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O papel da agricultura urbana e periurbana na segurança alimentar global do pós-guerra à crise da covid-19: novas perspectivas em justiça alimentar, saúde global e sustentabilidade1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) a partir da bolsa de doutorado direto concedida à Bertolini no Programa de Pós-graduação em Saúde Global e Sustentabilidade(Nº do processo: 88887.615675/2021-00). ,2 2 O artigo é uma versão atualizada e revista do capítulo original “Entrelaçamentos entre a segurança alimentar e nutricional, pandemia de Covid-19 e sustentabilidade” - BERTOLINI, A. M.; JAIME, P. C.; DI GIULIO, G publicado em VENTURA, D. F. L.; RIBEIRO, H. (Orgs.) As múltiplas dimensões da crise de Covid-19: perspectivas críticas da Saúde Global e Sustentabilidade. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP, 2023 As autoras agradecem às organizadoras do livro pela autorização para publicação.

Resumo

A atual sindemia global, amplificada pela pandemia de covid-19, evidencia o colapso dos sistemas alimentares atuais. As iniciativas de agricultura urbana e periurbana (AUP) têm sido reconhecidas como estratégias de oposição ao modelo de sistema alimentar dominante, a partir de seus múltiplos impactos positivos. Assim, o objetivo deste artigo é discutir a evolução do conceito de segurança alimentar e nutricional (SAN) no âmbito internacional, desde sua proposição (no pós-Segunda Guerra Mundial) até a crise da covid-19, compreendendo quais as contribuições a AUP ocupa nesta agenda. Para isso, o documento estrutura-se a partir de uma revisão crítica de literatura. O campo da SAN evoluiu e foram incluídas diferentes dimensões à sua caracterização, contudo, as respostas institucionais concentram-se em momentos de crise, cujos impactos incidem sobre ela e privilegiam a manutenção de sistemas alimentares globalizados e insustentáveis. Já as práticas de AUP aparecem com picos de ascensão e declínio, a medida em que suas contribuições ganham vão ganhando novos contornos, evoluindo junto com a agenda de SAN. Na perspectiva de ampliar e somar às discussões atuais sobre SAN e AUP, discute-se, finalmente, a necessidade de incorporação dos conceitos de justiça, saúde global e de uma visão multidimensional sobre sustentabilidade.

Palavras-chave:
Sindemia global; covid-19; Segurança alimentar e nutricional; Agricultura urbana e periurbana

Abstract

The current global syndemic, amplified by the COVID-19 pandemic, highlights the collapse of current food systems. Urban and peri-urban agriculture (UPA) initiatives have been recognised as strategies of opposition to the dominant food system model based on their multiple positive impacts. Thus, the aim of this article is to discuss the evolution of the concept of food and nutrition security (FNS) at the international level from its proposition (in the post-World War II period) to the COVID-19 crisis, understanding the contributions of UPA in this agenda. To this end, the document is based on a critical literature review. The FNS field has evolved, and different dimensions have been included in its characterisation; however, institutional responses are concentrated in times of crises, whose impacts affect it and favour the maintenance of globalised and unsustainable food systems. The UPA practices, on the other hand, appear with peaks of rise and decline, as their contributions gain new contours, evolving along with the FNS agenda. With a view to broadening and adding to the current discussions on FNSand UPA, we finally discuss the need to incorporate the concepts of justice, global health, and a multidimensional view on sustainability.

Keywords:
Global syndemic; COVID-19; Food and nutrition security; Urban and peri-urban agriculture

Introdução

Há, neste início da década de 2020, uma crise global de insegurança alimentar e nutricional (INSAN). Estima-se que, em 2022, a fome afetou entre 691 e 783 milhões de pessoas no mundo, sendo que, neste mesmo ano, 29,6% da população global (2,4 bilhões de pessoas) estava em INSAN moderada ou grave (FAO et al., 2023)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2023. Urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023.. Somam-se, a esse quadro complexo da dupla carga da má nutrição, a obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) relacionadas à alimentação, presentes globalmente em 650 milhões de pessoas (FAO et al., 2022)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2022. Repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable. Rome: FAO, 2022.. Nas crianças menores de cinco anos, a prevalência de excesso de peso aumentou de 5,3% (33 milhões), em 2000, para 5,6% (37,0 milhões) em 2022; já nos adultos, a prevalência de obesidade quase dobrou em valores absolutos, passando de 8,7% (343,1 milhões), em 2000, para 13,1% (675,7 milhões) em 2016 (FAO et al., 2022)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2022. Repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable. Rome: FAO, 2022..

A iminência da covid-19, em 2020, contribuiu para intensificar o quadro de fome, representando um incremento de 150 milhões de pessoas em INSAN grave em relação a 2019 (FAO et al., 2022)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2022. Repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable. Rome: FAO, 2022.. Ressalta-se, ainda, que as crises da INSAN e da covid-19 coexistem (e se reforçam) em um contexto sindêmico, agravado pelas crises climática e da perda de biodiversidade (Swinburn et al., 2019SWINBURN, B. A. et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the lancet commission report. The Lancet, Amsterdam, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019.). As externalidades provenientes da insustentabilidade dos sistemas agroalimentares atuais, globalizados e com a participação crescente e concentrada de um reduzido número de indústrias transnacionais de alimentos ultraprocessados, têm sido apontadas como uma raiz comum relativa às crises sistêmicas (Swinburn et al., 2019)SWINBURN, B. A. et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the lancet commission report. The Lancet, Amsterdam, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019..

Outras tendências transformadoras e que agravam este cenário de crises são o crescimento populacional e a urbanização acelerada. As previsões demográficas mais recentes sugerem que a população mundial chegará a 9 bilhões de pessoas até 2050, destas, 68% residirão em áreas urbanas - projeta-se que 7 em cada 10 pessoas viverão em cidades até o período estipulado (FAO et al., 2023)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2023. Urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023.. A urbanização impacta diretamente os sistemas alimentares ao alterar geograficamente o acesso aos alimentos e afetar as preferências dos consumidores. Atualmente, os principais desafios da agenda alimentar urbana, que somam-se ao cenário de INSAN observado globalmente, envolvem a dificuldade no acesso a alimentos in natura e minimamente processados (com destaque para os chamados desertos alimentares), em contraste com o acesso facilitado a alimentos ultraprocessados; a baixa diversidade dos padrões alimentares; a exclusão de pequenos agricultores das cadeias produtivas; e a expansão urbana sobre áreas naturais e serviços ecossistêmicos urbanos (FAO et al., 2023)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2023. Urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023..

Em oposição a este cenário, ganham força as práticas de agricultura urbana e periurbana (AUP), que têm sido colocadas como uma potente medida de enfrentamento ao cenário de INSAN em escala global, ao fortalecer pequenas cadeias de abastecimento de alimentos e facilitar o acesso a dietas saudáveis, sustentáveis, acessíveis e biodiversas. Para além da função de abastecimento alimentar, mais recentemente, a AUP tem recebido destaque por fortalecer o planejamento de cidades sustentáveis, resilientes e ecológicas; conter o espraiamento urbano sobre áreas naturais; estimular as economias regionais e reduzir a dependência do mercado global de alimentos; contribuir para mitigação e adaptação às mudanças climáticas; proteger e aumentar a biodiversidade (como polinizadores); reduzir a perda e o desperdício de alimentos; recuperar de serviços ecossistêmicos; entre outras (Simon, 2023SIMON, S. The ‘Covid-Trigger’: new light on urban agriculture and systemic approach to urbanism to co-create a sustainable Lisbon. Systemic Practice and Action Research, Berlim, v. 36, n. 1, p. 87-109, 2023. DOI: 10.1007/s11213-022-09598-9
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; Abramovay et al., 2023ABRAMOVAY, R. et al. Promoting diversity in agricultural production towards healthy and sustainable consumption: T20 policy brief. New Delhi: Observer Research Foundation, 2023).

Historicamente, o desenvolvimento das ações de AUP tem forte aderência à discussão sobre a garantia de SAN, sobretudo pela provisão de alimentos em momentos de crises, altos preços e desabastecimento. Contudo, ambas as agendas têm evoluído à medida que surgem novos desafios sociais, políticos, ambientais e de saúde que atravessam os sistemas alimentares e ameaçam a SAN. A covid-19, em especial, representou um momento emblemático que mobilizou questionamentos sobre a lógica produtiva dos alimentos e reforçou a necessidade urgente de mudanças em direção à sustentabilidade. Esses fatores demonstram a relevância e a necessidade de uma análise conjunta e detalhada sobre os novos contornos que a SAN e as ações de AUP têm ganhado ao longo dos anos.

É neste sentido que este artigo, estruturado em uma revisão crítica de literatura e de documentos balizadores, tem como objetivo discutir a evolução do conceito de SAN no âmbito internacional desde sua proposição (nos pós 2ª Guerra Mundial - GM) até a crise da covid-19, compreendendo quais as contribuições e contornos que a AUP ocupa nesta agenda. Busca-se, ainda, incorporar novos nexos e conceituações a esta discussão, a partir das perspectivas da justiça alimentar, saúde global e de uma visão multidimensional de sustentabilidade.

Evolução do conceito de segurança alimentar e nutricional e a contribuição da agricultura urbana e periurbana

O campo da SAN tem evoluído e se constituído ao longo da história como a arena técnica, política e social de conformação de políticas voltadas à garantia do direito à alimentação (Jaime, 2019JAIME, P.C. Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2019.). Atualmente, seu conceito mais emblemático reconhece que a SAN existe quando todas as pessoas têm acesso físico, econômico e social a alimentos saudáveis e nutritivos em quantidades adequadas, que satisfaçam suas necessidades alimentares e contribuam para a sustentabilidade ambiental, cultural, econômica e social (FAO, 2002)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. World Food Summit: five years later. Rome, 2002.. Diferentes dimensões sustentam sua garantia, incluindo: a disponibilidade de alimentos, a estabilidade na aquisição, o acesso (físico e monetário) e a utilização dos alimentos (Ingram; Ericksen; Liverman, 2010INGRAM, J. S. I.; ERICKSEN, P. J.; LIVERMAN, D. M. Food Security and Global Environmental Change. In: ERICKSEN, P. et al. The value of a food system approach. London: Earthscan, 2010. p. 25-45.; Mbow et al., 2019MBOW, C. et al. Chapter 5: Food security. In: ARNETH, A. et al. (Org.). IPCC special report: special report on climate change and land. Geneva: IPCC, 2019.). A incorporação histórica dessas dimensões está representada na figura 1. Já a AUP, historicamente ligada ao campo da SAN, relaciona-se à produção de alimentos nos centros urbanos e ganha relevância em momentos de crises no abastecimento, aumento de preço dos alimentos e pobreza (Simon, 2023SIMON, S. The ‘Covid-Trigger’: new light on urban agriculture and systemic approach to urbanism to co-create a sustainable Lisbon. Systemic Practice and Action Research, Berlim, v. 36, n. 1, p. 87-109, 2023. DOI: 10.1007/s11213-022-09598-9
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). Contudo, suas funções ganham novos contornos e nuances ao longo do período, evoluindo junto com a agenda de SAN. São motores da evolução da SAN e da AUP os acontecimentos políticos e históricos, que moldaram a incorporação de novas dimensões à sua contextualização, com o intuito de responder diretamente a eventos mais amplos, como guerras e crises. Os tópicos a seguir sintetizam alguns dos principais acontecimentos do período de 1950 até 2020.

Figura 1
Incorporação de diferentes dimensões ao conceito de Segurança Alimentar e Nutricional desde a década de 1970

Anos 1950 até 1980 - INSAN, fundamentos e institucionalização da SAN e a AUP como estratégia de mitigação da fome

As ações de AUP, neste contexto, se relacionam como a principal estratégia de sobrevivência e combate à fome e pobreza urbana - durante - e após a Guerra, contribuindo para a produção e acesso a alimentos por indivíduos vulneráveis. Exemplos dessas ações foram o programa “Liberty and Victory Gardens” e a campanha “Dig for Victory” (Corrêa et al., 2020CORRÊA, C. J. P. et al. Semeando a cidade: histórico e atualidades da agricultura urbana. Ambiente e sociedade, São Paulo, v. 23, 2020. DOI: 10.1590/1809-4422asoc20180075r1vu2020L1AO
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).

Entre os anos de 1950-70, um avanço no combate à INSAN foi o reconhecimento da alimentação como um direito humano e social essencial à vida pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), a partir da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e, posteriormente, do Pacto Internacional sobre os Direito Econômicos, Sociais e Culturais (Silva, 2014SILVA, S. P. A trajetória histórica da segurança alimentar e nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação. Rio de Janeiro: IPEA, 2014.). A pactuação desses acordos internacionais indicava uma preocupação acerca de medidas e projetos concretos para a erradicação da fome no mundo, sobretudo através da cooperação internacional, coincidindo com a criação e fundação de diversos organismos vinculados à ONU e vocacionados a lidar com a agenda dos direitos humanos, saúde, nutrição e SAN, ilustradas no quadro 1 (Jaime, 2019JAIME, P.C. Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2019.).

Quadro 1
Exemplos de agências globais que atuam nas temáticas de alimentação, nutrição e segurança alimentar e nutricional

O esforço institucional de combate à crise humanitária e alimentar deste período foi um impulso global de incentivo à agricultura e incremento da produção agrícola. Tal incentivo ocorreu por meio da coordenação da FAO e do Plano Marshall, realizado pelos Estados Unidos (EUA). Essa ação institucional não só ajudou a recuperação da Europa Ocidental, como também solidificou as divisões econômicas e políticas entre o Oriente e o Ocidente no âmbito da Guerra Fria. Segundo Carvalho (2018CARVALHO, P. N. Da crise à abundância: Segurança alimentar e modernização agrícola na Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 31, n. 59, p. 141-154, 2018. DOI: 10.14393/HeP-v31n59p141-154
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), nesta época o combate à fome em escala internacional passou a ser um elemento estratégico no jogo de disputas pelo controle geopolítico mundial. De forma complementar, o fomento à AUP neste período de retomada da economia foi marcado, particularmente, pela necessidade de produção de alimentos para subsistência; contudo, seu enfraquecimento foi intensificado nos anos posteriores, quando a associação entre agricultura e meio urbano começou a se romper e ocorreu um processo de deslocamento da produção agrícola para fora das grandes cidades. Movimento inspirado pelas inovações e transformações tecnológicas da revolução verde (Oliveira, 2020OLIVEIRA, E. F. A agricultura urbana e seus modos de organização: um estudo comparativo de casos em Curitiba. 2020. 226 f. Dissertação (mestrado em administração) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Paraná, 2020.).

Diferente da AUP, a agricultura inspirada por essas inovações foi institucionalizada pela ONU, em 1974, em resposta a uma nova crise alimentar (UN, 1974)UN - UNITED NATIONS. Universal declaration on the eradication of hunger and malnutrition. Geneva, 1974. Disponível em: <Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/701143 >. Acesso em: 10 set. 2022.
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. Nesta ocasião, houve a primeira aparição e definição político-institucional do conceito de SAN, na Declaração Universal Sobre a Erradicação da Fome e Desnutrição. A Declaração foi apontada como um instrumento eficaz para a criação de novas relações econômicas internacionais baseadas em princípios de equidade e justiça. Todavia, na prática, foi um instrumento internacional que legitimou e promoveu o monopólio internacional da indústria agroalimentar a partir da produção de commodities agrícolas, em contraste com a produção de alimentos a partir da AUP, que foi objeto de pouca atenção no contexto institucional global (Hoyos; D’Agostini, 2017HOYOS, C. J. C.; D’AGOSTINI. Segurança alimentar e soberania alimentar: convergências e divergências. Revista Nera, São Paulo, n. 35, p. 174-198, 2017. DOI: 10.47946/rnera.v0i35.4855
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; Smit, 1996SMIT, J. Urban agriculture, progress and prospect: 1975-2005. Washington, DC: The Urban Agriculture Network, 1996.).

O entendimento da fome como uma expressão da diminuição da disponibilidade e do abastecimento instável de alimentos contribuiu para uma resposta institucional focada no (1) apoio à industrialização da agricultura moderna, para aumentar a produção em países ricos e pobres; (2) incentivo às importações em países pobres; e (3) impulso às exportações em países industrializados. A adoção dessas políticas contribuiu para industrializar a produção em escala global, produzir excedentes em países do norte global e criar dependência da importação de alimentos em países em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que alguns viraram grandes exportadores globais - como o Brasil (Clapp; Moseley, 2020CLAPP, J.; MOSELEY, W.G. This food crisis is different: COVID-19 and the fragility of the neoliberal food security order. The Journal of Peasant Studies, Abingdon, v. 47, n. 4, p. 1393-1417, 2020.).

Anos 1980 - Consolidação e crise do modelo neoliberal de produção e distribuição de alimentos, recrudescimento e reconhecimento institucional da AUP

A consolidação das políticas neoliberais de aumento da produção e distribuição de alimentos contribuiu para a conformação de uma nova crise alimentar no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. A crise, que ocorreu no contexto de uma grave recessão econômica mundial, foi marcada pela diminuição do valor de mercado de commodities, preocupações com o excesso de oferta de alimentos e pela crescente precariedade da subsistência dos agricultores, tanto nos países ricos como nos pobres (Clapp; Moseley, 2020CLAPP, J.; MOSELEY, W.G. This food crisis is different: COVID-19 and the fragility of the neoliberal food security order. The Journal of Peasant Studies, Abingdon, v. 47, n. 4, p. 1393-1417, 2020.).

Durante este período, o Banco Mundial (BM) teve importante influência para que os países do sul global assumissem empréstimos de ajuste estrutural. Além disso, houve diminuição dos apoios governamentais à produção em pequena escala, ao passo em que a abertura do comércio para exportações e importações de alimentos foi privilegiada. Um impulso importante para a liberalização do comércio agrícola foi o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, conhecido como “Rodada do Uruguai”. Mais tarde, esse acordo foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja atuação buscou garantir a abertura do mercado externo para produtos agrícolas com tarifas reduzidas (Clapp; Moseley, 2020CLAPP, J.; MOSELEY, W.G. This food crisis is different: COVID-19 and the fragility of the neoliberal food security order. The Journal of Peasant Studies, Abingdon, v. 47, n. 4, p. 1393-1417, 2020.).

Para Monteiro e Cannon (2019MONTEIRO, C. A.; CANNON, J. The role of the transnational ultra-processed food industry in the pandemic of obesity and its associated diseases: problems and solutions. World Nutrition, [s. l.], v. 10, n. 1, p. 89-99, 2019. DOI: 10.26596/wn.201910189-99
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), os desdobramentos destas políticas econômicas e acordos comerciais, formulados por instituições de governança global e apoiados por governos com forte influência, como o dos EUA, fortaleceram a consolidação de corporações transnacionais e de um sistema alimentar global, cujos lucros são fruto da fabricação e venda de alimentos ultraprocessados. As políticas neoliberais promoveram maior investimento estrangeiro, fluxo de capital e desregulamentação da indústria, bem como propiciaram que empresas transnacionais comprassem e assumissem empresas nacionais.

De forma complementar, no campo da agricultura, os reflexos foram o crescimento da dependência na importação de alimentos pelos países em desenvolvimento, a abertura do comércio agrícola - atendendo interesses de países industrializados -, especialização e concorrência nos mercados de exportação, bem como a consolidação do poder de grandes empresas de produção de alimentos em larga escala, em detrimento de pequenos agricultores (Clapp; Moseley, 2020CLAPP, J.; MOSELEY, W.G. This food crisis is different: COVID-19 and the fragility of the neoliberal food security order. The Journal of Peasant Studies, Abingdon, v. 47, n. 4, p. 1393-1417, 2020.).

Canfield, Anderson e McMichael (2021CANFIELD, M.; ANDERSON, M.; MCMICHAEL, P. UN food systems summit 2021: dismantling democracy and resetting corporate control of food systems. Frontiers in Sustainable, Lausanne, v. 5, 2021. DOI: 10.3389/fsufs.2021.661552
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) argumentam que estas medidas institucionais relacionadas aos sistemas alimentares tiveram repercussões substanciais sobre a definição de SAN. Em 1983, a FAO propôs uma revisão do termo, considerando a necessidade de “assegurar que todas as pessoas tenham sempre acesso físico e econômico aos alimentos básicos de que necessitam”, salientando o pilar de acesso aos alimentos (FAO, 1983)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. World Food Security: A Reappraisal of the Concepts and Approaches. Director Generals Report, Rome, 1983. . Mais tarde, a partir da forte influência do BM com a publicação do Relatório sobre Pobreza e Fome, a insegurança alimentar e a fome foram enfatizadas como problemas derivados da baixa renda dos indivíduos, da pobreza contínua ou estrutural ou da “capacidade de comprar alimentos” (The World Bank, 1986)THE WORLD BANK. Poverty and hunger: issues and options for food security in developing countries. Washington DC, 1986.. Estes fatores contribuíram para descentralizar a governança da FAO nesta agenda e fortalecer uma visão mercadológica dos sistemas alimentares e da SAN, fundamentada na produção de matérias primas e alimentos ultraprocessados para abastecer mercados globais.

Ao mesmo tempo em que o contexto de crise alimentar criou um senso de urgência entre os formuladores de políticas públicas, incorporando a SAN de forma robusta na agenda política (Dijk; Meijerink, 2014DIJK, M. V.; MEIJERINK G.W. A review of global food security scenario and assessment studies: Results, gaps and research priorities. Global Food Security, Amsterdam, v. 3, n. 3-4, p. 227-238, 2014. DOI: 10.1016/j.gfs.2014.09.004
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), a escassez e a dificuldade no acesso aos alimentos foram responsáveis pelo recrudescimento, destaque e visibilidade das experiências de AUP (IE, 2021)IE - INSTITUTO ESCOLHAS. Beyond Food: urban agriculture’s contribution to the well-being of the metropolis of São Paulo. São Paulo, 2021.. Resultantes dos esforços entre organizações multilaterais, sociedade civil organizada, governos locais e instituições de pesquisa, importantes organizações ligadas à ONU foram criadas, incorporando a AUP na agenda institucional, a partir da constituição de uma rede internacional de promoção, pesquisa e ações de AUP (Almeida, 2016ALMEIDA, D.A.O. Isto e aquilo: agriculturas e produção do espaço na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2016. 438 f. Tese (doutorado em geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2016. ).

O principal expoente da incorporação da AUP na agenda institucional foi o relatório “Nosso Futuro Comum” (ou Brundtland), em 1987, que mencionava a AUP como uma prática que auxiliaria no combate à INSAN e na melhoria dos padrões de alimentação e saúde a partir do acesso a alimentos in natura, em principalmente em áreas urbanas e periféricas. Ao trazer para o cerne da discussão o conceito de desenvolvimento sustentável - e a superação das mazelas da fome e da miséria como circunstância fundamental para seu alcance - o relatório também citou a importância da AUP para geração de empregos e renda, aumento das áreas verdes e de um planejamento urbano que promova maior aproveitamento das áreas da cidade destinadas a depósitos de resíduos, além de estimular a reciclagem (CMMAD, 1988)CMMAD - COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1988.. A publicação deste relatório legitimou a AUP como uma prática de provisão de alimentos e do combate à fome, alinhada à SAN, mas que também engloba os preceitos do desenvolvimento sustentável.

Anos 1990 - Reconhecimento da multidimensionalidade da SAN e incorporação político-institucional da AUP na agenda global

No início da década de 1990, a definição oficial de SAN foi refinada, com o reconhecimento da importância das dimensões de preferência alimentar e do contexto nutricional na primeira Conferência Internacional em Nutrição, realizada em 1992. Mais tarde, em 1996, na Cúpula Mundial de Alimentação (CMA), passou-se a englobar os quatro pilares: disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade, reforçando a natureza multidimensional da SAN (FAO, 2006)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. Report of the 32nd session of the committee on World Food Security. Rome, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://www.fao.org/3/78689e/78689e.pdf >. Acesso em: 10 set. 2022.
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. A definição de cada um dos pilares, segundo o HLPE (2020)HLPE - HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS ON FOOD SECURITY AND NUTRITION. Food security and nutrition: building a global narrative towards 2030. Rome, 2020., é sintetizada no quadro 2.

Quadro 2
Pilares da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)

Ainda em 1996, havia a inquietação de que a ampliação do cenário da fome, a partir de uma visão que englobasse questões sociais e políticas, fosse pautado na CMA. Contudo, a orientação deste encontro foi herdada da descentralização da governança da FAO na década de 1970, concentrando seus esforços no aumento da produção de alimentos básicos e criação de um “sistema de comércio mundial” (Canfield; Anderson; McMichael, 2021CANFIELD, M.; ANDERSON, M.; MCMICHAEL, P. UN food systems summit 2021: dismantling democracy and resetting corporate control of food systems. Frontiers in Sustainable, Lausanne, v. 5, 2021. DOI: 10.3389/fsufs.2021.661552
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).

Nesta ocasião, foram pactuadas a Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar Mundial e o Plano de Ação da Cúpula Mundial de Alimentação. De acordo com este último documento, a SAN existe quando “todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos que atendem às suas necessidades e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável” (FAO, 1996)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. Rome Declaration and Plan of Action on World Food Security. Rome, 1996. Disponível em: <Disponível em: https://www.fao.org/3/w3613e/w3613e00.htm >. Acesso em: 10 set. 2020.
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. Embora fortemente direcionados à perspectiva produtiva, o que resultou em debates liderados por movimentos sociais e pela academia, esses documentos incorporaram a AUP como uma estratégia importante de combate à fome (IE, 2021)IE - INSTITUTO ESCOLHAS. Beyond Food: urban agriculture’s contribution to the well-being of the metropolis of São Paulo. São Paulo, 2021..

Ao longo da década de 1990, na esteira do movimento iniciado pela FAO, já era notável o número de agências de cooperação internacional com reconhecimento formal da AUP (como a Fundação RUAF - Resource Centres on Urban Agriculture and Food Security), que integraram formalmente o conceito de AUP e contribuíram para o aumento de cursos, conferências, publicações e outras ações sobre o tema neste período (Almeida, 2016ALMEIDA, D.A.O. Isto e aquilo: agriculturas e produção do espaço na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2016. 438 f. Tese (doutorado em geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2016. ).

Contudo, a visão dominante sobre a SAN herdada da CMA motivou a preparação de um fórum alternativo de organizações e movimentos sociais, como a La Via Campesina, para reivindicar a soberania alimentar em detrimento da visão mercantilizada. Os movimentos responsabilizaram as políticas econômicas e de ajustes fiscais da OMC e BM ao favorecerem a liberalização do comércio, globalizando a fome e a pobreza; além de atravancarem a autonomia dos países na produção de seus próprios alimentos no âmbito local, impedindo o acesso de pequenos agricultores a recursos naturais como terra, água e sementes, de forma a favorecer as empresas transnacionais (Thompson, 2015THOMPSON, P. From world hunger to food sovereignty: food ethics and human development. Journal of Global Ethics, Abingdon, v. 11, n. 3, p. 336-350, 2015.). A soberania alimentar seria, portanto, uma via de oposição às injustiças associadas à globalização dos sistemas alimentares, dominados por corporações transnacionais e moldados pelo comércio a nível global, sem a participação do agricultor (Wittman; Desmarais; Wiebe, 2010WITTMAN, H, K.; DESMARAIS, A. A.; WIEBE, N. (Ed.). Food Sovereignty: reconnecting food, nature and community. Fernwood: Food First Books, 2010.).

Ainda neste período, marcado pelo fim do conflito entre os EUA e a União Soviética, a reação que emergiu dos movimentos sociais ressoou com a ascensão das práticas de AUP. A experiência cubana é o caso mais emblemático do fortalecimento da produção de alimentos na cidade e da agroecologia pós-Guerra Fria, configurando-se como um esforço da população (e, posteriormente, governamental) para mitigar os problemas de abastecimento e a crise alimentar decorrentes da ruptura comercial, agravada pelo embargo econômico promovido pelos EUA (Lopes; Lopes, 2012LOPES, C. L.; LOPES, K. C. S. A. Agricultura urbana ecológica: a experiência de Cuba. Agriculturas, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 39-41, 2012.; Corrêa et al., 2020CORRÊA, C. J. P. et al. Semeando a cidade: histórico e atualidades da agricultura urbana. Ambiente e sociedade, São Paulo, v. 23, 2020. DOI: 10.1590/1809-4422asoc20180075r1vu2020L1AO
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; IE, 2021IE - INSTITUTO ESCOLHAS. Beyond Food: urban agriculture’s contribution to the well-being of the metropolis of São Paulo. São Paulo, 2021.).

Anos 2000 - Crise alimentar do aumento de preço dos alimentos e o aprofundamento da agenda de AUP

O campo da nutrição e da SAN na década de 2000 é marcado pela diminuição da fome crônica no mundo, ao mesmo tempo em que a prevalência de DCNT - particularmente aquelas relacionadas à dieta inadequada e ao consumo de ultraprocessados - tornam-se notáveis problemas de saúde pública (WHO, 2003)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Diet, nutrition, and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva, 2003.. Segundo a FAO (2002)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. World Food Summit: five years later. Rome, 2002., nos intervalos entre os anos 1990-1992 e 1999-2001, mais de 80 milhões saíram de um patamar de fome crônica mediante o progresso de elementos fundamentais para a garantia da SAN, incluindo crescimento econômico e do setor agrícola e consolidação de redes sociais e de garantia de renda. Neste mesmo período, calcula-se que as DCNT contribuíram com aproximadamente 46% da carga global de doenças e 60% do total de 56,5 milhões de mortes relatadas no mundo (WHO, 2003)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Diet, nutrition, and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva, 2003..

Contudo, o combate à fome ainda dominava a narrativa internacional, sobretudo a partir da pactuação mundial dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) (Roma, 2019ROMA, J. C. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 71, n. 1, p. 33-39, 2019.). Almejava-se, com este acordo, a definição de metas e prazos a serem assumidos pelos países-membros da ONU nas áreas de saúde, educação, direitos humanos, entre outras (Ribeiro, 2016RIBEIRO, H. Saúde global: olhares do presente. Fiocruz, 2016.). Em relação à SAN, foram apresentadas metas de redução da pobreza e da fome. A AUP foi inserida nesta agenda como uma estratégia complementar para a concretização dessas metas (Almeida, 2016ALMEIDA, D.A.O. Isto e aquilo: agriculturas e produção do espaço na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2016. 438 f. Tese (doutorado em geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2016. ).

No contexto global, contudo, a INSAN e a fome, que mostravam sinais de declínio, foram agravadas entre os anos de 2007/08, o que decorreu pela emblemática crise no aumento do preço dos alimentos. Segundo estimativas iniciais da FAO (2008)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2008. High food prices and food security - threats and opportunities. Rome: FAO, 2008., em 2007, cerca de 923 milhões de indivíduos estavam em situação de fome; em 2008, um adicional de 40 milhões de pessoas passaram a se somar a este contingente, totalizando 963 milhões. Durante este período, os preços de alimentos básicos, como milho, trigo e arroz, aumentaram vertiginosamente (Headey; Fan, 2008HEADEY, D.; FAN, S. Anatomy of a crisis: the causes and consequences of surging food prices. Agricultural Economics, Hoboken, v. 39, n. s1, p. 375-391, 2008. DOI: 10.1111/j.1574-0862.2008.00345.x
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). Os impactos do aumento dos preços foram sentidos mais intensamente por grupos de baixa renda de países em desenvolvimento, isto porque grande parte da renda familiar limitada deste público é dedicada à compra de alimentos (FAO et al., 2008)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2008. High food prices and food security - threats and opportunities. Rome: FAO, 2008..

Do ponto de vista econômico, a crise foi resultado de uma conflagração de fatores ou de uma “tempestade perfeita” de eventos, que incluíram o aumento da demanda de grãos para a produção de biocombustíveis nos EUA e na União Europeia; restrições comerciais às exportações; eventos climáticos; aumento da demanda por fontes de proteína alimentares; especulação financeira em commodities agrícolas; e aumento dos preços da energia e combustíveis - essenciais às etapas de produção e distribuição dos sistemas alimentares (Headey; Fan, 2008HEADEY, D.; FAN, S. Anatomy of a crisis: the causes and consequences of surging food prices. Agricultural Economics, Hoboken, v. 39, n. s1, p. 375-391, 2008. DOI: 10.1111/j.1574-0862.2008.00345.x
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). É importante ressaltar que, nos anos pregressos, a consolidação do modelo econômico neoliberal impulsionou governos a incentivarem a produção de gêneros agrícolas para exportação a países em desenvolvimento, em detrimento de alimentos básicos para abastecer o consumo interno, que, neste caso, deveriam ser importados. Esses fatores tiveram peso na dramatização da fome durante a crise de 2007/08.

Esta crise criou um senso de urgência entre os formuladores de políticas, fortalecendo a SAN na agenda política, sobretudo na Cúpula sobre Segurança Alimentar Global, em 2008. No entanto, esse impulso, motivado pelo alto custo dos alimentos e do combustível, foi um incentivo para aumentar o investimento do setor privado nos sistemas agroalimentares globais, beneficiando novamente grandes corporações transnacionais de ultraprocessados, relacionadas ao comércio de commodities, insumos agrícolas, processamento e distribuição de alimentos. Esse cenário contribuiu para consolidar vulnerabilidades importantes dentro dos sistemas alimentares, enfraquecendo pequenos produtores de alimentos, ao passo que firmou o papel de grandes empresas de ultraprocessados no sistema alimentar global, baseado na produção de commodities e no comércio global de ultraprocessados. Como, por exemplo, a criação de uma força tarefa de alto nível para lidar com a crise alimentar, composta pela FAO, BM e OMC, na contramão do que pregavam os movimentos sociais, que lutavam pela incorporação da soberania alimentar e pela convocação de um fórum multilateral para tratar as discussões sobre a SAN (Canfield; Anderson; McMichael, 2021CANFIELD, M.; ANDERSON, M.; MCMICHAEL, P. UN food systems summit 2021: dismantling democracy and resetting corporate control of food systems. Frontiers in Sustainable, Lausanne, v. 5, 2021. DOI: 10.3389/fsufs.2021.661552
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). A AUP, contudo, foi reconhecida pela primeira vez nesta força tarefa como uma estratégia de mitigação da INSAN e de construção de cidades sustentáveis e resilientes durante o contexto de crises financeiras e alimentares. A FAO incorporou a AUP com força na agenda da SAN, o que se refletiu no lançamento da iniciativa “Food for the Cities”, cujo objetivo é publicar materiais orientativos para inclusão das práticas de produção de alimentos nas cidades como um caminho para construção de sistemas alimentares mais sustentáveis (Almeida, 2016ALMEIDA, D.A.O. Isto e aquilo: agriculturas e produção do espaço na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2016. 438 f. Tese (doutorado em geografia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2016. ).

Assim, no início dos anos 2000, é possível observar que o interesse pela prática da AUP começou a ganhar novos contornos, que se refletiram no aumento expressivo de publicações acadêmicas procurando caracterizar o fenômeno, sua abrangência, a quantidade de indivíduos envolvidos e o número de experiências e tipologias existentes. As diferentes expressões e a complexidade da AUP também inspiraram a compreensão das suas diferenças entre países. Alguns trabalhos descreveram, por exemplo, que em países do sul global, a AUP tem como função primordial a provisão de alimentos, renda, e garantia de SAN; já nos países do Norte global, sua multifuncionalidade é pormenorizada, incluindo funções ambientais e de provisão de serviços ecossistêmicos, impactos positivos na saúde mental e fomento à inclusão e justiça social (Corrêa et al., 2020CORRÊA, C. J. P. et al. Semeando a cidade: histórico e atualidades da agricultura urbana. Ambiente e sociedade, São Paulo, v. 23, 2020. DOI: 10.1590/1809-4422asoc20180075r1vu2020L1AO
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; Orsini et al., 2020ORSINI, F. et al. Features and Functions of Multifunctional Urban Agriculture in the Global North: A Review. Frontiers in Sustainable Food Systems, Lausanne, v. 4, 2020. DOI: 10.3389/fsufs.2020.562513
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).

Anos 2010 - A SAN e a AUP pela lente dos sistemas alimentares, emergência climática e da sustentabilidade

A partir de meados da década de 2010, cresce o entendimento a respeito das implicações dos sistemas alimentares sobre outros sistemas globais, com destaque para os ecológicos, impulsionando a lente analítica que compreende a SAN enquanto um produto (e a AUP como parte estruturante) dos sistemas alimentares. Seu complexo mosaico congrega um conjunto de elementos e atividades relacionadas à produção, processamento, distribuição, preparo, consumo e descarte de alimentos, que são influenciados por aspectos político-econômicos, de infraestrutura, tecnologia e inovação, socioculturais e biofísicos/ambientais (HLPE, 2017)HLPE - HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS ON FOOD SECURITY AND NUTRITION. Nutrition and food systems. Rome, 2017..

A consolidação do modelo hegemônico, globalizado e insustentável dos sistemas alimentares atuais tem falhado em alimentar a todos de forma saudável e adequada. Nas últimas décadas, os padrões alimentares vêm sofrendo alterações importantes, sobretudo pela redução no consumo de alimentos nutritivos - como frutas e hortaliças - e pelo aumento da ingestão de açúcares, gorduras e alimentos ultraprocessados (WHO, 2003)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Diet, nutrition, and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva, 2003.. Esse fator, em conjunto com outros determinantes, contribui para conformação do cenário epidemiológico atual: a coexistência das três formas da má nutrição (desnutrição, deficiência de micronutrientes e o sobrepeso/obesidade) relacionada com o desenvolvimento de DCNT em todos os ciclos da vida (UNGNA, 2015UNGNA - UNITED NATIONS GLOBAL NUTRITION AGENDA. Delivering on the commitment to eradicate malnutrition in all its forms: the role of the UN System. Rome: UNSCN, 2015.; Scrinis, 2020SCRINIS, G. Reframing malnutrition in all its forms: a critique of the tripartite classification of malnutrition. Global Food Security, Amsterdam, v. 26, 2020. DOI: 10.1016/j.gfs.2020.100396
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).

Acessar esse cenário complexo e influenciado por uma miríade de fatores foi um dos objetivos da Segunda Conferência Internacional de Nutrição de 2014, organizada pela FAO. Nesta ocasião, a FAO pontuou que enfrentar o desafio de eliminar a má nutrição em todas as suas formas depende da reformulação dos sistemas alimentares atuais, reforçando pactos globais anteriores, como a Declaração de Roma sobre SAN e o Plano de Ação da Cúpula Mundial de Alimentação (FAO; WHO, 2015)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA; WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Second International Conference on Nutrition. Report of the Joint FAO/WHO Secretariat on the Conference. Rome, 2015..

As implicações diretas dos sistemas alimentares sobre a degradação do solo, perda de biodiversidade e mudanças climáticas também passaram a ser discutidas, com particular atenção para as ameaças à saúde humana e mais-que-humana (Swinburn et al., 2019SWINBURN, B. A. et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the lancet commission report. The Lancet, Amsterdam, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019.; Willett et al., 2019WILLETT, W. et al. Food in the Anthropocene: the EAT-Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. The Lancet, Amsterdam, v. 393, n. 10170, p. 447-492, 2019.). Tais efeitos foram amplamente descritos no quinto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com enfoque nas contribuições dos sistemas alimentares sobre a agudização das mudanças climáticas e sobre seus impactos em todas as etapas dos sistemas alimentares e na SAN (Porter et al., 2014PORTER, J. R. et al. Food security and food production systems. In: FIELD, C. B. et al. (Ed.). Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Part A: Global and Sectoral Aspects. Contribution of Working Group II to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 485-533). Em 2019, o relatório da Comissão Lancet (Swinburn et al., 2019)SWINBURN, B. A. et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the lancet commission report. The Lancet, Amsterdam, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019., ao integrar a emergência climática aos desfechos da má nutrição, apontou os problemas estruturais provocados pelo sistema alimentar hegemônico. Esse sistema, segundo o documento, é controlado por poucas corporações, estimula a padronização da produção e do consumo de alimentos e valoriza alimentos de baixa qualidade nutricional. Suas externalidades provocam danos ao ambiente e à saúde planetária e estão na origem da sindemia global de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas. Tais condições agem em conjunto e se reforçam, à medida em que as ações políticas contundentes para conter a pressão e o desbalanço nas relações de poder entre governos e corporações de ultraprocessados não são implementadas (Bortoletto; Campello; Jaime, 2022BORTOLETTO, A. P.; CAMPELLO, T.; JAIME, P. C. A sindemia global na perspectiva brasileira. Nexo jornal, São Paulo, 1 abr. 2022. Políticas Públicas.).

O contexto sindêmico refletiu a urgente necessidade de pensar em ações antagônicas ao modelo hegemônico de sistemas alimentares alinhadas à sustentabilidade. É justamente neste contexto que as práticas de produção de alimentos nas cidades são reforçadas na agenda institucional, sobretudo a partir da criação da agenda urbana de alimentos da FAO (2019)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. FAO framework for the Urban Food Agenda. Rome: FAO, 2019., enfatizando a relevância da AUP quanto a: (1) multifuncionalidade, (2) potencialidade para subsidiar a renda de pequenos agricultores; (3) potencial para subsidiar cadeias curtas de abastecimento - oportunizando acesso fácil e barato a alimentos saudáveis e fomentando os comércios locais -, (4) dimensão ambiental - incluindo a preservação da biodiversidade, mitigação das mudanças do clima, entre outros - e (5) contribuição para SAN - a partir da diversificação das dietas tradicionais e diminuição do desperdício de alimentos. Neste sentido, mais do que uma estratégia de acesso aos alimentos, a AUP ganha relevo como uma potente ferramenta na construção de sistemas alimentares resilientes, equitativos, justos e sustentáveis (FAO, 2019)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. FAO framework for the Urban Food Agenda. Rome: FAO, 2019..

A relação intrínseca entre alimentação e sustentabilidade ganha ainda mais força com a Agenda 2030, que reuniu a pactuação de 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) e de ações de desenvolvimento a serem implantadas até 2030. A SAN tem papel central nesta agenda, sendo que o ODS 2 “fome zero e agricultura sustentável” foca diretamente nas ações de combate à fome, melhoria da nutrição, promoção da agricultura sustentável e garantia de segurança alimentar (UN, 2015)UN - UNITED NATIONS. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York, 2015.. As práticas de AUP também foram incorporadas nesta agenda como ferramentas acessíveis e potentes para enfrentar os desafios contemporâneos, congregando sinergias entre a erradicação da pobreza, fome zero, comunidades e cidades sustentáveis e ação contra a mudança climática em países do norte e sul global (Nicholls et al., 2020NICHOLLS, E. et al. The contribution of small-scale food production in urban areas to the sustainable development goals: a review and case study. Sustainability Science, Berlim, v. 15, p. 1585-1599, 2020. DOI: 10.1007/s11625-020-00792-z
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).

Inspirada pelas efervescentes discussões sobre sustentabilidade, houve um avanço na conceitualização de SAN a partir do relatório publicado pelo Painel de Especialistas de Alto Nível em Alimentos, Segurança e Nutrição (HLPE, 2020)HLPE - HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS ON FOOD SECURITY AND NUTRITION. Food security and nutrition: building a global narrative towards 2030. Rome, 2020.. Neste documento, incorporam-se às dimensões disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade os pilares de “agência” e “sustentabilidade” (explicitados no quadro 3).

Quadro 3
Pilares incorporados à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)

Anos 2020 - Impactos da pandemia de Covid-19: AUP e agroecologia como caminho possível para enfrentar crises sistêmicas

Apesar do progresso na evolução do conceito de SAN e sua incorporação na formulação de políticas, há ainda pouco avanço em sua garantia. Os dados mais recentes de FAO et al. (2023)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2023. Urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023. apontam que, em 2022, uma média de 735 milhões de pessoas estavam em situação de fome, o que representa uma regressão das metas acordadas no âmbito da Agenda 2030. Esse aumento é relacionado à eclosão da pandemia de covid-19, em 2020, que representou um evento cataclísmico para o sistema global e amplificou a crise alimentar mundial, a partir de disrupturas nos sistemas alimentares. O Relatório Global sobre Crises Alimentares de 2020, produzido por uma Rede Mundial contra as Crises Alimentares, estimou que um adicional de mais de 130 milhões de pessoas enfrentaram a fome aguda durante este período (FSIN, 2020)FSIN - FOOD SECURITY INFORMATION NETWORK. Global report on food crises 2020. Rome, 2020.. Somam-se a este cenário as tendências desiguais de preços dos alimentos, dramatizando a fome e a INSAN a partir da redução do acesso, disponibilidade e acessibilidade à alimentação (FAO et al., 2021)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition, and affordable healthy diets for all. Rome: FAO, 2021..

No entanto, o aumento da fome em nível mundial nos últimos dois anos mostrou aparente estagnação: em 2022, 3,8 milhões de pessoas a menos estavam em situação de fome em relação ao ano pregresso (FAO et al., 2023)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA et al. The State of Food Security and Nutrition in the World 2023. Urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023.. Esse cenário é fruto da recuperação econômica pós-pandemia; contudo, não há dúvidas de que o modesto progresso foi prejudicado pelos efeitos agudos e de médio/longo prazo da guerra em curso entre Ucrânia e Rússia, que se somam à pandemia e contribuem para agravar o quadro de INSAN global (FSIN, 2022)FSIN - FOOD SECURITY INFORMATION NETWORK. Global report on food crises 2022. Rome, 2022..

A covid-19 desvelou a fragilidade dos sistemas agroalimentares atuais, expondo suas vulnerabilidades em relação ao abastecimento, acesso e estabilidade de alimentos. A combinação perversa entre os efeitos da pandemia e da guerra também acendem um alerta quanto às consequências geopolíticas dessa conformação: a dependência da alimentação humana de um comércio mundial de alguns poucos gêneros alimentícios, cuja oferta concentra-se em apenas cinco países, distribuídos por um número restrito de corporações, o que representa uma grande preocupação quanto às relações multilaterais e à SAN (Abramovay et al., 2023ABRAMOVAY, R. et al. Promoting diversity in agricultural production towards healthy and sustainable consumption: T20 policy brief. New Delhi: Observer Research Foundation, 2023).

O modelo de produção baseado em poucas culturas ameaça a SAN, reduz a diversidade das dietas, favorece a monotonia alimentar e ameaça os sistemas ecológicos. Atualmente, o trigo, o milho e a soja representam a base alimentar de 50% dos indivíduos (FAO, 2019)FAO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA. FAO framework for the Urban Food Agenda. Rome: FAO, 2019.; esses alimentos também são matérias-primas para a produção de ultraprocessados, cujo consumo tem sido relacionado à pandemia global de obesidade. A monotonia alimentar também amplifica a progressiva perda de biodiversidade que sustenta os sistemas alimentares e promove desbalanços no acesso a alimentos in natura e minimamente processados (Abramovay et al., 2023ABRAMOVAY, R. et al. Promoting diversity in agricultural production towards healthy and sustainable consumption: T20 policy brief. New Delhi: Observer Research Foundation, 2023).

A retomada pós-pandemia suscitou debates sobre a urgente necessidade de transição para sistemas alimentares mais socialmente justos, sustentáveis e locais. Essa transição tem sido apontada a partir das ações de AUP e da agroecologia como sistema produtivo (Altieri; Nicholls, 2020ALTIERI, M. A.; NICHOLLS, C. I. Agroecology, and the emergence of a post COVID-19 agriculture. Agriculture and Human Values, Berlim, v. 37, p. 525-526, 2020. DOI: 10.1007/s10460-020-10043-7
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). O desabastecimento de alimentos e a INSAN durante a pandemia contribuíram para que as experiências de AUP ganhassem maior destaque, visibilidade e motivação, tendo em vista a provisão emergencial de alimentos para mitigar a fome (Simon, 2023SIMON, S. The ‘Covid-Trigger’: new light on urban agriculture and systemic approach to urbanism to co-create a sustainable Lisbon. Systemic Practice and Action Research, Berlim, v. 36, n. 1, p. 87-109, 2023. DOI: 10.1007/s11213-022-09598-9
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). Contudo, a complexidade dos desafios que marcam o campo da SAN, neste início de década, se reflete em novos contornos quanto a sua multifuncionalidade e aplicação.

O potencial da produção de alimentos nas cidades alinhada às práticas agroecológicas enquanto um caminho de oposição ao modelo dominante de sistemas alimentares é válido por contribuir para reduzir a dependência do mercado global de alimentos, favorecer a maior diversidade de dietas, estimular as economias regionais e a subsistência de pequenos agricultores (Altieri; Nicholls, 2020ALTIERI, M. A.; NICHOLLS, C. I. Agroecology, and the emergence of a post COVID-19 agriculture. Agriculture and Human Values, Berlim, v. 37, p. 525-526, 2020. DOI: 10.1007/s10460-020-10043-7
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). Dentro dos sistemas urbanos, são apontadas como um motor importante para a consolidação de sistemas alimentares urbanos, que, ao incluir os conceitos de circuitos curtos e economia circular, podem contribuir para suprir a crescente demanda de alimentos frescos e saudáveis nas cidades, a diversidade alimentar, bem como para garantir a conformação de ambientes alimentares saudáveis e diminuir a perda e o desperdício de alimentos (Abramovay et al., 2023ABRAMOVAY, R. et al. Promoting diversity in agricultural production towards healthy and sustainable consumption: T20 policy brief. New Delhi: Observer Research Foundation, 2023). Além disso, são soluções baseadas na natureza, estratégicas para pensar o planejamento de cidades sustentáveis, resilientes e ecológicas, conter o espraiamento urbano, proteger a biodiversidade e fortalecer a adaptação às mudanças climáticas (Simon, 2023SIMON, S. The ‘Covid-Trigger’: new light on urban agriculture and systemic approach to urbanism to co-create a sustainable Lisbon. Systemic Practice and Action Research, Berlim, v. 36, n. 1, p. 87-109, 2023. DOI: 10.1007/s11213-022-09598-9
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).

Perspectivas futuras em segurança alimentar e nutricional: justiça, saúde global e uma visão multidimensional sobre sustentabilidade

Diante deste cenário complexo, em que o colapso dos sistemas alimentares globalizados e seus desdobramentos são motores da construção e ampliação de desigualdades e de impactos que extrapolam o campo da SAN, a construção de alternativas antagônicas que possam confrontar este cenário torna-se crucial. Aqui, discutem-se três perspectivas essenciais para pautar esta discussão: justiça (em particular justiça alimentar), saúde global e sustentabilidade.

A justiça alimentar está relacionada à capacidade de construir alternativas e resistências fundamentais que refutam o sistema alimentar dominante (Gottlieb, 2013GOTTLIEB, R. Food Justice (Food, Health, and the Environment). New York: The MIT press, 2013.). Ao acessar questões relacionadas à classe, ao gênero, às iniquidades, à raça e às consequências sociais, econômicas, ambientais e de saúde associadas ao sistema alimentar dominante, esta abordagem poderá contribuir para guiar as ações políticas do ponto de vista social, evocando discussões e ações com enfoque na equidade, nas disparidades, nas lutas dos mais vulneráveis e nos desbalanços de poder no âmbito dos sistemas alimentares. Poderá contribuir, ainda, do ponto de vista ambiental, ao lançar luz às interconexões entre saúde e ambiente, globalização, mudanças climáticas, uso sustentável do solo, entre outros (Gottlieb, 2013)GOTTLIEB, R. Food Justice (Food, Health, and the Environment). New York: The MIT press, 2013..

Já o campo da sustentabilidade tem sido pautado, principalmente, sob a ótica da Agenda 2030. E, embora esse pacto global de desenvolvimento sustentável tenha ganhado amplitude nos últimos anos, diversos documentos a partir de 2016 (e sobretudo durante a pandemia de covid-19) demonstraram que, apesar do compromisso voltado a um modelo mais sustentável, equitativo e inclusivo, pouco se tem avançado para atingir as metas pactuadas. A permanência de um modelo desenvolvimentista pouco sustentável, em conjunto com a ausência de financiamento por parte de países desenvolvidos de agências da ONU e de agências multilaterais, como o BM - cujo discurso é construído em cima da Agenda 2030 -, se somou, durante o período da pandemia, à pobreza e iniquidades de modo acelerado (Di Giulio et al., 2021)DI GIULIO, G. M. et al. Saúde Global e Saúde Planetária: perspectivas para uma transição para um mundo mais sustentável pós-COVID-19. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 10, 2021. DOI: 10.1590/1413-812320212610.14332021
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. É neste contexto que compreendemos que os desafios colocados à agenda de SAN, e as próprias práticas de AUP, devem ser ancoradas em uma perspectiva multidimensional sobre sustentabilidade, entendida como um conceito crítico e interdisciplinar que evoca questões para além do tripé social-ambiental-econômico, incluindo diversidade cultural, solidariedade com o planeta (e com a sua biodiversidade), equidade e valores éticos, direitos, justiça e autonomia (Ventura et al., 2020VENTURA, D. F. L. et al. Desafios da pandemia de COVID-19: por uma agenda brasileira de pesquisa em saúde global e sustentabilidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 4, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00040620
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).

A incorporação desta lente analítica e multidimensional da sustentabilidade ganha reforço com os estudos críticos da saúde global. Para Biehl (2014BIEHL, J. P. Peopling global health. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 376-389, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000200003
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), o campo da saúde global configura-se como sendo um novo terreno no qual antigas disputas ideológicas, geopolíticas e metodológicas são reconfiguradas na esfera global. Ao se debruçar sobre essas disputas que permeiam a agenda internacional de saúde, bem como sobre as disputas de poder entre as diferentes partes interessadas, incluindo países, governos, instituições públicas e privadas internacionais, os estudos críticos da saúde global têm como desafio central ir além de visões dominantes e homogeneizadoras (Di Giulio; Nunes, 2022)DI GIULIO, G. M.; NUNES, J. 2022: entre marcos e crises, a urgência de ações transformadoras. Jornal da USP, São Paulo, 2022. Artigos. Disponível em: <Disponível em: https://jornal.usp.br/?p=538458 >. Acesso em: 11 maio 2023.
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. Buscam, sobretudo, desvelar como a produção contínua da desigualdade, a circulação do poder e a produção de relações de dominação e negligência produziram e continuam a produzir as crises sistêmicas atuais, como a própria crise da INSAN.

Não há dúvida da urgência e da necessidade de medidas concretas de transformação em face do colapso dos sistemas alimentares atuais globalizados, bem como de suas repercussões negativas sobre a saúde planetária. A AUP, para além de uma importante ferramenta de provisão de alimentos que mitigue a crise de INSAN e contribua para um padrão alimentar saudável e biodiverso, deve ser interpretada como elemento estrutural importante para construção de uma via de oposição ao modelo global de sistema alimentar que se estabeleceu ao longo dos anos. Se pautadas em uma perspectiva ampla de sustentabilidade e alinhadas a um modelo produtivo inspirado pela agroecologia, têm potencial para ser um elemento de resistência frente às assimetrias e iniquidades dos sistemas alimentares, seus impactos negativos à saúde humana e mais que humana, além de gerirem sistemas agrícolas resilientes em momentos de crises.

Por fim, argumenta-se que a mudança necessária passa, necessariamente, pela reconfiguração de poderes e disputas de narrativas da governança global de SAN e do multilateralismo, que, embora ameaçado, deve ser fortalecido. Essas narrativas, sensíveis às dinâmicas sociais, econômicas e ambientais relacionadas aos sistemas alimentares; comprometida com os acordos e metas pactuadas globalmente; com o protagonismo da FAO; e a partir do reconhecimento, por parte de governos e agências da ONU, de que as indústrias alimentícias não serão responsáveis por se autorregular e liderar a mudança para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, poderá contribuir para uma resposta coordenada, sistematizada durante crises atuais (e futuras) e de longo prazo.

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  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) a partir da bolsa de doutorado direto concedida à Bertolini no Programa de Pós-graduação em Saúde Global e Sustentabilidade(Nº do processo: 88887.615675/2021-00).
  • 2
    O artigo é uma versão atualizada e revista do capítulo original “Entrelaçamentos entre a segurança alimentar e nutricional, pandemia de Covid-19 e sustentabilidade” - BERTOLINI, A. M.; JAIME, P. C.; DI GIULIO, G publicado em VENTURA, D. F. L.; RIBEIRO, H. (Orgs.) As múltiplas dimensões da crise de Covid-19: perspectivas críticas da Saúde Global e Sustentabilidade. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP, 2023 As autoras agradecem às organizadoras do livro pela autorização para publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2023
  • Revisado
    08 Ago 2023
  • Aceito
    12 Ago 2023
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