Introdução
O excesso de peso é um problema global. Atualmente cerca de 40% da população mundial está acima do peso, tendo este indicador triplicado nos últimos 40 anos (WHO, 2018). Embora a obesidade não se restrinja a um segmento populacional, ela é mais frequente nos estratos com menor renda e escolaridade, estando associada ao consumo alimentar, à inatividade física e ao status socioeconômico.
Os estudos sobre obesidade emergem da crescente ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), relacionadas ao excesso de gordura corporal. A obesidade é fator de risco para dislipidemias, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2 e alguns tipos de câncer. Além disso, acarreta problemas como sobrecarga do aparelho locomotor e, em grau avançado, dificuldades respiratórias.
No mundo, 70% de todas as mortes são causadas por DCNT, estimando-se que ocorram anualmente cerca de 38 milhões de óbitos decorrentes delas. Destes, aproximadamente 28 milhões ocorrem em países de baixa e média renda, dos quais 16 milhões atingem pessoas com menos de 70 anos de idade. As populações mais pobres são as mais suscetíveis, por terem menos acesso a serviços de saúde e às práticas que a promovem (Malta et al., 2017).
No Brasil, o excesso de peso ocorre em ambos os gêneros, em todos os níveis socioeconômicos e em todas as faixas etárias. No entanto, o aumento de peso é maior na população com menor renda. Em 2013, 56,9% da população adulta estava acima do peso ideal e 20,8% estava obesa (IBGE, 2015). A prevalência de excesso de peso nos homens aumentou 20% entre 2006 e 2017, e no mesmo período a prevalência de obesidade feminina aumentou 33% (Pinheiro et al., 2019).
É necessário ressaltar que as mudanças no padrão alimentar explicam a crescente prevalência da obesidade. Os produtos ultraprocessados, com altos níveis de sódio, açúcar e gorduras saturadas, têm sido privilegiados em detrimento de alimentos in natura ou minimamente processados nas preparações caseiras (Martins, 2008; Monteiro; Louzada, 2015). Os ultraprocessados incluem bebidas açucaradas e alimentos do tipo fast-food, com elevada concentração de sal e alta densidade energética.
Cabe novamente frisar que existe uma relação inversa entre obesidade e nível de escolaridade da população, isto é, à medida que diminuem os anos de estudos a proporção de obesidade e sobrepeso aumenta. Entre aqueles que estudaram 12 ou mais anos, o percentual de pessoas obesas é de 12,3% e o de sobrepeso, 45%. Quando o nível de escolaridade varia entre zero e oito anos de estudo, a quantidade de pessoas obesas e com sobrepeso passa para 22,7% e 58,9%, respectivamente (Brasil, 2015; Ferreira; Szwarcwald; Damacena, 2019; Monteiro; Conde; Popkin, 2001).
Apesar da bem documentada relação entre ganho de peso e fatores sociodemográficos, são raros os estudos sobre obesidade e raça/cor. A maior prevalência das DCNT na população negra indica que os fatores de risco devem se distribuir de forma diferente segundo raça/cor. O diabetes mellitus é mais prevalente em pessoas negras, mesmo após ajuste para idade e índice de massa corporal (Brito; Lopes; Araújo, 2001); a população negra pratica menos atividade física no lazer e consome menos frutas e hortaliças, o que pode ser explicado por aspectos culturais, menos oportunidade e menor acesso aos bens produzidos socialmente (Malta; Moura; Bernal, 2015).
A formação da sociedade brasileira e o modo como a população negra nela se insere têm relação com o seu processo saúde-doença. Presume-se que os efeitos nocivos de um ambiente de escasso acesso aos direitos de cidadania e à riqueza social são fatores preponderantes da vulnerabilidade diferenciada dessa população. Somam-se a isso as desigualdades de gênero, que agudizam as desigualdades em saúde - noção indispensável para entender as determinações sócio-históricas do processo de morbimortalidade desse grupo. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi mapear na literatura científica a extensão, o alcance e a natureza da relação entre obesidade e raça/cor em mulheres.
Método
Trata-se de revisão de escopo, síntese que segue abordagem sistemática para mapear o conhecimento e identificar os principais conceitos, teorias, fontes e lacunas sobre um tema de amplo alcance. Diferentemente da revisão sistemática, que sintetiza um aspecto específico, na revisão de escopo o mapeamento busca compreender um tema de forma ampla e profunda (Levac; Colquhoun; O’Brien, 2010).
A pesquisa foi guiada pelas seguintes questões: qual é o conhecimento científico a respeito da relação entre raça e obesidade em mulheres negras? Existem disparidades raciais no desenvolvimento da obesidade feminina?
Para efeito desta pesquisa foram definidos os seguintes parâmetros: população, mulheres; exposição, raça; desfecho, obesidade; delineamento, estudos observacionais. A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Excerpta Medica Database (Embase), Web of Science, Health InterNetwork Access to Research Initiative (Hinari) e Scopus. Foram pesquisadas também publicações da literatura cinza (textos científicos não classificados como artigos de periódicos indexados, como dissertações, teses e livros). Como o objetivo desta pesquisa não foi delinear o conhecimento sobre obesidade e raça/cor ao longo da história, mas verificar como o tema é tratado atualmente, definiu-se, por conveniência, o período de 11 anos imediatamente anteriores ao momento da busca, abrangendo, portanto, obras publicadas entre 2007 e 2018.
Foram utilizados descritores em inglês para cada parâmetro. Os termos de busca seguiram as normas definidas por cada fonte informacional, levando em conta suas diferentes formas de indexação e respectivos vocabulários - Medical Subject Headings (MeSH), da Medline; Descritores em Ciências da Saúde (DeCS); Emtree, da Embase; entre outros.
Para aumentar a sensibilidade e a especificidade da busca, foram utilizados os operadores booleanos AND (delimitador) e OR (aditivo), bem como os filtros disponibilizados nas bases de dados. O operador NOT (excludente) não foi utilizado. A busca foi complementada com a leitura das referências dos estudos selecionados. A literatura cinza foi buscada nas universidades públicas brasileiras que disponibilizam a pesquisa pela internet com acesso ao acervo de dissertações, teses e monografias. Trabalhos duplicados foram eliminados usando o programa Endnote.
A fim de garantir a abrangência própria da revisão de escopo, a coleta utilizou os seguintes descritores no portal PubMed: ((“obesity”[MeSH Terms] OR “obesity”[All Fields]) OR (“overweight”[MeSH Terms] OR “overweight”[All Fields])) AND (“African Continental Ancestry Group”[All Fields] OR (“continental population groups”[MeSH Terms] OR (“continental”[All Fields] AND “population”[All Fields] AND “groups”[All Fields]) OR “continental population groups”[All Fields] OR “race”[All Fields])) AND (“women”[MeSH Terms] OR “women”[All Fields]).
Os critérios de inclusão abarcavam estudos observacionais cujos objetivos principais fossem avaliar as disparidades raciais no desenvolvimento da obesidade feminina. Foram excluídos estudos que avaliavam raça e obesidade em relação a: comorbidades (câncer, demência, depressão etc.); técnicas de diagnóstico e rastreamento; prognóstico clínico; tratamentos e intervenções; causas genéticas e bioquímicas; estratégias de prevenção; e fisiologia e patogenia. Não houve exclusão por país de origem. Os estudos foram selecionados por dois pesquisadores em três etapas: na primeira triagem foram analisados os títulos dos artigos, na segunda, os resumos, e na terceira triagem os artigos foram lidos integralmente. As discordâncias entre as duas buscas iniciais foram arbitradas por um terceiro pesquisador.
Foram extraídos os seguintes dados dos artigos selecionados: ano de publicação; país da população estudada; periódico em que foi publicado; definição e classificação de raça; definição de obesidade; metodologia (se qualitativa ou quantitativa); instrumento de coleta de dados; medida de efeito; e conclusão de cada artigo a respeito das diferenças raciais da obesidade em mulheres.
A análise foi realizada em função da natureza do problema formulado, bem como da preocupação inicial, buscando compreender a relação entre raça e obesidade. Para tanto, foi realizada análise narrativa a partir da leitura em profundidade de cada artigo, buscando identificar semelhanças e diferenças. As semelhanças foram consideradas consenso científico sobre o tema e as diferenças foram descritas de acordo com o posicionamento dos autores, com a população de estudo e os demais aspectos específicos do problema em estudo, procurando contemplar e contrastar os argumentos científicos apresentados para cada controvérsia.
Resultados
Na fase de identificação foram levantadas 2.526 publicações. Não foram localizados estudos na literatura cinza. Em seguida, na triagem, 413 publicações foram eliminadas por aparecer em duplicidade, restando, assim, 2.113 artigos para leitura dos títulos. Seguindo os critérios de exclusão pré-estabelecidos, foram então eliminados 2.069 artigos. Foram com isso lidos os resumos de 44 artigos, dos quais 34 foram eliminados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, permanecendo 10 para a leitura integral (Figura 1).
Os 10 artigos selecionados foram publicados em língua inglesa. Embora o local de pesquisa e/ou publicação não constituísse critério de exclusão, observa-se que, dos 10 artigos, nove são de autores vinculados a instituições estadunidenses, dos quais um foi produzido em parceria com uma universidade francesa, e o décimo foi publicado por instituição brasileira de pesquisa vinculada ao Ministério da Saúde. Nove estudos derivam de pesquisas quantitativas.
Para a coleta de dados, os estudos utilizaram questionários e entrevistas. Em todos os artigos a obesidade foi medida pelo índice de massa corporal (IMC) - calculado pelo peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros. Considerou-se como excesso de peso o indivíduo com IMC≥25 kg/m², e obeso o indivíduo com IMC≥30 kg/m².
Em todos os estudos a raça foi mensurada por autorrelato, mas sua classificação foi realizada segundo o contexto sócio-histórico de cada país (Quadro 1).
Quadro 1 Síntese do material empírico
Título | Autores e ano | Revista | País | Tipo de estudo | Participantes |
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"The association between obesity and race amongBrazilian adults is dependent on sex and socio-economic status" | Araujo et al., 2018 | Public Health Nutrition | Brasil | Epidemiológico transversal - quantitativo | 80.702 adultos com idade entre 20e 65 anos |
"Black-white disparities in overweight and obesitytrends by educational attainment in the United States, 1997-2008" | Jackson et al., 2013 | Journal of Obesity | Estados Unidos e França | Epidemiológico de tendênciatemporal - quantitativo | 174.228 adultos nascidos nosEstados Unidos |
"Do socioeconomic gradients inbody mass index vary by race/ethnicity, gender, and birthplace?" | Sánchez-Vaznaugh et al., 2009 | American Journal of Epidemiology | Estados Unidos | Epidemiológico transversal - quantitativo | 37.150 adultos residentes naCalifórnia |
"Lifecourse socioeconomic position and weight changeamong blacks" | Bennett, Wolin e James, 2007 | Obesity | Estados Unidos | Epidemiológico de coorte etransversal - quantitativo | 1.167 adultos negros |
"Long term trends and racial/ethnic disparities inthe prevalence of obesity" | Wong, Chou e Ahmed, 2014 | Journal of Community Health | Estados Unidos | Epidemiológico de coorteretrospectiva - quantitativo | 150.753 adultos moradores daCalifórnia |
"Obesity, race/ethnicity and life coursesocioeconomic status across the transition from adolescence to adulthood" | Scharoun-Lee et al., 2009 | Journal of Epidemiology and Community Health | Estados Unidos | Epidemiológico de coorte - quantitativo | 12.940 adolescentes |
"Racial disparities in the risk of developingobesity-related diseases: A cross-sectional study" | Zhang e Rodriguez-Monguio, 2012 | Ethnicity and Disease | Estados Unidos | Epidemiológico transversal - quantitativo | 63.235 adultos nãoinstitucionalizados moradores de Massachusetts |
"Racial/ethnic differences in Body Mass Index: theroles of beliefs about thinness and dietary restriction" | Vaughan, Sacco e Beckstead, 2008 | Body Image | Estados Unidos | Qualitativo | 816 mulheres universitárias |
"Social context explains race disparities in obesityamong women" | Bleich et al., 2010 | Journal of Epidemiology and Community Health | Estados Unidos | Epidemiológico transversal - quantitativo | 1.489 adultos |
"Social disparities in BMI trajectories acrossadulthood by gender, race/ethnicity and lifetime socio-economic position:1986-2004" | Clarke et al., 2009 | International Journal of Epidemiology | Estados Unidos | Epidemiológico de coorte - quantitativo | 10.956 adultos com idade entre 18e 45 anos |
Em geral, escolaridade e renda mensuram o nível socioeconômico e costumam estar similarmente associadas aos desfechos. Nas pesquisas que consideraram raça e obesidade, contudo, estas variáveis parecem exercer papéis diferentes e algumas vezes antagônicos. Nas pesquisas estadunidenses, a prevalência de obesidade na população total foi associada a menor escolaridade, menor renda e situação laboral (Wong; Chou; Ahmed, 2014; Zhang; Rodriguez-Monguio, 2012). No entanto, as diferenças raciais de sobrepeso e obesidade mostraram-se mais proeminentes entre aqueles com níveis mais altos de educação, ressaltando maior prevalência de obesidade em negros e hispânicos e menor em asiáticos e brancos (Jackson et al., 2013), embora tenha havido aumento significativo ao longo do tempo entre homens e mulheres em todos os grupos étnico/raciais, mesmo após ajustes por idade, gênero e comorbidades.
Nos estudos longitudinais, a obesidade aumentou ao longo do tempo entre homens e mulheres de todos os grupos raciais (Zhang; Rodriguez-Monguio, 2012), mas a população negra apresentou maior prevalência de obesidade nos Estados Unidos (Scharoun-Lee et al., 2009). Por outro lado, o menor nível socioeconômico parece predizer o início precoce da obesidade, mas não o aumento do IMC ao longo do tempo (Bennett; Wolin; James, 2007). Entre pessoas que tiveram uma infância com baixo nível socioeconômico, o risco de ganho de peso ao longo da vida adulta foi maior entre negros e mulheres (Clarke et al., 2009).
No Brasil, homens e mulheres pretos apresentaram aumento da obesidade com o aumento do nível socioeconômico - medido como uma combinação de renda e escolaridade -, enquanto mulheres pardas e brancas tiveram diminuição com o aumento da riqueza, indicando uma interação entre raça e nível socioeconômico na ocorrência da obesidade (Araujo et al., 2018).
Discussão
Após extensa e sistemática busca na literatura científica, constatou-se a existência de publicações relacionando obesidade e raça em apenas dois países (Estados Unidos e Brasil), refletindo o escasso interesse científico no tema, a despeito de sua relevância.
Foi possível observar desigualdades raciais na prevalência de obesidade. O material empírico avaliou essa associação da perspectiva socioeconômica por meio de renda, educação e ocupação. Diferenças de gênero também foram identificadas.
No Brasil, para a classificação racial dos indivíduos adotou-se a formulação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em brancos, negros (pardos e pretos), amarelos e indígenas. Nos Estados Unidos as categorias raciais foram brancos não hispânicos, negros não hispânicos, asiáticos e de origem das ilhas do Pacífico e nativos americanos. Provavelmente nenhuma destas classificações poderá ser adotada automaticamente por outros países, pois fazem referência às categorizações adotadas em contexto nacional específico. Ainda que Estados Unidos e Brasil mantenham alguma semelhança em sua classificação racial, é necessário muito cuidado ao compará-las, pois ser negro, branco, asiático/amarelo ou nativo/indígena tem acentuada diferença entre locais com histórias e contextos sociais diferentes. Por outro lado, é inegável que os estudos aqui apresentados têm em comum a explicitação da relação entre raça e obesidade e do racismo como determinante social de saúde.
A obesidade no Brasil, assim como nos Estados Unidos, é uma epidemia nacional e está ligada às mais altas taxas de comorbidades, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. Nos países do Sul global a obesidade tem sido historicamente um problema para as classes mais abastadas, mas alguns estudos mostraram que está se tornando cada vez mais frequente entre os pobres, principalmente entre as mulheres.
Na avaliação do IMC como variável contínua e sua relação com a renda, nota-se claro gradiente negativo, ou seja, conforme a renda aumenta, diminui o IMC. Para as mulheres brancas e hispânicas essa relação é bastante clara. O mesmo não ocorre com mulheres negras e asiáticas nos Estados Unidos.
Indivíduos que tiveram baixo nível socioeconômico na infância (pais sem ensino superior) têm um IMC maior na vida adulta e taxas mais altas de crescimento anual do IMC do que aqueles cujos pais tinham diploma universitário. Para as mulheres, a participação no grupo em desvantagem social conferiu maior risco geral de obesidade na vida adulta (Clarke et al., 2009).
Enquanto as mulheres negras apresentaram maior sobrepeso/obesidade em todas as faixas de escolaridade, as mulheres brancas apresentaram associação inversa entre obesidade e escolaridade ao longo do tempo (Jackson et al., 2013). Parece haver maior internalização do ideal de magreza e prática mais frequente de restrição alimentar entre mulheres brancas do que entre mulheres afro-americanas (Vaughan; Sacco; Beckstead, 2008).
No Brasil, situação semelhante aos Estados Unidos parece existir: maior aumento da obesidade com o aumento do nível socioeconômico para mulheres pretas e associação inversa para mulheres pardas e brancas.
Possíveis explicações para as disparidades raciais e de gênero na obesidade residem nos efeitos fisiológicos e psicológicos do estresse causado por discriminação racial (Gee et al., 2008; Paradies, 2006; Williams; Neighbors; Jackson, 2003). Esse estresse catalisaria processos fisiológicos, tais quais as alterações hormonais que aumentam a retenção de gordura estimulando o apetite e suprimindo o sistema de saciedade (Björntorp, 2001; Dallman et al., 2004; Rosmond, 2005; Rosmond; Dallman; Björntorp, 1998). Além disso, o sofrimento psíquico proveniente da tentativa de se adequar a um ambiente de práticas discriminatórias pode impulsionar o maior consumo de alimentos (Womble et al., 2001; Yanovski, 1993).
Diferenças culturais também podem fornecer explicações para essa disparidade, como a maior satisfação entre as mulheres negras com um corpo de medidas maiores que o padrão habitual em comparação às mulheres brancas (Millstein, 2008). O maior consumo de alimentos com alto teor calórico e baixo valor nutricional (Kwate et al., 2009) e o menor índice de amamentação entre minorias raciais são outros fatores que poderiam promover ambientes onde há risco aumentado de ganho de peso ao longo do tempo. Muitos fatores estão associados à menor proporção de amamentação entre mulheres negras, incluindo idade mais jovem no momento do parto, menor renda, menor escolaridade, retorno mais cedo ao trabalho e menor apoio social do parceiro (Scanlon et al., 2010).
Embora a população negra, sobretudo as mulheres, esteja sobrepujada nos estratos socioeconômicos mais baixos e essa desvantagem seja atribuída a pobreza, ressalta-se o racismo institucional como corresponsável pelas desigualdades na prestação do cuidado, entre outras circunstâncias que limitam a ação de profissionais no campo do diagnóstico e tratamento, mas também na atenção a outras condições relacionadas à saúde (Sacramento; Nascimento, 2011). O racismo institucional equivale a ações e políticas institucionais capazes de produzir e/ou manter a vulnerabilidade de indivíduos e grupos sociais vitimados pelo racismo (Werneck, 2016). Desse modo, reverbera em todas as dimensões da sociabilização dos negros e se manifesta na forma como são tratados nos serviços, também na baixa produção de informações desagregadas por meio da variável raça/cor e na dificuldade de acesso à saúde em todos os níveis de complexidade.
As mulheres pretas são as que têm maior risco de morte, pois às desigualdades raciais adicionam-se as desigualdades de gênero, aqui entendidas como construções sociais e culturais que definem os papéis masculinos e femininos, estabelecendo hierarquias em que os homens são considerados superiores às mulheres.
A população negra apresenta mais chance de desenvolver diabetes, hipertensão arterial e acidente vascular cerebral do que qualquer outro grupo racial, doenças claramente associadas à obesidade (Jackson et al., 2013).
Considerações finais
Raça/cor, gênero e nível socioeconômico devem ser considerados nas estratégias para promoção e proteção à saúde, especialmente nas ações de redução da obesidade. Assim, conhecer os fatores que fundamentam as diferenças raciais é passo importante para reduzir as diferenças injustas em resultados indesejáveis relacionados à saúde. Políticas de promoção da equidade que se concentrem em modificar aspectos sociais do meio ambiente podem contribuir para a redução das disparidades.
A raça, entendida como diferenças fenotípicas utilizadas socialmente para classificar e hierarquizar indivíduos, é um dos fatores determinantes do estado de saúde. Ela é, portanto, produto das relações sociais para além das diferenças biológicas. As disparidades sociais demonstram que raça é um importante preditor da situação socioeconômica, já que negros estão em desvantagem na maioria dos indicadores sociais (Lovell, Wood, 1998).
A principal lacuna científica identificada nesta investigação foi a escassa produção na literatura sobre o tema obesidade e raça no Brasil, que apresentou apenas um estudo, sendo a maioria das demais pesquisas realizadas nos Estados Unidos. Pela complexidade da relação entre obesidade e raça, é possível cogitar que outros países apresentem características diferentes daquelas aqui encontradas. Embora exista uma preocupação com os aspectos sociais segundo raça, ainda há resistência no setor saúde em geral em reconhecer ou pelo menos investigar o nexo entre racismo e saúde (Faustino, 2017).
Os dados aqui coletados apontam uma relação complexa e multifacetada entre raça, nível socioeconômico, escolaridade e obesidade. A crescente epidemia de obesidade é desproporcional para negros e brancos, mesmo após ajustes para idade e nível socioeconômico. Portanto, os estudos avaliados reafirmam a especificidade das desigualdades raciais para além das diferenças de classe social, com provável explicação nas veladas relações racistas que restringem o acesso aos direitos e estimulam o estresse crônico.
Novos estudos devem ser realizados, com especial ênfase nas diferenças regionais, pois embora a desigualdade racial aconteça em todos os lugares, ela ocorre de diferentes formas, intimamente relacionadas com o contexto social.