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Continuum de desmontes da saúde pública na crise do covid-19: o neofascismo de Bolsonaro

Continuum of public health dismantling during the covid-19 crisis: Bolsonaro’s neofascism

Resumo

Neste artigo, aprofunda-se a discussão crítica às políticas adotadas pelo governo Bolsonaro em relação à saúde pública, particularmente no que tange ao financiamento em geral, ao enfrentamento da pandemia e ao primeiro ano de implantação do novo modelo de “financiamento” para a Atenção Primária à Saúde (APS). A análise evidencia o acirramento da legitimidade restrita do regime político, assumida por políticas ultraneoliberais e pelo neofascismo do governo Bolsonaro. Estas formas de dominação - política e econômica - engendram uma conjuntura interna que visa remodelar a acumulação de capital na saúde pública via APS por meio de mecanismos “operacionais” burocráticos sutis de desconstrução da universidade do “financiamento”. Na primeira parte, discute-se a abrangência da crise tripla do capital - sanitária, econômica e ecológica - e sua relação orgânica com o Estado no capitalismo dependente brasileiro, abrindo espaço para o crescimento da restrição do regime político endossado pela ascensão do neofascismo. Na segunda parte, aborda-se a escalada do desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em plena crise de covid-19 e os efeitos da implementação do modelo de financiamento da APS, evidenciando a continuidade do processo de valorização de um “SUS operacional” em detrimento do seu princípio de universalidade como dimensão neofascista do governo Bolsonaro.

Palavras-chave:
Financiamento em Saúde; Atenção Primária à Saúde; Estado; Crise; Neofascismo

Abstract

This article deepens the critical discussion about the policies of the Bolsonaro government regarding public health, particularly regarding the general financing, the confrontation of the pandemic, and the first year of implementation of the new financing model for Primary Health Care (PHC). The analysis evidences the aggravation of the restrict legitimacy of the political regime, assumed by ultra-neoliberal policies and by the neofascism of the Bolsonaro government. These forms of domination - political and economic - produce an internal conjuncture that seeks to remodel the capital accumulation in public health by PHC by subtle bureaucratic “operational” mechanisms of deconstruction of financing universality. In the first part, the coverage of the triple crisis of the capital - sanitary, economic and ecological - and its organic relationship to the State in the Brazilian dependent capitalism is discussed, opening space to the increase of the restriction of the political regime endorsed by the ascension of the neofascism. In the second part, the increase of the de-financing of the Unified Health System (SUS) right in the middle of the covid-19 crisis and the effects of the implementation of the financing model of the PHC, evidencing the continuity of the process of valuing an “operational SUS” in detriment of its universality principle as a neofascist dimension of Bolsonaro’s government.

Keywords:
Health Financing; Primary Health Care; State; Crisis; Neofascism

Introdução

Enquanto grande parte da sociedade no Brasil ficava estarrecida frente ao impacto que a covid-19 vinha provocando, com 312.206 mortes até 30 de março de 2021 (WHO, 2021WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard - Data last updated: 2021/3/30. Geneva, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://covid19.who.int/table >. Acesso em: 30 mar. 2021.
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), após um ano de pandemia, o neofascismo de Bolsonaro não cessava em dar sequência ao desmonte de várias políticas sociais, particularmente o Sistema Único de Saúde (SUS). Assistiu-se à escalada do processo de desfinanciamento da saúde, juntamente com a ausência de maior comprometimento para alocação de recursos voltados ao enfrentamento da pandemia e o encerramento do primeiro ano de desenvolvimento do novo modelo de “financiamento” federal para a Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS, implantado visando a um “SUS operacional”. Isto significa dizer que o sistema de saúde brasileiro passaria a restringir sua assistência à saúde a pessoas (indivíduos) que os municípios conseguissem cadastrar, distanciando-se do princípio universal que preconiza a associação das transferências de recursos ao total da população dos municípios.

É no contexto de dificuldades com as quais o capital se depara para superar sua crise de longa depressão que o neofascismo de Bolsonaro1 1 A categoria neofascismo é utilizada para abranger as dimensões de adaptabilidade, hibridismo e mutabilidade do fenômeno fascista no decorrer de um século de história, permitindo que se apreendam as novas formas e conteúdos do fascismo do século XXI (Carnut, 2020; Mattos, 2020). Como argumenta Mattos (2020, p. 234) pode-se assumir a ideia da “predominância da dimensão, ou componente, neofascista para definir o governo Bolsonaro”. Este autor assinala que se torna necessário decompor as diversas dimensões do bolsonarismo como ideologia, dos movimentos coletivos que o apoiam e de sua organização política, bem como das práticas utilizadas em seu governo. Assim, a adoção da categoria “neofascismo” se aplica bem à realidade da política brasileira mais atual, com a presença de grupos e interesses compondo o governo Bolsonaro com a pauta econômica de desmonte dos direitos trabalhistas e sociais, intensificando a superexploração da força de trabalho e a transferência do fundo público e de serviços do Estado para o poder da acumulação privada. encontra terreno fértil para germinar. É importante ressaltar que o neofascismo não pode ser compreendido como a causa da crise capitalista, mas, sim, como um produto dela. Ele emerge como uma resposta da classe dominante para mitigar os malefícios produzidos pelo capitalismo neoliberal sob a dominância do capital fictício. Uma vez no poder, intensifica-se ainda mais a crise por meio de contrarreformas trabalhistas, previdenciárias, administrativas e político-econômicas, conformando um cenário ultraneoliberal2 2 A expressão “ultraneoliberal” encontra justificativa empírica nos termos abordados por Boffo, Saad-Filho e Fine (2019) a respeito do tempo histórico compreendido como “virada autoritária” do neoliberalismo, intensificando as políticas de defesa do mercado, com ampliação da restrição de gastos públicos. Segundo esses autores, o neoliberalismo precisa do conservadorismo radical e autoritarismo para tornar-se “ultra” já que as fases anteriores de “instalação” e “subjetivação” do neoliberalismo não foram suficientes para superar a crise capitalista de longa duração vivenciada a partir do crash de 2007-2008. , como pode ser identificado nas políticas adotadas pelo governo Bolsonaro.

A saúde pública não fica imune a esse processo de radicalização. O SUS, historicamente subfinanciado, tem seu processo de desfinanciamento intensificado com a introdução da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, não se recuperando com o avanço da pandemia. Presencia-se um intenso ataque ao princípio constitucional da universalidade do SUS, centrando-se a abordagem na continuidade das políticas ultraneoliberais em que os interesses mais recentes da acumulação capitalista sob a supremacia do capital fictício residem no financiamento do sistema de saúde, tendo na APS seu lócus de expropriação prioritário.

Para tanto, este artigo tem como objetivo aprofundar a discussão crítica acerca das políticas adotadas pelo governo Bolsonaro na saúde pública no que tange ao financiamento do SUS em geral, ao enfrentamento da pandemia e ao primeiro ano de implantação do novo modelo de financiamento para a APS. Busca-se compreender essas políticas no contexto da crise contemporânea do capital e sua relação com a forma política estatal no capitalismo dependente brasileiro.

O artigo está organizado em duas partes. A primeira discute a abrangência da crise tripla do capital - sanitária, econômica e ecológica - e sua relação orgânica com o Estado no capitalismo dependente brasileiro, abrindo espaço para o crescimento do regime político de legitimidade restrita, com a ascensão do neofascismo de Bolsonaro. A segunda parte aborda a escalada do desfinanciamento do SUS em plena crise de covid-19 e os efeitos do primeiro ano de implementação do modelo de “financiamento” da APS, evidenciando a continuidade do desmonte do SUS.

A crise tripla do capital, a forma política estatal e o neofascismo no Brasil

O capitalismo vem vivenciando uma crise de tamanha magnitude em tempos contemporâneos que esta pode ser considerada uma crise tripla, com as dimensões sanitária, econômica e ecológica. Os efeitos nas áreas sociais vêm levando muitos países a reconfigurarem seus sistemas de saúde em tempos de covid-19, buscando ampliá-los (Marques; Depieri, 2021MARQUES, R. M.; DEPIERI, M. El futuro después de la crisis provocada por el Covid-19. Economía y Desarrollo, La Habana, v. 165, n. 2, p. 1-23, 2021.). Isto não tem sido o caso do Brasil que, ao contrário, vem mantendo os ajustes fiscais recessivos consoantes com as políticas ultraneoliberais e neofascistas do governo Bolsonaro.

A crise sanitária

A primeira dimensão da crise, que se revela mais aparente e aterroriza a população mundial e a brasileira, refere-se ao vírus Sars-CoV-2. No mundo, após um ano de pandemia, registraram-se 2.787.593 mortes até 30 de março de 2021 (WHO, 2021WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard - Data last updated: 2021/3/30. Geneva, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://covid19.who.int/table >. Acesso em: 30 mar. 2021.
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), com 127.349.248 casos de covid-19, com muitos evoluindo para casos graves.

No Brasil, nos primeiros meses de 2021, a pandemia se agravou devido a novas variantes do vírus. O número de mortes era o segundo maior do mundo (312.206), atrás apenas dos Estados Unidos. No mês de março de 2021, em apenas 24 horas, no dia 30, o Brasil ultrapassou o império capitalista, registrando 1.656 mortes (WHO, 2021WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard - Data last updated: 2021/3/30. Geneva, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://covid19.who.int/table >. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Ainda que estes dados possam assustar grande parte da sociedade brasileira, parece não amedrontar a classe dominante, que continuou apoiando o governo Bolsonaro, mesmo diante dessa situação dramática. Além de cotidianamente desprezar a extensão dos malefícios da covid-19 desde seu início, o então presidente incitou a população a desrespeitar o isolamento social, minimizando a importância da medida, já cientificamente comprovada para redução da infectividade. Não há dúvidas de que isso está completamente em sintonia com as “práticas” dos neofascistas (Carnut, 2020CARNUT, L. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, 2020. DOI: 10.5433/1679-0383.2020v41n1p81
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) de desprezo às vidas dos trabalhadores, associado ao negacionismo científico. Sob o discurso envernizado de “salvar a economia”, sua verdadeira intenção é expor a classe trabalhadora ao risco de contágio, dizimando a parcela mais vulnerável dessa classe, como uma saída para salvar, de forma desesperada, os lucros e os interesses da burguesia em face da crise capitalista de longa depressão.

É certo que a crise ocasionada pela pandemia expõe ainda mais a cruel face do capitalismo contemporâneo dependente brasileiro. Sabe-se que suas raízes históricas, marcadas por desigualdades sociais, colocam populações em situações mais precárias de adoecimento e morte, distinguindo-se o impacto de acordo com as condições de classe social, raça e gênero.

As desigualdades têm raça, cor e etnia, à medida que se trata de um país estruturado pelo racismo, fincado no passado escravocrata. Segundo Santos et al. (2020SANTOS, M. P. A. et al. População negra e covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 225-243, 2020. DOI: 10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
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), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019 indica que a participação da população negra como trabalhadores informais - sem carteira de trabalho assinada - é significativamente maior (47,3%) quando comparada aos brancos (34,6%). Essa situação foi intensificada principalmente após a reforma trabalhista de 2017 do governo golpista de Michel Temer, que estabeleceu o trabalho intermitente (Santos et al., 2020SANTOS, M. P. A. et al. População negra e covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 225-243, 2020. DOI: 10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
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). Se a classe trabalhadora é fortemente penalizada pela crise da saúde, há, dentro dela, populações ainda mais afetadas, como no caso da população negra feminina. Das 30 mil notificações de covid-19, com desfecho ‘óbito’, que foram registrados pelo Ministério da Saúde (MS) logo no início da pandemia, em maio de 2020, 55% eram pretos e pardos, na sua maioria mulheres, enquanto brancos compunham 38% (Batista et al., 2020BATISTA, A. et al. Nota Técnica 11 - 27/05/2020: análise socioeconômica da taxa de letalidade da covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1tSU7mV4OPnLRFMMY47JIXZgzkklvkydO/view >. Acesso em: 6 jan. 2023.
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).

Contudo, embora a covid-19 possa desencadear uma desaceleração global impensável, ela definitivamente não é sua causa crucial, como vem argumentando o governo Bolsonaro à mídia hegemônica e a analistas ligados ao mainstream econômico. Cabe lembrar que o sistema capitalista mundial já estava extremamente “doente” antes da chegada da covid-19. As raízes disso estão associadas ao longo período de depressão, intensificado a partir do crash de 2007-2008.

A crise econômica

A crise sanitária neste período recente se funde com a crise econômica de longa depressão do capitalismo (Roberts, 2020ROBERTS, M. A war economy? Michael Roberts blog, [s.l.], 2020. Disponível em: <Disponível em: https://thenextrecession.wordpress.com/2020/03/30/a-war-economy/ >. Acesso em: 6 jan. 2023.
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). Esta já vinha se arrastando desde a segunda década dos anos 1970, com a queda da taxa de lucro do capital produtivo, tendo como fundamento a lei tendencial de Marx (2017MARX, K. O Capital. São Paulo: Boitempo, 2017. v. 3.), abordada nessa perspectiva por autores contemporâneos como Kliman (2012KLIMAN, A. The failure of capitalist production: underlying causes of the Great Recession. London: Pluto, 2012.) e Callinicos (2014CALLINICOS, A. Deciphering Capital: Marx’s Capital and its destiny. London: Bookmarks Publications, 2014.). Para se ter uma ideia, a taxa de lucro do setor corporativo das empresas industriais e financeiras nos Estados Unidos reduziu-se para menos de 7% nos anos que se seguiram à crise de 2007-2008, segundo Kliman (2012)KLIMAN, A. The failure of capitalist production: underlying causes of the Great Recession. London: Pluto, 2012.. Este autor observa que a tendência da queda da taxa de lucro, ao desacelerar a economia capitalista norte-americana, estimula a superprodução e a especulação, ao mesmo tempo levando a uma crise financeira como causa imediata desse processo. Esse comportamento também é perceptível no Brasil, tendo sua taxa de lucro no setor da produção declinado, entre 2003 e 2014, de 28% a 23% (Marquetti; Hoff; Miebach, 2017MARQUETTI, A.; HOFF, C.; MIEBACH, A. Lucratividade e distribuição: a origem econômica da crise política brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 22., 2017, Campinas. Anais… Niterói: Sociedade Brasileira de Economia Política, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.sep.org.br/01_sites/01/index.php/enep-2/enep-edicoes-anteriores/anais-dos-eneps >. Acesso em: 5 jan. 2023.
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).

Revela-se interessante o argumento de Callinicos (2014CALLINICOS, A. Deciphering Capital: Marx’s Capital and its destiny. London: Bookmarks Publications, 2014.) quando assinala que, nos três volumes de O Capital de Marx, desenvolve-se uma articulada e completa teoria da crise, apoiada numa concepção multidimensional das crises econômicas, agrupadas em três categorias: (1) fatores que “possibilitam” a erupção de crises; (2) fatores que “condicionam” o surgimento de desequilíbrios; e (3) fatores associados à “causalidade” das crises. Nesta última categoria, é possível entender a lei da tendência de queda da taxa de lucro, o ciclo de bolhas e o pânico do mercado financeiro. Desse modo, contempla-se aqui a segunda tendência da acumulação capitalista nos últimos 40 anos, explicitando sua crise por meio do crescimento vertiginoso do capital fictício, na forma de títulos públicos, de ações negociadas no mercado secundário, ou como derivativos de todos os tipos (Chesnais, 2019CHESNAIS, F. La théorie du capital de placement financier et les points du système financier mondial où se prépare la crise à venir. A l Encontre, 2019-04-26. Disponível em: <Disponível em: http://alencontre.org/economie/la-theorie-du-capital-de-placement-financier-et-les-points-du-systeme-financier-mondial-ou-se-prepare-la-crise-a-venir.html > Acesso em: 6 jan. 2023.
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).

O aumento dos ativos financeiros mundiais ocorreu de forma intensa nos anos 1990. Já em 2000, seu estoque era cerca de 112% maior do que em 1990. Em 2010, o crescimento foi de 91,7% em relação a 2000 e, em 2014, alcançou um aumento de 42% quando comparado a 2010, correspondendo à significativa cifra de US$ 294 trilhões (Nakatani; Marques, 2020NAKATANI, P.; MARQUES, R. M. O capitalismo em crise. São Paulo: Expressão Popular, 2020.).

Nesse cenário da crise capitalista de sobreacumulação e superprodução desde os anos 1970, e mesmo depois do crash de 2007-2008, não se presenciou a produção de uma verdadeira saída da crise. Chesnais (2019CHESNAIS, F. La théorie du capital de placement financier et les points du système financier mondial où se prépare la crise à venir. A l Encontre, 2019-04-26. Disponível em: <Disponível em: http://alencontre.org/economie/la-theorie-du-capital-de-placement-financier-et-les-points-du-systeme-financier-mondial-ou-se-prepare-la-crise-a-venir.html > Acesso em: 6 jan. 2023.
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) observa que, antes do início da pandemia, as perspectivas de crescimento da economia mundial para 2020, publicadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), eram de apenas 2,9%.

No Brasil, a desaceleração da economia vem se expressando significativamente, com seis anos de estagnação, sendo dois apresentando Produto Interno Bruto (PIB) negativo: 2014 (0,5%), 2015 (−3,5%) e 2016 (−3,3%), seguidos dos pífios resultados de 2017 (1,3%), 2018 (1,3%) e 2019 (1,1%). Para 2020, estimava-se uma retração de 4,5% para a economia brasileira (Boletim de Conjuntura, 2021BOLETIM DE CONJUNTURA. São Paulo: DIEESE, n. 26, fev. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimdeconjuntura/2021/boletimconjuntura26.html >. Acesso em: 5 jan. 2023.
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).

Além disso, mesmo antes da pandemia, a crise econômica capitalista já havia provocado um impacto violento sobre a economia brasileira, com os seguintes aspectos: (1) uma crise social com elevada taxa de desemprego de 12,2% em 2019, isto é, um em cada quatro trabalhadores se encontrava desempregado; (2) um gasto público irrisório, aprisionado pela EC nº 95/2016, desde 2017; e (3) um crescimento vertiginoso de 9,5% da dívida pública em 2019, correspondendo a 56% do PIB, tendo realizado um pagamento com juros e encargos dessa dívida de R$ 478,0 bilhões, isto é, quase quatro vezes a mais que o valor empenhado para ações e serviços públicos em saúde (Carnut, 2020CARNUT, L. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, 2020. DOI: 10.5433/1679-0383.2020v41n1p81
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). Desse modo, a crise capitalista é gravíssima e coloca a economia brasileira à deriva, sem um poder de comando responsável para conduzi-la. As contrarreformas do governo Bolsonaro só têm feito agravá-la e maquiá-la como sendo uma crise provocada pela covid-19.

A crise ecológica

As primeiras duas dimensões da crise do capital estão imbricadas numa terceira: a destruição ecológica provocada pelo capitalismo. Wallace (2020WALLACE, R. Agronegócio, poder e doenças infecciosas. In: WALLACE, R. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Elefante, 2020. p. 527-547.) enfatiza que o agronegócio, em grande escala, atua na criação e na propagação de novas doenças. Isto se deve ao fato de que monoculturas de animais domésticos, criados em grandes números e pequenos espaços, significam altas taxas de transmissão em ambientes de respostas imunes enfraquecidas. Ou seja, o aumento da ocorrência de vírus está intimamente associado à produção de alimentos e à lucratividade das empresas multinacionais.

Na realidade, a argumentação principal está baseada na ideia de que não são apenas as fazendas industriais que geram novos patógenos, cada vez mais virulentos, mas também a ampla ruptura dos ecossistemas, a expansão da produção e a transformação dos alimentos em commodities, provocadas pela lógica do perverso capitalismo contemporâneo em crise, na busca para enfrentar suas taxas de lucro em declínio.

Borges e Branford (2020BORGES, T.; BRANFORD, S. Rapid deforestation of Brazilian Amazon could bring next pandemic: experts. Mongabay, [s.l.], 15 abr. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://news.mongabay.com/2020/04/rapid-deforestation-of-brazilian-amazon-could-bring-next-pandemic-experts/ >. Acesso em: 5 jan. 2023.
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), ao rastrearem o surgimento de doenças na esteira do desmatamento no Brasil, intensificado na Amazônia pelo governo Bolsonaro, encontraram evidências de que a degradação dos habitats da vida selvagem, juntamente com a caça e o comércio, aumentou as interações humano-animal e facilitou a transmissão de doenças zoonóticas.

O SARS-CoV-2, causador da pandemia de covid-19, que atravessou o mundo, representa apenas uma das novas cepas de patógenos que subitamente surgiram como ameaça aos seres humanos neste século (como o vírus da peste suína africana, a Campylobacter, o Cryptosporidium, o Cyclospora, diversas novas variantes do vírus influenza etc.), fruto de diversas formas de manipulação do ambiente e das culturas locais com impactos nos equilíbrios ecossistêmicos em grande escala (Wallace, 2020WALLACE, R. Agronegócio, poder e doenças infecciosas. In: WALLACE, R. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Elefante, 2020. p. 527-547.).

A contradição neste contexto é que a maioria dos países capitalistas, por meio de seus Estados, não vem dedicando energia necessária e recursos para seus sistemas de saúde, em particular com a propagação da pandemia, explicitando, assim, a relação orgânica perversa entre o capitalismo contemporâneo em crise e o Estado.

A crise da forma política estatal e a particularidade no capitalismo dependente

A crise capitalista de tripla dimensão, como identificado, apresenta um rebatimento de forma intensa no papel do Estado capitalista, evidenciando uma extensão desta crise na forma política estatal. Trata-se de compreender que essa forma política, na representação do Estado, integra as relações capitalistas de produção, assegurando a forma-mercadoria e a forma-valor do capital.

Pachukanis (2017PACHUKANIS, E. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929). São Paulo: Sundermann, 2017.) argumenta que a forma política estatal é capitalista por natureza, derivada da forma-valor. Na realidade, as categorias centrais de Marx em O Capital (mercadoria, valor, dinheiro e capital) não se completam dialeticamente sem a forma Estado. Pachukanis (2017)PACHUKANIS, E. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929). São Paulo: Sundermann, 2017., na trilha de Marx, assevera que a forma política deve ser deduzida da lógica do capital, de sua totalidade, de seu movimento real. A visão do autor não se restringe ao aspecto econômico do Estado, mas contribui para superar o caráter ilusório de que o Estado possa ser concebido como um poder neutro e acima da sociedade capitalista, permitindo uma falsa compreensão de que é possível assegurar a igualdade aos “sujeitos de direitos”. Isto remete à abordagem de Pachukanis (2017)PACHUKANIS, E. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929). São Paulo: Sundermann, 2017. sobre a forma jurídica necessária para que as mercadorias possam se trocar. Mascaro (2018MASCARO, A. L. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo , 2018.), apoiado em Pachukanis, destaca o papel do direito como elemento indissociável do capitalismo. Diz esse autor: “a forma jurídica deriva da forma-mercadoria, e é exatamente por ela que o ter e o vincular-se ao trabalho, à exploração e ao negócio passam a ser um ter e um vincular-se capitalistas: então, tem-se e se está vinculado por direito” (Mascaro, 2018MASCARO, A. L. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo , 2018., p. 18).

Ao se pensar esta análise do Estado no capitalismo dependente dos países latino-americanos, os reflexos da crise do capital, por seu caráter específico de um Estado “subsoberano” (Osório, 2019OSÓRIO, J. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular , 2019.), com subordinação às soberanias dos Estados nacionais dos países imperialistas, a crise dos direitos adquire características bem mais degradantes diante das políticas ultraneoliberais e do neofascismo em crescimento. Osório (2019)OSÓRIO, J. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular , 2019. argumenta que, para além das fissuras típicas de um Estado de classes, o Estado no capitalismo dependente é atravessado por dois processos que caracterizam suas especificidades: (1) sua condição dependente das formações sociais em que se constitui3 3 A estrutura social dos países latino-americanos é condizente com sua condição histórica de colônia, que, no caso do Brasil, deixa marcas profundas de atraso em sua formação social, como o sentido do comércio exterior, o peso da escravatura, o desenvolvimento desigual e combinado e o caráter autocrático da dominação burguesa por meio do Estado (Fernandes, 1976). ; e (2) sua específica modalidade de exploração no capitalismo dependente, a superexploração4 4 O termo “superexploração” utilizado por Osório (2019) apoia-se na interpretação de uma das categorias centrais da Teoria Marxista da Dependência (TMD) trabalhada por Marini (1978). Para Osório (2019), as economias dos países latino-americanos encontram-se reforçadas pela necessária intensificação da transferência de valor como intercâmbio desigual para os países imperialistas, em que a superexploração da força de trabalho se constitui como mecanismo de compensação. .

Mathias e Salama (1983MATHIAS, G.; SALAMA, P. O Estado superdesenvolvido: ensaios sobre a intervenção estatal e sobre as formas de dominação no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1983.) argumentam que é fundamental compreender o Estado no capitalismo dependente a partir do papel que seus países desempenham na divisão internacional do trabalho (economia mundial constituída). A inserção desses na totalidade da lógica da acumulação capitalista ocorre de forma subordinada, caracterizando-os como países “subdesenvolvidos” ou “dependentes”, como denominam os teóricos da Teoria Marxista da Dependência (TMD), destacando-se Marini (1978MARINI, Ruy Mauro. O Estado de contrainsurgência. Cuadernos Políticos, México, DC, n. 18, p. 21-29, 1978.). Mathias e Salama (1983)MATHIAS, G.; SALAMA, P. O Estado superdesenvolvido: ensaios sobre a intervenção estatal e sobre as formas de dominação no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1983. acrescentam que o Estado se manifesta por meio de regimes políticos de “legitimidade restrita”, assegurando a condição de dependência destes na divisão internacional do trabalho. Diferentemente dos países capitalistas centrais, em que a normalidade do regime político ao longo do processo histórico é a democracia burguesa, nos países subdesenvolvidos latino-americanos, a democracia é o estado de exceção, enquanto os regimes políticos de “legitimidade restrita” constituem o estado normal.

Isto posto, pode-se compreender a longa permanência de ditaduras apoiadas no aparato militar e repressivo do Estado no processo histórico dos países latino-americanos. Mesmo quando ocorre a vigência de períodos de democracia burguesa, como no caso do Brasil no período da “transição política” após os anos 1980, ficam completamente blindados às reivindicações das classes populares, executando-se contrarreformas de forma permanente.

Para sujeitar aos constantes despotismos do capital em crise e assegurar contrarreformas latino-americanas, Osório (2019OSÓRIO, J. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular , 2019.) e Marini (1978MARINI, Ruy Mauro. O Estado de contrainsurgência. Cuadernos Políticos, México, DC, n. 18, p. 21-29, 1978.) atestam a recorrência da apologia à violência, com a emergência do Estado contrainsurgente. Este Estado apresenta uma hipertrofia do Poder Executivo e constitui-se em um Estado corporativo da burguesia monopolista e das Forças Armadas, independentemente do seu regime político aproximar-se muitas vezes do fascismo, sem poder, é claro, ser caracterizado como Estado fascista nos seus termos clássicos. Na realidade, recorrendo a uma análise de Fernandes (1976FERNANDES, F. O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista. In: FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 289-366.), combinada com Marini (1978)MARINI, Ruy Mauro. O Estado de contrainsurgência. Cuadernos Políticos, México, DC, n. 18, p. 21-29, 1978., pode-se dizer que a marca presente deste Estado no Brasil tem sido também a de um Estado autocrático, de forma a assegurar uma “contrarrevolução preventiva”, para que a débil e compósita burguesia brasileira se mova por meio de interesses oligárquicos atrasados e associados ao imperialismo. Para isso, sua intenção é neutralizar, preventivamente, qualquer força de protesto popular.

A dimensão neofascista e autocrática do governo Bolsonaro

Antes de mais nada, é importante reconhecer que o papel do neofascismo se apresenta intrinsecamente relacionado ao movimento geral do capital, com sua crise de lucratividade dos setores produtivos e um aumento vertiginoso do capital fictício. Para Robinson (2019ROBINSON, W. I. Capital has an Internationale and it is going fascist: time for an international of the global popular classes. Globalizations, Abingdon, v. 16, n. 7, p. 1085-1091, 2019. DOI: 10.1080/14747731.2019.1654706
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), o fascismo do século XXI pode ser compreendido pela triangulação entre o capital transnacional, o poder político repressivo do Estado e as forças neofascistas na sociedade civil. Seus projetos referem-se a uma resposta mais contundente à crise capitalista, refundando e tornando mais restrita a legitimidade do Estado.

Isto não quer dizer que os neofascistas rejeitem as instituições burguesas, diferente do fascismo dos anos 1930 e 1940, que criticava os “ritos institucionais” e a “política parlamentar”. Ao contrário, utilizam-se dos procedimentos democráticos formais - como os processos eleitorais - para garantirem suas ações políticas no âmbito do Estado (Carnut, 2020CARNUT, L. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, 2020. DOI: 10.5433/1679-0383.2020v41n1p81
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). Contudo, quando alcançam o poder estatal, acabam governando, com muita frequência, por meio de mecanismos autoritários, que juridicamente dependem da conjuntura doméstica. No caso do Brasil, os decretos - largamente adotados, por exemplo, pelo governo Bolsonaro - rememoram os Decretos-Lei dos tempos da ditadura militar5 5 O governo Bolsonaro editou 536 decretos no seu primeiro ano de mandato; foram 129 atos a mais do que os publicados no mesmo período por Fernando Henrique Cardoso, 154 a mais que Luiz Inácio Lula da Silva e 297 a mais em relação a Dilma Rousseff (Cavalcanti, 2020). .

Mattos (2020MATTOS, M. B. Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil. São Paulo: Usina, 2020.) usa um conjunto de argumentos em que sintetiza a particularidade do neofascismo de Bolsonaro, avançando por uma caracterização na qual decompõe as distintas dimensões de sua ideologia, dos movimentos coletivos que o apoiam e de sua organização política, bem como das práticas do governo e da configuração particular do regime político atual. Restringe-se, neste trabalho, a comentar brevemente as duas últimas dimensões.

O exemplo mais direto para descrever as práticas políticas do governo Bolsonaro relaciona-se à pauta econômica de retirada de direitos dos trabalhadores, intensificando a superexploração da força de trabalho e a utilização do fundo público prioritariamente pela acumulação privada. Neste sentido, constata-se a enxurrada de reformas ultraneoliberais encaminhadas ao Congresso no primeiro ano do governo, como a reforma tributária, a administrativa, a sindical e a previdenciária, sendo esta última aprovada no mesmo período. Dentre as mais duras Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) destacam-se: a PEC dos Fundos Públicos (nº 187/2019), que extingue 248 fundos infraconstitucionais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios; a PEC do Pacto Federativo (nº 188/2019) que aciona o gatilho das medidas de ajuste austero nas despesas primárias do orçamento dos três níveis da federação; e a PEC nº 186/2019, a única aprovada, passando a se denominar EC nº 109/2021, que condiciona a concessão de um reduzido novo auxílio financeiro à população durante o segundo ano da pandemia e promove ataques diretos aos direitos dos servidores públicos.

Ainda merece destaque a PEC nº 196/2019, que atinge duramente a organização sindical, eliminando a sua unicidade, reprimindo suas mobilizações e rejeitando o limitado “direito de greve”. Cabe mencionar também as medidas de cortes drásticos de recursos às instituições de ensino superior e às agências de apoio à produção científica e programas de pós-graduação. Ademais, do ponto de vista da coerência entre o discurso ideológico do neofascismo e as políticas implementadas, deve-se considerar a parceria de Bolsonaro com grandes construtoras para destruir áreas de proteção e sustentar um avanço violento do agronegócio na Amazônia.

Essa combinação da ideologia neofascista com políticas concretas de restrição dos direitos sociais se articula, como não poderia deixar de ser, com a investida ultraneoliberal na saúde pública por meio da diminuição de recursos orçamentários do MS, em pleno vigor da pandemia de covid-19, e decretos presidenciais de restrição da APS ao setor privado e ao novo modelo de “financiamento” desse nível de atenção, que serão discutidos na segunda parte deste artigo.

Antes disso, é importante tratar do regime político e suas formas. De fato, um governo com uma forte dimensão neofascista não necessariamente dará origem a um regime neofascista. A forma de “legitimidade restrita” do regime pode se intensificar a depender da crise do capitalismo contemporâneo de hegemonia do capital fictício. O suporte a esse capital e à sua fração de classe dominante tem levado ao acirramento dessa legitimidade restrita por meio das políticas ultraneoliberais e neofascistas, blindando cada vez mais as reivindicações da classe trabalhadora e seus direitos, como se acompanha no governo Bolsonaro.

Ainda, ao se pensar a autocracia burguesa histórica no Brasil, com sua “contrarrevolução preventiva”, é possível dizer que o governo Bolsonaro constitui um momento em que essa autocracia recorre ao neofascismo para garanti-la (Mattos, 2020MATTOS, M. B. Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil. São Paulo: Usina, 2020.). De forma sintética e profícua para nossa análise do regime político no governo Bolsonaro, Mattos (2020)MATTOS, M. B. Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil. São Paulo: Usina, 2020. é preciso: “o regime político é, por enquanto, dominantemente democrático-burguês”, sendo “deteriorado, em crise” e “blindado às demandas dos subalternos” (p.236). Mattos continua sua caracterização do regime político dizendo: “No entanto, ele já contém elementos da face autoritária (militarizada) e fascista a que se referia Florestan quando examinava a ditadura” (p. 236).

O neofascismo do governo Bolsonaro em curso: a escalada do desfinanciamento do Sistema Único de Saúde e o novo modelo de “financiamento” da Atenção Primária à Saúde

A associação entre a tripla crise do capital na fase contemporânea, a relação entre o capital e o Estado no capitalismo dependente e a dimensão neofascista e autocrática do governo Bolsonaro, com alterações no regime político, constituem os elementos de contexto necessários para a compreensão do processo de desmonte da saúde pública. Os conflitos contra a universalidade do SUS não cessaram, fosse pelas diminuições dos recursos orçamentários, fosse pela continuidade do desenvolvimento de um novo modelo de “financiamento” da APS.

Antes do início da pandemia, o SUS já vinha sentindo recorrentes embates e fortes sinais de diminuição de sua sustentabilidade financeira ao longo de suas três décadas de existência. Duas evidências contribuem para caracterizar esse subfinanciamento dos recursos federais (Mendes; Carnut, 2020MENDES, Á.; CARNUT, L. Crise do capital, Estado e neofascismo: Bolsonaro, saúde pública e atenção primária. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Niterói, n. 57, p. 174-210, 2020.). Primeiro, o gasto do MS com ações e serviços públicos em saúde permaneceu no patamar de 1,7% do PIB entre 1995 e 2019, não sofrendo alteração nesse período. Segundo, se o artigo 55 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal6 6 O Artigo 55 do ADCT, Constituição Federal de 1988 refere-se à: “Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão destinados ao setor de saúde”. fosse aplicado, 30% dos recursos da seguridade social deveriam ser destinados à saúde, mas isso nunca foi feito. Em 2019, o orçamento da seguridade social (OSS) foi de R$ 750,1 bilhões, de forma que 30% com destino à saúde, considerando os gastos do governo federal, corresponderiam a R$ 225,0 bilhões; porém, a dotação foi R$ 122,3 bilhões, com uma diferença de R$ 102,7 bilhões, correspondendo a apenas 16,5% do OSS.

Além desse subfinanciamento histórico do SUS, o país passou a experimentar um processo de desfinanciamento desse sistema desde a aprovação da EC nº 95/2016 - introduzida pelo golpe institucional de 2016 -, que congelou o gasto público primário por 20 anos, intensificando a perversidade dos ajustes fiscais austeros adotados, especialmente a partir de 2015, em consonância com a apropriação do fundo público pelo capital fictício. A partir da EC nº 95/2016, o gasto do MS foi congelado em 15% da receita corrente líquida do governo federal de 2017, atualizado anualmente apenas pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2036. A magnitude desta perda de recursos correspondeu, desde 2018 até 2020, a R$ 22,5 bilhões (Mendes; Carnut, 2020MENDES, Á.; CARNUT, L. Crise do capital, Estado e neofascismo: Bolsonaro, saúde pública e atenção primária. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Niterói, n. 57, p. 174-210, 2020.).

Assim, se, antes da crise sanitária do coronavírus, o investimento em gasto público na saúde estivesse acontecendo sem as interdições realizadas em seu orçamento federal, o subfinanciamento histórico e o processo de desfinanciamento do SUS, os serviços públicos poderiam ter a chance de possuir uma maior capacidade instalada para o enfrentamento da pandemia. Ao ser declarado estado de calamidade pública em 2020 em função da pandemia, houve suspensão da regra do teto de gastos da EC nº 95/2016. Porém, mesmo com esta suspensão, o gasto para o enfrentamento da crise sanitária foi baixo, correspondendo a apenas R$ 39,4 bilhões (valores pagos), ou seja, 31,5% do total do orçamento do MS para 2020, assim distribuídos: 22,8% em transferências para estados/DF; 58,6% em transferências para os municípios; 14,4% em aplicação direta pelo MS; e 4,0% em transferência ao exterior (CNS, 2021CNS - CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Boletim Cofin 2020/12/31 (dados até 31/12/2020). Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/cofin/boletim/Boletim_2020_1231_Tab1-4_Graf1_ate_20_RB-FF-CO.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2023.
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).

Além disso, outro dado que demonstra o projeto de genocídio do governo Bolsonaro refere-se à lentidão da execução orçamentária e financeira dos recursos alocados para o enfrentamento da covid-19 ao longo de 2020. Estes recursos somente foram pagos de forma mais intensa no período de julho a agosto, alcançando a cifra de R$ 17,4 bilhões e passando para R$ 28,4 bilhões, respectivamente. Isto sugere um descompasso com o número de casos e mortes que já haviam aumentado significativamente entre abril e junho. Portanto, nos primeiros meses da pandemia, a execução orçamentária e financeira dos valores pagos ficou registrada apenas entre R$ 5,2 bilhões e R$ 12,2 bilhões, o que evidencia a resistência do governo Bolsonaro em lidar com a grave crise sanitária naquele momento (CNS, 2021CNS - CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Boletim Cofin 2020/12/31 (dados até 31/12/2020). Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/cofin/boletim/Boletim_2020_1231_Tab1-4_Graf1_ate_20_RB-FF-CO.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2023.
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).

É claro que a pandemia de covid-19 não estava prevista na Lei Orçamentária de 2020 do governo federal, uma vez que teve início em março de 2020, de forma que se tornou necessária a abertura de créditos extraordinários de R$ 60 bilhões para as ações e serviços de saúde. Destes recursos, R$ 20 bilhões foram alocados apenas no final de dezembro para financiar vacinas, a fim de permitir sua execução em 2021. Ainda, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2021 encaminhado pelo governo Bolsonaro, da forma que foi elaborado, admitia que a crise sanitária prescindisse de novos recursos, retornando ao teto de despesas primárias da EC nº 95/2016.

Assim, a proposta orçamentária do MS para 2021, em plena continuidade e ascensão da pandemia, diminuiu em R$ 40 bilhões quando comparado ao de 2020, não incluindo o último crédito extraordinário aberto de R$ 20 bilhões para as vacinas nos últimos dias do ano. O descaso com o orçamento federal para 2021 foi expressivo, a ponto de ser aprovado no Congresso tardiamente, isto é, apenas na última semana de março de 2021, alocando R$ 125,0 bilhões para o MS, montante praticamente igual ao de 2020 (R$ 125,2 bilhões) quando ainda não havia se instalado a pandemia. Dito de outra maneira, o orçamento da saúde foi aprovado com valores equivalentes ao do piso federal do SUS do ano de 2017 (atualizados pela inflação do período). Desconsiderou-se a intensificação da pandemia com as novas variantes do coronavírus no início de 2021, com apenas R$ 1,1 bilhão voltado para ações de enfrentamento, em total sintonia com o projeto neofascista de Bolsonaro.

Ainda em consonância com esse projeto, o acréscimo de recursos ao orçamento do MS para 2021 ocorreu apenas por meio de emendas parlamentares - cerca de R$ 9,0 bilhões, totalizando R$ 134 bilhões ao somar-se com os R$ 125,0 bilhões já previstos -, recursos com direcionamento exclusivo, sem garantia de aplicação. Isto comprova o ajuste de interesses entre o governo Bolsonaro e o bloco fisiologista de parlamentares, conhecido como “centrão”, no intuito de garantir apoio ao projeto Bolsonaro e sua manutenção no poder.

Nesse contexto de desmonte da saúde pública no governo Bolsonaro, deve-se mencionar o novo modelo de “financiamento” da APS do SUS, aprovado em dezembro de 2019 e iniciado em 2020. Trata-se de uma reforma que acirra a transformação do sistema de saúde para uma atenção voltada aos pobres (apenas os cadastrados) com poucos recursos, sob os ditames do Banco Mundial, desmontando a APS e o SUS universal e abrindo espaço para esta ser apropriada pelo capital privado (Mendes; Carnut, 2020MENDES, Á.; CARNUT, L. Crise do capital, Estado e neofascismo: Bolsonaro, saúde pública e atenção primária. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Niterói, n. 57, p. 174-210, 2020.).

O programa Previne Brasil, assim denominado pelo governo, instituído pela Portaria MS nº 2.979, em novembro de 2019, introduziu uma mudança profunda. Para a alocação dos recursos federais do MS aos municípios, fica definida a combinação de um conjunto de critérios, agrupados em três componentes: (1) capitação ponderada; (2) pagamento por desempenho; e (3) incentivos a programas específicos/estratégicos.

O componente que nos interessa examinar aqui é aquele que contempla a maior parte dos recursos transferidos, a capitação ponderada, que corresponde a cerca de 52% da projeção orçamentária para 2020 e reduz o financiamento da APS. Isto ocorre devido à extinção do Piso de Atenção Básica Fixo (PAB Fixo), em vigor há 22 anos no SUS, que se constituía numa linha de transferência que destinava de R$ 23 a R$ 28 anuais por habitante em repasses de recursos mensais e regulares ao conjunto dos municípios, isto é, para toda a sua população, respeitando o caráter da atenção universal. Passa-se, então, a ser direcionado o financiamento à “pessoa” cadastrada na Unidade de Saúde da Família, tendo em conta sua vulnerabilidade econômica. Considera-se, então, a proporção de pessoas cadastradas nas Equipes de Saúde da Família (ESF) e que recebam benefício financeiro do programa Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada ou benefício previdenciário no valor máximo de dois salários-mínimos. A forma de “capitação ponderada” decorre da ponderação (após priorizar o cadastramento de pessoas vulneráveis) por meio de um primeiro ajuste demográfico, repassando valores superiores para pessoas cadastradas nas ESF com até 5 anos e acima de 65 anos de idade, e, na sequência, por um ajuste de tamanho e distância municipal (tipologia rural-urbana dos municípios do IBGE).

O objetivo da adoção da “capitação ponderada” é centrar-se na valorização da “pessoa” (indivíduo) cadastrada, identificando a “pessoa” mais pobre. Segundo a Portaria MS nº 2.979/2019 (Brasil, 2019BRASIL. Portaria Ministerial nº 2.979 de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Disponível em: < PORTARIA Nº 2.979, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019 - PORTARIA Nº 2.979, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019 - DOU - Imprensa Nacional (Disponível em: in.gov.br ) >. Acesso em: 02 de janeiro de 2021.
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), essa medida visa alcançar maior “eficiência” dos serviços, mas o que se percebe na prática é uma focalização de novo tipo (neofocalização). Não se invoca o coletivo nem a população em geral, mas convoca-se uma Cobertura Universal da Saúde (CUS), denominação associada aos ditames do pensamento neoliberal, restringindo o atendimento a um contingente específico. O argumento principal reside na ideia de que os recursos são escassos e, portanto, deve-se assegurar cobertura universal para populações específicas, as mais “pobres” (Mendes; Carnut, 2020MENDES, Á.; CARNUT, L. Crise do capital, Estado e neofascismo: Bolsonaro, saúde pública e atenção primária. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Niterói, n. 57, p. 174-210, 2020.). Desse modo, a portaria destitui por completo toda a lógica da APS e a universalidade do sistema, descaracterizando sua orientação ao cuidado e reforçando os elementos de mercado que servem para o capital se reproduzir neste nível de atenção.

Sabe-se que, na história do SUS, os serviços nos quais é mais fácil para o capital penetrar são aqueles em que a incorporação tecnológica é mais elevada. Dessa forma, os serviços de alta e média complexidade - serviços hospitalares e especializados - apresentam-se como um nicho em potencial, reservando a atenção primária aos cuidados da administração pública. Em que pese o avanço da privatização dos serviços de média e alta complexidade, após a EC nº 95/2016, a conjuntura começa a provocar mudanças, exigindo do capital sua readequação. Esse impedimento constitucional de expansão da incorporação tecnológica na média e alta complexidade do sistema público fez com que o novo nicho de acumulação de capital no sistema de saúde se direcionasse, prioritariamente, para a atenção primária. Daí, é possível compreender o sentido do novo modelo de “financiamento” da APS no SUS estar sintonizado com a lógica do cadastramento das pessoas mais vulneráveis. Abre-se espaço para a segmentação da clientela das áreas associadas, nas quais apenas uma pequena parcela mais vulnerável é coberta e a maior parte da população é redirecionada ao mercado.

Passado um ano de implantação desse novo modelo de financiamento da APS (Brasil, 2019BRASIL. Portaria Ministerial nº 2.979 de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Disponível em: < PORTARIA Nº 2.979, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019 - PORTARIA Nº 2.979, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019 - DOU - Imprensa Nacional (Disponível em: in.gov.br ) >. Acesso em: 02 de janeiro de 2021.
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), é possível identificar o esforço do MS em assegurar muito mais sua operacionalidade do que garantir a universalidade constitucional do sistema, especialmente em um período de demanda avassaladora de ações para enfrentar a pandemia. Várias portarias ministeriais foram emitidas ao longo de 2020, caracterizando-se por uma série de medidas excepcionais, improvisando “etapas de transição” com o intuito de os municípios acelerarem seus processos de cadastramento das pessoas mais carentes no SUS e “atenuar” as possíveis perdas orçamentárias e financeiras em relação aos recursos no exercício de 2019. Contudo, o que se vê é a intensidade de procedimentos burocráticos para assegurar esses objetivos, muito semelhantes ao período do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), pré-SUS. As transferências do MS foram muito estratificadas por áreas, com processos de habilitação demorados e insuficientes das ESF e Equipes de Atenção Primária (versão prioritária do novo modelo de APS do governo constituída por apenas médicos e enfermeiros) para realizar o processo de cadastramento e com destinações a prestadores não prioritários, prejudicando a aplicação pelos municípios.

Após essas medidas de transição no decurso de 2020, no início de 2021, mais portarias foram publicadas, com destaque para a Portaria MS nº 166/2021. A primeira grande mudança trazida é que os municípios não serão mais divididos em diferentes formatos de recebimento, como os utilizados no primeiro ano de implementação do novo modelo; todos passarão a receber os recursos pelos componentes mencionados, incluindo um incentivo financeiro do fator de correção. Apesar da portaria criar esse fator de correção, que teoricamente cumpriria o objetivo de assegurar que os municípios não teriam prejuízos em comparação ao exercício de 2019, a metodologia de cálculo estabelecida na própria portaria aponta para um possível prejuízo a partir da competência financeira de maio de 2021, com agravamento desta possibilidade a partir da competência financeira de setembro de 2021, quando serão considerados apenas os efetivos cadastros realizados pelos municípios.

Paralelamente a tudo isso, cabe mencionar também que o novo modelo de “financiamento” da APS extinguiu o financiamento diretamente relacionado aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Isto representou uma importante mudança na condução do financiamento, no sentido de não haver mais incentivo à implementação de ações interprofissionais, típicas do modelo universal e que expandem a integralidade do cuidado.

Considerações finais

O desmonte da universalidade no SUS configura-se como um projeto do governo neofascista de Bolsonaro e teve sua execução garantida de forma contínua. O processo de desfinanciamento do SUS foi assegurado por meio de reduções de recursos alocados ao seu orçamento, inclusive em tempos de acirramento da pandemia de covid-19. Além disso, o processo de desfinanciamento produzido pelo novo modelo de APS, burocratizado e dificultoso, acena para o fato perverso de um “SUS operacional”.

Isto significa que são valorizados os atributos da “modernização” e racionalização das atividades estatais do SUS, associados aos interesses do mercado, reforçando uma atenção à saúde voltada à população mais vulnerável e, por conseguinte, destituindo a universalidade do financiamento, de forma a ir se consolidando em uma “organização de saúde”, com práticas de reforço a instrumentos administrativos e gerenciais, distante do SUS que tem o direito à saúde como central e universal. Este esvaziamento de recursos justifica caminhos para a privatização por dentro do sistema que se utiliza do contexto da crise tripla do capital para reordenar formas de alocação que simulam mais recursos financeiros, porém de difícil operacionalização. Assim, a APS vai se desertificando, tornando-se um solo árido de recursos até que se justifique a necessidade de privatizá-la por completo, compatível com o neofascismo do governo Bolsonaro.

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    » https://covid19.who.int/table
  • 1
    A categoria neofascismo é utilizada para abranger as dimensões de adaptabilidade, hibridismo e mutabilidade do fenômeno fascista no decorrer de um século de história, permitindo que se apreendam as novas formas e conteúdos do fascismo do século XXI (Carnut, 2020CARNUT, L. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, 2020. DOI: 10.5433/1679-0383.2020v41n1p81
    https://doi.org/10.5433/1679-0383.2020v4...
    ; Mattos, 2020MATTOS, M. B. Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil. São Paulo: Usina, 2020.). Como argumenta Mattos (2020MATTOS, M. B. Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil. São Paulo: Usina, 2020., p. 234) pode-se assumir a ideia da “predominância da dimensão, ou componente, neofascista para definir o governo Bolsonaro”. Este autor assinala que se torna necessário decompor as diversas dimensões do bolsonarismo como ideologia, dos movimentos coletivos que o apoiam e de sua organização política, bem como das práticas utilizadas em seu governo. Assim, a adoção da categoria “neofascismo” se aplica bem à realidade da política brasileira mais atual, com a presença de grupos e interesses compondo o governo Bolsonaro com a pauta econômica de desmonte dos direitos trabalhistas e sociais, intensificando a superexploração da força de trabalho e a transferência do fundo público e de serviços do Estado para o poder da acumulação privada.
  • 2
    A expressão “ultraneoliberal” encontra justificativa empírica nos termos abordados por Boffo, Saad-Filho e Fine (2019)BOFFO, M.; SAAD-FILHO, A.; FINE, B. Neoliberal capitalism: the authoritarian turn. Socialist Register, London, v. 55, p. 247-270, 2019. a respeito do tempo histórico compreendido como “virada autoritária” do neoliberalismo, intensificando as políticas de defesa do mercado, com ampliação da restrição de gastos públicos. Segundo esses autores, o neoliberalismo precisa do conservadorismo radical e autoritarismo para tornar-se “ultra” já que as fases anteriores de “instalação” e “subjetivação” do neoliberalismo não foram suficientes para superar a crise capitalista de longa duração vivenciada a partir do crash de 2007-2008.
  • 3
    A estrutura social dos países latino-americanos é condizente com sua condição histórica de colônia, que, no caso do Brasil, deixa marcas profundas de atraso em sua formação social, como o sentido do comércio exterior, o peso da escravatura, o desenvolvimento desigual e combinado e o caráter autocrático da dominação burguesa por meio do Estado (Fernandes, 1976FERNANDES, F. O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista. In: FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 289-366.).
  • 4
    O termo “superexploração” utilizado por Osório (2019)OSÓRIO, J. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular , 2019. apoia-se na interpretação de uma das categorias centrais da Teoria Marxista da Dependência (TMD) trabalhada por Marini (1978)MARINI, Ruy Mauro. O Estado de contrainsurgência. Cuadernos Políticos, México, DC, n. 18, p. 21-29, 1978.. Para Osório (2019)OSÓRIO, J. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular , 2019., as economias dos países latino-americanos encontram-se reforçadas pela necessária intensificação da transferência de valor como intercâmbio desigual para os países imperialistas, em que a superexploração da força de trabalho se constitui como mecanismo de compensação.
  • 5
    O governo Bolsonaro editou 536 decretos no seu primeiro ano de mandato; foram 129 atos a mais do que os publicados no mesmo período por Fernando Henrique Cardoso, 154 a mais que Luiz Inácio Lula da Silva e 297 a mais em relação a Dilma Rousseff (Cavalcanti, 2020CAVALCANTI, L. Bolsonaro editou mais decretos do que Dilma, Lula e FHC. Poder 360, Brasília, DF, 25 jun. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-editou-mais-decretos-do-que-dilma-lula-e-fhc/ >. Acesso em: 5 jan. 2023.
    https://www.poder360.com.br/governo/bols...
    ).
  • 6
    O Artigo 55 do ADCT, Constituição Federal de 1988 refere-se à: “Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão destinados ao setor de saúde”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2021
  • Aceito
    19 Dez 2022
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