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Estudos sobre a cinética de decomposição térmica do poli(sulfeto de fenileno)

Kinetic studies of thermal decomposition of poly(phenylene sulfide)

Resumos

A cinética de decomposição térmica do poli(sulfeto de fenileno) (PPS) foi estudada através da termogravimetria (TG). Duas amostras comerciais de PPS foram utilizadas neste trabalho: Ryton, da Philips Petroleum, e Fortron, da Hoechst-Celanese. Os parâmetros cinéticos, isto é, a energia de ativação e o fator pré-exponencial de Arrhenius, foram calculados através de três métodos diferentes. Os resultados aqui apresentados concordaram com os dados da literatura. A estimativa do tempo de meia-vida do polímero também foi feita, mostrando que o Fortron é mais estável termicamente que o Ryton.

Poli(sulfeto de fenileno); termogravimetria; cinética; energia de ativação; tempo de meia-vida


The kinetics of thermal decomposition of poly(phenylene sulfide) (PPS) has been studied by means of thermogravimetry (TG). Two commercial samples of PPS have been used in this work: Ryton, from Philips Petroleum, and Fortron, from Hoechst-Celanese. The kinetic parameters, i.e. activation energy and Arrhenius' pre-exponential factor have been calculated by using three different methods. The results reported here agreed with the literature data. The estimation of polymer half-lifetime was also made, showing that Fortron is more thermally stable than Ryton.

Poly(phenylene sulfide); thermogravimetry; kinetics; activation energy; half-lifetime


ARTIGO TÉCNICO CIENTÍFICO

Estudos Sobre a Cinética de Decomposição Térmica do Poli(Sulfeto de Fenileno)

Laércio G. Lage e Yoshio Kawano

RESUMO: A cinética de decomposição térmica do poli(sulfeto de fenileno) (PPS) foi estudada através da termogravimetria (TG). Duas amostras comerciais de PPS foram utilizadas neste trabalho: Ryton, da Philips Petroleum, e Fortron, da Hoechst-Celanese. Os parâmetros cinéticos, isto é, a energia de ativação e o fator pré-exponencial de Arrhenius, foram calculados através de três métodos diferentes. Os resultados aqui apresentados concordaram com os dados da literatura. A estimativa do tempo de meia-vida do polímero também foi feita, mostrando que o Fortron é mais estável termicamente que o Ryton.

Palavras-chave: Poli(sulfeto de fenileno), termogravimetria, cinética, energia de ativação, tempo de meia-vida.

Kinetic studies of thermal decomposition of poly(phenylene sulfide)

ABSTRACT: The kinetics of thermal decomposition of poly(phenylene sulfide) (PPS) has been studied by means of thermogravimetry (TG). Two commercial samples of PPS have been used in this work: Ryton, from Philips Petroleum, and Fortron, from Hoechst-Celanese. The kinetic parameters, i.e. activation energy and Arrhenius' pre-exponential factor have been calculated by using three different methods. The results reported here agreed with the literature data. The estimation of polymer half-lifetime was also made, showing that Fortron is more thermally stable than Ryton.

Keywords: Poly(phenylene sulfide), thermogravimetry, kinetics, activation energy; half-lifetime.

Introdução

O poli(sulfeto de fenileno) (PPS) é um homopolímero linear, termoplástico e semi-cristalino[1-2]. A sua fórmula estrutural está representada na Figura 1.


O PPS possui boa estabilidade térmica, alta resistência química, baixa absorção de água e boas propriedades mecânicas. Alguns estudos tem sido feitos na tentativa de melhorar suas propriedades mecânicas[3-4], bem como na tentativa de torná-lo um polímero condutor[5-6]. Atualmente, o seu emprego vai desde o setor eletro-eletrônico, passando pelo automobilístico, de eletrodomésticos, petroquímico e de utensílios de cozinha.

Uma das crescentes aplicações do PPS no Brasil se dá na área de tintas anti-aderentes à base de água, a fim de empregá-las em utensílios de cozinha. Para a fabricação de tintas anti-aderentes utilizam-se resinas de poli(amida-imida) (PAI), poli(etileno sulfona) (PES) ou PPS, todas em conjunto com politetrafluoroetileno (PTFE). As tintas formuladas com PES ou PAI possuem uma resistência mecânica superior às baseadas em PPS; todavia, as formuladas com PPS possuem uma maior resistência térmica, além de não utilizarem solventes orgânicos para sua dispersão[1].

Devido aos usos e propriedades do PPS, tem-se aumentado o interesse no conhecimento do seu comportamento em condições extremas[2,7-8]. O estudo cinético de decomposição térmica de materiais através da termogravimetria (TG) tem sido uma ferramenta útil para a estimativa do tempo de meia-vida do polímero em determinadas condições, bem como calcular os parâmetros cinéticos envolvidos no processo[9-10]. Alguns fatores são determinantes para o cálculo destes parâmetros, como as condições experimentais (massa da amostra, tipo de cadinho, razão de aquecimento e atmosfera) e o método de cálculo empregado. A necessidade de padronizar tais fatores levou a ASTM a propor uma norma (ASTM E 1641-94) para o estudo cinético através de TG[11]. Em vista dos parâmetros calculados serem dependentes do método de cálculo, optou-se neste trabalho a utilização de 3 métodos diferentes: o método proposto pela ASTM (método 1), o método disponível no "software" do aparelho de TG[12] (método 2) e o método de Kissinger[13] (método 3).

Os métodos 1 e 2 possuem o mesmo princípio: o cálculo da energia de ativação em diferentes graus de conversão da amostra, com diferentes razões de aquecimento. Ambos são métodos integrais, baseados no método de Ozawa-Flynn-Wall[1415]. A diferença entre eles é que o método 1 foi simplificado a fim de poder ser empregado com cálculos facilmente executáveis, enquanto que o segundo requer o uso do programa computacional. Uma limitação do método 1 é a de ser aplicável em amostras que possuam uma única etapa de decomposição e cuja cinética deva ser de primeira ordem. Esta última limitação também faz parte do método 2.

O método 3 é um método diferencial e a energia de ativação é calculada no ponto onde a taxa de reação é máxima, com diferentes razões de aquecimento. Este método possui a vantagem de não ter limitação quanto ao número de etapas, além de ser possível calcular também a ordem de reação.

As equações que descrevem cada método são as seguintes:

-Para o método 1 (ASTM)11:

onde q é a razão de aquecimento; Ee a energia de ativação estimada; b uma variável de iteração; R a constante dos gases, T a temperatura absoluta, A o fator pré-exponencial de Arrhenius, a o grau de conversão, a o valor aproximado de integração, Er o valor convergido de energia de ativação e q' o valor médio entre as razões de aquecimento empregadas. O cálculo de Ee é feito para cada grau de conversão e é repetido diversas vezes, mudando o valor de b, até atingir uma diferença menor de 1% entre os resultados, onde passa a chamar-se Er, calculando-se então o valor de A.

-Para o método 2 (programa TG)[12]:

onde Ea é a energia de ativação. O cálculo é feito para cada grau de conversão.

Para o método 3 (Kissinger)[13]:

onde n é a ordem de reação e o sub-índice max indica que os valores são tomados onde a taxa de reação é máxima.

A energia de ativação é proporcional ao coeficiente angular das retas obtidas dos gráficos de log q versus 1/T (métodos 1 e 2) ou de ln(qmax/Tmax 2) versus 1/Tmax (método 3).

Os objetivos deste trabalho foram o de comparar o comportamento e a estabilidade térmica de dois tipos de amostras comerciais de PPS: Ryton, fabricado pela Philips Petroleum, e Fortron, pela Hoechst-Celanese, utilizando a técnica de TG para aquisição de dados, e a comparação de resultados obtidos através de diferentes métodos de cálculo.

Experimental

Dois tipos de amostras de PPS foram utilizadas neste trabalho: Ryton, que possui grupos terminais SH, e Fortron, com grupos terminais Cl. Para as corridas de TG foi utilizado o aparelho Hi-ResÔ TGA 2950, da TA Instruments, interfaceado ao "software" Thermal Analyst 2000. As massas iniciais das amostras variaram entre 3 e 4 mg. As condições utilizadas no aparelho foram: razões de aquecimento de 1, 2, 5, 7 e 10°C.min-1; cadinho de platina; sensibilidade 1 e atmosfera de nitrogênio, num fluxo constante de 100 cm3.min-1. As corridas foram feitas de 25 a 650°C.

Resultados e discussão

A decomposição térmica do PPS até 650°C, em atmosfera inerte de nitrogênio, se deu em apenas uma etapa, o que possibilitou a aplicação de todos os métodos de cálculo escolhidos. Os gráficos utilizados para os cálculos de energia de ativação estão dados nas Figuras 2 e 3. A Tabela 1 mostra os parâmetros cinéticos calculados pelos diferentes métodos.



Da comparação destes valores, nota-se que o método 2 é o que produz os menores valores de energia de ativação e, conseqüentemente, menores valores do fator pré-exponencial. Day et al[9]. estudaram a cinética de decomposição térmica do PPS Ryton e Fortron e, utilizando o método de Kissinger, obtiveram os valores de energia de ativação de 162 kJ.mol-1 para o Ryton e 178 kJ.mol1 para o Fortron. Pelo método de Ozawa-Flynn-Wall[14-15], os valores obtidos foram 183 kJ.mol-1 para o Ryton e 169 kJ.mol-1 para o Fortron. Os resultados obtidos neste trabalho e os de Day et al[9]. se mostraram concordantes, dentro de um erro máximo de 10%. O cálculo de A por Day et al[9]. produziu valores em torno de 1014 min-1 para o Ryton e 1013 min-1 para o Fortron, pelo método de Ozawa-Flynn-Wall[14-15]. Day et al[9] não calcularam os valores de A pelo método de Kissinger[13]. Calcularam A também através de dados de experimentos isotérmicos, utilizando gráficos de taxa de reação e de tempo reduzido e os resultados estavam em torno de 1010 min-1 para o Ryton, por ambos os gráficos, e em torno de 1010 e 108 min-1 para o Fortron, pelo gráfico de taxa de reação e de tempo reduzido, respectivamente, produzindo valores mais próximos aos calculados neste trabalho. A energia de ativação calculada pelos gráficos de taxa de reação e de tempo reduzido foram, respectivamente, 166 e 180 kJ.mol-1 para o Ryton e 145 e 148 kJ.mol-1 para o Fortron.

O método 3 possibilitou o cálculo da ordem de reação n do polímero, que situou-se na faixa de 1 para ambos os tipos de PPS (reação de 1a ordem), o que valida a aplicação dos métodos 1 e 2. Segundo Denq et al[16]. reações de 1a ordem em polímeros estão relacionadas a quebras aleatórias de ligações da cadeia principal e transferência intermolecular. Estudos da decomposição do PPS realizados por Budgell et al[2]. utilizando a técnica de pirólise acoplada à cromatografia gasosa e espectrometria de massa, demonstraram que as reações que ocorriam nas condições de temperatura semelhantes as dos experimentos realizados neste trabalho foram interpretadas como sendo de primeira ordem global, reforçando a validade de aplicação dos métodos 1 e 2. Nestes estudos de Budgell et al[2]. foram identificados, até 550°C, a presença de tetrâmeros cíclicos e dímeros e trímeros lineares. Na faixa de 550 a 650°C, ocorre o aparecimento de benzotiofenos e naftotiofenos. O processo de decomposição predominante parece ser a cisão aleatória de ligações das cadeias do polímero, seguida de ciclização em temperaturas até 550°C e depolimerização em temperaturas superiores. Segundo Denq et al.,[16] as reações de ciclização e depolimerização são reações de ordem zero; sendo assim, a ordem global de reação é 1, o que confirma os resultados calculados pelo método 3.

O tempo de meia-vida estimado para os polímeros foi escolhido como aquele em que há aproximadamente 5% de perda de massa do material, em diferentes temperaturas, conforme ilustrado na Tabela 2. O cálculo foi feito utilizando-se apenas o método 2.

Observando-se os dados da Tabela 2, nota-se que a estabilidade térmica do PPS Fortron é pouco maior que a do PPS Ryton, dada pelo tempo de meia-vida dos polímeros. Alguns autores creditam esta diferença de estabilidade devido aos grupos terminais de cada polímero (Cl no caso do Fortron e SH no Ryton).

Uma das limitações da estimativa do tempo de meia-vida de materiais é que muitos deles sofrem perda de propriedades físicas de interesse antes de perder massa. Este cálculo é usado apenas como estimativa e comparativo de estabilidade térmica.

Conclusões

O cálculo dos parâmetros cinéticos da decomposição térmica do PPS permitiu a comparação da estabilidade térmica de dois tipos de PPS comerciais. Notou-se que o PPS Fortron é mais estável termicamente que o PPS Ryton, em condições de atmosfera inerte. Tal estimativa é uma informação útil para avaliar as condições ao qual o material pode ser submetido.

A aplicação de diferentes métodos de cálculo de parâmetros cinéticos demonstrou-se válida para este sistema de estudo, dada a decomposição do PPS se dar em uma etapa e possuir ordem de reação igual a um. Para este sistema, os parâmetros cinéticos tiveram valores concordantes entre si e com os reportados na literatura, mesmo utilizando diferentes métodos de cálculo e condições experimentais diversas.

Os valores de tempo de meia-vida mostraram que o PPS é um material termoplástico durável.

Agradecimentos:

À Adriana Marçula pelo trabalho de caracterização do PPS e pela doação de amostras; à FAPESP e ao CNPq pelo auxílio financeiro.

Laércio G. Lage e Yoshio Kawano , Instituto de Química da Universidade de São Paulo, C.P. 26077, CEP: 05599-970, São Paulo, SP.

  • 1. Marçula, A. - Dissertação de Mestrado, Instituto de Química da Universidade de São Paulo;
  • 2. Budgell, D.R.; Day, M.; Cooney, J.D. - Polym. Degr. Stab. 43, 109, (1994).
  • 3. D'Ilario, L.; Martinell, A.; Piozzi, A. - Eur. Polym. J. 28, 643, (1992).
  • 4. Bohning, M.; Schultze, J.D.; Springer, J. - Macromol. Chem. Phys. 195, 2579, (1994).
  • 5. Yang, Y.; D'Amore, A.; Di, Y.; Nicolau, L.; Li, B. - J. Appl. Polym. Sci. 59, 1159, (1996).
  • 6. Gabellini, G.; Moraes, M. B.; Bretas, R. E. S. - J. Appl. Polym. Sci. 60, 21, (1997).
  • 7. Peters, O. A.; Still, R. H. - Polym. Degr. Stab. 42, 41, (1993).
  • 8. Peters, O A.; Still, R.H. - Polym. Degr. Stab. 42, 49, (1993).
  • 9. Day, M.; Budgell, D. R. - Thermochim. Acta 203, 465, (1992).
  • 10. Lage, L.G.; Kawano, Y. - An. Assoc. Bras. Quím. 47, 321, (1998).
  • 11. Norma ASTM E 1641-94.
  • 12. Manual TGA 2950, TA Instruments, New Castle, EUA, (1994).
  • 13. Kissinger, H. E. - Anal. Chem. 29, 1702, (1957).
  • 14. Ozawa, T. - Bull. Chem. Soc. Jpn. 38, 1881, (1965).
  • 15. Flynn, J. H.; Wall, L. A. - J. Res. NBS - Phys. and Chem. Ed. 70 A, 487, (1966).
  • 16. Denq, B.-L.; Chiu, W.-Y.; Lin, K.-F. - J. Appl. Polym. Sci. 66, 1855, (1997).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2003
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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