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A contribuição do pensamento da saúde coletiva à economia política da saúde

The contribution of public health thought to the political economy of health

Resumo

O artigo resgata o pensamento crítico da economia política elaborado nos anos 1980 no campo de discussão da saúde coletiva, visando compreender suas contribuições teóricas e problematizá-las no contexto do capitalismo contemporâneo, principalmente para evidenciar as limitações da implantação da saúde pública universal pela perspectiva do Estado e da visão predominante no seu interior, com redução de direitos sociais. São analisados alguns autores considerados clássicos no campo da economia política da saúde, tais como Sonia Fleury Teixeira, Jaime Oliveira, José Carlos de Souza Braga e Sérgio Goes de Paula. O retorno a esse pensamento crítico contribui com a emergência de questões sobre o cenário para a saúde pública brasileira no contexto das transformações contemporâneas. Particularmente, essas reflexões ampliam perspectivas para refletir criticamente sobre o pensamento econômico e social hegemônico no capitalismo contemporâneo e sobre o presente e o futuro da saúde como direito no Brasil.

Palavras-chave:
Pensamento Crítico; Economia Política; Saúde Coletiva; Movimento da Reforma Sanitária

Abstract

This article retakes the critical thinking of the political economy developed in the 1980s in the public health discussion, aiming to understand its theoretical contributions and to discuss them in contemporary capitalism, mainly to highlight the limitations of universal public health establishment from the perspective of the State and the predominant vision within it, considering the reduction of social rights. We supported our article with concepts from some classic authors in the field of political economy of health, such as Sonia Fleury Teixeira, Jaime Oliveira, José Carlos de Souza Braga e Sérgio Goes de Paula. The return to this critical thinking contributes to the emergence of questions about the scenario for Brazilian public health in the context of contemporary changes. These reflections broaden perspectives to critical reflections on the hegemonic economic and social thought in contemporary capitalism and on the present and future of health as a right in Brazil.

Keywords:
Critical Thought; Political Economy; Public Health; Health Reform Movement

Introdução

Vivemos há quase trinta anos sob a égide de tensões e embates para assegurar o desenvolvimento de uma política pública universal da saúde, instituída na Constituição de 1988. Trata-se de período caracterizado por mudanças significativas, marcado, em primeira instância, pelo triunfo de uma política neoliberal que vem assegurando uma racionalidade de “retorno ao mercado” nas políticas econômicas e sociais e, em última instância, por alterações no movimento do capital, em que o capital financeiro, principalmente na sua forma mais perversa, de capital fictício, manteve-se soberano entre as diferentes modalidades - industrial e comercial1 1 Para o conhecimento desse contexto contemporâneo do movimento do capital e os efeitos sobre a saúde no Brasil, ver Mendes (2016). . Sua forma de atuação tem, entre outros efeitos, prejudicado os orçamentos do fundo público, o que compromete a manutenção dos direitos associados ao Estado Social2 2 A utilização do termo Estado Social se apoia em Boschetti (2016), que busca captar a regulação econômico-social por meio de políticas sociais, atribuindo ao Estado capitalista determinações objetivas, explicitando que a incorporação dessas políticas pelo Estado não extrai dele a característica essencialmente capitalista. Boschetti argumenta que a utilização da categoria Estado Social não elimina a condição de “bem-estar” ou de “mal-estar”, mas contribui para qualificar uma dimensão da ação do Estado no processo histórico-social do modo de produção capitalista, necessário para a reprodução do capital. Por sua vez, a autora afirma que os conceitos Welfare State, État Providence e Estado de bem-estar social, utilizados quase universalmente como definições da ação social do Estado, expressam particularidades de cada nação a que se referem, associando positivamente a intervenção capitalista do Estado na área social. ou a concretização dos novos direitos introduzidos naqueles países de capitalismo tardio, tal como o Brasil.

O quadro econômico e social que se seguiu à criação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, é significativamente diferente daquele dos países capitalistas avançados, principalmente europeus, quando construíram seus sistemas universais de saúde. Se antes era possível verificar grande magnitude de recursos e um ambiente político e social favorável à construção da cidadania social, atualmente esses aspectos são disputados com o movimento do capital contemporâneo, sob a predominância do financeiro, cujo interesse é manter o pagamento dos juros da dívida pública e acessar recursos antes a ele proibidos. Nesse sentido, observa-se um movimento muito mais associado ao fortalecimento da ideia de construção de uma “cidadania consumista” - o acesso à saúde pela via do consumo, sob o domínio do capital -,contrário à forma de acesso por meio do direito à saúde (Scheffer, 2015SCHEFFER, M. O capital estrangeiro e a privatização do sistema de saúde brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 4, p. 663-666, 2015.).

Observa-se de forma significativa a permissão do Estado à apropriação do fundo público pelo capital. Para se ter uma ideia, no contexto da crise do capitalismo contemporâneo, sob o controle do capital portador de juros, o Estado brasileiro não parou de conceder incentivo aos interesses do setor privado, impondo riscos à seguridade social. Constatam-se vários aspectos que vêm enfraquecendo os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, ainda que ampliado em um duplo movimento: de um lado, dilatando-se no interior do Estado capitalista contemporâneo, de outro, sendo apropriado pelo movimento do capital, sob o comando do capital financeiro (Mendes, 2015MENDES, Á. O subfinanciamento e a mercantilização do SUS no contexto do capitalismo contemporâneo em crise. In: BRAVO, M. I. S. et al. (Org.). A mercantilização da saúde em debate: as organizações sociais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 2015. v. 1. p. 11-19. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/mkfszJ >. Acesso em: 4 dez. 2017.
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).

Nesse contexto, este artigo tem o objetivo de resgatar o pensamento crítico da economia política elaborado nos anos 1980 no campo de discussão da saúde coletiva, visando compreender suas contribuições teóricas e problematizá-las no contexto do capitalismo contemporâneo, principalmente para evidenciar as limitações da implantação da saúde pública universal pela perspectiva do Estado e das políticas públicas direcionadas pela visão predominante no seu interior, por meio da abordagem neoclássica, com redução de direitos sociais. São analisados alguns autores considerados clássicos no campo da economia política da saúde, tais como Sonia Fleury Teixeira (1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., 1992TEIXEIRA, S. F. (Org.). Estado y politicas sociales en América Latina. México, DF: UAM, 1992.), Jaime Oliveira e Sonia Fleury Teixeira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.), Jaime de Oliveira (1987)OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987. e Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.)3 3 O entendimento acerca de autores considerados clássicos na economia política da saúde se apoia na análise que Brandão (2005, p. 236) realiza a respeito do pensamento social e político brasileiro. Para o autor, obras clássicas são aquelas em que se pode perceber, por exemplo, formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, que estabelecem problemáticas e continuidades que permitem situar e colocar sob nova luz muita proposta política e muita análise científica atual. . A escolha dessas obras se justifica por constituírem textos essenciais à época para melhor compreender a discussão sobre a especificidade do Estado capitalista brasileiro e a histórica relação entre a saúde e a acumulação capitalista no país. A rigor, este artigo faz parte dos resultados da pesquisa denominada Reflexões sobre o pensamento social em saúde: um estudo teórico acerca da produção da saúde coletiva, apoiada pelo CNPQ, cujo objetivo foi a análise da produção teórica original do campo da saúde coletiva entre os anos 1970 e 1980, com foco em oito autores que apresentam abordagens de matrizes da sociologia, da história social e da economia política4 4 Para o conhecimento do conteúdo dessa pesquisa, ver Mendes et al. (2016). Além das quatro abordagens teóricas analisadas no âmbito deste artigo, a pesquisa inclui também obras dos seguintes autores: Cecília Donnangelo, Sergio Arouca, Madel Luz e Emerson Mehry. .

Parte-se do pressuposto que o retorno a esse pensamento crítico contribui com a emergência de questões sobre o cenário para a saúde pública brasileira no contexto das transformações contemporâneas. Particularmente, essas reflexões ampliam perspectivas para refletir criticamente sobre o pensamento econômico e social hegemônico no capitalismo atual, sob a égide do neoliberalismo, e sobre o presente e o futuro da saúde como direito no Brasil.

A partir da análise da contribuição teórica desses autores, algumas indagações merecem ser analisadas: até que ponto o Estado, por meio das políticas públicas, como destacado pelos autores analisados, ainda apresenta papel potencial e real de implementar e garantir direitos democráticos e sociais, especificamente o direito à saúde universal? Como entender a relação histórica entre a saúde e o modo de produção capitalista, de maneira a caracterizar a possibilidade de essa política ser assegurada de forma emancipada no contexto do capitalismo contemporâneo? Em que sentido a trajetória do pensamento econômico, particularmente, de hegemonia da visão neoclássica e sua relação com a saúde podem contribuir para entender as limitações atuais da implementação do direito à saúde?

Este artigo está estruturado em três partes, incorporando a síntese conclusiva. A primeira trata de especificar a configuração da relação entre Estado e sociedade no que se refere ao direito à saúde, possibilitando o conhecimento da especificidade do Estado brasileiro e a análise histórica da relação entre saúde e modo de produção capitalista, com a contribuição do pensamento de Jaime de Oliveira e Sonia Fleury Teixeira. A segunda parte trata de compreender a trajetória do pensamento econômico e sua relação com a saúde, destacando a natureza da visão neoclássica e sua presença marcante no início e no final do século XX, por meio da contribuição de Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.). A terceira parte, de conteúdo conclusivo, apresenta algumas questões sobre o cenário da saúde pública no Brasil no contexto do capitalismo contemporâneo que emergem a partir das contribuições teóricas analisadas nos autores em estudo.

A aproximação da natureza específica do Estado capitalista brasileiro e sua relação com a saúde

Teixeira (1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.), ao analisar a relação entre o papel do Estado e a saúde, se apoia no referencial marxista, mas não deixa de utilizá-lo criticamente5 5 Sonia Fleury Teixeira, ao lado de Jaime de Oliveira – importantes formuladores da Reforma Sanitária Brasileira –, se apoiam no método marxista de intervenção política de Gramsci, criticando a corrente do estruturalismo althusseriano. . Segundo a autora, a incorporação de categorias marxistas para uma análise da intervenção do Estado na produção da política de saúde se orientou pela utilização da categoria medicina estatal . Essa categoria buscava apreender as alterações do aparelho do Estado, por um lado, e por outro, fornecer resposta às modificações do papel da medicina no processo de acumulação capitalista, particularmente no que concerne às alterações na prática medica enquanto ação estatal (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 18).

Em crítica aberta à análise marxista mais influente da época - a interpretação “estruturalista”6 6 O principal representante marxista do método de análise estruturalista foi Althusser, particularmente após a publicação de Pour Marx (1965) e Lire le Capital (1966), com grande influência no meio acadêmico, inclusive no Brasil, ao longo das décadas de 1960 e 1970. Por sua vez, ao lado do estruturalismo, Gramsci também ganha grande destaque nos debates marxistas nessa época, após as publicações dos Cadernos do cárcere, editados por Togliatti em 1947 e 1951, e por Guerratana em 1975. Como mencionado na nota 5, os autores aqui analisados recorrem à visão gramsciana. Para uma interpretação crítica à leitura desses autores sobre Gramsci, ver Silva (2016). -, Teixeira explicita seus problemas, à medida que sua capacidade explicativa abandona a noção de causalidade em favor da concepção de determinação. Segundo a autora, “a utilização do modelo de determinação tem sofrido frequentes truncamentos mecanicistas, ao procurar enquadrar as políticas sociais ora sob o ângulo da acumulação, ora sob a perspectiva da legitimação” (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 19, grifos nossos).

Para se contrapor ao que intitula de ‘truncamentos mecanicistas”, Teixeira propõe o estudo sobre democracia e reforma sanitária, no contexto do período pós-constituinte no Brasil, recorrendo à perspectiva crítica inspirada na análise da economia política marxista, com particular ênfase na abordagem gramsciana. Para tanto, amplia a análise com outras reflexões teóricas, principalmente as que consideram o próprio desenvolvimento da cidadania no Estado moderno, estabelecendo padrões de direitos sociais próprios a cada nação. Isso fica explícito quando a autora argumenta:

A simples introdução da noção de interesses de classe não garante que a análise política ultrapasse o nível da reificação das funções das políticas sociais. A questão da análise dos determinantes da intervenção estatal passa assim a requerer uma reflexão mais acurada da própria natureza do Estado, recuperando a noção básica da contradição e de suas manifestações históricas concretas. (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 20)

Embora a autora reconheça a importância da concepção histórico-estrutural para a área da saúde, como um novo paradigma no conhecimento da relação entre medicina e sociedade e, consequentemente, do papel do Estado nessa relação - fortalecida pela articulação dos três níveis, econômico, político e ideológico -, argumenta contra a redução da análise a essa concepção. A crítica da autora recai no baixo grau de tratamento dos níveis político e ideológico, os quais essa abordagem utiliza de forma mecanicista, ou seja, reduz toda política social a um simples papel de reprodução do modo de produção nos planos econômico e/ou superestrutural.

Assim, para Teixeira, o conceito de cidadania abrange o nível político de forma mais completa: “é, ao nível político, a abstração necessária à constituição, fundamento e legitimidade do poder político” (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 20). Isso porque cidadania implica igualdade formal entre os indivíduos isolados perante o Estado, negando a existência das relações contraditórias de exploração, das classes sociais, dos atores coletivos, sendo fundamental para a construção das ideias liberais de um Estado como representante da vontade coletiva. Teixeira ainda argumenta que:

se por um lado a cidadania enquanto relação individual de direito entre o cidadão e o Estado, é a negação da existência das classes sociais, por outro lado, seu reconhecimento, contraditoriamente, foi imprescindível para a constituição, organização e luta das classes dominadas. (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 21)

Nessa perspectiva, ao colocar a cidadania como uma categoria fundamental na sua análise sobre a formulação de uma teoria para a Reforma Sanitária, especialmente num país da periferia do capitalismo, como o Brasil, Teixeira busca compreender a questão da cidadania não somente enquanto espaço de consenso entre as classes, mas principalmente como espaço de fortalecimento de luta e contra-hegemônica das classes subalternas. Dessa forma, insiste:

Assim como o Estado capitalista é mais que um instrumento da dominação burguesa, devendo ser compreendido em sua natureza complexa, da mesma forma a cidadania é mais que uma mistificação da relação de igualdade burguesa, sendo necessário compreendê-la em sua gênese e desenvolvimento, para além de sua funcionalidade. (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 21)

Mais uma vez, a autora deixa clara sua ideia de cidadania:

Além de um conjunto de regras formais de exercício do poder político, a democracia é o locus de articulação das mediações entre Estado moderno e sociedade. A cidadania é, pois, a mediação que dá organicidade a esta relação, na medida em que, para além ou em negação à fragmentação das classes na estrutura social, articula o conjunto de indivíduo de uma nação ao Estado representativo, assegurando-lhe a legitimidade necessária ao exercício do poder. (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 33)

É nesse aspecto que Teixeira revela a base conceitual da noção de cidadania, referindo-se à conclusão de O’Donnell e Schimitter (1987 apud Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.) - única referência teórica ao conceito de cidadania tratado por ela. Esses autores concluem que “o princípio central da democracia” e da cidadania envolve tanto “o direito de ser tratado pelos outros seres humanos como um igual no que se refere a fazer escolhas coletivas e o dever por parte dos que implementam tais escolhas, de ser acessível e responsável perante todos os membros da comunidade política” (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 33).

É fundamentalmente nesse espaço da conformação da cidadania - e das distintas cidadanias - que Teixeira reinterpreta o papel do Estado e das disputas internas entre classes com interesses antagônicos, o que deve requerer uma ampliação da concepção de Estado.

Contudo, apesar de Teixeira afirmar a necessidade da análise das disputas no interior do Estado e da luta pela construção de uma nova hegemonia, ressalta a seletividade estrutural do Estado capitalista e os interesses gerais da classe dominante, o que pode colocar dificuldades concretas ao avanço do projeto reformista na saúde.

Nessa linha, Teixeira reconhece que as análises relativas ao processo de formulação de políticas (com destaque à política de saúde) devem considerar a particular presença do nosso Estado capitalista, especialmente na construção do modelo de desenvolvimento nacional, baseado na conformação de uma industrialização retardatária que impõe características bem específicas e problemáticas. Teixeira argumenta a respeito dessa especificidade quando afirma que:

o padrão de política social emergente em um contexto de industrialização retardatária foi marcadamente distinto daquele que se originou na liberal-democracia. Em primeiro lugar, há um consenso sobre a necessidade de proteção que perpassa toda a sociedade, e, em segundo lugar, o Estado é o mentor do projeto e não os trabalhadores. (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 23, grifo nosso)

Os resultados desse processo permitem estruturar um sistema de proteção social que não se orienta pelos princípios da universalização, mas sim pela “diferenciação das categorias de trabalhadores em relação à pauta de benefícios a que têm acesso” (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 23). Além disso, a autora dá ênfase a outras características da limitação de nosso capitalismo dependente da construção de políticas sociais mais universalistas:

Diferentemente dos países desenvolvidos, as economias retardatárias/dependentes caracterizam-se pela incorporação de tecnologia elevada e concentradora de capital, de forma abrupta e fragmentada, sem uma articulação orgânica ou um efeito expansivo para o conjunto dos setores produtivos. Essa modalidade desde o início monopolística de organização da produção tem como característica central a heterogeneidade estrutural da economia com a concomitância do processo de expansão das relações capitalistas e a manutenção, como partes integrantes desse processo de acumulação, de formas de inserção na divisão social do trabalho não tipicamente capitalistas […]. Resulta desse complexo processo de acumulação uma classe trabalhadora altamente heterogênea, com diferentes formas de inserção na produção. (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 24)

Ao reconhecer a especificidade do Estado, da economia e da classe trabalhadora brasileira, Teixeira enfatiza a necessidade de considerarmos na análise das políticas sociais os sistemas de representação e organização de interesses, as alianças entre atores políticos, reivindicando uma compreensão sobre regimes e instituições políticas. No contexto da seletividade estrutural do Estado, de forma mais direta, Teixeira sugere que a análise política da seguridade social abranja o entendimento da pauta orientada pelos “grupos de pressão” e pela “burocracia estatal”, hierarquizando a atuação dos primeiros sobre a segunda (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.). Ainda nessa questão, a autora destaca seu trabalho com Jaime de Oliveira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.), (Im)Previdência Social: 60 anos de história da previdência no Brasil, que estuda o comportamento da burocracia e dos grupos de interesses nos contextos políticos específicos de países latino-americanos, ressaltando os “governos populistas, os regimes burocrático-autoritários e os períodos de transição democrática” (Teixeira, 1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 26).

É no tratamento dado à questão do Estado, particularmente do nosso Estado periférico capitalista, que podemos apresentar os aspectos abordados por Teixeira (1992TEIXEIRA, S. F. (Org.). Estado y politicas sociales en América Latina. México, DF: UAM, 1992.), dando continuidade às hipóteses levantadas em seu livro de 1989 a respeito das análises das políticas públicas em geral e da saúde em particular.

A autora busca compreender a crise do Estado moderno e parte de advertências metodológicas da matriz de Poulantzas7 7 Trata-se do filósofo grego Nico Poulantzas (1936-1979). Dentre vários autores marxistas, Poulantzas se destaca pelo estudo da autonomia relativa do Estado perante a economia. Para essa abordagem, ver Poulantzas (1985). (Teixeira, 1992TEIXEIRA, S. F. (Org.). Estado y politicas sociales en América Latina. México, DF: UAM, 1992., p. 19), vendo a crise como acentuação dos elementos genéricos presentes e permanentemente em ação num contexto contraditório, em especial no contexto da fase do capitalismo monopolista em vigência até os anos 1980, em que o novo papel econômico do Estado implica relações novas entre a crise econômica e político-ideológica, revestindo-se, então, de um caráter estrutural.

Teixeira argumenta que o entendimento da crise deve estar apoiado nas transformações da relação entre economia e política, acentuando que as intervenções do Estado na economia atuam como fator que gera crises econômicas.

Na realidade, Teixeira se utiliza do tema “Estado em crise” como instrumento teórico e metodológico para propor uma contraposição aos estudos europeus sobre o Estado e reforçar a visão das particularidades da relação entre ele e a sociedade na América Latina. Dessa forma, possibilita a formulação de questões específicas ao movimento da reforma sanitária: de que forma a tradição marxista europeia influenciou a interpretação desse movimento? Quais são as especificidades da relação entre sociedade e Estado burguês latino-americano? Qual era a crise permanente de representatividade? Que tipo de institucionalidade era possível? Tais indagações se mantêm, inclusive, importantes para serem debatidas no contexto contemporâneo e serão retomadas, à medida do possível, na terceira seção deste artigo.

Por sua vez, a particularidade da crise do Estado capitalista brasileiro ganha dimensão específica quando Oliveira e Teixeira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.) caracterizam a história do complexo médico-previdenciário e sua ligação direta com a acumulação capitalista no país, dando origem à específica assistência à saúde. Tratam de evidenciar a grave crise desse modelo previdenciário, especialmente no limiar dos anos 1980, sob três dimensões articuladas: ideológica, financeira e político-institucional.

Em relação à primeira, os autores chamam a atenção para a formulação, em 1980, do Programa Nacional de Serviços Básicos em Saúde (Prev-Saúde), elaborado por um grupo técnico do Ministério da Saúde e do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). O programa buscava reestruturar e ampliar os serviços de saúde, incluindo também aspectos de saneamento e habitação (Oliveira; Teixeira, 1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986., p. 271). Segundo os autores, o Prev-Saúde, pelo caráter racionalizador de sua proposta e pela forma de elaboração verticalizada, distante da participação da sociedade civil, pode ser intitulado como um projeto “progressista-autoritário” (p. 272). Dessa forma, era tomado, por um lado, como uma radical estatização do setor, e de outro, como um resultado de medidas racionalizadoras que buscavam inibir a demanda não atendida pelo setor privado. A ausência de participação dos trabalhadores organizados no debate desse projeto acabou se constituindo num grave problema que o movimento pela Reforma Sanitária teve que enfrentar no início de sua formação.

No tocante à segunda dimensão da crise da Previdência, a financeira, os autores chamam a atenção para o déficit em 1981, que havia aumentado em 275% em relação ao ano anterior. Para Oliveira e Teixeira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986., p. 276-277), essa situação deveria ser atribuída à recessão econômica criada pela política vigente, que provocava o desemprego, com queda da contribuição dos autônomos e assalariados, diminuindo a participação da União na arrecadação do sistema. Nesse contexto, os autores advertem que a crise com aparência financeira é resultado de uma crise originária da contradição estrutural de um sistema em crescente expansão e com uma base financeira cada vez mais restrita.

Deveriam ser acrescidos à essa dimensão os aspectos de gestão dos recursos do sistema. As operações contábeis realizadas com bancos privados geravam prejuízo à Previdência, na medida em que o pagamento de juros a esses bancos contribuía para o lucro deles, aliado ao tempo em que os recursos financeiros permaneciam em suas contas, isto é, entre o dia em que recebiam o montante financeiro e o dia em que efetuavam os pagamentos dos benefícios. Além disso, somava-se o fato de que, nos anos de superávit da Previdência, seus recursos foram direcionados para a realização de grandes obras, como a Ponte Rio-Niterói, a Rodovia Transamazônica, a Companhia Siderúrgica Nacional, dentre outras (Oliveira; Teixeira, 1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986., p. 280).

Assim, se a crise financeira era concebida como a responsável pelos problemas da previdência, o modelo de privilégio ao setor privado de assistência médica era indicado como um dos grandes agravantes para o sistema. Os autores alertam que o modelo implantado na assistência médica previdenciária era corruptor, incontrolável, sofisticado e atendia prioritariamente à lógica de reprodução do capital, e não às necessidades de saúde da população. Contudo, Oliveira e Teixeira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.) afirmam que não se pode entender a crise da previdência apenas pelo fator financeiro. Há outras causas que devem ser mencionadas, com destaque para a dimensão político-institucional.

Tal dimensão se torna explícita a partir da criação do Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (Conasp), em 2 de setembro de 1981, por meio do decreto nº 86.239, sancionado pelo presidente da República (Brasil, 1981BRASIL. Decreto nº 86.239, de 2 de setembro de 1981. Institui o Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária - CONASP. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 set. 1981. Seção 1, p. 16637. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/Qak6vy >. Acesso em: 4 dez. 2017.
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). Esse conselho tinha como competência organizar e aperfeiçoar a assistência médica no âmbito do MPAS, sugerindo critérios de alocação de recursos previdenciários e recomendando, principalmente, políticas de financiamento e de assistência à saúde. Presidido por Aloysio Salles, médico do presidente da República, o conselho contava com o apoio de técnicos, profissionais e setores da população, além da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge). Como primeira medida racionalizadora, o conselho elaborou uma portaria que disciplinava o atendimento médico-hospitalar em hospitais privados, além de disciplinar a autorização de novos credenciamentos (Oliveira; Teixeira, 1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.).

Ainda que o plano do Conasp apresente aspectos avançados para reverter gradualmente o então modelo de assistência médica previdenciária, com ampliação das responsabilidades estatais, Oliveira e Teixeira argumentam que a fragilidade do setor público e sua dificuldade para adotar um planejamento racionalizador, com contenção de custos, prejudicavam essa implantação. Devem ser acrescidos a essas dificuldades os escândalos atuais envolvendo ministros e até o presidente do Conasp, agravando consideravelmente a crise político-institucional do MPAS. Os autores reconhecem que não se poderiam esperar do Conasp significativas mudanças, à medida que o conselho não enfrentava as contradições estruturais que permaneciam na base da crise da previdência (Oliveira; Teixeira, 1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986., p. 301).

Não resta dúvida de que o trabalho de Oliveira e Teixeira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.) contribui de forma significativa para a compreensão das dimensões que explicitam a crise do Estado capitalista brasileiro, situando-a no âmbito dos limites históricos do modelo médico-previdenciário e destacando sua relação com o processo de acumulação capitalista. Nas palavras de Carlos Gentile de Melo, no prefácio à obra, a contribuição desse trabalho se torna marcante à medida que compreende o papel que a instituição previdenciária exercia na organização social da prática médica e o modo como, no setor saúde, ficava explicitada a dinâmica das relações entre as classes sociais e o Estado. Além desse trabalho, em outro estudo Oliveira (1987)OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987. aprofunda tal análise, buscando entender a história, o terreno político, os condicionantes estruturais e conjunturais que teriam servido de base para a formulação estratégica do setor de saúde e seu nascente sistema nacional, o SUS.

Oliveira (1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987.) expõe uma periodização da história da política de saúde brasileira após 1964 organizada em duas etapas. A primeira compreende o período entre os anos 1960 até metade dos anos 1970, em que fica caracterizada a predominância de privilégios dos interesses econômico-corporativos do empresariado privado da área. A segunda etapa compreende a outra metade dos anos 1970, quando fica evidente uma crise econômica e política que, nas palavras do autor, se explicita por uma crise de legitimação e fiscal. É nessa etapa que o regime autoritário passa da fase do milagre econômico para a “abertura” política gradual, com proposições dirigidas ao controle, à reforma e racionalização do modelo assistencial anteriormente estabelecido. Entretanto, o autor chama a atenção para o fato de que essas proposições enfrentaram fortes barreiras políticas para serem adotadas (Oliveira, 1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987.).

É nesse cenário conturbado de crise que se cria um novo espaço para possíveis mudanças no modelo assistencial, especialmente de caráter racionalizador. Oliveira argumenta que, nesse contexto, abre-se uma oportunidade para o movimento sanitário sugerir uma nova agenda para o setor, nos marcos e em função da crise fiscal e de legitimidade do Estado. As palavras do autor são claras:

no meu entendimento, a ideia de “Reforma Sanitária” pode ter um significado inovador frente a este quadro, na medida em que esta proposição aponte numa direção que se situe (e hoje pode situar-se) para além daquelas preocupações (e de suas autolimitações). Ou seja, se situa para além dos esforços de resolução de uma crise de legitimidade e fiscal do Estado. E, portanto, no limite, para além dos esforços de autorreprodução deste Estado, e das condições econômico-sociais e políticas que ele ajuda a sustentar. (Oliveira, 1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987., p. 363, grifo nosso)

Dessa forma, segundo Oliveira, fica estabelecido um compromisso com novas propostas para o modelo de atenção à saúde, recuperando a eficácia político-ideológica das políticas públicas. Assim, para o autor, o rumo a ser seguido seria aproveitar as brechas e reforçar a guerra de posição no aparelho estatal, conforme noção denominada por Gramsci e em consonância com seus conceitos de “hegemonia” e “Estado ampliado” (sociedade política mais sociedade civil), respondendo à modernidade da ordenação política contemporânea do século XX.

Oliveira insiste na noção de guerra de posição, em oposição à guerra de movimento (tática bolchevique de tomada revolucionária do poder do Estado), como orientação estratégica para a luta pelo socialismo no Ocidente. Além disso, reforça o argumento lembrando que essa defesa da guerra de posição no interior do Estado é ampliada no pós-1945 por Togliatti8 8 Palmiro Togliatti foi um político e dirigente do Partido Comunista da Itália. Entre 1944 e 1946, integrou o governo italiano, ocupando os cargos de ministro sem pasta, ministro da Justiça e vice-primeiro-ministro. Foi eleito deputado em 1947. Após o XX Congresso do PCUS, apresentou aVía Italiana al Socialismo, obra que lança as bases para a virada do partido, mais tarde consolidada com o “eurocomunismo”. Tal vertente surge entre os partidos comunistas dos países da Europa Ocidental, particularmente Itália, França e Espanha, na década de 1970, apresentando-se como uma versão democrática da ideologia comunista, buscando uma “terceira via” entre a socialdemocracia clássica e os regimes comunistas então implantados no Leste europeu e estruturados em torno da burocracia do partido único. Sobre Togliatti, ver <https://goo.gl/4rTZ22>. , que cria o conceito de “democracia progressiva”. Tal noção de guerra de posição/democracia progressiva não se reduz à estratégia socialdemocrata de uma mera “ocupação” do Estado capitalista. Oliveira reafirma a importância de existir uma “quebra do Estado”, na perspectiva marxista, enquanto um aspecto central da transição para o socialismo. Parte-se da ideia de que essa “quebra” deve incluir a promoção de alterações estruturais no interior do Estado capitalista, como em sua tendência à burocratização e centralização, respondendo a sua natureza de classe. Oliveira insiste no argumento:

o que queremos frisar é que a noção de “guerra de posição”/ “democracia progressiva”/“democracia de massas” inclui a noção marxiana-leninista de “quebra” do Estado. Com a diferença (“vis-à-vis” uma situação de “guerra de movimento”) de que esta “quebra” é pensada, aqui, como algo que se realiza (tem que se realizar) anteriormente à tomada do poder político, do poder de Estado. E como condição para tal (o que, obviamente, nos obriga a trabalhar com uma concepção do Estado capitalista que não se reduza à noção vulgar de um “comitê de negócios”, de uma fortaleza a ser assaltada desde fora, mas sim com uma visão que se situe mais na direção de algo como, por exemplo, a fórmula poulantziana onde o Estado aparece como a “condensação material de uma relação de forças” e, portanto, como um campo possível de luta política revolucionária). (Oliveira, 1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987., p. 370)

Vejamos que Oliveira, ao não ser partidário de uma simples ocupação do Estado, remete a luta do movimento da reforma sanitária à constante lembrança de que seu papel deve ser sempre guiado pela preocupação de “quebra do Estado”. Para o autor, a quebra do Estado não se daria apenas dentro do aparelho. Oliveira se apoia no conceito de Gramsci de Estado ampliado, em que desaparecem as ideias de quaisquer distinções entre aparelho de Estado e aparelhos privados, bem como entre os aparelhos de hegemonia e coerção. A rigor, todos os aparelhos - públicos ou privados, de hegemonia e coerção - seriam, em última instância, integrantes do Estado.

Ao assumir essa noção, Oliveira estabelece a diferença estratégica entre guerra de posição e guerra de movimento. O autor argumenta de forma objetiva:

Ou seja, nos encontramos agora no núcleo da distinção entre guerra de posição e guerra de movimento. Uma vez que, como se sabe, a primeira corresponde a uma proposição estratégica orientada para os contextos nos quais o Estado capitalista já adquiriu claramente sua forma “ampliada”. Ou seja, estendeu-se aos aparelhos privados e se tornou hegemônico, dirigente, mais do que meramente dominante e coercitivo […] a ideia de guerra de posição, e sua sucedânea (democracia progressiva) apontam, conjuntamente, no sentido da necessidade de promover, naqueles contextos, uma ação política, e ideológica (moral, cultural) ampla, que inclui, além dos problemas (por si só complexos) ligados à “quebra” do aparelho de estado, todo o processo de luta pela hegemonia nos aparelhos, públicos e privados, de hegemonia e coerção. (Oliveira, 1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987., p. 371)

Torna-se claro que Oliveira se apoia na noção togliattiana de democracia progressiva, associando-a a sua defesa da guerra de posição, à medida que para sua visão o momento da guerra de movimento estaria superado pela história. Nessa perspectiva, Oliveira destaca o papel que as “políticas públicas”, especialmente as políticas sociais, deveriam cumprir, ampliando as fronteiras do Estado para uma hegemonia alternativa, de forma a pautar o caminho pelo movimento da reforma sanitária.

Oliveira não deixa de considerar que as políticas públicas são funcionais ao Estado capitalista, sendo essenciais ao modo de produção desse sistema. Oliveira explicita que as “políticas públicas” buscam garantir duas condições de reprodução da ordem estabelecida no interior do modo de produção capitalista: as “econômicas” e as “político-ideológicas”. Contudo, o autor, ao retomar esse padrão das políticas públicas, problematiza o assunto em relação à estratégia por ele anteriormente defendida. Vejamos suas indagações:

como devem ser pensadas, alternativamente, as chamadas “Políticas públicas” (e, mais particularmente, as “Políticas Sociais”) ao interior de um projeto de guerra de posição/democracia progressiva? […] se as “políticas públicas” jogam um papel razoavelmente claro como instrumento de manutenção e reprodução da ordem política e econômica dadas, como devem ser encaradas, alternativamente, num projeto de transformação radical, revolucionária (embora “progressiva”) deste quadro? […] como se colocam, mais concretamente, no âmbito das “Políticas Públicas”, as questões da “quebra do Estado”, e da luta pela hegemonia? (Oliveira, 1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987., p. 374-375)

Sem dúvida, as questões apresentadas por Oliveira embasavam um debate profícuo acerca dos rumos de mudança que a sociedade brasileira deveria seguir no contexto da democratização no país, sobretudo no campo de ação do setor saúde, especialmente do movimento da reforma sanitária. Ainda que Oliveira defendesse a via de transformação da sociedade pela “guerra de posição/democracia progressiva”, por meio do fortalecimento de “políticas públicas”, não desconhecia os fatores limitantes dessa forma nem a função que também desempenha para o modo de produção capitalista. Entende-se que Oliveira, como teórico do campo da saúde coletiva, ao mesmo tempo que propunha um caminho pela via institucional, também alertava para os riscos desse processo.

Nesse sentido, torna-se importante valorizar sua reflexão crítica sobre a atuação desse campo. Dentre algumas indicações e hipóteses de trabalho que mereciam ser exploradas por Oliveira (1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987.), destacamos, a título de exemplo, o papel fundamental da participação comunitária no âmbito das decisões das políticas sociais. Tal reflexão remete à criação de conselhos setoriais na saúde, na educação e na assistência social, constituindo-se como mecanismo para materializar a estratégia proposta. Oliveira já chamava a atenção para o caráter problemático que esses conselhos poderiam ter:

a ideia de que a mera incorporação de novos (e mesmo heterodoxos) atores ao policy-making governamental, sem que esta incorporação se faça acompanhar de uma problematização e um enfrentamento dos temas básicos da “quebra” do Estado e da luta pela hegemonia, apenas nos levará, na melhor das hipóteses, a repor, de uma forma modernizada e atualizada, a estratégia socialdemocrata de mera “ocupação” e gestão “humanizada” do Estado capitalista, com as conhecidas consequências políticas deste fato. (Oliveira, 1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987., p. 381)

Desse modo, pode-se considerar que Oliveira ponderava a forma e o conteúdo que a atuação via “políticas públicas”, particularmente por meio da participação comunitária, poderia adquirir, sendo absorvida pela lógica do movimento do capital. Sem dúvida, sua reflexão crítica sobre a forma dos conselhos deve ser retomada quando da discussão sobre o papel dos conselhos de saúde na contemporaneidade. Além disso, é possível refletir sobre todas as questões levantadas naquele momento, no sentido de iluminar um debate crítico acerca do padrão institucional adotado pelo campo da saúde coletiva ao longo dos anos de implementação do SUS.

O pensamento econômico e sua relação com a saúde: a preponderância da visão neoclássica

Desde 1980, nos tempos da dominância do capital financeiro no movimento do capital e do neoliberalismo, não foi possível identificar a retirada do Estado da economia; ao contrário, assistiu-se a sua particular forma de “presença”. Especialmente na atual crise do capitalismo, estamos assistindo à adoção de políticas austeras por parte do Estado, inspiradas na visão neoclássica que sustenta a racionalidade neoliberal, estruturando e organizando não apenas a ação dos governantes, mas até a conduta dos governados. De acordo com Dardot e Laval (2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.), o neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo que determina um novo modo de governo dos homens de acordo com o princípio universal da concorrência, implicando redução dos direitos sociais, inclusive no tocante à política de saúde, em cujo interior se intensificam mecanismos de mercantilização presentes no contexto dos países capitalistas centrais e periféricos, como o Brasil.

Nesse contexto, considera-se importante retomar a contribuição de Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.) à medida que discutem a relação da questão da saúde com o pensamento econômico ao longo de sua trajetória, em consonância com a história do capitalismo, apresentando proposições para esse pensamento, em crítica direta à visão neoclássica, que permaneceu inspiradora da concepção neoliberal dominante há quase quarenta anos. O retorno ao estudo desses autores constitui-se instrumento essencial para refletir sobre as limitações que a saúde universal vem sofrendo justamente nesse período, em que se faz presente de forma hegemônica o pensamento neoliberal no âmbito, inclusive, de todas as políticas sociais. Seus efeitos, entre outros, vêm prejudicando os orçamentos do fundo público, o que compromete a manutenção dos direitos associados ao Estado Social e a concretização dos novos direitos sociais introduzidos naqueles países de capitalismo tardio, tal como o Brasil.

Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.) argumentam que no decorrer da história do capitalismo a questão da saúde vai ocupando um espaço crescente enquanto problema social e como tema de reflexão no pensamento econômico. Segundo os autores, é possível verificar que o assunto se insinua como pauta de reflexão desde os mercantilistas e fisiocratas (séculos XVI e XVII), passando pela economia política clássica nos séculos XVIII e XIX (incluindo a crítica feita por Marx) até à vigência da teoria neoclássica, nascida na última terça parte do século XIX.

Os autores argumentam que o surgimento da questão da saúde como objeto específico não só da ciência econômica, como também da política econômica é decorrente do avanço do capitalismo e de seus conflitos. Ainda acrescentam que o debate ganha principalidade especialmente quando se analisa a diferença entre as estruturas capitalistas “desenvolvidas” e as estruturas “subdesenvolvidas”.

Nas palavras dos autores, tem-se que:

a atenção à saúde era apresentada como um elemento transformador, capaz de arrancar as nações “arrasadas” de sua estagnante pobreza. Evidentemente, a tal formulação seguiu-se sua crítica. (Braga; De Paula, 1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38., p. 2)

Ainda que os autores ampliem a análise histórica do pensamento econômico e sua relação com a questão da saúde, alcançando inclusive a teoria do subdesenvolvimento latino-americano, com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) dos anos 1950, no século XX, concentraremos nossa discussão na contribuição crítica que os autores elaboram sobre a visão neoclássica.

Nesse caminho, Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.) comentam que antes de Marx o pensamento econômico não havia se preocupado com a questão da saúde de forma específica, até porque não existiam aparelhos de atenção à saúde - com exceção da Polícia Médica. Somente no final do século XIX, com a montagem e estruturação de tais sistemas de atenção à saúde, é que o pensamento neoclássico -de Alfred Marshall, principalmente, mas também de Jevons, Walras, Menger etc.- incorpora esse assunto de maneira mais elaborada. A preocupação central dos neoclássicos é com a microeconomia, destacando a questão da eficiência da unidade produtiva e a melhoria da administração. Nesse sentido, Braga e De Paula advertem que a noção de economia da saúde passa a ser valorizada, ressaltando sua apreensão por meio da definição de Selma Mushkin, da John Hopkins University, com a publicação da revista Public Health Report em 1958:

Economia da saúde é o campo de investigação cujo tema é o uso ótimo de recursos para o cuidado de doentes e a promoção da saúde. Sua tarefa é avaliar a eficiência da organização dos serviços de saúde e sugerir meios de melhorar sua organização. (Braga; De Paula, 1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38., p. 19, grifo nosso)

É possível dizer que tal definição, com destaque para os princípios de otimização dos recursos e para a noção de eficiência, tem sido bastante contemplada na contemporaneidade neoliberal, especialmente por meio dos documentos do Banco Mundial, desde a edição, em 1975, de Saúde: documento de política setorial (Marques; Mendes, 2016MARQUES, R.; MENDES, Á. El Financiamiento del Sistema Único de Salud y las directivas del Banco Mundial. In: PEREIRA, J. M. M.; PRONKO, M. La demolición de derechos: un examen de las políticas del Banco Munidal para la educación y salud 1980-2013. Luján: EdUNLu; Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2016. p. 351-378.).

Braga e De Paula criticam essa visão de “economia da saúde” por acreditarem que ela limita “a questão da saúde à análise de indústria do cuidado à saúde, atribuindo-lhe, na prática, as determinações dos níveis de saúde da população” (Braga; De Paula, 1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38., p. 20, grifo nosso).

Em continuidade à crítica, os autores insistem que o pensamento neoclássico deixa de lado os elementos de reprodução do capital no setor saúde, reduzindo seu escopo à microeconomia (atividade produtiva), como também todos os outros fatores que influenciam os níveis de saúde da população, daí o debate sobre promoção à saúde.

Para Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.), o pensamento neoclássico privilegia os impactos da atividade produtiva sobre a saúde das pessoas, avaliando os efeitos da atenção à saúde em termos de desempenho da atividade econômica, ganho em relação ao tempo de trabalho, produtividade etc. Enfim, reduz a saúde a uma análise de mera expressão contábil, ligada à simples capacidade produtiva. Daí a ênfase que esse pensamento se atribuiu à questão dos custos da saúde. Nessa perspectiva, Braga e De Paula argumentam que as demais implicações da saúde e da doença sobre o ser humano não são consideradas pela análise neoclássica, revelando seu caráter limitador. Para esse pensamento, os autores afirmam:

saúde é vista como capacidade de desempenho das funções produtivas; saúde, analiticamente, não é vista como sendo determinada pela estrutura socioeconômica; a melhoria de saúde é vista como uma função direta da estrutura de atenção à saúde; e nesta, não se vê o movimento do capital. (Braga; De Paula, 1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38., p. 23)

Considera-se importante a crítica dos autores à síntese neoclássica que restringe a atenção à saúde ao campo do desempenho produtivo e da otimização de recursos. A saúde, para essa vertente do pensamento econômico, aparece como um processo eminentemente técnico-produtivo, como a constituição de uma indústria do cuidado à saúde, em que apenas o progresso produtivo contínuo deve ser assegurado.

Nesse ponto podemos concordar com Braga e De Paula apontando uma primeira dificuldade da visão neoclássica: sua perspectiva da saúde como um processo técnico-produtivo a impede de estabelecer conexões mais diretas entre os aspectos econômicos e sociais, no movimento da sociedade capitalista. Ao não entenderem o capital como uma relação social, à luz da contribuição de Marx (2013MARX, K. O capital: contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013. v. 1.), os economistas neoclássicos não apreendem a estreita conexão entre o movimento da acumulação do capital e a formação de uma classe capaz de incentivar ou apoiar as transformações sociais e políticas, utilizando a saúde como base de negócios e projeto por ampliação da valorização.

Dentre outras críticas dos autores aos economistas neoclássicos, destaca-se a visão tecnicista, baseada em modelos abstratos que não consideram a história. Daí Braga e De Paula insistirem no propósito desse pensamento:

Seu modelo é aplicado indistintamente a qualquer sociedade em qualquer tempo, sem consideração pelos fatores históricos e culturais. Fazem complicados cálculos para avaliar os ganhos em vidas humanas, sem considerarem sequer por um momento que, caso seu raciocínio estivesse correto, o aumento em termos de sobrevivência humana certamente traria modificações no interior da própria sociedade e que não seriam apenas econômicos. (Braga; De Paula, 1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38., p. 25)

Ao não levar em conta as diferentes épocas, ao abstrair as mediações históricas da questão da saúde, os modelos perdem a capacidade de explicar os complexos movimentos dos processos saúde-doença. Assim, como desconsiderar as diferenças históricas entre os países capitalistas europeus, com sistemas universais implantados no período após a Segunda Guerra mundial, e o Brasil, com 29 anos apenas de existência do SUS? Como apagar determinantes essenciais como o fato de a instituição voltada a nossa saúde universal ser “tardia” - fundada a partir dos anos 1990 - em relação ao contexto histórico em que foram implantados os Estados Sociais, especialmente os europeus? Trata-se de uma nova fase do capitalismo essa em que o SUS se desenvolve, um capitalismo dominado pelo poder da finança, com largos constrangimentos à efetivação de um sistema de saúde universal.

Nessa perspectiva, nossos economistas políticos seguem sua linha de argumentação crítica confirmando dois problemas centrais do pensamento neoclássico. Como primeiro aspecto destacam que não há uma relação estreita entre melhor e maior estrutura da atenção médica, como insistem os neoclássicos, e melhores níveis de saúde coletiva. Em segundo plano, reconhecem que a prestação de serviços de saúde é uma esfera da sociedade; afeta, assim como os níveis de saúde da população, uma determinação social mais ampla, impossibilitando refleti-la de forma externa ao quadro da sociedade burguesa (Braga; De Paula, 1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.).

Os autores insistem em desqualificar, com muita propriedade, as análises estatísticas dos neoclássicos que mostram uma correlação inversa entre oferta de serviços de atenção à saúde e níveis de mortalidade e morbidade, em sentido meramente técnico. Nas palavras de Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.), tem-se que:

a questão dos níveis de saúde da população, suas determinações e as principais variáveis a influir sobre eles só podem ser entendidas quando se dá o passo que os neoclássicos sempre recusaram, ou seja, quando se examina as influências do “ambiente externo” sobre a saúde das populações. Em outras palavras, as transformações nos níveis de saúde das populações devem ser vistas a partir das mudanças e melhorias em seus níveis de renda e em seus padrões de vida; é fundamental, entretanto, que sejam consideradas as diferenças entre as classes sociais e que se esteja alerta aos aspectos patogênicos do capitalismo e para os limites da atenção à saúde. (p. 34-35)

Em síntese, o caráter abstrato e teoricista das abordagens neoclássicas acerca da saúde acaba por deixar de lado aquilo que deveria ser o próprio objeto da teoria: a explicação das diferenças específicas dos processos de desenvolvimento capitalista de distintos países e suas classes sociais no interior dos distintos padrões de acumulação.

Por fim, é digno enfatizar as palavras sintéticas de Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.) sobre uma análise mais aprofundada da questão da saúde:

Avaliar o comportamento do sistema de atenção à saúde - tal como definido anteriormente - levando em conta seu desempenho como “locus” de acumulação de capital, de valorização do capital, de transformação técnica e social do processo de trabalho médico, como local político-ideológico de regulação pelo Estado de uma dimensão importante da vida das populações. (p. 39)

Concretamente, como a visão neoclássica vem sendo hegemônica no modo de conduzir a política econômica e na forma racional de atuação dos Estados nacionais desde 1990, considera-se que a contribuição de Braga e De Paula dispõe de vários atributos para que se possa refletir sobre a fragilidade das políticas públicas no mundo, principalmente no Brasil, quando dos embates para se implantar a política de saúde universal por meio do SUS.

Algumas questões sobre os desafios da saúde pública no Brasil no contexto do capitalismo contemporâneo

Os autores do campo da saúde coletiva aqui analisados tratam de reflexões fundamentais que contribuem para iluminar criticamente os novos “tempos turbulentos” do capitalismo contemporâneo financeirizado e seus efeitos sobre a saúde pública universal brasileira, principalmente nos últimos trinta anos, de dominância neoliberal/neoclássica. De um lado, evidenciam-se os efeitos da dinâmica do movimento do capital contemporâneo, que tem sob comando o capital portador de juros (financeiro) e sua insaciabilidade pela apropriação dos recursos do fundo público da seguridade social e da saúde. De outro lado, destacam-se as consequências perversas da política macroeconômica restritiva, implementada pelos governos Dilma e Lula, dando prosseguimento ao que era feito por Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo central de assegurar o cumprimento de metas de inflação e a obtenção de elevados superávits primários, resultando em constante pressão para que o gasto público fosse diminuído, o que, no SUS, assumiu a forma de contingenciamento.

Sem dúvida, é importante reconhecer que os embates sobre o SUS não são recentes e se referem a um determinado tempo histórico. Desde 1980, nos tempos de dominância do capital portador de juros no movimento do capitalismo, marcados por uma nova razão do mundo - a grande virada neoliberal, nas palavras de Dardot e Laval (2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.) -, assistimos a uma específica intervenção do Estado. Dito de outra forma, segundo os autores:

o mais importante na virada neoliberal não foi tanto a “retirada do Estado”, mas a modificação de suas modalidades de intervenção em nome da “racionalização” e da “modernização” das empresas e da administração pública. (p. 231)

Nessa perspectiva, a contribuição de Teixeira (1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.) a respeito da relação entre o papel do Estado e a saúde, apostando no espaço de crescimento dessa última no interior do primeiro, perde maior sentido nos últimos 37 anos e deve ser relativizada no âmbito de uma análise mais aprofundada sobre os desafios da saúde. A interpretação da autora se restringe a uma concepção essencialmente politicista, subordinando o econômico ao político - o Estado. Ao criticar a concepção da determinação econômica inspirada no estruturalismo marxista, a que intitula de “truncamentos mecanicistas”, distancia-se de uma abordagem que contemple estreitas ligações entre o estado e o movimento do capital, à medida que rejeita a associação da agenda da saúde à luta de classes, valorizando apenas o espaço da luta pelo direito do cidadão em geral, e não das classes sociais em específico.

Vejamos que nesse novo tempo do mundo, sob a supremacia do capital financeiro, a análise de Teixeira se torna frágil, à medida que o Estado brasileiro não parou de conceder incentivo à iniciativa privada, sobretudo em resposta à crise do capitalismo - e não à crise do Estado, como argumentam Teixeira e Oliveira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.) -, impondo riscos à saúde universal, constituindo-se no espaço prioritário do capital. Constatam-se vários aspectos que vêm enfraquecendo a capacidade de arrecadação do Estado brasileiro e prejudicando, por exemplo, o financiamento do SUS a partir de 1990 (Mendes, 2016MENDES, Á. Os impasses dos direitos sociais trabalhistas e do financiamento da seguridade social e da saúde brasileira no capitalismo contemporâneo em crise. In: SOUZA, H.; MENDES, A. (Org.). Trabalho e saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco. Rio de Janeiro: Doc Content, 2016. p. 42-74.). Destacamos as crescentes transferências dos recursos públicos às Organizações Sociais de Saúde (OSS) - de gestão privada -, por meio da implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101 (Brasil, 2000BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 maio 2000. Seção 1, p. 1-2. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/yo88gH >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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) - em vigor desde 4 de maio de 2000, portanto há 17 anos -, que limita o aumento do gasto com pessoal, favorecendo o incremento das despesas com serviços de terceiros; o aumento das renúncias fiscais decorrentes da dedução dos gastos com planos de saúde e símiles no imposto de renda e das concessões fiscais às entidades privadas sem fins lucrativos (hospitais) e à indústria químico-farmacêuticas; a permissão à entrada do capital estrangeiro na saúde por meio da lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (Brasil, 2015BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep, da Cofins, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação incidentes sobre a receita de vendas e na importação de partes utilizadas em aerogeradores. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jan. 2015. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/iHLtfu >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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); a aprovação da emenda constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que congela o gasto público por vinte anos, aniquilando a saúde à medida que não limita os juros e outras despesas financeiras (Brasil, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 2016. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/2fuSMm >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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). Para se ter uma ideia, em 2015 o Brasil gastou 8,5% do PIB, cerca de 500 bilhões de reais, com o pagamento de juros da dívida pública (indexado à maior taxa de juros do mundo - 14,25%), isto é, cinco vezes mais que o gasto do Ministério da Saúde nesse ano (Lacerda, 2016LACERDA, A. C. Crônica de um (des)ajuste anunciado. In: DOWBOR, L.; MOSANER, M. (Org.). A crise brasileira: coletânea de contribuições de professores da PUC/SP. São Paulo: Contracorrente, 2016. p. 149-168. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/9jJgKX >. Acesso em: 4 dez. 2017.
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).

Daí a complicada opção de Teixeira (1989TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989., p. 20) por priorizar, para a luta do campo da saúde coletiva, a noção de cidadania enquanto relação individual de direito entre o cidadão e o Estado, reconhecendo seu papel fundamental para a “constituição, organização e luta das classes dominadas”. No momento contemporâneo de exacerbação da racionalidade neoliberal, de individualização mediada pelo consumo, o indivíduo vê na compra do serviço de saúde uma forma potencialmente mais adequada à sua realidade, distanciando-se da luta pela construção do direito social. A ideia de autonomia na trajetória particular expressa, nesse caso, no acesso mais rápido e direto ao consumo lhe parece a melhor opção. Ou seja, para além da pressão das corporações privadas no âmbito da assistência à saúde, o SUS se vê desfiado pelo desejo do “cidadão consumidor” no contexto do capitalismo contemporâneo. Assim, entende-se, contrariamente à Teixeira, a importância de reconhecer o local da luta de classes no contexto sócio-histórico da saúde no mundo e no Brasil, principalmente na fase do capitalismo financeirizado. Nessa medida, pode-se dizer que emerge uma discrepância entre o modelo de acesso universal gratuito e o da compra de serviços de saúde, disseminando a “cidadania consumista”, distante da cidadania defendida por Teixeira.

Outra questão deve ser objeto de reflexão na contemporaneidade: até que ponto o marco da universalidade da proteção à saúde, presente no projeto do SUS, é desafiado pelo crescente processo de individualização decorrente da supremacia da nova razão do mundo - o neoliberalismo (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.); ou melhor, a sociedade hoje está de fato interessada na universalidade da atenção ou submetida aos interesses segmentados, produzidos pelos interesses do consumo?

Os segmentos atendidos pelo SUS não se interessam pela garantia de direitos coletivos, mas vêm crescentemente utilizando o direito ao acesso como instrumento particular. Trata-se do caso da judicialização, estratégia de garantia do que se compreende como direito universal.

Ainda mais, as práticas políticas correntes no SUS tendem a reduzir trabalhadores e usuários à dimensão de sujeitos econômicos quando se baseiam principalmente em estímulos financeiros ou materiais para conquistar a “adesão” deles a determinados processos. Esses indivíduos não estão convidados a serem fabricantes de um projeto ético-político compartilhado.

Com a concretização desse novo tempo do mundo, deve-se retomar a fecunda discussão à luz da perspectiva crítica inspirada na análise da economia política marxista sobre a perversa relação entre o público e o privado, especialmente a partir dos anos 1980 e 1990, imprimindo um papel ao Estado brasileiro em consonância com as diretrizes da racionalidade do mercado, ampliando as chamadas contrarreformas. Nesse contexto, destacam-se a precariedade das condições e processos de trabalho, a privatização do espaço público na saúde e a adoção de instrumentos de gestão pública que favorecem a avaliação de desempenho, voltada prioritariamente para o alcance de resultados produtivos e eficientes, com base na visão neoclássica descrita por Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.).

Além disso, na mesma linha de reflexão sobre a relação da saúde com o Estado, principalmente no contexto contemporâneo, devem ser resgatados os alertas que Oliveira (1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987.) já fazia quando pensava o desafio da saúde pública para os anos posteriores à Constituição de 1988, privilegiando o campo de atuação do espaço institucional do Estado por meio das políticas públicas. Ainda que para Oliveira a saúde devesse aproveitar as brechas e reforçar a “guerra de posição” no aparelho estatal, assegurando a construção da “democracia progressiva”, o autor chamava a atenção para a necessária “quebra do Estado”, promovendo modificações estruturais no seu interior. Oliveira sinalizava o perigo que a aposta nas políticas públicas poderia gerar, limitando o espaço de construção do movimento da reforma sanitária à forma e função que as políticas públicas podem desempenhar para a dinâmica do capital. Passados 29 anos de implementação do SUS, tal argumentação ganha sentido à medida que assistimos ao processo de tecnificação das políticas públicas de saúde, via priorização dos aspectos de gestão da área em detrimento da construção dos aspectos políticos e econômicos de produção da saúde.

O sentido da proteção social no contexto hodierno merece reflexão acerca da natureza fragilizada do Estado Social, que vem sendo corroído pelo neoliberalismo e pela fase atual do capitalismo. Ou seja, a institucionalidade do Estado contemporâneo está comprometida. Há dois processos envolvidos nessa corrosão: um advém da dinâmica social, que não reconhece mais na institucionalidade tradicional moderna formas de identificação dos interesses individualizados; outro advém do próprio aparelho de Estado, que se vê esvaziado do seu papel original, com dificuldade de identificar os sujeitos sociais que o legitimam. Nesse cenário, o Estado fica à deriva, à mercê da própria estrutura.

É importante considerar que esse processo de individualização responsável por acentuar o esfacelamento do Estado Social nos países capitalistas avançados, no Brasil, ao contrário, ocorre num momento em que se estão estruturando políticas de bem-estar social, especialmente a partir de meados da década de 1980. Isso revela um desajuste histórico que fragiliza o projeto de proteção social brasileiro. Ademais, esse quadro é agravado, no caso particular do Estado brasileiro, pela herança patrimonialista, já sabidamente desvinculada das forças sociais, sobretudo as populares.

Sendo assim, o Estado brasileiro está órfão de qualquer vínculo com a sociedade como um todo, tonando-se, nesse contexto, ainda mais suscetível aos arranjos burocrático-cartoriais, tecnicistas, gerencialistas, corporativos, de ênfase na lógica de políticas por desempenho (Carnut; Narvai, 2016CARNUT, L.; NARVAI, P. C. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 290-305, 2016.).

Do nosso ponto de vista, muitas das ações na área da saúde hoje se submetem a esses arranjos. Cresce a subsunção da política às conduções administrativas gerencialistas e tecnicistas, como têm sido o caso dos recentes instrumentos criados para a pactuação do SUS, como o Contrato Organizativo da Ação Pública em Saúde (Coap), instituído por meio do decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 (Brasil, 2011BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/aTt4Fu >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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); a Programação Geral de Ações e Serviços de Saúde (PGASS); as Redes de Atenção à Saúde etc. (Carnut; Masseran, 2017CARNUT, L.; MASSERAN, J. A. M. Entre a filosofia jurídica e a saúde coletiva: o conceito de desempenho no decreto nº 7.508/2011 vis-à-vis a integralidade da assistência à luz do pós-positivismo. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-56, 2017.; Duarte, 2016DUARTE, L. S. Desenvolvimento desigual e a regionalização do SUS: uma análise territorial dos recursos financeiros para as redes de atenção à saúde no Estado de São Paulo (2009-2014). 2016. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).

Sintetizemos. Considera-se que a fase contemporânea do capitalismo financeirizado, sua crise econômica, política e social e o processo de individualização da sociedade mudam a natureza do que vem a ser a política, que deve ser radicalizada nos enfrentamentos das formas institucionais. Em um tempo histórico de ofensiva conservadora sobre os direitos sociais, em geral, e o direito à saúde, em particular, a persistência de alternativas sociais transformadoras convive com resignação, política de conciliação e propostas atenuantes pela via institucional. Dessa forma, radicalizando a reflexão de Oliveira (1987OLIVEIRA, J. A. Reformas e reformismo: “democracia progressiva” e políticas sociais (ou “Para uma teoria política da Reforma Sanitária”). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 360-387, 1987.), propomos, a partir de uma posição política anticapitalista, refletir sobre a práxis transformadora dos sujeitos inseridos na prática social de saúde na realidade brasileira, a fim de intervir no curso da história.

Nessa perspectiva, é preciso ressaltar a visão de alguns autores que não admitem conceber o Estado como algo externo ao capital ou à sociedade civil, tampouco aos efeitos da dinâmica do capitalismo contemporâneo e sua crise com ataques aos direitos sociais. Trata-se de considerar que a relação Estado/capital é orgânica. Isso significa entender que não existe separação entre o Estado e o capital, as ligações entre eles não são somente de exterioridade. Nesse sentido, referimo-nos aqui à contribuição da teoria da derivação dos anos 1970, que deduz (deriva) a forma Estado das contradições da dinâmica do capital, em que a natureza dessa relação atribui ao Estado sua natureza capitalista, assegurando a troca de mercadorias, na forma-valor, e a própria exploração da força de trabalho (Caldas, 2015CALDAS, C. O. A teoria da derivação do Estado e do direito. São Paulo: Outras Expressões, 2015.; Mascaro, 2013MASCARO, A. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.). Tal teoria identifica o Estado não como mero resultado da vontade da classe dominante, mas sim de um determinado modo de produção e das relações sociais que lhe são inerentes. Daí entendermos os sentidos das contrarreformas que o Estado capitalista veio adotando no contexto do capitalismo financeirizado e seus efeitos nas políticas sociais, em geral, e na saúde, em particular.

Assim, parte-se da ideia de que o entendimento da crise econômica contemporânea não pode ser restrito à visão de uma crise do Estado, como observam Oliveira e Teixeira (1986OLIVEIRA, J. A. A.; TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60 anos de história da Previdência Social no Brasil. Petrópolis: Vozes: Abrasco, 1986.) nos anos 1980, mas deve também abarcar a crise estrutural do capitalismo. Nesse sentido, considera-se importante ressaltar as palavras de Mascaro (2013MASCARO, A. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 127):

como elemento fundamental da reprodução da dinâmica capitalista, o Estado é menos um meio de salvação social do que, propriamente, um dos elos da própria crise. Por ele passa a crise remediada, majorada ou reelaborada. A forma política altera circunstâncias econômicas e sociais que, se ensejam novas articulações, quase sempre são parciais, mantendo as bases gerais da valorização do valor.

A reflexão sobre os ataques aos direitos sociais deve, então, ser realizada na articulação com a fase do capitalismo sob dominância do capital financeiro e sua crise contemporânea. Numa perspectiva crítica da economia política marxista, a crise do capitalismo reside num contexto mais amplo que compreende duas principais tendências, articuladas entre si especialmente a partir do final dos anos 1970: a tendência de queda da taxa de lucro nas economias capitalistas em todo o período após a Segunda Guerra, principalmente na norte-americana, com declínio de 41,3% entre 1949 e 2001 (Kliman, 2012KLIMAN, A. The failure of capitalist production: underlying causes of the Great Recession. London: Pluto, 2012.); e, como resposta a essa tendência, o sistema capitalista entra no caminho da valorização financeira, em que o capital portador de juros, sua forma mais perversa, o capital fictício, passa a ocupar a liderança na dinâmica do capitalismo, especialmente depois de 1980, apropriando o fundo público (Chesnais, 2016CHESNAIS, F. Finance capital today: corporations and banks in the Lasting Global Slump. London: Historical Materialism Series, 2016.).

A pequena recuperação da taxa de lucro na economia norte-americana após a década de 1980, além de ser recompensada pelo crescimento dos lucros fictícios, também se deveu às políticas econômicas neoliberais que vêm reduzindo os direitos sociais (Chesnais, 2016CHESNAIS, F. Finance capital today: corporations and banks in the Lasting Global Slump. London: Historical Materialism Series, 2016.; Kliman, 2012KLIMAN, A. The failure of capitalist production: underlying causes of the Great Recession. London: Pluto, 2012.).

Nesse cenário, observam-se o aumento dos ataques aos direitos sociais e a imposição de riscos à construção da saúde universal. Não se trata apenas de um problema de cortes drásticos nos gastos públicos. As políticas austeras adotadas no período recente dizem respeito também à mudança de como o sistema de proteção social é organizado, servindo aos interesses mercantis. Por exemplo, tem sido perceptível a passagem do âmbito público para os modelos privados de organização e gerenciamento das políticas, em que o motivo do lucro vai ganhando terreno em serviços de políticas sociais, como as Organizações Sociais de Saúde, financiadas com recursos públicos; e ainda ganha maior sentido o esvaziamento do poder democrático das políticas, através da desregulamentação e do aumento da gestão por contrato, em que o poder vai sendo transferido dos órgãos democráticos para o mercado e para os sistemas jurídicos.

Desse modo, as argumentações críticas de Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.) acerca da visão do pensamento neoclássico em relação à saúde merecem ser retomadas, à medida que essa abordagem vem reinando soberana nos ditames das políticas econômicas e sociais oficiais dos governos, contaminando a trajetória das políticas públicas, em especial da saúde, a partir dos anos 1990, com um intenso desmonte após a entrada do governo Temer. As medidas implantadas no país, por meio do tripé macroecônomico ortodoxo - metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante -, adotadas pelo governo federal desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC), passando pelos governos Lula e Dilma, não romperam com a lógica das políticas neoliberais/neoclássicas. Apesar dos resultados positivos de algumas políticas sociais, foram envolvendo a redução do nosso sistema de proteção social em cumprimento a um papel funcional do capitalismo no Brasil. De forma bem mais intensa, no curto período do governo Temer, representando os setores mais atrasados, conservadores e reacionários da sociedade brasileira, não cessaram os ataques ao trabalho e às políticas sociais em geral. A rigor, o documento Uma ponte para o futuro (PMDB; Fundação Ulysses Guimarães, 2015PMDB - PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO; FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES. Uma ponte para o futuro. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/W6SxMe >. Acesso em: 22 ago. 2017.
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), que anuncia as ações a serem implementadas pelo governo, aponta para a aceleração e intensificação de medidas que levem ao desmonte do Estado brasileiro, configurando uma nova fase de contrarreformas estruturais que atacam os direitos dos trabalhadores e sociais.

No campo do investimento contra a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovou-se no Senado Federal a lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que flexibiliza a CLT, instituindo, por exemplo, a prevalência dos acordos negociados entre patrões e empregados sobre a legislação, a imposição de barreiras ao ajuizamento de ações trabalhistas, a permissão de parcelamento de férias em três períodos, a flexibilização de contratos de trabalho e o fim da contribuição sindical obrigatória, entre outras medidas (Brasil, 2017BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 jul. 2017. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/NNihUN >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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).

No caso específico da saúde, a atuação do ministro responsável por essa pasta durante o curto período do governo Temer vem respondendo muito mais à relação com o setor privado, por meio da ampliação de parcerias inclusive com o capital estrangeiro, do que às demandas da saúde pública estatal, reduzindo os gastos com ela e contribuindo com o desmonte do SUS, num claro retrocesso das políticas sociais. Várias medidas vêm sendo encaminhadas por esse ministro no sentido de direcionar a saúde para o livre mercado: o projeto de lei nº 4.918, apresentado à Câmara em 5 de abril de 2016, possibilita a privatização de todas as empresas públicas, sejam elas municipais, estaduais ou federais, entre elas, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh); a proposta de revisão da Política Nacional de Atenção Básica flexibiliza a forma como a Atenção Primária à Saúde (APS) é operacionalizada no Brasil, por meio da Estratégia de Saúde da Família, apontando para o aprofundamento da privatização da saúde no país e condenando a atenção básica a um caráter residual e assistencialista, diametralmente oposto à possibilidade de reordenação do sistema de saúde, em termos da efetivação dos princípios de universalidade, integralidade e resolutividade do SUS; um projeto de lei que revisa a Lei dos Planos, assegurando a liberalização para a venda de pacotes de assistência médica mais baratos - os ditos planos populares de saúde -, porém de menor cobertura e de pior qualidade (FNCPS, 2016FNCPS - FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE. O ilegítimo governo Temer e os ataques ao Sistema Único de Saúde. Nota da FNCPS. Rio de Janeiro: FNCPS, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/JkSfj6 >. Acesso em: 12 ago. 2017.
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, 2017FNCPS - FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE. Reflexão da FNCPS sobre a proposta de revisão da PNAB. Rio de Janeiro: FNCPS, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/b7ne8W >. Acesso em: 12 ago. 2017.
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; Scheffer, 2017SCHEFFER, M. O plano dos planos de saúde. Folha de S. Paulo, São Paulo, 27 ago. 2017. Tendências & Debates, p. 3.;).

Assim, o resgate aqui realizado das diversas questões trabalhadas pelo pensamento crítico da economia política dos anos 1980 no campo da saúde coletiva contribui para uma melhor problematização do contexto do capitalismo contemporâneo, revelando as limitações da implantação da saúde pública universal pela perspectiva do Estado e das políticas públicas, com a visão neoclássica predominante.

Por fim, insistimos que é preciso recuperar as críticas de Braga e De Paula (1981BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.) ao pensamento neoclássico/neoliberal no sentido de atualizá-las e articulá-las muito bem a essa degradante situação que a saúde universal, por meio do SUS, vem enfrentando perante as transformações contemporâneas do modo de produção capitalista e de sua relação com o Estado no nosso país. Sem dúvida, trata-se de obra essencial para ampliar o horizonte dos sanitaristas preocupados com o campo da saúde coletiva, a fim de não ficarem restritos a uma análise dissociada do perverso movimento totalizante do capital, como aquele que configurou o cenário mais geral nesses últimos quase trinta anos e que parece se apresentar potente para o futuro.

Referências

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  • ALTHUSSER, L. Lire le Capital. França: François Maspero, 1966.
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  • BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Capitalismo e Pensamento econômico: a questão da saúde. In: BRAGA, J. C.; DE PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo: Cebes: Hucitec, 1981. p. 1-38.
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  • BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/aTt4Fu >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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  • BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep, da Cofins, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação incidentes sobre a receita de vendas e na importação de partes utilizadas em aerogeradores. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jan. 2015. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/iHLtfu >. Acesso em: 5 dez. 2017.
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  • TEIXEIRA, S. F. (Org.). Estado y politicas sociales en América Latina. México, DF: UAM, 1992.
  • 1
    Para o conhecimento desse contexto contemporâneo do movimento do capital e os efeitos sobre a saúde no Brasil, ver Mendes (2016)MENDES, Á. Os impasses dos direitos sociais trabalhistas e do financiamento da seguridade social e da saúde brasileira no capitalismo contemporâneo em crise. In: SOUZA, H.; MENDES, A. (Org.). Trabalho e saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco. Rio de Janeiro: Doc Content, 2016. p. 42-74..
  • 2
    A utilização do termo Estado Social se apoia em Boschetti (2016)BOSCHETTI, I. Assistência social e trabalho no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2016., que busca captar a regulação econômico-social por meio de políticas sociais, atribuindo ao Estado capitalista determinações objetivas, explicitando que a incorporação dessas políticas pelo Estado não extrai dele a característica essencialmente capitalista. Boschetti argumenta que a utilização da categoria Estado Social não elimina a condição de “bem-estar” ou de “mal-estar”, mas contribui para qualificar uma dimensão da ação do Estado no processo histórico-social do modo de produção capitalista, necessário para a reprodução do capital. Por sua vez, a autora afirma que os conceitos Welfare State, État Providence e Estado de bem-estar social, utilizados quase universalmente como definições da ação social do Estado, expressam particularidades de cada nação a que se referem, associando positivamente a intervenção capitalista do Estado na área social.
  • 3
    O entendimento acerca de autores considerados clássicos na economia política da saúde se apoia na análise que Brandão (2005BRANDÃO, G. M. Linhagens do pensamento político brasileiro. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 2, p. 231-269, 2005., p. 236) realiza a respeito do pensamento social e político brasileiro. Para o autor, obras clássicas são aquelas em que se pode perceber, por exemplo, formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, que estabelecem problemáticas e continuidades que permitem situar e colocar sob nova luz muita proposta política e muita análise científica atual.
  • 4
    Para o conhecimento do conteúdo dessa pesquisa, ver Mendes et al. (2016)MENDES, Á. et al. Democracia radical no Brasil: o pensamento crítico em saúde coletiva (1970-1980). In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE MEDICINA SOCIAL Y SALUD COLECTIVA, 14., 2016, Paraguai. Anais… Asunción: Alames, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/W7NfsC >. Acesso em: 15 ago. 2017.
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    . Além das quatro abordagens teóricas analisadas no âmbito deste artigo, a pesquisa inclui também obras dos seguintes autores: Cecília Donnangelo, Sergio Arouca, Madel Luz e Emerson Mehry.
  • 5
    Sonia Fleury Teixeira, ao lado de Jaime de Oliveira – importantes formuladores da Reforma Sanitária Brasileira –, se apoiam no método marxista de intervenção política de Gramsci, criticando a corrente do estruturalismo althusseriano.
  • 6
    O principal representante marxista do método de análise estruturalista foi Althusser, particularmente após a publicação de Pour Marx (1965ALTHUSSER, L. Pour Marx. França: François Maspero, 1965.) e Lire le Capital (1966ALTHUSSER, L. Lire le Capital. França: François Maspero, 1966.), com grande influência no meio acadêmico, inclusive no Brasil, ao longo das décadas de 1960 e 1970. Por sua vez, ao lado do estruturalismo, Gramsci também ganha grande destaque nos debates marxistas nessa época, após as publicações dos Cadernos do cárcere, editados por Togliatti em 1947 e 1951, e por Guerratana em 1975. Como mencionado na nota 5, os autores aqui analisados recorrem à visão gramsciana. Para uma interpretação crítica à leitura desses autores sobre Gramsci, ver Silva (2016)SILVA, T. H. S. Força ou consenso: a Reforma Sanitária brasileira entre o Dilema Reformista e o Minotauro da Saúde. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016..
  • 7
    Trata-se do filósofo grego Nico Poulantzas (1936-1979). Dentre vários autores marxistas, Poulantzas se destaca pelo estudo da autonomia relativa do Estado perante a economia. Para essa abordagem, ver Poulantzas (1985)POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1985..
  • 8
    Palmiro Togliatti foi um político e dirigente do Partido Comunista da Itália. Entre 1944 e 1946, integrou o governo italiano, ocupando os cargos de ministro sem pasta, ministro da Justiça e vice-primeiro-ministro. Foi eleito deputado em 1947. Após o XX Congresso do PCUS, apresentou aVía Italiana al Socialismo, obra que lança as bases para a virada do partido, mais tarde consolidada com o “eurocomunismo”. Tal vertente surge entre os partidos comunistas dos países da Europa Ocidental, particularmente Itália, França e Espanha, na década de 1970, apresentando-se como uma versão democrática da ideologia comunista, buscando uma “terceira via” entre a socialdemocracia clássica e os regimes comunistas então implantados no Leste europeu e estruturados em torno da burocracia do partido único. Sobre Togliatti, ver <https://goo.gl/4rTZ22>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2017
  • Aceito
    30 Nov 2017
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