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Elementos para uma Política Nacional e Integrada de Pessoal para o Sistema Único de Saúde

Elements for a National na Integrated Policy of Workforce for the Brazilian National Health System

Resumo

Este ensaio desenvolve argumentos e propostas a fim de fornecer elementos para a construção e implementação de uma nova política e gestão de pessoal para o Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um trabalho voltado tanto para auxiliar pesquisadores e especialistas em saúde coletiva, quanto para apoiar movimentos sociais criados para assegurar a sustentabilidade do SUS e condições adequadas de trabalho aos profissionais.

Palavras-chave:
Política de Pessoal em Saúde; Gestão em Saúde; Recursos Humanos; Sistema Único de Saúde

Abstract

This essay develops arguments and proposals to provide elements to construct and implement a new workforce policy and management for the Brazilian National Health System (SUS). This is a work focused both in helping collective health researchers and specialists and in supporting social movements created to assure the sustainability of the SUS and the adequate working conditions to professionals.

Keywords:
Policy of Health Workforce; Health Management; Human Resources; Brazilian National Health System

Argumento

O trabalho em saúde tem características próprias, decorrentes do fato de que o “objeto” com o qual lida são pessoas, sujeitos que necessitam de algum tipo de cuidado por serem portadores de enfermidades, riscos e vulnerabilidades. A existência do ser humano é bastante complexa, o que a torna difícil de ser compreendida e analisada, tanto de uma perspectiva interna, quanto a algum observador externo. Essa dificuldade existe porque, em primeiro lugar, os sujeitos costumam reagir quando sofrem alguma intervenção e, segundo, porque pessoas têm diferenças corporais, subjetivas e sociais que interferem decisivamente sobre o processo saúde/enfermidade. Pessoas com o mesmo diagnóstico e comunidades com os mesmos surtos ou epidemias passam por experiências bastante diversas.

A medicina e as ciências da saúde vêm buscando resolver esse dilema reduzindo o “objeto de trabalho” apenas à doença: partem do pressuposto de que a doença ou risco são seres autônomos, conhecíveis pela produção de ontologias, explicações particulares e universais para cada um deles, e isso em qualquer contexto em que ocorram. Essa manobra epistemológica tem permitido aos cientistas e profissionais operarem com uma suposta e quase absoluta objetividade. Dessa pretensão nasceu e vem se desenvolvendo a medicina baseada em evidências (Drummond et al., 2014DRUMMOND, J. P. et al. Fundamentos da medicina baseada em evidências: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2014.). A partir de achados empíricos objetivos e verificáveis, seria possível a construção de protocolos, a padronização das práticas das condutas e, grande pirueta organizacional, a automação do agir profissional mediante modelos hierarquizados de gestão. Com base nessa racionalidade, vêm sendo construídas estratégias de gestão centradas no controle do trabalho. Há algumas décadas, usaram-se variações do tradicional taylorismo; hoje, apoiam-se em várias modalidades do chamado “gerencialismo” (Newman; Clarke, 2012NEWMAN, J.; CLARKE, J. Gerencialismo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 2, p. 353-381, 2012.), modelos de gestão que operam com poder centralizado. O trabalho em saúde das profissões e especialidades seriam ordenadas, antigamente, pelas linhas de produção; agora, por metas definidas sempre fora do processo de trabalho, com grande concentração de poder na gerência e suposição de homogeneidade das redes, serviços e equipes. O mais grave, contudo, é que as tais “metas”, em geral, fazem referência a procedimentos, a tarefas, e não à definição de responsabilidades sanitárias a serem trabalhadas com criatividade pelas equipes.

Ora, o trabalho em saúde não implica regularidade e repetição, conforme supõe essa visão tecnocrática. Esse tema foi analisado por Aristóteles em séculos passados (Aristóteles; 2007ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007.). O filósofo identificou que, em ciências aplicadas aos seres humanos, a relação entre conhecimento e sua prática necessitava de mediadores humanos, seres críticos, com discernimento ético e técnico, competentes para combinar o saber, as normas e o planificado com o contexto, a situação e os sujeitos focos da intervenção. Ele denominou esse tipo de prática de “práxis”. Outros estudiosos, depois desse filósofo, desenvolveram e atualizaram uma sofisticada rede conceitual - teorias - para lidar com esse fenômeno (Vásquez, 1977VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da praxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.).

Não obstante, no mundo do trabalho contemporâneo, segue hegemônica a perspectiva de que seria necessário submeter a força de trabalho ao limite de transformá-la em recurso manipulável pela gerência, empresas e autoridades institucionais.

No Brasil, no Sistema Único de Saúde (SUS), pode-se constatar uma disputa paradigmática entre essa política conservadora e outra, que poderíamos definir como centrada na cogestão (Campos, 2000CAMPOS, G. W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec, 2000.). Vale ressaltar que a cogestão não é equivalente à gestão participativa, pois também pressupõe a participação e a democratização das instituições, das organizações e do processo de trabalho, partindo do pressuposto de que a gestão é responsabilidade de todos e não apenas dos gerentes. As equipes e cada profissional, ao exercerem atividades clínicas ou de promoção, deverão gozar de autonomia relativa para construir seus projetos terapêuticos ou de intervenção.

Na saúde, é conveniente adotar estratégias de cogestão que combinem controle e autonomia das equipes. Controle para assegurar a tríplice finalidade do SUS: garantir produção de saúde para usuários e para a sociedade em geral, assegurar direitos e dignidade aos trabalhadores do SUS e, ainda, promover a sustentabilidade do próprio sistema. Controle para incluir as diretrizes políticas e éticas do SUS e do trabalho em saúde na gestão e para assegurar o compromisso do SUS com a defesa da vida. Porém, esse controle precisa ser combinado com autonomia relativa dos trabalhadores para que se possa cumprir as exigências de um processo de trabalho do tipo práxis, isto é, em que os profissionais e equipes deverão, em ato, realizar reflexão e alterar protocolos e diretrizes.

Proposta: uma nova política de pessoal para o SUS deve assegurar cogestão e democratização das instituições e ser capaz de combinar controle e autonomia relativa para os trabalhadores de saúde. Não se trata de uma tarefa simples, diria, com razão, o senso comum.

Argumento

O SUS é uma política e instituição pública. Sua criação partiu da tradição dos sistemas nacionais de saúde construídos, em vários países, na segunda metade do século XX. Ao longo de décadas, foram se acumulando evidências de que a lógica pública conseguia garantir universalidade e qualidade no cuidado com mais efetividade e eficiência (OECD Health, [2022]OECD HEALTH. OECD Health Statistics 2022. Paris, [2022]. Disponível em: <Disponível em: https://www.oecd.org/els/health-systems/health-data.htm >. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://www.oecd.org/els/health-systems/...
).

No Brasil, a implementação do SUS, em grande medida, tem realizado essa façanha. Há larga bibliografia sobre investigações que comprovam a progressiva extensão de cobertura de vários programas públicos que vêm ampliando o acesso à saúde e reduzindo a mortalidade.

Apesar desse desempenho positivo, a cada ano fica mais claro que a racionalidade da administração direta brasileira é inadequada para assegurar funcionamento a um sistema tão complexo quanto o SUS. Infelizmente, deixando de lado a tradição quase secular dos sistemas públicos espalhados pelo mundo, optou-se por realizar mudanças nos modelos de gestão, política e gestão de pessoal inspiradas na racionalidade do mercado e do setor privado. Em decorrência, as “soluções” implementadas vêm resultando em crescente privatização e terceirização da gestão e do provimento e contratação de pessoal. Com isso, o SUS vem perdendo potência: transformou-se em um híbrido público/privado incapaz de assegurar sustentabilidade e eficiência.

O caráter de república federativa do Brasil, que assegura importante grau de autonomia a estados e municípios, agravou essa insuficiência do SUS. Apesar do qualificativo “único” no nome SUS, observou-se fragmentação nos processos de gestão e nas políticas de pessoal. Não se logrou a construção de um pacto nacional que produzisse consenso sobre diretrizes para ordenamento do trabalho em saúde e, muito menos, iniciativas integradas para criação de programas e instituições que objetivassem modernizar e resolver impasses graves que os entes nacionais, isolados e com apoio insuficiente, não tiveram capacidade de enfrentar.

Considera-se que um dos principais obstáculos para a consolidação do SUS é a precária e esfarrapada política e gestão de pessoal do sistema. Em 32 anos de existência, foi sequer proposto algum projeto que visasse enfrentar os impasses estruturais que atingem o trabalho em saúde no SUS.

A gravidade desse problema é tamanha que é possível antever a urgência de realizar reformas importantes em relação ao paradigma que o movimento sanitário, gestores e movimento sindical vem lidando. Faz-se necessário alterar radicalmente o modo como se tem investigado, pensado e cuidado dos trabalhadores do SUS.

Proposta: construir e implementar, de maneira democrática e participativa, uma Política Nacional e Integrada de Pessoal para o SUS.

Argumento

Sugere-se repensar a dinâmica de descentralização e centralização no SUS, em particular em relação à política e gestão do trabalho em saúde.

A gestão direta do trabalho em saúde, da atuação das equipes, serviços e das redes, tem sido atribuição dos municípios e, em menor medida, dos estados e do Ministério da Saúde. Ou seja, no concreto, há uma importante descentralização da gestão cotidiana do trabalho no SUS.

Acredita-se que não há como e nem porquê alterar esse quadro.

O problema está em como conseguir estabelecer uma política nacional de pessoal e, ainda, em como lograr o compartilhamento: em como dividir, com os gestores locais, o provimento de pessoal para o SUS. O desafio está em como criar carreiras especiais para o SUS, eliminando a precarização do trabalho no sistema e a alta rotatividade de pessoal, além de assegurar direitos trabalhistas para tornar o trabalho no SUS uma opção profissional atrativa.

Ou seja, a gestão cotidiana do processo de trabalho deveria continuar descentralizada, mas seria necessário produzir consenso nacional sobre as diretrizes e normas necessárias para o nascimento de carreiras interprofissionais para o sistema.

Com essa finalidade, considera-se fundamental a instituição de um ente organizacional que seja responsável pela contratação da maioria dos servidores públicos do SUS. Considerando a experiência do SUS, imagina-se que essa organização, de âmbito nacional, somente poderia constituir-se de forma tripartite: composta pelo Ministério da Saúde (ente federal), pelas secretarias de estado e pelas secretarias municipais de saúde. Resumindo: deve-se instituir uma autarquia especial para política de pessoal, gerida pela já existente Comissão Tripartite do SUS.

Essa alternativa tenta integrar a manutenção da gestão do trabalho descentralizada com a definição e operação integrada (compartilhada) das políticas de pessoal em uma autarquia especial, única e tripartite. Essa autarquia criaria a possibilidade, a médio prazo, de pôr fim às terceirizações da gestão do cuidado e, portanto, à progressiva substituição da contratação e gestão de pessoal pelas Organizações Sociais de Saúde (OSS). Para isso, a autarquia deveria criar um fundo nacional para política de pessoal do SUS, composto pelo repasse de prefeituras e estados conforme a necessidade de pessoal em cada ente da federação. Os recursos atualmente contratados com OSS e organizações assemelhadas seriam gradualmente transferidos para esse fundo nacional. A autarquia, em parceria com os entes federados, cuidaria da reposição do pessoal necessário mediante concursos. Ressaltasse-se que esse fundo deveria contar, ainda, com orçamento estadual e federal, objetivando a melhoria das carreiras e também a expansão ainda necessária da cobertura do SUS.

Proposta: implementação de uma autarquia especial e de um fundo nacional para política de pessoal do SUS. Redução drástica da terceirização da gestão direta do cuidado no SUS. Extinção progressiva da rede de OSS e assemelhadas.

Argumento

Há uma polêmica no Brasil acerca da existência ou não de carreiras para as políticas públicas. Aqueles de extração ultraliberal argumentam contra; pois haveria uma determinação quase genética que impediria o adequado desempenho de servidores públicos. Eles advogam que o SUS e outras políticas públicas devem adotar um processo de trabalho em que a lógica de benefícios e estímulos se identifique com aquela vigente no mercado. Não admitem que, caso adotado, esse caminho levaria à anulação da dimensão pública do SUS. Outros, em geral presos a interesses corporativos ou saudosos do socialismo real, defendem o regime estatutário ainda vigente no país, entre militares, funcionários do judiciário e fiscais da receita.

Podemos e deveríamos desenvolver uma terceira perspectiva, buscando, na experiência internacional dos países onde há sistemas públicos e universais de saúde e de educação, soluções e inovações que escapem da pobreza das duas possibilidades sugeridas anteriormente. No caso, pensar e inventar carreiras para o SUS fundadas na cogestão, na combinação do controle em relação à necessária responsabilidade sanitária, com autonomia e direito dos trabalhadores: criar carreiras adequadas às especificidades do sistema público, universal e equânime de saúde.

De acordo com a proposta aqui apresentada, a autarquia especial para política de pessoal do SUS coordenaria um processo participativo de produção dessas carreiras.

É possível adiantar algumas diretrizes para ativar esse diálogo. Considerando tudo que aprendemos sobre administração pública, burocratização, racismo, servilismo aos poderosos e também a partir de experiências positivas, poderemos inventar novas carreiras para a saúde, educação, segurança pública etc.

Na saúde, estamos em uma época em que se comprovou a efetividade do trabalho em equipe, em redes. Assim, por que não pensar em carreiras interprofissionais e organizadas por grandes áreas temáticas do SUS, e não por categorias profissionais ou especialidades?

Uma carreira interprofissional para a atenção primária; outra para hospitais e serviços especializados, saúde mental, reabilitação física, vigilância à saúde, apoio à gestão, entre outras possibilidades. Cada uma dessas áreas, comuns aos modernos sistemas públicos, tem especificidades a serem consideradas e elementos comuns entre si. Os direitos trabalhistas de cada profissão ou especialidade entrariam matricialmente em cruzamento com as normas específicas de cada carreira. Os direitos de cada categoria profissional cruzariam, de forma matricial, todas as carreiras. Por exemplo, o piso para enfermagem - brilhante conquista das profissionais de enfermagem -, entraria como regra matricial em todas as carreiras em que há trabalho de enfermagem.

Os trabalhadores do SUS deveriam ser selecionados e contratados por meio de concursos públicos para cada uma dessas carreiras; estatutários, portanto. Diferente de outras carreiras de estatutários, tais concursos poderão ser realizados por regiões ou por estados. A progressão na carreira ocorreria por mérito; a formação contínua, por meio de educação permanente.

Os servidores já contratados por meio de concurso público em municípios, estados, universidades ou outros poderiam se transferir para essa nova carreira, caso seja de seu interesse. Os trabalhadores de saúde que estão em OSS seriam obrigados a realizar concurso para se integrar ao SUS.

Todos seriam trabalhadores do SUS, exercendo função nos serviços, nas localidades, nas cidades, em distintas unidades, na “a” ou “b”, identificações funcionais padronizadas para o SUS.

Enfim, vale a pena ousar…

Proposta: construção participativa de carreiras para servidores do SUS. Predomínio da gestão pública e fim das terceirizações no SUS.

Argumento

Um dos fatores que agravam a baixa sustentabilidade de inúmeros programas do SUS é a sua excessiva dependência em relação aos governos de plantão, ao Poder Executivo. Em vários países que adotaram políticas públicas de saúde, o sistema, a rede e os serviços têm um grau relativo de autonomia em relação aos governos. Faz-se necessário, no Brasil, uma importante reforma dessa lógica.

Pode parecer uma sugestão irrealizável, mas, no país, já existem exemplos de instituições públicas que funcionam com considerável autonomia do Poder Executivo e que vêm logrando manter compromisso com sua finalidade primária, sempre referente às necessidades e interesses da sociedade. Exemplos são a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e as universidades públicas - federais e estaduais. A Fiocruz tem mais de um século a serviço da Saúde Pública e defesa da vida e, até hoje, sustenta um modelo de cogestão entre o Ministério da Saúde e seus próprios cientistas, técnicos e gestores. Em relação às universidades, seu importante grau de autonomia em relação ao Governo Federal e aos governos estaduais não impede que 95% das 100 melhores universidades sejam as públicas.

A formação e provimento de gestores, bem como o exercício da gestão no SUS, precisam estar integrados à nova Política Nacional e Integrada de Pessoal. Dois movimentos serão necessários para o cumprimento dessa diretriz.

Por um lado, é preciso reduzir drasticamente os cargos de gestão do SUS que são de livre provimento - cargos de confiança - de governantes do Poder Executivo. Deve-se vincular o provimento e mandato dos gestores à lógica das carreiras a serem instituídas no SUS, realizar processos internos a cada área temática do SUS para seleção dos gestores, estabelecer critérios curriculares mínimos para que servidores do SUS concorram a esses concursos internos e definir mandatos (a experiência indica como conveniente entre dois a quatro anos).

Vale lembrar que a quase totalidade das funções de gestão do SUS são cargos de confiança, indicados por prefeitos, governadores e presidentes da república.

Ao mesmo tempo, é urgente o fortalecimento das instâncias e dos mecanismos de controle social previstos nas leis orgânicas do SUS - conselhos e conferências. Para o desenvolvimento desse sistema de controle da sociedade sobre o Estado, é fundamental tratar da democratização das relações cotidianas entre usuários, trabalhadores e gestores do SUS e tomar a cogestão como diretriz ordenadora da governança no SUS.

Proposta: Reduzir drasticamente o provimento de gestores para o SUS mediante cargos de confiança dos governantes. Integrar a seleção e provimento de gestores para o SUS às carreiras instituídas, definindo critérios de saber e experiência em saúde para o provimento dessas funções. Fortalecer o controle social e a cogestão no SUS.

Argumento

Um componente fundamental de uma política de pessoal em saúde é a formação. Jean Oury (1991OURY, J. Itinerários de formação. Revist Pratique, Paris, n. 1, p. 42-50, 1991.), psicoterapeuta francês, deu grande ênfase ao conceito de formação. Ele escreveu que formar é mais do educar ou capacitar. Para exercer uma prática sanitária ampliada, efetiva e humanizada, faz-se necessário que o profissional de saúde se veja como alguém que procura aprender a lidar com pessoas. Cada profissão, cada especialista tem obrigações cognitivas e práticas específicas de seu núcleo, bem como deve acompanhar as inovações e, em alguma medida, instruir-se na arte de lidar com os outros. Aprender com a pedagogia, com a psicologia, com a antropologia, com a ética, com a filosofia e empregar esse amplo campo de saberes na sua relação com outros colegas e usuários é fundamental. Deve-se buscar uma formação, portanto, técnica, sanitária e relacional. O trabalho em saúde deve ser centrado nas pessoas e em suas relações. Portanto, o SUS e as pessoas que o compõem precisam tratar da patogênese produzida pela desigualdade, pelo autoritarismo, pela violência, pelo racismo e pelo machismo

Dentro da pobreza da política de pessoal no SUS, vale ressaltar que houve avanços programáticos no campo da formação em saúde, bem como importantes mudanças nas propostas curriculares e nas estratégias pedagógicas centradas na prática para a maioria dos cursos de graduação em saúde. Valorizou-se a residência médica e multiprofissional como estratégia para assegurar o provimento de profissionais adequados para o SUS. Nos últimos 20 anos, expandiram-se inúmeras estratégias de educação permanente voltadas para o pessoal do SUS (França et al., 2017FRANÇA, T. et al. Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das Comissões Permanentes de Integração Ensino Serviço. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1817-1828, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017226.30272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017226...
).

Esses elementos precisam ser agregados e desenvolvidos na nova política de pessoal para o SUS.

Grande parte da formação dos trabalhadores de saúde depende de se incorporar no cotidiano processos de reflexão interprofissional sobre as práticas, casos e métodos para gestão da clínica e da promoção de saúde. A produção oficial do SUS que mais se aproximou dessa perspectiva ampliada de formação foi o HumanizaSUS (MS, 2022MS - MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS. Brasília, DF, [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/humanizasus >. Acesso em: 26 jan. 2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-...
), infelizmente deixado de lado a partir de 2015. As diretrizes e os dispositivos propostos pelo HumanizaSUS têm sobrevivido graças à persistência de profissionais, equipes e ratos gestores que insistem em utilizar suas estratégias à revelia das autoridades dos entes federados.

Cursos, estágios e práticas ao longo da carreira são também fundamentais e devem estar previstos nas carreiras.

Proposta: consolidar e desenvolver estratégias de formação ampliadas para o pessoal de saúde. Reforçar a reorganização de formação em graduação e residências centrada na prática. Realizar uma previsão de formação continuada ao longo das carreiras.

Referências

  • ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007.
  • CAMPOS, G. W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec, 2000.
  • DRUMMOND, J. P. et al. Fundamentos da medicina baseada em evidências: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2014.
  • FRANÇA, T. et al. Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das Comissões Permanentes de Integração Ensino Serviço. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1817-1828, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017226.30272016
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  • MS - MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS. Brasília, DF, [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/humanizasus >. Acesso em: 26 jan. 2023.
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/humanizasus
  • NEWMAN, J.; CLARKE, J. Gerencialismo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 2, p. 353-381, 2012.
  • OECD HEALTH. OECD Health Statistics 2022. Paris, [2022]. Disponível em: <Disponível em: https://www.oecd.org/els/health-systems/health-data.htm >. Acesso em: 5 jul. 2022.
    » https://www.oecd.org/els/health-systems/health-data.htm
  • OURY, J. Itinerários de formação. Revist Pratique, Paris, n. 1, p. 42-50, 1991.
  • VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da praxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2022
  • Aceito
    23 Jan 2023
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