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Extração e caracterização de xilanas de sabugos de milho

Extraction and characterization of xylans from corncobs

Resumos

Neste trabalho, duas frações de xilana, denominadas xilana A e xilana B, foram isoladas a partir de sabugos de milho através de três processos diferentes, combinando métodos de extração aquosa, remoção de lipídeos, deslignificação e extração alcalina. Os produtos obtidos durante os processos foram analisados por termogravimetria. A etapa de deslignificação foi responsável por uma acentuada degradação dos polímeros, evidenciada por queda de rendimento e resistência térmica. Os espectros obtidos no infravermelho evidenciaram a ausência de ácidos urônicos na cadeia polimérica. As viscosidades intrínsecas obtidas para a xilana A (56 mL/g) e xilana B (75 mL/g) associadas aos resultados do infravermelho sugerem um número maior de grupos substituintes, constituídos basicamente por resíduos de L-arabinose, para a xilana B.

Xilana; hemicelulose; polissacarídeo; deslignificação


In this work, two fractions of xylan, named xylan A and xylan B, were isolated from corncobs through three different processes using aqueous extraction, lipid removal, delignification, and alkaline extraction. The products obtained during the processes were analysed by thermogravimetry. The delignification step was responsible for the occurrence of an accentuated polymer degradation, evidenced by yield and thermal resistance decrease. Infrared spectra indicated the absence of uronic acids in the polymeric chains. Intrinsic viscosities obtained for xylan A (56 mL/g) and xylan B (75 mL/g), associated to the results from i.r. analysis, suggested a higher number of substituents, basically constituted of L-arabinose residues, in the case of xylan B.

Xylan; hemicellulose; polysaccharide; delignification


ARTIGO TÉCNICO CIENTÍFICO

Extração e Caracterização de Xilanas de Sabugos de Milho

Extraction and characterization of xylans from corncobs

Simone S. Silva, Rosiane R. Carvalho, José Luis C. Fonseca e Rosangela B. Garcia

RESUMO: Neste trabalho, duas frações de xilana, denominadas xilana A e xilana B, foram isoladas a partir de sabugos de milho através de três processos diferentes, combinando métodos de extração aquosa, remoção de lipídeos, deslignificação e extração alcalina. Os produtos obtidos durante os processos foram analisados por termogravimetria. A etapa de deslignificação foi responsável por uma acentuada degradação dos polímeros, evidenciada por queda de rendimento e resistência térmica. Os espectros obtidos no infravermelho evidenciaram a ausência de ácidos urônicos na cadeia polimérica. As viscosidades intrínsecas obtidas para a xilana A (56 mL/g) e xilana B (75 mL/g) associadas aos resultados do infravermelho sugerem um número maior de grupos substituintes, constituídos basicamente por resíduos de L-arabinose, para a xilana B.

Palavras-chave: Xilana, hemicelulose, polissacarídeo, deslignificação.

In this work, two fractions of xylan, named xylan A and xylan B, were isolated from corncobs through three different processes using aqueous extraction, lipid removal, delignification, and alkaline extraction. The products obtained during the processes were analysed by thermogravimetry. The delignification step was responsible for the occurrence of an accentuated polymer degradation, evidenced by yield and thermal resistance decrease. Infrared spectra indicated the absence of uronic acids in the polymeric chains. Intrinsic viscosities obtained for xylan A (56 mL/g) and xylan B (75 mL/g), associated to the results from i.r. analysis, suggested a higher number of substituents, basically constituted of L-arabinose residues, in the case of xylan B.

Keywords: Xylan, hemicellulose, polysaccharide, delignification.

Introdução

A parede celular dos vegetais pode ser considerada um compósito polimérico constituído, basicamente, por celulose, pectina, lignina e um grupo de polissacarídeos denominados hemiceluloses, que caracteriza-se pela sua insolubilidade em água e solubilidade em soluções alcalinas. O termo hemicelulose foi atribuído a esses polissacarídeos por Schulze, em 1891, devido à sua forte associação com a celulose[1].

A natureza química das hemiceluloses ainda não se encontra devidamente esclarecida. Sabe-se, entretanto, que são na sua maioria heteropolissacarídeos constituídos por unidades repetidas de pentoses (D-xilose e L-arabinose), hexoses (principalmente D-galactose, D-glicose e D-manose) e ácidos urônicos[2]. Existem evidências de que, em média, o número de polissacarídeos diferentes, caracterizados como hemicelulose nas espécies vegetais, não excede a três ou quatro, e que os polissacarídeos denominados xilanas ou heteroxilanas, formados por unidades de D-xilose ligadas por pontes glicosídicas b-1® 4 na cadeia principal e diferentes carboidratos, tais como ácidos urônicos e seus derivados, L-arabinose e oligossacarídeos em cadeias laterais[1-5], como mostra a Figura 1, são freqüentemente encontrados como principais constituintes das hemiceluloses em muitas espécies vegetais. No caso específico dos sabugos de milho, tem sido considerado que as xilanas que os constituem apresentam, em geral, uma estrutura química formada por ácido 4-O-metil-D-glucurônico, L-arabinose e D-xilose, na proporção 2:7:19[1,6].


Nos últimos anos, têm surgido evidências de que as arabinoxilanas (xilanas que possuem grande número de resíduos de arabinose em cadeias laterais), contidas nos grãos de cereais, encontram-se interligadas na parede celular através de ligações cruzadas, ocorridas por esterificação com o ácido diferrúlico (Figura 2), e/ou pela formação de complexos com proteínas[710]. Essas estruturas seriam responsáveis pela dificuldade de extração e purificação das xilanas, assim como pelo tempo de digestão dos grãos de cereais[8-10].


As xilanas têm sido pouco utilizadas industrialmente. As aplicações mais importantes encontram-se na produção do furfural[11] e do papel[1], onde elas são processadas sob a forma bruta. A presença de cerca de 5% de hemicelulose na polpa da madeira resulta em um papel de melhor qualidade, com maior resistência mecânica. Em produtos alimentícios, sabe-se que as xilanas presentes nas farinhas de trigo apresentam grande importância no cozimento e maciez das massas, devido à capacidade que possuem de reter água[12,13], e que reduzem significativamente o envelhecimento do produto, por interações específicas com o amido[14].

Recentemente, a quaternização de xilanas extraídas de sabugos de milho, através de reações com cloreto de 3-cloro-2-hidroxipropil-trimetil-amônio (CHMAC), apresentou como resultado boa atividade antimicrobiana a baixo grau de substituição, alcançando resultados superiores aos observados para o brometo de cetil-trimetil-amônio (CTAB)[15].

Neste trabalho é apresentado um estudo da extração e algumas propriedades das xilanas presentes nos sabugos de milho, visando adquirir maior conhecimento sobre esses biopolímeros, encontrados em quantidades significativas nos rejeitos de agricultura sem valor comercial e que podem apresentar um grande potencial de utilização como materiais biocompatíveis na indústria médico-farmacêutica.

Experimental

Isolamento das xilanas

Inicialmente, os sabugos de milho foram expostos ao sol por 48 horas para secagem. Em seguida, foram triturados em um moinho e tamisados através de uma série de peneiras Tyler. As frações de diâmetro médio 0,37 mm, contendo 9,4% de umidade, foram submetidas a diversos tratamentos, como descrito a seguir.

Extração aquosa

O material triturado foi submetido a uma extração aquosa na proporção de 30 gramas de pó de sabugo para 1000 mL de água destilada, sob agitação constante, durante uma noite e à temperatura ambiente. A mistura foi então centrifugada, e a fase sólida seca à pressão reduzida por 24 horas.

Remoção de lipídeos

O material resultante da extração aquosa sofreu remoção de lipídeos através de uma mistura azeotrópica de benzeno-álcool etílico (razão benzeno/álcool etílico(v/v) = 2:1) em extrator Soxhlet, durante 24 horas.

Deslignificação

Após a secagem do material obtido anteriormente, o mesmo foi submetido à deslignificação por um processo organosolve, considerando a sua eficiência de remoção da lignina descrita na literatura[16,17]. Cerca de 10 gramas de amostra foram dispersas em 1000 mL de mistura constituída por 97% de 1,4-dioxano e 3% de ácido clorídrico. O sistema foi mantido sob agitação e à temperatura ambiente por períodos que variaram de 1 a 4 horas.

Ao término da deslignificação, a solução foi filtrada, e o resíduo contendo xilana foi lavado diversas vezes com 1,4-dioxano e em seguida com água destilada, apresentando um pH em torno de 1. O resíduo foi disperso em água destilada, sendo em seguida neutralizado com solução aquosa de hidróxido de sódio 4%, até alcançar o valor de pH = 7,0. A solução foi centrifugada e o resíduo seco sob vácuo.

Extração alcalina

A solubilização das xilanas foi feita através de tratamento alcalino do pó de sabugo com NaOH 4%, a temperatura ambiente. Foi utilizada uma proporção de 10 gramas de pó para 200 mL de solução. O sistema foi mantido sob agitação constante por 5 horas. Após filtração a vácuo, a solução foi neutralizada através da adição de ácido acético glacial, até alcançar o valor de pH = 7,0. Nessa fase, foi observado o aparecimento de precipitado no meio, que foi atribuído à xilana denominada xilana A. Após centrifugação, essa fração de xilana sofreu diversas lavagens com álcool etílico e, em seguida, foi seca sob vácuo.

A xilana contida no filtrado (xilana B) foi precipitada pela adição de álcool etílico, na proporção de três volumes de álcool para 1 volume de solução. O produto obtido foi centrifugado e lavado diversas vezes com álcool etílico.

A Figura 3 apresenta um esquema simplificado do processo utilizado para o isolamento das xilanas, mostrando que, ao todo, foram obtidas 6 amostras, através da solubilização das xilanas em diferentes fases do processo.


Testes de solubilidade

A solubilidade dos polissacarídeos denominados na Figura 3 por xilana A.2 e xilana B.2 foi testada em soluções aquosas de uréia a 2, 4 e 6 mol/L, e ainda em vários solventes orgânicos, como piridina, N,N- dimetil-acetamida (DMA), dimetil-sulfóxido (DMSO), clorofórmio, cloreto de metileno/cloreto de etileno (2:1). Amostras dos polímeros, pesando cerca de 0,05g, foram dispersas em 10 mL de solvente, sob agitação constante e temperatura ambiente, por uma noite. A classificação da solubilidade foi feita através da massa residual observada ou não após centrifugação e secagem sob vácuo. Nos casos em que o polímero manteve-se insolúvel, as soluções foram aquecidas a temperaturas próximas à ebulição dos solventes.

Métodos analíticos

Determinação do teor de lignina

O teor de lignina dos sabugos de milho utilizados neste trabalho, antes e após a deslignificação, foi determinado de acordo com a norma ASTM D1106-56[18]. A concentração de lignina nas amostras xilana A.2 e xilana B.2 foi determinada por espectroscopia no ultravioleta com espectrofotômetro Hitachi U-2000, em l = 283 nm, utilizando DMSO como solvente e o valor médio de 14,5 L/cm.g como absortividade da lignina[19].

Espectroscopia na região do infravermelho

Os espectros foram obtidos através de filmes dos polissacarídeos, em um espectrofotômetro FTIR - MIDAC Prospect, no intervalo de 4000 a 400 cm-1. Os filmes foram preparados vertendo-se as soluções de xilana em DMSO à concentração de 5g/L, sobre placas de teflon. O sistema foi mantido em câmara termostatizada a 50oC por três dias até a completa evaporação do solvente. Os filmes obtidos foram mantidos em dessecador até o momento da análise por infravermelho.

Termogravimetria

Um estudo da estabilidade térmica de algumas amostras foi realizado através de termogravimetria, empregando uma termobalança TGA-7 da Perkin Elmer, à velocidade de aquecimento de 5 °C/min, no intervalo de 40 a 940 °C, utilizando massas de amostras em torno de 10 mg e atmosfera de nitrogênio.

Viscosimetria

A análise viscosimétrica das amostras xilana A.2 e xilana B.2 foi realizada em DMSO, utilizando um reômetro digital Brookfield DV-III, equipado com jaqueta de termostatização e spindle no.40 - cone/prato. A temperatura das soluções foi mantida a 25oC por meio de um banho termostático de circulação de água. A viscosidade intrínseca foi determinada levando-se em consideração as viscosidades das soluções referentes às mais baixas velocidades de cisalhamento permitidas dentro do erro experimental e no platô newtoniano. As análises viscosimétricas foram feitas em duplicata e a partir de soluções filtradas através de membranas Millipore de diâmetro de poro 0,8 mm.

Resultados e Discussão

A Tabela 1 apresenta as variações em massa sofridas pelos sabugos de milho triturados, em cada tratamento.

A extração aquosa resultou , em média, em perda de massa de 5,73 %. Esta perda foi atribuída à eliminação de produtos orgânicos e inorgânicos de baixa massa molecular solúveis em água. Embora tenham sido encontradas na literatura informações sobre a presença de uma fração de xilana solúvel em água em algumas espécies vegetais[7,12,13] , não foi detectada a presença da mesma no extrato aquoso. Após adição de álcool etílico a esse extrato, não foi observada nenhuma precipitação de polímero.

A perda de massa na extração com benzeno/álcool etílico ficou em torno de 10,55%. A mesma foi atribuída à remoção de lipídeos, ceras e pigmentos. Sabe-se que os lipídeos não são completamente removidos por solventes hidrofóbicos, tais como éter ou benzeno, porque esses solventes não são capazes de penetrar em todas as partes da estrutura da planta. Solventes hidrofílicos, tais como álcool etílico, removem, além de lipídeos, uma variedade de outros constituintes, como carboidratos de baixa massa molecular. Assim, através de uma mistura de solventes do tipo hidrofóbico e hidrofílico, como benzeno e álcool etílico, pôde-se combinar as vantagens de ambos.

Como pode ser observado ainda na Tabela 1, a deslignificação realizada foi responsável por uma grande perda de massa (55,77%), que não está de acordo com o teor de lignina de 18,8% determinado para o sabugo utilizado neste trabalho. Esse resultado pode ter ocorrido devido à hidrólise parcial dos polissacarídeos, especialmente das xilanas, que apresentam grande susceptibilidade à despolimerização em meio ácido. Dessa forma, tornou-se necessário realizar um estudo sobre o tempo ideal para o processo de deslignificação. Os resultados deste estudo estão contidos na Tabela 2 .

Como pode ser observado na Tabela 2, as perdas de massa ocorridas durante a deslignificação por 1, 2 e 4 horas foram praticamente as mesmas, assim como o teor de lignina residual no produto obtido. Esses resultados indicam que o processo de deslignificação com dioxano-HCl promove perda acentuada de material mesmo com 1 hora de tratamento, e a redução do teor de lignina no sabugo é de aproximadamente 8% (tomando por base o valor do teor de lignina no sabugo antes do tratamento com dioxano-HCl, 18,8%, e após o tratamento, » 11%), independente do tempo de tratamento.

A Tabela 3 mostra os rendimentos da extração alcalina na obtenção das diversas amostras de xilana. Em todos os processos, duas frações de xilana foram obtidas. A primeira surgiu após neutralização e conseqüente precipitação (xilana A). A segunda foi obtida pela precipitação ocorrida após adição de álcool etílico ao sobrenadante (xilana B). Os maiores rendimentos foram das amostras A.2 e B.2. Esse resultado, de certa forma, já seria esperado, já que o segundo processo ofereceu menor risco de degradação, quando comparado ao terceiro processo, e maior facilidade de solubilização das xilanas, devido à remoção de extrativos organo-solúveis com benzeno/álcool etílico, que não ocorreu no primeiro processo. O terceiro processo foi o que apresentou os menores rendimentos em relação à amostra bruta. Provavelmente, esse resultado ocorreu devido à degradação parcial da xilana, como já discutido anteriormente. É interessante observar a relação entre os rendimentos dos três processos. Os dois primeiros processos apresentaram maior rendimento para as amostras B (B.1 e B.2), que foram equivalentes entre si. Isso pode ser explicado pela maior solubilidade dos polissacarídeos dessa fração, por apresentarem, freqüentemente, maior grau de substituição[1]. O maior rendimento de A.2, com relação a A.1, pode ter ocorrido pelo efeito da extração com benzeno-álcool etílico, favorecendo o acesso da solução alcalina. No terceiro processo, o rendimento maior foi observado para a fração A. A maior facilidade de extração (solubilização) da xilana B da parede celular pode também explicar a sua maior vulnerabilidade frente à hidrólise ácida, diminuindo o seu rendimento.

O teor de lignina determinado para as xilanas A.2 e B.2 foi de 26,91% e 24,35%, respectivamente. A presença de lignina nas amostras de xilana poderia ser explicada pela sua parcial solubilidade em soluções aquosas alcalinas ou por estar ligada quimicamente à xilana. Alguns experimentos ainda estão sendo realizados com o objetivo de esclarecer o fato.

Os espectros no infravermelho das xilanas A.2 e B.2 são apresentados na Figura 4. Não foram observadas diferenças significativas entre os dois espectros, o que significa que os dois polissacarídeos devem apresentar, qualitativamente, a mesma composição química. Tanto a xilana A como a B apresentaram as bandas de absorção discriminadas a seguir. Banda larga centrada em torno de 3500 cm-1, atribuída à deformação axial O-H; 2923 cm-1, deformação axial C-H; 1646 cm-1, deformação angular H-O-H característica de água; 1415 cm-1, deformação angular de CH2; 1041 cm-1, referente às vibrações do anel glicosídico, deformação angular C-O-H, deformação axial C-O e C-O-C; 896 cm-1, deformação angular C-H do carbono anomérico b e 652 cm-1, deformação angular O-H[20]. A banda observada em 1567 cm1, no espectro da xilana A, poderia ser atribuída à lignina residual no polissacarídeo (deformação axial C=C de anel aromático), que estaria presa ao polissacarídeo por ligações físicas ou químicas. É possível que essa banda esteja em menor intensidade no espectro da xilana B e, por isso, tenha sido obscurecida pela banda de água vizinha, a 1646 cm-1. As demais bandas características da lignina[21] teriam sido mascaradas pelas bandas da xilana.


Pode-se observar ainda que em nenhum dos dois espectros há a absorção característica da deformação axial da carbonila dos ácidos carboxílicos, em torno de 1730 cm-1. Isso indica a ausência de resíduos de ácidos urônicos nas xilanas. A banda centrada em 1041 cm-1, referente às vibrações do anel glicosídico, deformação angular C-O-H, deformação axial C-O e C-O-C, apresenta perfil semelhante a das arabinoxilanas com baixo grau de substituição[6].

A Tabela 4 apresenta os resultados obtidos dos testes de solubilidade realizados para as xilanas A.2 e B.2. Pôde-se verificar solubilidade desses polissacarídeos apenas em solventes bastante polares, como DMSO e solução aquosa de uréia a 6 mol/L.

Com base nos dados apresentados na Tabela 4, tentou-se extrair as xilanas da matéria bruta (sabugos de milho) com uréia 6 mol/L. O resultado obtido não foi satisfatório, pois a quantidade removida de xilana foi muito pequena. Esse fato concorda com a idéia de que as xilanas podem estar ligadas aos demais componentes da parede celular também por ligações químicas, e não apenas por ligações hidrogênio, como se pensava inicialmente.

As Figuras 5 a 11 apresentam as curvas TG e suas respectivas derivadas (DTG) dos produtos obtidos durante o isolamento das xilanas. Pode-se notar que todas as curvas TG apresentaram, em média, perdas de massa em três intervalos de temperatura: de 30 a 130°C, de 130 a 400°C e de 400 a 850°C. A primeira perda foi associada à evaporação da água, a segunda à decomposição térmica dos polissacarídeos e a terceira à decomposição da lignina (ou de seus resíduos) e produtos estáveis da pirólise dos polissacarídeos.






Pode-se notar que o sinal da 1a derivada das Figuras 5 a 7, no intervalo de 130 a 400°C, apresentou uma tendência de desmembramento em 2 picos, o que pode significar a presença de compostos diferentes sofrendo decomposição térmica. É possível que esses compostos sejam a celulose e as xilanas que, durante o processo de extração, foram gradativamente sofrendo uma "parcial" separação. Após o processo de deslignificação (Figura 8), a curva da 1aderivada, no intervalo de temperatura em discussão, apresentou apenas 1 pico. Esse resultado, quando associado às observações anteriores de perda de massa, pode indicar que o pico observado apresenta uma contribuição significativamente maior da celulose, devido à degradação parcial das xilanas pelo meio ácido.

As curvas DTG obtidas para as frações de xilana A.3 e B.3 (Figuras 9 e 10) apresentaram deslocamento do pico observado no intervalo de 130 a 400°C para temperaturas mais baixas. Esse deslocamento poderia ser atribuído à queda de massa molecular das xilanas, devido à deslignificação.

Comparando as curvas DTG das Figuras 10 e 11 referentes às xilanas B.3 e B.2, podemos observar que a temperatura de máxima decomposição térmica da xilana B.2 é maior que a da B.3, o que concorda com o efeito de degradação, na etapa de deslignificação, discutido anteriormente.

A utilização de DMSO como solvente para a análise viscosimétrica das xilanas exigiu que alguns experimentos fossem realizados, com o objetivo de se verificar o efeito da absorção de umidade pelo DMSO sobre as medidas de viscosidade. Assim, a soluções de xilana B em DMSO de concentração 10,0 g/L adicionou-se volumes pré-determinados de água, de maneira a formar soluções de diferentes frações molares de água e concentração de polímero 1,0 g/L. Os resultados obtidos de viscosidade podem ser observados na Figura 12. De fato, nota-se um aumento sinérgico de viscosidade com a adição de água ao meio, que poderia ser atribuído à orientação das moléculas de água em torno do DMSO, formando estruturas organizadas responsáveis pelo aumento da viscosidade do solvente[22,23]. Essa interpretação pôde ser reforçada ao se verificar o comportamento da viscosidade relativa das mesmas soluções, mostrado na Figura 13. Nesta figura, verifica-se que a viscosidade relativa não é afetada significativamente pela presença de água no meio. Dessa forma, considerou-se que a determinação da viscosidade intrínseca das soluções de xilana não seriam perturbadas pela eventual presença de água no solvente, já que a sua determinação parte de valores de viscosidade relativa. Além disso, as medidas viscosimétricas são realizadas em sistema fechado (é utilizada uma jaqueta de termostatização) e o tempo requerido para a medição da viscosidade é pequeno, não tendo sido verificada nenhuma variação significativa de viscosidade do DMSO nesse período.



A Figura 14 apresenta a variação da viscosidade reduzida com a concentração para as xilanas A.2 e B.2. De acordo com a equação de Huggins[24], que estabelece a relação entre a viscosidade reduzida e a concentração de um polímero em determinado solvente, hred = [h] + K'[h]2c, a viscosidade intrínseca pode ser obtida através da extrapolação dos dados de viscosidade à diluição infinita. Dessa forma, foram obtidos os valores de viscosidade intrínseca de 56 mL/g para xilana A.2 e 75 mL/g para xilana B.2. Esse resultado pode indicar que a principal diferença entre as duas xilanas consiste no maior volume hidrodinâmico da xilana B.2, promovido pelo maior número de substituintes (L-arabinose). A presença de substituintes tende a aumentar a rigidez da cadeia polimérica, assim como provocar repulsões estéricas, que seriam então responsáveis pelo maior volume hidrodinâmico e viscosidade intrínseca da xilana B.2.


Conclusões

Pôde-se verificar neste trabalho a grande susceptibilidade de hidrólise das xilanas em meio ácido durante a etapa de deslignificação. As amostras que não passaram por essa etapa apresentaram um rendimento global em xilana de 24,79%. A análise em conjunto dos resultados obtidos de viscosidade intrínseca, infravermelho e o fato da xilana B permanecer em solução após a neutralização, na etapa de extração alcalina, sugere que a principal diferença entre as xilanas A e B dos sabugos de milho encontra-se no grau de substituição em resíduos de L-arabinose, que deve ser maior para a xilana B.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq, CAPES e PPPg-UFRN pelo apoio financeiro recebido.

Recebido: 20/03/97

Aprovado: 02/04/98

Simone S. Silva, Rosiane R. Carvalho, José Luis C. Fonseca e Rosangela B. Garcia - Departamento de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caixa Postal 1662, CEP 59078-970, Natal, RN, e-mail balaban@linus.quimica.ufrn.br.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 1998

Histórico

  • Aceito
    02 Abr 1998
  • Recebido
    20 Mar 1997
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