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Planejamento regional dos serviços de saúde: o que dizem os gestores?

Regional planning of health services: what do the managers say?

Resumo

Este estudo analisou a percepção dos gestores de saúde sobre o planejamento regional dos municípios do oeste catarinense, tendo em vista os principais fatores que influenciam na gestão pública para a organização da rede de serviços de saúde. O estudo abrangeu 21 municípios vinculados às Agências de Desenvolvimento Regional (ADR) dos municípios de Chapecó, Quilombo e Palmitos, do estado de Santa Catarina. Os gestores de saúde foram entrevistados em dezembro de 2015, e utilizou-se um roteiro de entrevista com questões semiestruturadas. O método de análise foi o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que originou quatro ideias centrais: papel do gestor no planejamento; planejamento em equipe; participação do Conselho Municipal de Saúde; e desafios no uso dos dados epidemiológicos como instrumentos de gestão. Apesar de os gestores reconhecerem os avanços do planejamento regional dos serviços de saúde, apontam a baixa participação da população nas arenas decisórias, além de problemas estruturais como, principalmente, a falta de recursos humanos capacitados para trabalhar e analisar as bases de dados informacionais, resultando em baixos comprometimento e responsabilização na efetivação do planejamento de saúde realizado em equipe.

Palavras-chave:
Saúde Pública; Planejamento em Saúde; Planejamento Governamental; Sistema Único de Saúde

Abstract

This study objective was to analyze the perception of health-care managers about the local and regional planning in the west Santa Catarina cities, considering the main factors that influence the public management of the health services network organization. The study covered 21 cities that are linked to the Regional Development Agency (ADR) of the municipalities of Chapecó, Quilombo and Palmitos, from Santa Catarina state. The health-care managers were interviewed in December 2015, and the interview was guided by a script with semi-structured questions. The method of analysis was the Collective Subject Discourse (CSD), which originated four central ideas: the role of the manager in planning; team planning; the Municipal Health Council participation; and challenges for the use of epidemiological data as management tools. Despite recognizing advances in regional health service planning, the managers reported low popular participation in decision-making arenas, besides structural issues, such as the lack of qualified human resources to work and analyze the informational databases, resulting in low commitment and accountability in the effectiveness of the health planning which was developed in team.

Keywords:
Public Health; Health Planning; Governmental Planning; Brazilian National Health System (SUS)

Introdução

O debate sobre o planejamento regional de saúde pode ser realizado sob diferentes abordagens e perspectivas. Neste estudo, considera-se o planejamento como um instrumento de gestão que permite a tomada de decisões sobre prioridades e investimentos que afetam diretamente a organização da rede de serviços públicos de saúde. Ademais, os debates referem-se aos tipos e conceitos de planejamento possíveis na saúde pública e buscam compreender os métodos e estratégias já utilizadas para atingir objetivos comuns para as políticas regionais.

No decorrer da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) diversas normativas foram publicadas no intuito de operacionalizá-lo. O planejamento na saúde, conforme diretrizes do Ministério da Saúde, deve ser organizado como um sistema de atuação contínua, articulada, integrada e solidária às três esferas de gestão do SUS. O processo de planejamento na saúde pública atende a diversos fundamentos legais, como a Constituição Federal de 1988, as leis nº 8.080/1990 e 8.142/1990, as Normas Operacionais (NOB), as Normas Assistenciais à Saúde (Noas), o Pacto pela Saúde de 2006 e o Decreto 7.508/2011 (Brasil, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de planejamento do SUS: uma construção coletiva: organização e funcionamento. 2. ed. Brasília, DF, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/uH4Ypu >. Acesso em: 18 jan. 2018.
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).

Segundo Vieira (2009VIEIRA, F. S. Avanços e desafios do planejamento no Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n. 14, p. 1565-1577, 2009. Suplemento 1.), essas normativas propuseram diversos instrumentos de planejamento. Entretanto, nem sempre os municípios e estados aderem às linhas estratégicas definidas pelo governo federal, o que resulta em fragmentação de prioridades. Na prática, nas últimas décadas, houve grande centralização nas normas que regulam a saúde, padronizadas para o território nacional, sem considerar as diversidades existentes nos municípios brasileiros, sejam elas sociais, econômicas, culturais ou ambientais.

Em face ao desafio de garantir a operacionalização do SUS, não bastam excelentes instrumentos de planejamento, é necessário que se constituam arranjos entre municípios para favorecer a estruturação de uma rede de serviços menos fragmentada, com políticas públicas mais articuladas e definição de prioridades sanitárias e financeiras que atendam às necessidades de um conjunto de municípios. Em vez disso, tem-se apresentado planejamentos intermediários, de natureza provisória, que desconsideram o fato de pertencerem a uma região (Contel, 2015CONTEL, F. B. Os conceitos de região e regionalização: aspectos de sua evolução e possíveis usos para a regionalização da saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 447-460, 2015.; Geremia et al., 2016GEREMIA, D. S. et al. Relações intergovernamentais para a gestão pública regional do SUS. In: JUNG, G. (Org.). Regulação do acesso e da atenção à saúde nos serviços públicos: conceitos, metodologias, indicadores e aplicações. Porto Alegre: Moriá, 2016. p. 91-126.). Almeida (2016ALMEIDA, P. F. et al. Integração assistencial em região de saúde: paradoxo entre necessidades regionais e interesses locais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 320-335, 2016., p. 331) sinaliza que “as tensões entre ‘municípios da região’ versus ‘município sede’ em torno da escassez de recursos repercutiam na relação entre gestores, acirrando a lógica de ‘garantir primeiro para o meu município’”.

Ao reconhecer os elementos estratégicos do planejamento, gestor e equipe poderão atuar como atores sociais e trabalhar no enfrentamento de problemas, na capacidade de gestão e no desenvolvimento de ações que atendam às necessidades e expectativas da população e dos trabalhadores do SUS (Gil; Luiz; Gil, 2016GIL, C. R. R.; LUIZ, G. C.; GIL, M. C. R. (Org.). A importância do planejamento na gestão do SUS. São Luís: Edufma, 2016.).

O planejamento e a organização das regiões de saúde precisam considerar a realidade territorial e os fluxos da população de cada município, objetivando elencar prioridades viáveis de serem implementadas. A partir do reconhecimento da realidade regional, é preciso identificar os instrumentos de planejamento mais pertinentes para o desenvolvimento de redes reais, valorizando os modos de viver, a cultura, as condições sociais e demográficas e o melhor uso dos recursos existentes em cada território (Geremia, 2015GEREMIA, D. S. Federalismo e gestão metropolitana para o planejamento territorial dos serviços de saúde. 2015. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015.; Souza, 2007SOUZA, C. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Org.). Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 65-86.).

Para Gadelha (2011GADELHA, C. A. G. et al. Saúde e territorialização na perspectiva do desenvolvimento. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 6, p. 3003-3016, 2011.), a insuficiência de critérios para o planejamento regional de saúde resulta em dificuldades no acesso, bem como no modo que os serviços de saúde estão organizados, na falta de articulação entre as instituições governamentais (município e estado/ município e município/município e governo federal), na consequente subutilização da capacidade instalada e na incapacidade de redução das desigualdades territoriais, gerando custos financeiros altos e menor resolutividade.

A partir deste contexto, algumas questões foram elaboradas para o estudo: Como se dá a participação dos gestores no planejamento de saúde? Quais os principais desafios do planejamento de saúde nos municípios da região oeste catarinense? Assim, este estudo teve como objetivo analisar a percepção dos gestores de saúde sobre o planejamento regional dos municípios do oeste catarinense, tendo em vista os principais fatores que influenciam na gestão pública para a organização da rede de serviços de saúde.

Diante das fragilidades financeiras e técnicas, bem como da escassez de estratégias para organização e implementação das redes de serviços de saúde descritas no diagnóstico situacional do Plano Estadual de Saúde de Santa Catarina (Santa Catarina, 2016SANTA CATARINA. Plano Estadual de Saúde 2016-2019. SES/SC: Florianópolis, 2016.), este estudo justifica sua contribuição para o entendimento das dificuldades encontradas pelos gestores do SUS.

O planejamento em saúde tem perdido força, tornando-se um instrumento normativo fictício, que todos os municípios são obrigados a apresentar para estados e governo federal como forma de garantir os repasses de recursos financeiros. Não obstante, muitos profissionais de saúde e gestores do SUS desconhecem o que está contido nos documentos e implementam ações de saúde que pouco ou nada têm de relação com o plano de gestão elaborado. O fato é que as relações entre teoria e prática ainda são incipientes, pois bons planos são elaborados e aprovados pelos conselhos de saúde, mas não são colocados em prática.

Metodologia

Trata-se de um estudo exploratório descritivo, de abordagem qualitativa, que faz parte do projeto de pesquisa “Gestão Pública do SUS: ênfase no financiamento e planejamento dos serviços de saúde na região do extremo oeste catarinense”, aprovado no edital nº 281/2015/UFFS, da Universidade Federal da Fronteira Sul.

O cenário do estudo foi a região oeste do estado de Santa Catarina, contemplando os 21 municípios participantes da Comissão Intergestores Regional (CIR) : Águas de Chapecó, Águas Frias, Arvoredo, Caxambu do Sul, Chapecó, Cordilheira Alta, Coronel Freitas, Formosa do Sul, Guatambu, Irati, Jardinópolis, Nova Erechim, Nova Itaberaba, Planalto Alegre, Pinhalzinho, Quilombo, Santiago do Sul, São Carlos, Serra Alta, Sul Brasil e União do Oeste.

Os participantes da pesquisa foram os secretários(as) municipais de saúde ou seus representantes legais. Delimitou-se como critério de inclusão ser integrante da reunião ordinária da CIR realizada no município de Chapecó, nas dependências da Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), no dia 4 de dezembro de 2015. Atendendo este critério, a pesquisa totalizou 13 participantes, sendo que, do total de 21 municípios, três gestores não manifestaram interesse em participar da pesquisa, e cinco não compareceram à reunião.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Fronteira Sul pelo Parecer nº 1.297.346 e pela CIR, em ata da reunião antecedente à da coleta de dados. Realizou-se um pré-teste com gestores de três municípios para adaptação do roteiro de entrevista aplicado aos participantes, aprovado sem alterações. Em seguida, a coleta de dados foi realizada através de um roteiro semiestruturado sobre planejamento dos serviços públicos de saúde. Estabeleceu-se que a coleta de dados seria interrompida pelo esgotamento dos temas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, organizadas em tabelas e analisadas. A coleta dos dados foi realizada pelas bolsistas do projeto com acompanhamento direto das coordenadoras. A análise foi realizada conjuntamente pela equipe.

O método utilizado para análise dos dados foi o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), proposto por Lefèvre, Lefèvre e Teixeira (2000)LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C.; TEIXEIRA, J. J. V. (Org.). O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem metodológica em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: Educs , 2000. e Lefèvre e Lefèvre (2003)LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs, 2003.. O DSC é uma ferramenta qualitativa que procura expressar do modo mais fiel possível o que uma população pensa sobre um tema - no caso desta pesquisa, o que os gestores em saúde dos municípios do oeste catarinense pensam sobre planejamento em saúde. Na proposta do DSC são utilizadas quatro figuras metodológicas: (1) Expressões-Chave (ECH): pedaços, trechos ou transcrições literais do discurso que revelam a essência do conteúdo discursivo dos segmentos em que se divide o depoimento. Com elas, os DSC são construídos. (2) Ideia Central (IC): afirmações que traduzem “o essencial do conteúdo discursivo explicitado pelos sujeitos” (Lefèvre; Lefèvre; Teixeira, 2000LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C.; TEIXEIRA, J. J. V. (Org.). O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem metodológica em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: Educs , 2000., p. 18), descrevendo sucintamente o sentido de um discurso. As IC podem ser resgatadas por descrições diretas do sentido do depoimento - revelando o que foi dito - ou por descrições indiretas/mediatas, que revelam o tema do depoimento - sobre o que o sujeito fala. No segundo caso, é necessário identificar as IC correspondentes a cada tema. Não se trata de uma interpretação, mas de uma descrição do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos (Lefèvre; Lefèvre, 2003LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs, 2003., p. 17). (3) Ancoragem: manifestação linguística explícita de uma teoria, ideologia ou crença que o autor professa e que é “usada pelo enunciador para ‘enquadrar’ uma situação específica” (Lefèvre; Lefèvre, 2003LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs, 2003., p. 17). Genericamente, todo discurso tem uma ancoragem, pois geralmente está fundamentado por pressupostos, teorias, conceitos e hipóteses. A literatura que fundamenta o estudo oferece os parâmetros para a ancoragem. (4) Discurso do Sujeito Coletivo (DSC): discursos-síntese elaborados a partir de trechos de discursos individuais com o objetivo de expressar determinado pensar ou representação social sobre um fenômeno. Esse discurso-síntese é redigido na primeira pessoa do singular e é composto por expressões-chave que têm a mesma ideia central ou ancoragem.

A análise de dados foi feita manualmente e, com base em Lefèvre e Lefèvre (2003LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs, 2003.) e Madureira (2005MADUREIRA, V. S. F. A visão masculina das relações de poder no casal heterossexual como subsídio para a educação em saúde na prevenção de DST/AIDS. 2005. 287 p. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.), os DSC foram construídos segundo os seguintes passos: (1) leitura exaustiva das transcrições de cada entrevista, mergulhando nos textos para conhecê-los profundamente; (2) identificação de temas e agrupamento das expressões-chave relativas a cada um em todas as entrevistas, como forma de conferir melhor ordenação aos relatos individuais; (3) identificação de grandes temas, considerando os propostos no roteiro de entrevista e os emergentes dos relatos; (4) identificação e agrupamento das expressões-chave por tema; (5) identificação das ideias centrais em cada tema; (6) identificação das ideias centrais de sentido igual, semelhante ou complementar e agrupamento sob uma ideia central-síntese com suas respectivas expressões-chave; (7) elaboração do DSC; (8) análise do conjunto de DSC em cada tema com agrupamento dos iguais, semelhantes ou complementares; (9) reelaboração dos DSC para obtenção de um painel de discursos coletivos coerentes, consistentes e condizentes com a questão norteadora e com os objetivos do estudo.

Da análise emergiram quatro ideias centrais (IC): o papel do gestor no planejamento; o planejamento em equipe; a participação do Conselho Municipal de Saúde e o desafio do uso de dados epidemiológicos como instrumento de gestão. Nelas estão reunidos os DSC, os resultados finais da análise e a estruturação dos discursos individuais formando um discurso-síntese que expressa a representação social sobre a temática abordada, produzido na primeira pessoa do singular e composto por expressões-chave que têm a mesma ideia central.

Resultados e discussão

Englobando 38 municípios e localizada no oeste de Santa Catarina, a microrregião de Chapecó tem, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, [201-]IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Santa Catarina. Rio de Janeiro, [201-]. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/gV3mZ7 >. Acesso em: 18 jan. 2018.
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), um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado alto, variando de 0,790 a 0,691, com média de 0,735. Este território é caracterizado, em sua maioria, por municípios de pequeno porte, com média populacional de 4.940 habitantes, sendo o menor Santiago do Sul, com 1.465 habitantes, e o maior, Chapecó, com 183.530 munícipes (IBGE, [201-]IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Santa Catarina. Rio de Janeiro, [201-]. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/gV3mZ7 >. Acesso em: 18 jan. 2018.
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). O município de Chapecó é conhecido como polo econômico do oeste catarinense, sendo referência para diversas ações e serviços em saúde. Considerando a disparidade existente entre os municípios da região na oferta de serviços, o planejamento em saúde torna-se um desafio.

Aliada à dificuldade citada, há que considerar que, dos 13 gestores em saúde participantes da pesquisa, apenas três têm formação na área da saúde, enquanto os demais têm experiência nas áreas de agricultura, contabilidade, licenciatura e administração. Grande parte dos participantes já havia exercido outro cargo na prefeitura. Outra característica a ser destacada é a rotatividade de secretários, com média de 40 meses de permanência no cargo. Tal fato relaciona-se principalmente à troca da gestão municipal a cada 4 anos. Após a contextualização da região, apresenta-se a seguir as ideias centrais (IC) e os DSC.

IC - O papel do gestor em saúde no planejamento

De acordo com Teixeira e Molesini (2002TEIXEIRA, C. F.; MOLESINI, J. A. Gestão municipal do SUS: atribuições e responsabilidades do gestor do sistema e dos gerentes de unidades de saúde. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 6, n. 1/2, p. 29-40, 2002.), o gestor municipal de saúde é responsável pelo planejamento do sistema municipal de saúde, devendo realizar primordialmente a territorialização das condições de saúde da população, identificando diferenciais epidemiológicos e sociais e elaborando propostas e ações direcionadas ao enfrentamento dos agravos e riscos à saúde existentes. A análise dos discursos demonstrou como os gestores de saúde da região oeste catarinense identificam seu papel no planejamento.

Ogestor é a peça fundamental para pensar o planejamento. O meu papel é puxar a frente e coordenar. É fundamental como decisão. No mínimo isso. Em resumo, a gente tem que estar aqui, pois é preciso incentivar a equipe a trabalhar, articular, organizar, analisar com o financeiro e ver se tem possibilidade de fazer [o que se deseja]. É também inovar quando precisa. Meu cargo é político, mas queira ou não queira, se o cargo é político, técnico ou alguma coisa nesse sentido, [o secretário] é a pessoa que diz [o que fazer],que está na frente de tudo o que acontece na saúde. (DSC 1)

Nas afirmações de que “o gestor é peça fundamental para pensar o planejamento” e “que está na frente de tudo que acontece na saúde” evidenciou-se a centralidade do gestor para a tomada de decisões e para a organização da gestão, o que reforçou sua importância no gerenciamento das ações de saúde e estabelecimento de metas. Ademais, os gestores identificaram seu papel na coordenação, articulação e organização dos profissionais e serviços de saúde, atuando como incentivadores da equipe e mediadores dos processos de trabalho, de forma a impactar na condução do planejamento.

O DSC 1 revelou ainda que os secretários municipais se preocupam em seguir as bases legais para o financiamento da saúde pública, ao afirmarem que “analisam com o financeiro” antes de realizar o planejamento das ações de saúde. Existem várias regulamentações sobre o financiamento e a alocação de recursos no SUS. Dentre as mais recentes, pode-se citar a Lei Complementar nº 141/2012 e a Emenda Constitucional nº 86/2015, que estabelece os percentuais mínimos de recursos que cada ente federado precisa aplicar no setor saúde, bem como a Lei Complementar nº 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que norteia os parâmetros do gasto público. Para que a alocação de recursos esteja em conformidade com essas leis, o gestor de saúde precisa ter uma relação dinâmica e próxima com o setor financeiro, reforçando mais uma vez a relevância do seu papel de articulação com a equipe, também destacado no DSC 1.

Outrossim, a referência ao papel de “inovar quando precisa” é reforçada por Campos et al. (2009CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.) ao reiterar que a descentralização da gestão do SUS exige criatividade e atuação dos municípios na condução das políticas, permitindo assim a efetividade no diagnóstico de problemas e na realização de intervenções adequadas e oportunas.

Já o DSC 2 trouxe outra percepção sobre o papel do secretário municipal de saúde no planejamento, restrito à organização das ações de prevenção, o que revelou duas vertentes de opiniões dentre os gestores entrevistados. A primeira vertente, já exposta, contempla o papel do gestor como responsável por coordenar e articular ações e serviços de saúde integralmente; enquanto a outra evidencia exclusivamente a atribuição de planejar ações preventivas: Acho que tenho um papel importante porque os secretários têm que organizar as ações de prevenção (DSC 2).

Para Silva et al. (2015SILVA, B. F. S. et al. A importância do planejamento como prática de gestão na microrregião de saúde de São Mateus (ES). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 183-196, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/Wr3AAn >. Acesso em: 19 jan. 2018.
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), o planejamento, quando pautado no princípio da integralidade, pressupõe ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação, além de garantir a participação de todos os envolvidos. Ao preconizar apenas uma das ações prioritárias de saúde na gestão municipal, como a prevenção de doenças, o gestor realiza um planejamento contraditório ao esperado pelo SUS, restringindo e limitando as ações de saúde para a população. O SUS preconiza que o gestor planeje, acompanhe e avalie os processos que envolvem a saúde da população, respeitando suas especificidades e, desta forma, buscando promover, proteger e recuperar a saúde no seu território de abrangência (Brasil, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de planejamento do SUS: uma construção coletiva: organização e funcionamento. 2. ed. Brasília, DF, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/uH4Ypu >. Acesso em: 18 jan. 2018.
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).

Os discursos demonstraram que ainda existe disparidade entre o conhecimento teórico-prático, tornando um desafio a capacitação dos gestores para a efetivação das ações preconizadas na gestão pública de saúde. Uma das ferramentas para viabilizar o acesso ao gerenciamento adequado é o Sistema de Planejamento do SUS (PlanejaSUS), que define os instrumentos básicos para o planejamento, além da realização de cursos de capacitação que podem ser oferecidos pela gestão municipal.

O DSC 1 afirma que o cargo exercido na secretaria municipal de saúde é um cargo político, visto que os secretários não necessitam de formação específica para assumi-lo. Porém, é oportuno destacar que, por estarem envolvidos na representação social da população, os gestores de saúde precisam estar instrumentalizados e empoderados tecnicamente.

IC - Planejamento em equipe

Para o gestor ou equipe gestora, um dos grandes desafios é desenvolver coletivamente um planejamento que contribua para melhorar a saúde da população, estimulando a adesão das equipes para atingir resultados e fortalecer o SUS (Gil; Luiz; Gil, 2016GIL, C. R. R.; LUIZ, G. C.; GIL, M. C. R. (Org.). A importância do planejamento na gestão do SUS. São Luís: Edufma, 2016.). O planejamento em equipe é complexo, bem como as ações de saúde a serem desenvolvidas com a população, o que exige constante atenção ao trabalho em equipe e à capacitação multidisciplinar, visando à integração de todos os envolvidos nos serviços de saúde.

Os gestores afirmaram que os profissionais de saúde que não participam do planejamento das ações e serviços atribuem tal ausência à sobrecarga nas atividades assistenciais, resultando em pouco tempo disponível para realização do planejamento e gestão compartilhada e participativa. O DSC 3 afirmou o descrito: A gente tem dificuldade, às vezes não dá tempo de planejar, reunir a equipe néporque tu não tem material humano, tu tem dificuldade, porque tu não tem recurso (DSC 3).

Os entrevistados apresentaram a falta de recursos financeiros como um problema para a contratação dos profissionais de saúde, acarretando a sobrecarga de trabalho e falta de tempo para reuniões e planejamento em equipe, o que colabora para a ausência do grupo de trabalho nos processos decisórios.

Gil, Luiz e Gil (2016GIL, C. R. R.; LUIZ, G. C.; GIL, M. C. R. (Org.). A importância do planejamento na gestão do SUS. São Luís: Edufma, 2016.) descrevem duas formas amplamente utilizadas para realizar o planejamento. Uma delas, o planejamento normativo, prevê que o gestor e a equipe gestora de saúde planejem/decidam, e os demais envolvidos no processo apenas executem. Porém, essa forma de trabalho tem tido baixa eficácia. Diferentemente, o planejamento participativo mobiliza e envolve todos os indivíduos inseridos no processo de saúde, trabalhando coletivamente e gerindo os conflitos a partir da construção de consensos que desencadeiam avanços na gestão.

Assim, questiona-se: o planejamento está subordinado à gestão ou a gestão está subordinada ao planejamento? O planejamento em equipe tem maior probabilidade de ser colocado em prática do que se for proposto de forma verticalizada. Portanto, o planejamento deve guiar as decisões do gestor, tornando a gestão condicionada ao planejamento.

A gente não planeja sozinho. Por isso tem que ter uma equipe boa, afinada, que consiga fazer trocas e trabalhar em conjunto. Acredito que todo mundo tem contribuições e precisa fazer parte [do planejamento]. A equipe faz um levantamento epidemiológico, um diagnóstico do que realmente necessita. Cada um levanta as dificuldades ou as soluções e define metas. Isso se discute em conjunto . (DSC4)

O DSC 4 destacou a ideia de Campos et al. (2009CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009., p. 421) de que é necessário “articular as áreas assistenciais, de ação coletiva, de planejamento, de controle e regulação, de decisão” ao conduzir a política de saúde na abordagem dos agravos. A afirmação demonstrou um aspecto positivo da gestão de saúde no oeste catarinense, revelando que os secretários municipais se empenham para integrar a equipe nas decisões e planejamento, considerando o que é preconizado pelo SUS.

IC - Participação do Conselho Municipal de Saúde

A Lei nº 8.142/1990 complementa a Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/1990 e estabelece a participação da comunidade na gestão do SUS, instituindo conferências e conselhos de saúde como órgãos colegiados que propõem políticas e ações em saúde e monitoram sua implementação.

Segundo a Lei nº 8.142/1990 (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1990. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/EVv6Dw >. Acesso em: 18 jan. 2018.
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), o Conselho de Saúde deve ser constituído majoritariamente pela comunidade usuária do SUS, que ocupa 50% da representação, enquanto 25% são destinados aos trabalhadores da saúde e 25% aos prestadores de serviços e gestores. Podem existir conselhos locais, que se organizam nos bairros ou localidades próximas e apresentam suas demandas para o Conselho Municipal (CMS) e, subsequentemente, para o Conselho Estadual (CES) e o Conselho Federal de Saúde (CFS). Sua conformação ressalta o impacto direto que o poder da comunidade exerce sobre as decisões de saúde, formulando, implementando e acompanhando as políticas do SUS. O DSC 5 demonstra a interação existente entre conselho e gestão municipal de saúde: Todas as decisões que tomamos, seja de mudanças ou outra decisão na saúde, levamos para o conselho, discutimos e vemos a melhor maneira de trabalhar. Tudo é levado para o Conselho (DSC5).

O Plano Municipal de Saúde e o Plano Plurianual, dentre outros instrumentos de gestão, precisam ser aprovados pelo conselho para serem executados. Após sua execução, passam por nova avaliação a partir de relatórios e prestação de contas, com a finalidade de fiscalizar a aplicação de recursos e o desenvolvimento das ações propostas e fazer que as demandas da comunidade sejam representadas perante os gestores. Isto posto, o DSC 5 apontou que o Conselho Municipal de Saúde exerce sua função de auxiliar na formulação de projetos e avaliar seu andamento.

O Conselho de Saúde é composto por membros de diversos segmentos da sociedade, o que enriquece o debate através de perspectivas diferentes. Em vista disso, a iniciativa para o debate, questionamentos e proposições é fundamental para a construção coletiva de propostas e a factual fiscalização das ações de saúde no município. Contudo, no DSC 6 não se percebe a participação dinâmica dos conselheiros municipais de saúde: O nosso conselho é bem tranquilo, nunca tivemos polêmicas ou o conselho foi contra alguma coisa que a gente quis fazer. Sempre foi bem colaborativo. Sempre tivemos o apoio (DSC6).

O DSC 6 pode indicar desconhecimento dos conselheiros sobre seu papel, função e responsabilidades. Este comportamento pode ser justificado pela falta de informações e capacitação para a análise de todo o processo. Tal fato sugere que muitos se percebem apenas como colegiado necessário para aprovação de ações propostas pela Secretaria Municipal de Saúde, auxiliando no cumprimento de uma exigência legal, em vez de atuar de forma proativa, crítica e reflexiva. Deste modo, nem todos os municípios contam com conselhos de saúde bem estruturados, que interfiram no planejamento de ações e políticas de saúde.

O DSC 7 ressaltou a imprescindibilidade do conselho, mas demonstrou sua pouca efetividade como órgão colegiado de cunho deliberativo:

Eu sou do Conselho e acho que é pouco atuante. Eu acho que, em alguns pontos, eles [os conselheiros]poderiam participar mais, entender que o conselho tem um poder enormee que pode até derrubar o secretário; entender que eles podem decidir. Acho que eles têm que se impor um pouquinho mais, buscar um pouquinho mais. Como gestora, eu não deveria falar isso, mas ele [o Conselho] tem que cobrar um pouquinho mais, porque mais eles cobrando, mais a gente consegue. Sempre que tem cobrança, a gente consegue melhorar um pouquinho mais. (DSC 7)

O Conselho de Saúde precisa ter conhecimento de suas atribuições a fim de representar o posicionamento da comunidade quanto à formação e implementação de políticas públicas de saúde. Ao perder esse espaço de decisão, com um conselho ineficiente, o planejamento de saúde para o município pode apresentar-se falho, não abrangendo os interesses dos usuários do SUS.

O discurso supracitado ressaltou o poder do Conselho Municipal de Saúde, seu papel no controle social, fiscalização e acompanhamento das ações desenvolvidas pela Secretaria de Saúde. O DSC 7 também demonstrou que as relações entre o secretário de saúde e os conselheiros fazem que o primeiro se empenhe mais e busque atender as necessidades da população de forma equânime.

IC - Desafios no uso dos dados epidemiológicos como instrumento de gestão

O planejamento do SUS precisa ser periodicamente aprimorado, aperfeiçoando instrumentos que servem de base para esse processo, como os dados epidemiológicos. As intervenções de saúde devem ser oriundas das necessidades da população do território abrangido, sendo estruturadas a partir de indicadores epidemiológicos, demográficos e socioeconômicos (Pereira; Tomasi, 2016PEREIRA, B. S.; TOMASI, E. Instrumento de apoio à gestão regional de saúde para monitoramento de indicadores de saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 25, n. 2, p. 411-418, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/xUuH6k >. Acesso em: 19 jan. 2018.
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).

Os indicadores gerados a partir dos dados epidemiológicos de saúde são instrumentos valiosos na gestão pública, podendo subsidiar ações em todos os níveis da rede de atenção à saúde (Pereira; Tomasi, 2016PEREIRA, B. S.; TOMASI, E. Instrumento de apoio à gestão regional de saúde para monitoramento de indicadores de saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 25, n. 2, p. 411-418, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/xUuH6k >. Acesso em: 19 jan. 2018.
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). Neste sentido, a epidemiologia é considerada por Campos et al. (2009CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.) como um conhecimento fundamental que, articulado a outros conhecimentos, orienta o planejamento, a gestão e as intervenções assistenciais e preventivas.

Os dados epidemiológicos são fonte estruturante para elaborar o Plano Municipal de Saúde e o Planejamento Anual dos municípios, tal como afirmou o DSC 8: Eles [os dados epidemiológicos] são instrumentos de gestão , né. Eles dão a base do planejamento. São utilizados para fazer o Plano Municipal de Saúde de 4 em 4 anos e também o Planejamento Anual.

O Plano Municipal de Saúde é o documento de maior magnitude para condução das ações de saúde do município, pois contém, além do perfil situacional do território, todas as intervenções e projetos previstos para o seu tempo de vigência.

A análise de saúde da população permite que a equipe de gestão organize uma rede estruturada para sanar os principais agravos. Nesse contexto, o Decreto nº 7.508/2011 institui a formulação do Mapa da Saúde, descrito como uma caracterização dos recursos humanos, ações e serviços de saúde ofertados a partir da capacidade instalada do território e dos indicadores epidemiológicos (Brasil, 2011BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/wy2Etz >. Acesso em: 18 jan. 2018.
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).

Os relatos tornaram evidente que os gestores têm conhecimento da pertinência dos dados para o planejamento, conforme demonstra o DSC 9:

Os dados epidemiológicos são muito importantes porque com eles a gente vai ter uma visão geral do município na área da saúde, vai traçar o perfil [do município] e ver o que precisa fazer. Eles servem para ver os maiores problemas, as metas, onde é preciso atacar, onde tem que investir mais recursos. Eles dão um norte para ver as prioridades. Então, eles servem para tudo isso e por isso são importantíssimos. (DSC9)

A utilização de dados informacionais no planejamento do SUS está prevista desde sua criação, com a Lei Orgânica de Saúde nº 8.080/1990, que preconiza o uso de dados epidemiológicos para estabelecer as prioridades e destinação de recursos, sejam financeiros ou humanos. A epidemiologia se articula profundamente aos princípios e diretrizes do SUS, tendo ampla inserção no processo de gestão. O uso de dados epidemiológicos na gestão contribui para a concretização do planejamento e organização do SUS.

Dentre as informações disponibilizadas, há os indicadores de saúde, como os de mortalidade, morbidade, demográficos, socioeconômicos e ambientais, que permitem avaliar a efetividade das ações, evidenciando resultados de serviços de saúde desenvolvidos e o impacto de outros setores no bem-estar da população.

Existem ainda sistemas de informação específicos do SUS, gerenciados pelo Ministério da Saúde e que precisam ter sua base de dados alimentada continuamente, como o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), Sistema de Informação de Agravos de Notificação Obrigatória (Sinan), Sistema de Informação de Saúde para a Atenção Básica (Sisab) e Sistema de Informações em Orçamentos Públicos da Saúde (Siops), entre outros.

No DSC 10 é destacada a relevância dos sistemas de informação na rotina dos serviços de saúde:

Os dados epidemiológicos são de suma importância. Por isso é muito importante tertudo o que é feito registrado no sistema, no prontuário, poiscom essas estatísticas se consegue planejar. O município tem tudo informatizado na unidade e é possível “puxar” todos esses dados. (DSC10)

A informatização do prontuário também é um facilitador para a organização dos dados epidemiológicos, pois a Secretaria Municipal de Saúde pode articular os dados coletados na área da saúde com outros bancos de dados do município ou região, como os do IBGE, aperfeiçoando a análise de dados do território.

A região estudada é formada majoritariamente por municípios pequenos e, como a gestão do SUS é descentralizada, muitas vezes estes municípios têm dificuldades de estruturar seus sistemas de informação. Outra complexidade é a distribuição dos serviços de saúde, que, de acordo com Medronho (2009MEDRONHO, R. A. et al. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2009.), não costuma se relacionar com as condições de saúde das populações residentes, e sim com as leis de mercado. Todavia, muitos dados e informações epidemiológicas ficam disponíveis nas regionais de saúde e podem auxiliar no planejamento desses municípios.

Apesar de reconhecerem o valor dos dados epidemiológicos para a visualização do perfil de saúde da população, os gestores do oeste catarinense expõem também que nem todos os municípios conseguem realizar essa ação:

Os dados epidemiológicos dão um perfil da área da saúde, mas a gente não tem muito esse perfil, não consegue buscar esse perfil, não consegue traçar. Eu acho queo perfil epidemiológico é muito importante, mas os municípios não conseguem fazer, não conseguem ter esse dado. No meu caso é humanamente impossível fazer periodicamente esses levantamentos pela quantidade de funcionários. Na prática, a gente sabe como teria que ser, mas a gente não consegue por ter poucos funcionários. (DSC11)

Informações epidemiológicas permitem ao gestor utilizar os recursos existentes conforme a situação de saúde atual e estabelecer prioridades de avanços necessários aos serviços. Mas, quando não se utiliza esse instrumento de gestão, o planejamento de saúde do município não é baseado nas necessidades da própria população a ser atendida. Isso pode ocorrer por falta de informação e aperfeiçoamento dos próprios gestores, pois, como citado anteriormente, é possível buscar algumas informações epidemiológicas em órgãos de apoio. Por conseguinte, outras dificuldades, como a indisponibilidade de recursos humanos e materiais, se colocam como obstáculo na construção do planejamento.

Destarte, o uso da epidemiologia contribui para a produção de saúde individual e coletiva, produzindo conhecimento e desenvolvendo ações de grande abrangência, que permitem a melhora da situação de saúde de indivíduos e populações (Campos et al., 2009CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.).

Considerações finais

O estudo identificou que os gestores reconhecem o impacto do planejamento para a estruturação e resolutividade da gestão em saúde. Evidenciaram-se como principais obstáculos para efetivação do planejamento: a falta de conhecimento das funções do gestor; a sobrecarga de trabalho enfrentada pela equipe assistencial, que dificulta o planejamento compartilhado; e as dificuldades de pactuação/regionalização entre os municípios do oeste catarinense devido às condições sociais, econômicas e de oferta de serviços de saúde.

Os discursos revelaram que a percepção dos entrevistados sobre seu papel no planejamento de saúde é marcada pelo protagonismo na gestão pública, ressaltando o empenho para realizar uma gestão integral, que estabeleça ações de prevenção, promoção e reabilitação, compreendendo todos os níveis de atenção à saúde. De mais a mais, os gestores reforçam a atribuição de articular as equipes e serviços de saúde, enfatizando seu papel de representação enquanto atores políticos.

No planejamento em equipe, compreende-se a magnitude de programar as intervenções de saúde de forma coletiva, prezando pela horizontalidade das ações. Contudo, a dificuldade na comunicação com a equipe, atribuída à sobrecarga de trabalho, falta de profissionais e falta de recurso financeiro, por vezes inviabiliza a efetivação desta etapa do planejamento.

Em relação à atuação do Conselho Municipal de Saúde, observou-se a compreensão dos gestores sobre a importância desse órgão colegiado na organização e aprovação de projetos, retratando as demandas da população do território de abrangência. Todavia, quando pouco atuante, o conselho apresenta suas ações de forma superficial, de modo a não efetivar seu papel de fiscalização e participação social, atuando no sentido de aprovar as propostas e encaminhamentos da gestão.

Já sobre os dados epidemiológicos, há grande valorização dessas informações, reconhecidas como fundamentais para o planejamento dos serviços de saúde. Não obstante, o reconhecimento da relevância desses dados no processo de planejamento não implica necessariamente em seu uso, o que pode resultar no desconhecimento das necessidades de saúde da população, prejudicando assim a eficiência da gestão pública. Tal fato impacta na elaboração dos planos municipais de saúde, que, segundo os DSC, não conseguem ser colocados em prática em decorrência da falta de tempo e capacitação dos profissionais que atuam na prática assistencial.

Acreditamos que esta pesquisa avança na análise da situação atual de planejamento e gestão do SUS regional, e que a breve apresentação realizada neste artigo tem potencial de impulsionar reflexões sobre as práticas dos gestores e formuladores de políticas públicas de saúde no intuito de aprofundar os debates locais e estimular novas estratégias e dinâmicas para as pactuações regionais. A partir dos resultados desta pesquisa e do interesse manifestado pelos gestores vinculados a CIR, foi desenvolvido um projeto de extensão pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) em parceria com a ADR, com a Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (Amosc) e a Comissão de Integração Ensino e Serviço (Cies). O projeto organizou oficinas de formação para o SUS com as seguintes temáticas: Planejamento, Financiamento e Redes de Atenção à Saúde, contribuindo para a qualificação do planejamento, da gestão e também para a formação de profissionais de saúde engajados na saúde pública.

Tendo em vista os resultados desta pesquisa, percebe-se a necessidade de desenvolver estratégias de aprimoramento contínuo para os profissionais a fim de substanciar o embasamento teórico e aproximá-los dos instrumentos de gestão em saúde. É crucial fortalecer espaços de interação, articulação e pactuação entre gestores que auxiliem na consolidação das redes de atenção à saúde e na regionalização dos serviços a partir de um planejamento que considere as especificidades regionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2017
  • Aceito
    11 Jan 2018
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