Introdução
A urbanização brasileira e a concentração urbana são uma realidade recente que resultou em diversas modificações demográficas e nos modos de vida (Santos, 2009). O ambiente, seja onde se vive ou trabalha, pode facilitar ou dificultar diferentes aspectos, como o acesso a alimentos, influenciando na qualidade da alimentação (Morland et al., 2002; Diez Roux; Mair, 2010), o que é estudado na literatura como ambiente alimentar. A alimentação adequada e saudável só é viável a partir de ambientes alimentares que garantam o acesso a alimentos e sustentem condições mínimas em que as pessoas sejam capazes de prosperar (WHO, 2008).
O ambiente alimentar contempla diferentes dimensões, mas exploraremos o ambiente construído por estar diretamente ligado ao acesso de alimentos. O ambiente construído é o resultado de uma ação conduzida por diferentes atores e que, de alguma forma, favorece comportamentos saudáveis ou não. Inclui as construções disponíveis no ambiente, como propriedades residenciais e comerciais, parques, áreas de lazer, além de iluminação e transporte público disponível na região, entre outros. No caso do ambiente alimentar, especificamente, tem-se como exemplos os estabelecimentos comerciais de alimentos, restaurantes, lanchonetes, redes fast-food, dentre outros (Morland et al., 2002; Diez Roux; Mair, 2010). Acredita-se que este ambiente construído pode propiciar oportunidades ou barreiras para uma alimentação adequada e saudável.
A alimentação adequada e saudável tem como importante marcador o consumo de frutas e hortaliças (FH). Dado o potencial de promover a saúde deste grupo alimentar, distintos estudos buscam conhecer como o ambiente construído influencia o acesso a FH, principalmente pelo fato de o acesso facilitado possivelmente se associar ao maior consumo destes alimentos (Robinson et al., 2013).
O consumo inadequado de FH está associado a distintos e complexos fatores. Determinantes sociodemográficos, biológicos, culturais, econômicos e ambientais são importantes nas escolhas ou não destes alimentos. Condições socioeconômicas do território, renda e acesso a FH estão intrinsecamente relacionados ao seu consumo, repercutindo negativamente sobre a segurança alimentar e nutricional (SAN) das famílias e na garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Áreas socioeconomicamente desfavoráveis são geralmente habitadas por indivíduos que possuem menor consumo de FH. Acredita-se que isto ocorre devido ao menor acesso a alimentos saudáveis nessas áreas (geralmente são menos disponíveis, e, quando disponíveis, apresentam baixa qualidade e maiores preços), bem como a maior exposição a alimentos não saudáveis, comercializados em pequenos estabelecimentos, lojas de conveniência e redes fast-food (Moore; Diez Roux, 2006; Filomena; Scanlin; Morland, 2013; Mook et al., 2016).
A influência do acesso de alimentos sobre o consumo parece variar de acordo com o tipo de estabelecimento disponível no território. Supermercados, sacolões e feiras-livres têm sido apontados como indutores do consumo de alimentos saudáveis, como FH, por apresentarem maior variedade, melhor qualidade e menor custo. Já pequenos comércios e lojas de conveniência possuem produtos com qualidade inferior, preços superiores e comercializam principalmente produtos ultraprocessados - ricos em gorduras, sal, açúcar e aditivos químicos (Larson; Story; Nelson, 2009; Franco, 2008).
A influência do ambiente sobre a alimentação traduz a necessidade de ações, diretrizes e políticas públicas intersetoriais que sejam capazes de repercutir na dinâmica do uso social do solo, da produção, distribuição, comercialização e abastecimento de alimentos saudáveis, como o estímulo à prática da agricultura urbana e à implantação de estabelecimentos privados e/ou públicos em áreas desprovidas e de menor renda, visando garantir o DHAA e a SAN. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ações que promovam equidade em saúde, como aquelas que garantam acesso universal a alimentos saudáveis, devem ser o coração e a prioridade máxima do planejamento urbano e das políticas públicas (WHO, 2008).
Diante de tais aspectos, este trabalho objetivou explorar o ambiente alimentar de acordo com o acesso a FH, a partir da perspectiva de uma grande metrópole brasileira, referência internacional para políticas públicas de SAN.
Ambiente alimentar e segurança alimentar e nutricional na perspectiva de uma metrópole
Com o objetivo de garantir o DHAA, foi criado, em 2006, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), possibilitando ao Brasil melhor organizar as políticas públicas e ações de promoção da SAN. Um marco neste processo foi, em 2010, a implantação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), com foco em múltiplas dimensões nas diferentes áreas de conhecimento, que estabeleceu diretrizes para a elaboração do primeiro Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN, 2012/2015), já em sua segunda versão (PLANSAN, 2016/2019). Dentre as diretrizes do Plano, destaca-se a “Promoção do Abastecimento e Estruturação de Sistemas Descentralizados, de Base Agroecológica e Sustentáveis de Produção, Extração, Processamento e Distribuição de Alimentos”, que objetiva fomentar o abastecimento de alimentos e consolidar circuitos locais e regionais de produção, abastecimento e consumo para a garantia do acesso regular e permanente a alimentos, em quantidade suficiente, qualidade e diversidade, levando-se em consideração práticas alimentares saudáveis e aspectos culturais e ambientais da região (Brasil, 2010; 2011; 2016a).
Neste manuscrito iremos explorar a metrópole de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. O município está localizado na região Sudeste do Brasil, sendo o sexto mais populoso do País e oitavo no continente da América do Sul, com população de 2.375.151 habitantes, densidade demográfica de 7.167 habitantes por quilômetro quadrado (IBGE, 2010), Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,810 e GINI de 0,6106 (Brasil, 2016b).
O município foi escolhido por apresentar políticas públicas bem-sucedidas de SAN com visibilidade mundial (Rocha, 2001; Gopel, 2010). Em relação ao restante do País, as políticas de SAN no município foram implantadas precocemente, ainda na década de 1990, evidenciando seu pioneirismo. Em 1993, a criação da Secretaria Municipal de Abastecimento, atualmente Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional (SMASAN), alavancou as ações de SAN, sobretudo as relacionadas ao consumo, produção e abastecimento de alimentos (Rocha, 2001). Ademais, a Política Metropolitana Integrada de SAN, descrita na proposta do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH), apresenta aspectos interessantes para a construção de ambientes saudáveis a partir de sistemas alimentares sustentáveis, como o uso do solo metropolitano para produção de alimentos, com menor impacto ambiental na distribuição e no consumo alimentar; o incentivo a práticas de agricultura urbana, periurbana e agroecologia; e a promoção da saúde da população por meio da alimentação adequada e saudável (Belo Horizonte, 2011).
Os programas de SAN, desenvolvidos pela SMASAN no município, atendem a mais de um milhão de pessoas diariamente (42% da população de Belo Horizonte). Apresenta foco no incentivo à produção; autoabastecimento; hortas escolares e comunitárias; pró-pomar; defesa e promoção do consumo alimentar por meio de oficinas de alimentação, orientação nutricional e distribuição da merenda escolar; a comercialização subsidiada de alimentos; e capacitação em escolas profissionalizantes (Belo Horizonte, 2016). A partir de parcerias entre o poder público, setor privado e sociedade civil, o município também conta com as feiras de produtos orgânicos, que realizam a venda direta do produtor ao consumidor. São ofertados produtos de qualidade a preços regulados, contribuindo para a geração de renda dos produtores. Entretanto, esse programa ainda se restringe a áreas nobres da cidade e são poucos os pontos de venda, não contribuindo de forma significativa para melhorar o acesso a alimentos saudáveis.
Uma ação importante é a oferta subsidiada de refeições pelos Restaurantes Populares. Eles buscam ampliar a oferta de refeições prontas e saudáveis a preços acessíveis, especialmente para indivíduos e famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional. Em Belo Horizonte essa ação é gerenciada pela SMASAN, que subsidia parte dos preços e é responsável pela logística de compra dos gêneros, fabricação e qualidade nutricional das refeições, ofertando aproximadamente 14 mil refeições por dia. Indivíduos em situação de rua cadastrados pela Secretaria de Assistência Social recebem gratuitamente três refeições ao dia, e aos beneficiários do programa Bolsa Família é concedido 50% de desconto (Braga et al., 2014).
A partir dessa experiência exitosa em Belo Horizonte e em outros municípios brasileiros, atualmente o Programa de Restaurantes Populares do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) é parte integrante das ações de SAN desenvolvidas pelo governo federal, com intuito de criar uma rede de proteção alimentar em áreas de grande circulação de pessoas que realizam refeições fora de casa, atendendo os segmentos mais vulneráveis (Brasil, 2004).
Dois outros importantes programas relacionados ao abastecimento de alimentos são as feiras-livres e os sacolões públicos. Estes atuam em diferentes eixos do sistema alimentar, sendo alguns em parceira com outras instituições. São ações reguladoras de mercado praticadas pelo município e reconhecidas como essenciais para promover ambientes alimentares saudáveis.
As feiras-livres funcionam em ruas e praças nas nove regionais do município; atualmente, são sessenta pontos de venda. Nesses espaços são comercializados alimentos comprovadamente artesanais, da lavoura e da indústria rural, como hortifrutigranjeiros, laticínios, carnes, peixes, doces e biscoitos (Belo Horizonte, 2016).
Os sacolões municipais, denominados sacolões de Alimentos a Baixo Custo (ABC), conhecidos como ABasteCer, comercializam, em média, setenta itens, sendo vinte produtos hortifrutigranjeiros vendidos ao preço máximo de R$1,19 o quilo. Os estabelecimentos também estão distribuídos pela cidade, sendo, atualmente, 21 unidades fiscalizadas pela SMASAN no que se refere a preço, qualidade e produtos oferecidos à população. Cerca de 4,4 milhões de pessoas foram atendidas entre janeiro e dezembro de 2013, e comercializados, aproximadamente, 44,1 milhões de quilos de alimentos (Belo Horizonte, 2016).
Tais ações e políticas públicas favorecem o acesso e a aquisição direta de alimentos saudáveis pela população, sobretudo aquelas em situação de vulnerabilidade, e, consequentemente, podem contribuir para reduzir o impacto da insegurança alimentar sobre as famílias. Entretanto, apresentam limitações que serão discutidas a seguir.
Conhecendo o ambiente alimentar: equipamentos públicos e privados
O acesso a alimentos pode ser efetuado pela rede privada e/ou pública. No caso dos estabelecimentos privados há diferentes tipos, como os hipermercados, supermercados, atacarejos, mercados locais, sacolões, dentre outros. Embora não seja prática comum e tenha credibilidade limitada, o setor privado pode contribuir para o bem público e social. Para tanto, é importante a participação da sociedade civil e de consumidores empoderados para a maior responsabilidade social do setor privado na oferta de preços justos e produtos com boa qualidade (OMS, 2008).
No caso de Belo Horizonte, a rede pública apresenta papel diferenciado, sobretudo, por apresentar uma secretaria municipal específica para tratar as questões referentes a SAN. As políticas públicas de SAN do município são reconhecidas internacionalmente, com diversas premiações, e dispondo de uma rede de abastecimento municipal de alimentos que abrange diferentes ações e equipamentos, incluindo as feiras-livres e sacolões ABasteCer, como citado previamente.
Apesar das iniciativas inovadoras no município no que tange à distribuição de alimentos, estudo que objetivou auditar o ambiente alimentar dos territórios de serviços de saúde da Atenção Básica à Saúde denominados Programa Academia da Saúde (PAS) - os quais, segundo o Ministério da Saúde, devem contemplar ações de promoção da alimentação saudável e de SAN - mostrou a concentração de estabelecimentos comerciais de FH na região Centro-sul, área mais rica da cidade, e acesso limitado na periferia e territórios do PAS (Costa; Oliveira; Lopes, 2015). Levanta-se então a questão de como é o acesso a estabelecimentos comerciais de FH para a população de áreas mais periféricas da cidade, e se são suficientes para garantir o DHAA e a SAN.
Na Figura 1 estão apresentados todos os estabelecimentos comerciais de FH existentes no município, incluindo locais públicos e privados. Ao observar o mapa, verifica-se que os estabelecimentos não estão distribuídos aleatoriamente, apresentando tendência de aglomeração espacial em determinadas regionais e áreas, conforme apontado por estudos realizados no município (Pessoa, 2013; Costa; Oliveira; Lopes, 2015).
Quanto aos equipamentos públicos denominados feiras-livres, das 64 unidades existentes no município, 35 (54,7%) localizavam-se na área central e mais rica da cidade, contrastando com regiões mais periféricas, como Barreiro e Norte, que possuíam apenas uma unidade (Figura 2) (Costa; Oliveira; Lopes, 2015).
Ao analisar o território de dezoito polos do PAS do município, foram identificadas treze feiras-livres, sendo que uma não se encontrava mais em funcionamento, unidade localizada em região periférica (Costa; Oliveira; Lopes, 2015). As feiras-livres, ao serem auditadas diretamente em campo, apresentaram características desfavoráveis de acesso, sendo pequenas, com média de apenas quatro barracas (variando de duas a nove), e oferta de apenas um tipo de produto, seja frutas, verduras, legumes, carnes, pescados ou biscoitos. Ademais, apesar de serem equipamentos incentivados por políticas públicas, comercializavam alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, gordura e sal, que competem diretamente com alimentos saudáveis, como as FH (Costa; Oliveira; Lopes, 2015).
Corroborando a importância destas informações, Araújo (2016) identificou níveis de insegurança alimentar nos territórios do PAS superior aos nacionais, reforçando a necessidade de implantar os programas de SAN nestes territórios, com vistas à oferta de alimentos com preços mais acessíveis.
Os sacolões municipais também não estavam distribuídos aleatoriamente pela cidade, com concentração nas regionais Centro-sul e Leste, regiões com IDHM dos mais altos do município. Já a regional Norte, com baixo IDHM, não contou com equipamento algum (Figura 2).
A menor distribuição de feiras-livres e sacolões municipais em áreas mais periféricas e com menores IDHM da cidade revela a importância do monitoramento e controle social das políticas públicas com vistas a reduzir as iniquidades e contribuir para a construção de territórios saudáveis. Ressalta-se que mudanças positivas na alimentação podem ser difíceis de serem alcançadas e mantidas em ambientes desfavoráveis à saúde.
Costa, Oliveira e Lopes (2015) mostraram que o aumento de unidades de estabelecimentos comerciais, como sacolões, feiras-livres e supermercados pode favorecer o acesso a alimentos saudáveis em territórios menos favorecidos. Além disso, a implantação de equipamentos públicos pode contribuir para a preservação da culinária e economia local, o aumento da base de impostos, a atração de outros comércios, a redução de preços dos alimentos e o aumento do poder de compra da comunidade, entre outros aspectos.
Políticas públicas, quando bem planejadas, implementadas, e, sobretudo, intersetoriais, podem impactar positivamente sobre os determinantes sociais, o ambiente alimentar e a vida da comunidade, reduzindo iniquidades e promovendo saúde.
Considerações finais
A distribuição concentrada de estabelecimentos comerciais em áreas centrais tem sido descrita em outras cidades, como São Paulo, por exemplo. Entretanto políticas públicas, pelo seu potencial e vocação em superar iniquidades, devem estar distribuídas de forma equânime, atendendo às necessidades de áreas periféricas e menos favorecidas.
A violência e a pouca expressividade de indivíduos interessados e/ou informados do processo de chamamento público para utilização de equipamentos públicos de abastecimento de alimentos têm sido apontados como os principais dificultadores para a melhor distribuição desses equipamentos na cidade. Contudo serviços de saúde e outros equipamentos públicos se distribuem de forma mais homogênea, sendo exemplos os centros de saúde e os polos do PAS.
Sugere-se que políticas públicas de abastecimento e comercialização de alimentos, por se tratar de tema eminentemente intersetorial, estejam acopladas a outras, como as de saúde, planejamento urbano, segurança pública, geografia, comércio, agricultura e educação. Vários movimentos têm proposto essa integração, visando alcançar maior efetividade na redução de iniquidades.
Um caminho interessante neste sentido pode ser associar os equipamentos de abastecimento de alimentos aos polos do PAS, que, geralmente, contam com espaços abertos e frequentadores ansiosos por consumir saúde, além de o Programa estar em expansão no Brasil. O Ministério da Saúde repassou recursos para a construção de 3.790 polos em mais de 2.700 municípios brasileiros, e, até junho de 2015, 1.244 obras foram concluídas (Malta; Silva, 2016). Estes serviços estão localizados próximos ou em centros de saúde e contam com o apoio da população local, tornando-se assim alternativa factível para superar a violência.
O PAS, por ser um serviço de promoção da saúde, preconiza a intersetorialidade, a integralidade do cuidado e a participação popular no enfrentamento dos determinantes sociais e na construção da saúde, além de prever a realização de atividades de promoção da alimentação adequada e saudável e de SAN. Suas ações buscam desenvolver competências individuais, reforçar ações coletivas e criar ambientes favoráveis, em consonância, portanto, com as políticas de SAN, na busca por um ambiente alimentar diverso e saudável (Costa; Oliveira; Lopes, 2015).
Em Belo Horizonte, o PAS foi implantado em 2006, prioritariamente em áreas vulneráveis da cidade (Índice de Vulnerabilidade à Saúde = elevado/muito elevado e médio ) (Dias, 2010). Atualmente, são 63 polos distribuídos nas nove regionais, com capacidade média estimada de atender 25 mil pessoas (Belo Horizonte, 2016).
Suprir este contingente de pessoas com alimentos saudáveis, como FH, laticínios, peixes e carnes, em territórios mais vulneráveis, pode contribuir para superar a distribuição desigual dos programas de SAN e ampliar seu espectro de ação, bem como favorecer a redução da insegurança alimentar das famílias.
Ainda nesta direção, o incentivo da promoção a SAN, pelo estímulo a sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, como as práticas de agricultura urbana, periurbana e agroecologia, pode ser uma alternativa nas regiões metropolitanas. São ações adotadas em diferentes lugares do mundo, inclusive em Belo Horizonte e no restante do Brasil, mas de maneira ainda pouco expressiva. Prevê a utilização de espaços disponíveis em residências e vazios urbanos, áreas públicas e privadas não construídas e potencialmente produtivas, para a produção agrícola e a criação de animais de pequeno porte, destinados para o consumo domiciliar ou à venda em mercados locais. Essas práticas encontram-se em consonância com o Estatuto da Cidade, que define normas de caráter público e interesse social, regulando o uso da propriedade urbana em benefício do bem coletivo, da segurança e do equilíbrio ambiental.
Outra questão levantada e que precisa de atenção é a ruptura da cultura da feira-livre. Esta no passado foi um espaço não só de compra de alimentos mais baratos, mas de convivência e pechincha de preços. Entretanto a mudança do belo-horizontino da realização de suas compras na feira para grandes estabelecimentos comerciais tem dificultado a sobrevivência dessa prática cultural. Além disso, o modelo atual de licitação das feiras dificulta a concorrência de preços e de qualidade dos alimentos, uma vez que cada feirante pode comercializar somente um tipo de produto (ex.: somente verduras ou somente frutas, dentre outros). Porém as feiras-livres se mantêm como tradição em diferentes cidades do País, inclusive no interior do estado de Minas Gerais, mostrando que esta cultura é atual e pode ser resgatada. Mas, para isto, a participação e o controle social no delineamento, planejamento e distribuição dos equipamentos públicos são fundamentais. O envolvimento e o empoderamento dos cidadãos podem contribuir para melhores formas de divulgação e convocação dos processos licitatórios, ampliando o alcance populacional.
O apoio da população para formação de redes de interesse comum tem sido apontado como uma das principais alavancas de programas exitosos, garantindo sua manutenção, independentemente de mudanças políticas e administrativas. Políticas e ações públicas, com vistas à gestão participativa, são ferramentas capazes de empoderar seus participantes para representar suas necessidades e direitos. Dessa forma, o empoderamento e a autonomia da comunidade na construção de ambientes saudáveis e sustentáveis são essenciais para que programas de SAN, como as feiras-livres e os sacolões municipais, atendam de fato as regiões menos favorecidas e a população, cumprindo assim, sua função social de promover equidade.