde pública (Szwarcwald e col., 2002SZWARCWALD, C. L. et al. Estimação da mortalidade infantil no Brasil: o que dizem as informações sobre óbitos e nascimentos do Ministério da Saúde? Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 18, n. 6, p. 1725-1736, 2002.; Victora e col., 2011VICTORA, C. G. et al. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. The Lancet, London, p. 32-46, maio 2011. (Saúde no Brasil, 2). Disponível em: <http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor2.pdf>. Acesso em: 15 out. 2014.
http://download.thelancet.com/flatconten...
; Santana e col., 2014bSANTANA, P. et al. Geografias da Diabetes Mellitus em Portugal. Acta Médica Portuguesa, Lisboa, v. 27, n. 3, p. 309-317, 2014b.). Um outro fato que tem uma contribuicão crescente é o parto cesário eletivo, que se realiza principalmente em instituições privadas (Harding e col., 2006aHARDING, S. et al. Birth weights of black African babies of migrant and nonmigrant mothers compared with those of babies of European mothers in Portugal. Annals of Epidemiology, Raleigh, v. 16, n. 7, p. 572-579, 2006a.).

Segundo Silveira e colaboradores (2008)SILVEIRA, M. F. et al. Aumento da prematuridade no Brasil: revisão de estudos de base populacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 5, p. 957-964, 2008., que realizaram uma revisão sistemática de estudos de base populacional de nascimentos pré-termo no Brasil, a prevalência aumentou de cerca de 4%, no início dos anos 1980, para mais de 10%, após o ano 2000. Essa tendência de aumento foi confirmada por estudos periódicos realizados em duas cidades brasileiras, utilizando-se métodos padronizados ao longo do tempo (Bettiol e col., 2000BETTIOL, H. et al. Factors associated with preterm births in southeast Brazil: a comparison of two birth cohorts born 15 years apart. Pediatric and Perinatal Epidemiology, Hoboken, v. 14, n. 1, p. 30-38, 2000.). Em Portugal, também se verificou o aumento da prematuridade. Em 2003, o número de partos prematuros foi cerca de 5,9% do total de partos ocorridos (Martinet, 2008MARTINET, S. A. Prematuridade. In: BAYLE, F.; MARTINET, S. A. (Ed.). Perturbações da parentalidade. Lisboa: Climepsi, 2008. p. 113-120.). Informação mais atualizada indica que, em 2005, 6,6% dos partos correspondem a nascimentos pré-termo (Guimarães, 2007GUIMARÃES, H. Aos pais: nascer prematuro em Portugal. Sociedade Portuguesa de Neonatologia. Lisboa, 2007. Disponível em: <http://www.lusoneonatologia.com/site/upload/File/nascerprematuroportugal%281%29.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014.
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).

Apesar desta evidência, existem lacunas sobre a influência do contexto geográfico de variáveis tradutoras das condições socioeconômicas da área de residência da mãe, nos nascimentos pré-termos tanto no Brasil como em Portugal. Análises geográficas em diversas escalas podem ajudar a verificar se o risco de nascimento prematuro apresenta padrão espacial e se se verifica associação significativa com o contexto geográfico.

O presente estudo teve como principal objetivo identificar: i) o padrão espacial do risco relativo de nascimentos pré-termo e ii) avaliar a associação entre as condições socioeconômicas e o risco relativo de nascimentos pré-termo, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), no Brasil, e na Área Metropolitana de Lisboa (AML), em Portugal.

Áreas de estudo

A Região Metropolitana de São Paulo é composta por 39 municípios, incluindo o município de São Paulo (Figura 1a). De acordo com os dados do último censo de 2010, a população total registrou 19,7 milhões de habitantes, o que significa que aproximadamente um em cada 10 brasileiros mora nesta metrópole paulista. Ela é o maior pólo de riqueza nacional, apresenta um PIB equivalente a 57,0% do total estadual e 18,9% do PIB brasileiro, sendo responsável por um quarto dos impostos no País (Emplasa, 2013EMPLASA - EMPRESA PAULISTA METROPOLITANA DE PLANEJAMEDNTO. Indicadores - Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa/Indicadores/gsp.asp>. Acesso em: 22 jul. 2013.
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).

Figura 1
Mapa da divisão político-administrativa dos municípios da a) Região Metropolitana de São Paulo (à esquerda), Brasil e da Área Metropolitana de Lisboa (à direita). Fonte: CEM/Cebrap, 2006; CAOP, 2013

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) é composta por 18 municípios distribuídos pela margem norte e sul do rio Tejo (Figura 1b). A região registra a maior concentração populacional e econômica de Portugal: quase 3 milhões de habitantes, cerca de ¼ da população portuguesa, 25% da população em idade ativa, 30% das empresas nacionais e 33% do emprego. A AML contribui com mais de 36% do PIB nacional (INE, 2011). Apesar disso, alguns municipios possuem bolsões de pobreza, associados a desemprego elevado, trabalhadores não qualificados, baixa escolaridade e precaridade nas condições habitacionais (Santana e col., 2009SANTANA, P. et al. The link between local environment and obesity: a multilevel analysis in the Lisbon Metropolitan Area, Portugal. Social Science and Medicine, London, v. 68, n. 4, p. 601-609, 2009.).

Dados e métodos

O presente estudo tem delineamento ecológico por utilizar dados agregados por unidade geográfica (município).

A primeira etapa compreendeu a análise espacial exploratória retrospectiva do risco relativo de nascimentos pré-termo para a RMSP e AML.

Em seguida, foi desenvolvida uma análise ecológica de associação espacial global entre o risco relativo de nascimento pré-termo e variáveis que permitem inferir sobre o contexto geográfico dos municípios da RMSP e da AML. Foi assim analisado o Índice de Privação Sóciomaterial e, de modo individualizado, a Taxa de Desemprego, Taxa de Analfabetismo e a Porcentagem de Assentamentos Precários.

Dados

Para analisar os nascimentos pré-termo e os fatores contextuais foram recolhidos dados secundários (epidemiológicos, demográficos e socioeconômicos) nos anos de 2000 a 2010, relativos à RMSP e AML, agregados por municípios, nomeadamente:

  • Número total de mulheres em idade reprodutiva (entre 10 e 49 anos);

  • Número total de mulheres grávidas entre 20 e 34 anos, gravidez precoce e gravidez tardia;

  • Número total de nascidos vivos;

  • Número total de nascidos vivos prematuros de mães entre 20 e 34 anos, entre 10 e 19 anos e acima de 35 anos;

  • Taxa de Desemprego

  • Taxa de Analfabetismo

  • Taxa de Assentamentos Precários.

O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC, 2010)2 2 SINASC - Sistema Nacional de Informações dos Nascidos Vivos. Ministério da Saúde. Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvsp.def>. Acesso em: 14 fev. 2010. , o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (in, 2010)3 3 IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sistema Cidades. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=35&search=sao-paulo>. Acesso em: 29 mar. 2010. e o Instituto Nacional de Estatística de Portugal (Portugal, 2013PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas demográficas 2011. Lisboa, 2013. Disponível em: <http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=156022440&PUBLICACOESmodo=2>. Acesso em: 29 mar. 2014.
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) foram as fontes de dados para recolha de informação relativa à RMSP e à AML. As três últimas variáveis são censitárias. Neste sentido, são relativas a 2010, no caso da RMSP, e de 2011 no caso da AML.

Metodologia

Risco relativo

O risco relativo de nascimento pré-termo foi calculado aplicando o Programa SatScan v.9.1. O Risco Relativo corresponde ao risco estimado dentro de um agrupamento dividido pelo risco estimado fora do agrupamento. Ele é calculado tendo em conta os casos observados dividido pelos casos esperados dentro do agrupamento, dividido pelos casos observados dividido pelos casos esperados fora do agrupamento. Em notação matemática:

Empregou-se o modelo discreto de Poisson para o cálculo do risco relativo de nascimentos pré- termo, usando como co-variável idade da mãe, isto é, padronizou-se o risco relativo de nascimento pré- termo por grupo etário da mãe, de modo a retirar o efeito da idade da mãe.

Utilizou-se a Base Cartográfica do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) relativa à divisão administrativa da Região Metropolitana de São Paulo e a Carta Oficial Administrativa Portuguesa da Direção Regional do Território (DGT) de Portugal, relativa à divisão administrativa da Área Metropolitana de Lisboa. O software para construção dos mapas temáticos foi o ArcGis 9.3 da ESRI.

Para o mapa do risco relativo e do índice de privação sociomaterial, adotou-se o método coroplético e utilizou-se o método quantis para definição dos intervalos de 5 classes para ambas as áreas metropolitanas.

Análise de varredura espacial para detecção de agrupamentos espaciais

Aplicou-se a técnica estatística de varredura espacial para identificar agrupamentos dos municípios que revelaram risco alto e baixo. Para realização da análise utilizou-se o programa SatScan versão 9.1 4 4 Sistema de Informação desenvolvido por KULLDORFF, M. Information Management Services, INC. SatScan (TM) v.7.03: Software for the spatial and space-time scan statistics. Disponível em: <http://www.satscan.org>. Acesso em: 29 set. 2010. .

Este teste tem sido aplicado pelo Center for Disease Control (CDC) de Atlanta (EUA) para identificar agrupamentos significativos de doenças. A estatística de varredura espacial coloca uma janela circular de tamanhos variáveis na superfície do mapa e permite que seu centro se mova de forma que, para uma dada posição e tamanho, a janela inclua um conjunto diferente de vizinhos próximos. Se a janela incluir o centróide de um vizinho, então, toda área do município é considerada inclusa. Como a janela se move passando por todos os centróides, seu raio varia continuamente de zero ao raio máximo, que nunca inclui mais do que 50% da população total2 2 SINASC - Sistema Nacional de Informações dos Nascidos Vivos. Ministério da Saúde. Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvsp.def>. Acesso em: 14 fev. 2010. .

O programa foi ajustado para encontrar janelas que incluíssem até 10% da população total em risco. A significância estatística foi testada para 999 iterações, sendo considerados significativos os agrupamentos espaciais com valor de p<0,05, para o agrupamento mais provável.

Usou-se o método corocromático para representação cartográfica, na qual os agrupamentos de baixo risco estão representados em tons de cinza claro e em tons de preto, os agrupamentos de risco alto.

Análise espacial exploratória de associação entre os riscos relativos e as variáveis socioeconômicas

O contexto socioeconômico referente ao local de residência das mães foi avaliado através de três variáveis socioeconômicas - escolaridade, emprego e condições habitacionais - e de um índice composto (Índice de Privação Sociomaterial) que resulta da análise agregada das três variáveis anteriores:

  • Taxa de Analfabetismo (TA): pessoas com mais de 10 anos (em Portugal) ou de 15 anos (no Brasil) que declararam não serem capazes de ler e escrever;

  • Taxa de Desemprego (TD): porcentagem da população em idade ativa (Portugal: 15-64 anos; Brasil: mais de 16 anos) que não tem atividade econômica, estando desocupada;

  • Porcentagem de Aglomerados Subnormais ou Assentamentos Precários (BA): para o caso brasileiro foram considerados os assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, barracas, vilas, mocambos, palafitas, entre outros. Para o caso português foram considerados os alojamentos precários (exemplo: barracas).

O Índice de Privação Sociomaterial (IPS) é o resultado da soma da padronização destes três indicadores socioeconômicos. Quanto mais negativo, melhores são as condições socioeconômicas e quanto mais positivo, piores. Ou seja, quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade, traduzindo-se em valores positivos, representativos de áreas com alta privação, e negativos, representativos de áreas com baixa privação (Carstairs e Morris, 1991CARSTAIRS, V.; MORRIS, R. Deprivation and health in Scotland. Aberdeen: Aberdeen University, 1991.; Santana e col., 2009SANTANA, P. et al. The link between local environment and obesity: a multilevel analysis in the Lisbon Metropolitan Area, Portugal. Social Science and Medicine, London, v. 68, n. 4, p. 601-609, 2009.; Salcedo e col., 2012SALCEDO, N. et al. Does the effect of gender modify the relationship between deprivation and mortality? BioMed Central Public Health, London, v. 12, p. 1-9, jul. 2012.).

Utilizou-se o programa GeoDa 1.0.1 para os testes de padrão e associação espacial entre o risco relativo e as variáveis socioeconômicas. Empregou-se o Índice de Moran (I) para medir a correlação espacial a partir do produto dos desvios em relação à média (Druck e col., 2002DRUCK, S. et al. Análise espacial de dados geográficos. Brasília, DF: Embrapa, 2002. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/analise/>. Acesso em: 15 out. 2014
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). Foi calculado por:

O I de Moran avalia a correlação espacial das variáveis “z” de interesse para o estudo em diferentes áreas i e j, (zi, zj), ponderada pela proximidade geográfica medida por wij (Matriz de Vizinhança), onde o numerador evidencia a média dos produtos dos desvios das áreas i e j em relação à média global, e o denominador é uma medida de variabilidade dos desvios. Os valores de I de Moran correspondem ao declive da reta de regressão e, à semelhança de um coeficiente de correlação linear, normalmente variam entre 1 e -1,

Ou seja: O I é positivo quando existe dependência espacial, com os valores das áreas vizinhas evidenciando similaridade entre si. Sendo o valor 1 atribuído a uma autocorrelação positiva perfeita. O I é negativo quando existe dependência espacial, mas os valores das áreas vizinhas são dissemelhantes. Sendo o valor -1 atribuído a uma autocorrelação negativa perfeita.

Testamos o uso de uma matriz de vizinhança de primeira ordem com qualquer contiguidade (modo “queen”) (Anselin, 2005ANSELIN, L. Exploring spatial data with GeoDa TM: a workbook. Urban a Champaign: University of Illinois, 2005.). Para análise dos resultados, comparamos os valores de I de Moran e a significância dos testes.

Resultados

De acordo com a figura 2, na RMSP, do total de 3.524.138 nascidos vivos, 286.035 foram prematuros, representando 8,1% de nascimentos pré-termo nesta última década. No ano de 2000, a porcentagem era de 7,5% e chegou a 8,8% em 2010, isto é, houve um progressivo aumento de mais de 1% na última década. Na AML, do total de 385.246 nascidos vivos, 28.078 foram prematuros, representando 7,3% de nascimentos pré-termo nesta última década. No ano de 2000, a porcentagem era de 6% e chegou a 8% em 2010, isto é, houve um expressivo aumento de 2% na última década. Apesar de a RMSP apresentar percentagens mais elevadas, a AML apresenta uma taxa de crescimento anual superior (RMSP: 0,12%; AML: 0,18%).

Figura 2
Percentagem anual de nascimentos pré-termo na RMSP e AML, 2000-2010.

Analisando a Figura 3, verifica-se que na RMSP, o risco relativo de nascimentos pré-termo variou de 0,58 a 1,48, sendo que o município de Guararema (nordeste de SP) apresentou o menor risco e Salesópolis (centro-leste de SP) apresentou o risco mais elevado (Figura 3a).

Figura 3
a) Mapa do risco relativo de nascimento pré-termo na RMSP, tendo como co-variável a faixa-etária das mães (à esquerda) e b) Mapa dos agrupamentos espaciais dos nascimentos pré-termo na RMSP (à direita) entre 2000 e 2010

O Mapa de Agrupamentos espaciais para 10% da população em risco revela que os municípios de Guarulhos (nordeste de SP), Cotia (centro-oeste de SP) e São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul (sudeste de SP) tiveram alto risco de nascimentos pré-termo (representados em preto) - (Figura 3b). Os municípios de Taboão da Serra, Osasco, Embu, Barueri (oeste de São Paulo) formaram um agrupamento de baixo risco a nascimentos pré-termo (representados em cinza claro). Ao norte de São Paulo, os municípios de Cajamar, Mairiporã, Franco da Rocha, Caieiras e Francisco Morato constituíram outro agrupamento de baixo risco. Por fim, a leste de São Paulo, os municípios de Arujá, Mogi das Cruzes, Santa Isabel, Suzano, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Mauá e Ribeirão Pires formaram um grande agrupamento de baixo risco de nascimentos pré-termo (Figura 3b).

Na AML, o risco relativo de nascimentos pré-termo entre o valor mínimo de 0,78, correspondente ao concelho de Vila Franca de Xira (margem norte), e o valor máximo de 1,18, pertencente ao município de Moita (margem sul) (Figura 4a).

Figura 4
a) Mapa do risco relativo de nascimentos pré-termo na AML, tendo como co-variável a faixa-etária das mães (à esquerda) e b) Mapa dos Agrupamentos espaciais dos nascimentos pré-termo na AML (à direita) entre 2000 e 2010.

No Mapa de Agrupamentos espaciais, tendo em conta 10% da população em risco, observamos que os municípios menos urbanizados localizados a norte de Lisboa (Mafra, Loures e Odivelas) e a sudeste de Lisboa (Alcochete, Moita, Barreiro e Palmela) formam um agrupamento de alto risco de nascimento pré-termo (representados em preto). Para além destas áreas, verificou-se, ainda, alto risco no município da Amadora (Figura 4b). Apenas três concelhos apresentaram baixo risco de nascimentos pré-termo na AML: Oeiras (a leste de Lisboa), Almada (a sul de Lisboa) e Vila Franca de Xira (a nordeste de Lisboa) (Figura 4b).

A privação sociomaterial é mais dipersa nos municípios da RMSP devido a sua complexidade e heterogeneidade socioeconômica. Ela é mais alta em Guarulhos (que apresentou agrupamento de alto risco de nascimento pré-termo) e Itaquecetuba (nordeste de SP); em Diadema, Mauá e Rio Grande da Serra (sudeste de SP) e em Embu e Juquitiba (sudoeste de SP) (Figura 5a). Na AML, a privação sociomaterial AML é bastante acentuada na margem sul. Este é um território menos urbanizado e que tradicionalmente apresenta maior pobreza, pior acesso a cuidados de saúde e maior inequidade em saúde (Santana e col., 2009SANTANA, P. et al. The link between local environment and obesity: a multilevel analysis in the Lisbon Metropolitan Area, Portugal. Social Science and Medicine, London, v. 68, n. 4, p. 601-609, 2009.) (Figura 5b).

Figura 5
a) Mapa do índice de privação sociomaterial de RMSP (2010) e b) Mapa do índice de privação sociomaterial de AML (2011)

De acordo com os Quadros 1 e 2, verifica-se uma associação espacial significativa entre o risco relativo de nascimento pré-termo e as variáveis socioeconômicas: i) na RMSP o risco de prematuridade aumenta com a diminuição do desemprego (Quadro 1); ii) na AML, o risco aumenta com o aumento do Índice de Privação Sociomaterial, da taxa de Analfabetismo, e da Taxa de Desemprego (Quadro 2).

Quadro 1
Correlação espacial global entre o risco relativo e as variáveis socioeconômicas na RMSP entre 2000 e 2010
Quadro 2
Correlação Espacial entre Risco Relativo e variáveis socioeconômicas da AML entre 2001 e 2011

Discussão

Neste estudo verificamos, em ambas as áreas metropolitanas, a existência de clusters de risco de nascimento pré-termo, independentemente da idade da mãe e uma associação espacial significativa com as condições socioeconômicas.

Para ambas as áreas metropolitanas, pela análise de varredura espacial de 10% da população total em risco, compreendemos que há um padrão espacial definido dos riscos relativos de nascimentos pré-termo (tendo como co-variável a idades das mães), ou seja, que não há aleatoriedade na sua distribuição geográfica.

Também foram apontados os municípios da RMSP e da AML com maior vulnerabilidade ao alto risco de nascimentos pré-termo. Estudos semelhantes também foram desenvolvidos por outros autores. No município de Belo Horizonte, foi analisada a presença de aglomerados espaciais de indicadores de saúde para recém-nascidos e de suas mães por área de abrangência das Unidades Básicas de Saúde (Friche, 2006FRICHE, A. L. et al. Indicadores de saúde materno infantil em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2001: análise dos diferenciais intra-urbanos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 1955-1965, 2006.).

Montero (2004)MONTERO, C. V. Analise espacial da mortalidade neonatal na Região Sul do Município de São Paulo - 2002. 2004. Tese (Doutorado em Epidemiologia) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. também desenvolveu um estudo ecológico para região Sul do município de São Paulo, onde verificou que a distribuição espacial dos nascidos vivos e da mortalidade neonatal não apresentou padrão aleatório e regular, havendo formação de agrupamentos entre distritos, assim como apresentado aqui para o risco de nascimento pré-termo. Santos e colaboradores (2014)SANTOS, P. C. et al. Análise espacial dos aglomerados de nascimentos ocorridos em hospitais SUS e não SUS do município de São Paulo, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 235-244, 2014. também realizaram um estudo, utilizando análise espacial de aglomerados de nascimentos ocorridos em hospitais SUS e não SUS do município de São Paulo em 2008, sendo que os resultados mostraram existir diferenças significativas no perfil dos agrupamentos de nascidos vivos, o que reflete as desigualdades das condições de vida do município de São Paulo.

Em Ohio, nos EUA, pesquisadores também reconheceram a importância da perspectiva espacial para detecção das áreas mais vulneráveis ao alto risco de bebês prematuros (South e col., 2012SOUTH, A. P. et al. Spatial analysis of preterm birth demonstrates opportunities for targeted intervention. Maternal and Child Health Journal, New York, v. 6, n. 2, p. 470-478, 2012.).

Em relação à análise ecológica de associação espacial entre os riscos relativos e as variáveis do contexto geográfico, verificamos que a taxa de desemprego foi o único indicador socioeconômico que melhor se associou ao risco de nascimento pré-termo para ambas as áreas metropolitanas, só que de maneira inversa, isto é, enquanto que na RMSP o risco é maior nos municípios de melhor condição socioeconômica, na AML o maior risco ocorre nos municípios mais vulneráveis socialmente. Ou seja, na AML a prematuridade está mais associada a privação sociomaterial e, consequentemente, à baixa capacidade econômica da população, enquanto na RMSP pode se verificar o oposto: a prematuridade está associada a municípios com baixo desemprego, e, consequentemente, melhor capacidade econômica da população.

Na AML, verificamos que a margem sul apresenta um risco relativo superior de prematuridade. No entanto, na margem norte encontra-se também um cluster de risco elevado. Este padrão partilha alguma similitude com a distribuição da taxa de desemprego, da taxa de analfabetismo e do índice de privação sociomaterial pelo que se identificou uma associação entre o risco relativo e estas variáveis socioeconômicas. Em alguns municípios a associação não é mais forte devido ao efeito mitigador da proximidade a hospital com serviço de obstetrícia. É o caso dos municípios de Almada e Vila Franca de Xira que possuem bolsões de privação sociomaterial (Santos e col., 2008SANTOS, R. et al. Effects of neighbourhoods deprivation on adverse birth outcomes in an urban area of Lisbon metropolitan area. European Journal of Public Health, Oxford, v. 18, n. 1, p. 134-138, 2008.), mas possuem um risco relativo baixo de nascimento pré-termo.

Na RMSP, alguns muncípios como Guarulhos apresentaram alto risco de nascimento pré-termo e alta privação sociomaterial, ao contrário de Cotia que, apesar do alto risco, apresentou baixa privação sociomaterial.

Este método foi aplicado por outros autores no estudo da natalidade. Num trabalho realizado para o município de Belo Horizonte, os resultados mostraram a presença de aglomerados espaciais relevantes para mães adolescentes e com baixa escolaridade, natimortos em gestações anteriores, cesárea e baixa participação em pré-natal, especialmente em áreas com características sócio-demográficas baixas (Friche, 2006FRICHE, A. L. et al. Indicadores de saúde materno infantil em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2001: análise dos diferenciais intra-urbanos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 1955-1965, 2006.).

Os resultados do presente trabalho sugerem que na AML a privação sociomaterial associa-se ao risco de nascimento pré-termo, ou seja, a prematuridade coincide com municípios em que mães dos bebês prematuros apresentam desvantagem socioeconômica, onde há escassez de oportunidades necessárias ao desenrolar da vida cotidianas. Em contrapartida, demonstram que na RMSP, a prematuridade pode ser maior em municípios onde apenas o desemprego é menor.

Portanto, observamos que as duas áreas metropolitanas são bastante distintas tanto no padrão da distribuição geográfica do risco relativo de nascimento pré-termo, quanto na associação espacial do risco com as variáveis do contexto geográfico. A AML apresenta a distribuição dos seus indicadores de modo mais homogêneo e a RMSP, mais disperso.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2014
  • Aceito
    24 Set 2014
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