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Estratégia Tecnológica e a Indústria Brasileira de Transformação de Polímeros

ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Estratégia Tecnológica e a Indústria Brasileira de Transformação de Polímeros

A indústria petroquímica, onde a produção e comercialização dos polímeros estão inseridas, é um dos mais dinâmicos e complexos setores da economia brasileira e mundial pois engloba toda a produção de plásticos e borrachas, além de medicamentos, detergentes, etc. Este tipo de indústria apresenta características muito próprias no Brasil, possuindo setores com atuação muito bem definida. Um destes setores é a indústria de transformação de plásticos e borrachas. Apesar de estar contribuindo de maneira significativa para a cadeia produtiva ligada a seu setor industrial, sua evolução tecnológica tem se mantido tímida em razão da falta de investimentos em P & D. Nesta matéria é apresentada uma análise das razões pelas quais este setor industrial mostra estas características e aborda ainda alguns aspectos sobre a estratégia tecnológica mais adequada para este tipo de indústria.

A chamada Cadeia Petroquímica, que compreende desde os produtores de derivados de petróleo até os transformadores de plásticos, pode ser dividida em três segmentos principais: empresas de primeira geração, produtoras de matéria-prima; empresas de segunda geração, destinadas à produção de resinas, que são produtos intermediários e materiais para transformação; e empresas de terceira geração, destinadas à produção de bens de consumo, embalagens, componentes, etc. A cadeia produtiva também engloba outros segmentos, que estão direta ou indiretamente vinculados à produção, tais como: siderúrgicas; empresas metal-mecânicas, além de várias outras empresas que fornecem algum tipo de produto ou serviço, destinados ao abastecimento dessa cadeia.

A inter-relação entre diversos setores produtivos leva o segmento de polímeros a se estruturar sob uma ótica complexa, ou seja, sua caracterização é intensiva em capital, matérias-primas e tecnologia. Entretanto, várias questões produtivas ainda necessitam ser estudadas mais detalhadamente, quando nos referimos à terceira geração, isto é, processamento de polímeros, em especial, aos aspectos pertinentes à inovação tecnológica. Verifica-se que os investimentos em P&D na cadeia petroquímica, em países com competitividade de mercado, apresentam proporcionalidade nos setores que a compõe, isto é, há preocupação com estratégias tecnológicas nos três segmentos (Santos, 2000). É comum encontrarmos parcerias entre diversas empresas, trabalhando com objetivos comuns, visando alcançar o máximo de rendimento em seu ramo e/ou segmento produtivo, seja por meio de pesquisas de novos grades em materiais ou no desenvolvimento de novos produtos com melhor qualidade técnica e funcional. Esse desenvolvimento conta, fundamentalmente, com uma visão gerencial voltada para a criação de novos elementos que têm como finalidade agregar valor ao produto. No Brasil é muito difícil a implantação de programas de P&D, seja por dificuldades externas às empresas, tais como pequeno mercado de capitais e falta de incentivos governamentais, ou dificuldades internas, tais como organização empresarial, mercado e segmentação de produtos, escassez de recursos, etc. Essas considerações acabam por dificultar a implementação de atividades voltadas para a inovação tecnológica. Pode-se destacar, também, que somente há pouco mais de dez anos se iniciaram programas em âmbito regional e nacional de valorização de pequenas e médias empresas, segmento típico da industria de transformação de polímeros. Este setor é o responsável por grande parte da mão-de-obra ativa da cadeia e participa com valores significativos em termos de economia regional e nacional. Pode-se destacar sua potencialidade de geração de divisas, pois nessa etapa do processo os investimentos em inovação tecnológica solicitam menos volume de recursos. Essas mesmas características do setor podem ser encontradas em países mais desenvolvidos tecnologicamente.

Desenvolvimento Tecnológico da Cadeia Petroquímica no Brasil

A implantação da cadeia petroquímica no Brasil tem cerca de 30 anos e se encontra, no momento, passando por uma reestruturação, em especial nos segmentos de primeira e segunda geração. Isto ocorre, principalmente, por causa do processo de privatização iniciado na década passada, com a conseqüente drástica saída do governo brasileiro do setor produtivo de indústria de base. Já o segmento de terceira geração, foi implantado através de investimentos oriundos do capital privado. Primeiramente eram fabricados produtos de baixo valor agregado (descartáveis, utensílios domésticos, adornos, etc.). Com a expansão de mercado e desenvolvimento econômico, produtos mais sofisticados e de maior valor agregado passaram a ser produzidos no país. Isto se deve, também, ao desenvolvimento da indústria brasileira de polímeros, matéria-prima do setor de transformação. Ao longo dos últimos trinta anos, a indústria de polímeros adquiriu um importante status em termos de produção, e hoje participa ativamente de diversos segmentos industriais, tais como têxteis, embalagens, eletro-eletrônicos, automobilístico, etc. Entretanto, a quase totalidade dos polímeros produzidos e consumidos no Brasil são commodities ou pseudo-commodities, tais como polietileno, polipropileno, poliestireno, PVC e PET. Os polímeros mais sofisticados de alto desempenho, que têm grande valor, em geral, ainda não são produzidos no país.

Atualmente, o consumo per capita de plásticos no Brasil ainda é baixo, em comparação com países mais desenvolvidos. Ele gira em torno de 23kg/habitante/ano, enquanto nos Estados Unidos e no Japão o consumo per capita supera 80 kg/habitante/ano. Pode-se indagar se, com maiores investimentos em P&D, o mercado poderia ser expandido. As pesquisas em inovação no campo dos polímeros se referem à obtenção de novas formulações, ganhos de produção e, principalmente, à adequação dos produtos para usos específicos. Entre as empresas de segunda geração, encontram-se algumas subsidiárias de grandes multinacionais. As empresas brasileiras, em geral, produzem a partir de licenciamento de tecnologia de fornecedores estrangeiros. A grande maioria das pesquisas realizadas no Brasil na área de polímeros se encontra situada em universidades, não existindo vínculo direto com as atividades produtivas empresariais e, por conseguinte, não resulta em patentes ou rendimentos econômicos.

Quanto a indústria de máquinas e equipamentos para processamento de polímeros, nas empresas de terceira geração, verifica-se que se encontra em sintonia com a evolução tecnológica mundial devido à necessidade de oferecer produtos mais capacitados à qualidade técnica, através de obtenção de know-how, por meio de licenciamentos, joint-ventures ou fusões entre fabricantes. Segundo levantamento realizado pela ABIMAQ/SINDMAQ (Plásticos em Revista, 1996), aproximadamente 35% dos componentes empregados atualmente em equipamentos nacionais está em conformidade com o padrão existente no mercado internacional, propiciando redução de custos, otimização de recursos e principalmente padronização técnica.

A indústria de terceira geração é responsável pela integração produtiva entre diversos segmentos industriais. As ações pertinentes à inovação tecnológica se caracterizam pelo enfoque incremental, apresentando duas vertentes: uma voltada para o desenvolvimento técnico de processos e produtos; e outra voltada para a manutenção tecnológica e de mercado. Entretanto, em termos de Brasil, as ações correspondentes a P&D em empresas de terceira geração ainda são acanhadas se compararmos com empresas norte-americanas ou européias do mesmo porte. As principais diferenças se encontram no planejamento estratégico empregado, na falta de recursos voltados para P&D e, principalmente, na falta de incentivos à geração do conhecimento técnico e organizacional.

Em levantamento realizado junto a um grupo de empresas de terceira geração, foi constatado que, nas duas últimas décadas, não houve grandes investimentos no sistema produtivo, seja em termos de processo, produto, ou recursos humanos. Isto acarretou uma baixa rentabilidade em termos produtivos ou uma sub-utilização da capacidade instalada (Cerqueira & Hemais, 2000). Entretanto, a partir da remodelação da cadeia produtiva de polímeros, com a saída do governo brasileiro de sua condição de sócio, bem como com a nova conjuntura econômica brasileira, a partir do Plano Real, o relacionamento dos produtores de resinas com as empresas transformadoras de polímeros, seja plástico, borracha, compósito ou fibras, passou a ser mais próximo, conforme verificado por Hemais et al (2001). Por este motivo, o ambiente se mostra mais propício para novos investimentos. Apesar da conjuntura ser favorável ao crescimento das empresas de transformação, ainda é rara a ocorrência de políticas internas voltadas à geração do conhecimento, seja tácito ou explícito. Percebe-se que grande parte dos conhecimentos existente nas empresas se perde por falta de sistematização em seus processos de gerar e acumular, ou mesmo pela falta de uma organização capaz de utilizar esses conhecimentos em prol da inovação tecnológica e crescimento. O mesmo se aplica em relação a pedidos de patentes, que não faz parte integrante da cultura empresarial brasileira, como foi observado por Hemais et al (1999).

A grande dificuldade em se adotar determinados procedimentos voltados à geração do conhecimento tecnológico e implementá-lo na produção sob a forma de inovação, se encontra no modelo administrativo centralizador, o qual estabelece uma estrutura produtiva verticalizada não considerando outras variantes inerentes aos ambientes interno e externo da empresa. Em geral, a estratégia adotada, por mais simples que seja, fica submetida à vontade da cúpula ou do próprio dono da empresa, limitando, sensivelmente, as ações de P&D. As empresas de terceira geração, em sua maioria, são empresas de estrutura típica familiar, de pequeno ou médio porte, transformando quantidades que variam, de acordo com a capacidade instalada, entre 5 a 150t/mês de polímeros, empregando processos de injeção, extrusão, sopro, termoformação, compressão, entre outros menos expressivos. Um fator marcante neste grupo é a opção pela prestação de serviços em detrimento à manufatura de produtos próprios. A parcela referente a grandes empresas, que são minoria na indústria, apresenta perfil diferenciado no que tange a investimentos em inovação, pois geralmente, produzem e comercializam produtos próprios ou constituem parcerias de desenvolvimento e produção porém, ainda investe pouco em inovação. Entretanto, as empresas de terceira geração possuem um importante papel no contexto social, pois são mediadoras tecnológicas e o resultado de seu processo entra em contato direto com a sociedade de consumo na forma de bens manufaturados.

Criação de Modelos Brasileiros

O desenvolvimento do segmento de transformação de polímeros poderá fomentar atividades de P&D de novas tecnologias de processos e produtos poliméricos, perante outros atores pertencentes à cadeia, pois a inovação tecnológica deste setor é de caráter incremental, não necessitando de grande volume de recursos para implementá-lo. Entretanto, é necessário que ocorram mudanças de comportamento nos diversos segmentos envolvidos no processo produtivo, tais como governo, empresas, organismos de pesquisa e consumidor, conforme aponta Bethlem (1999) quando comenta a necessidade de se encontrar modelos estratégicos apropriados para o Brasil, em função das peculiaridades gerenciais. Estes aspectos são de grande importância para que as empresas de terceira geração de polímeros possam alcançar maior competitividade em mercados tanto internos quanto externos. Logo, a constituição de modelos específicos de P&D para o setor de transformação de polímeros no Brasil deverá considerar os seguintes fatores:

• Estabelecimento de uma política empresarial voltada para a inovação tecnológica, relacionando-a a uma disposição administrativa, sintonizada com as mudanças ambientais e tecnológicas;

• Investimentos em programas de P&D, nos quais destaca-se o design de produtos, visando a elaboração de sistemas que apresentem ganhos qualitativos e quantitativos;

• Constituição de parcerias capacitadas para implementação de atividades de inovação tecnológica;

• Ações conjuntas entre empresas e governos para definir planos estratégicos para implantação de programas nacionais e regionais de inovação tecnológica.

É importante, também, estabelecer procedimentos em relação ao mercado; para tal cabe formar, nas empresas de transformação de polímeros, uma cultura de qualidade, valorizando seu conhecimento interno e estabelecendo uma política de desenvolvimento de produtos e consequentemente, de patentes como distinção e reserva perante o mercado.

Referências Bibliográficas

1. Bethlem, A. - Estratégia empresarial, São Paulo: Atlas (1999)

2. Cerqueira, V. & Hemais, C. - Considerações econômicas e tecnológicas em indústrias de termoformação, P&D Design 2000, Rio de Janeiro, pp. 887 (2000)

3. Hemais, C.A.; Rosa, E.O. & Barros, H.M. - A não-globalização tecnológica da indústria brasileira de polímeros medida através de patentes, Revista de Administração Contemporânea, 3 (3): 157 (1999)

4. Hemais, C.A.; Barros, H.M. & Rosa, E.O. The evolutionary standard of R&D and the Brazilian polymer industry Proceedings of the IAMOT 2001, Lausanne (2001)

5. Plásticos em Revista - Especial Máquinas, abril - nº 408, p. 28 (1996)

6. Santos, Lucy H. M. - Importância econômica dos pólos petroquímicos, Rio de Janeiro: Publicação Interna - IMA/UFRJ (2000)

Matéria elaborada por: Vicente Cerqueira e Carlos A. Hemais - Grupo de Gestão Tecnológica, Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, UFRJ, Caixa Postal 68545, CEP: 21945-970, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: hemais@ima.ufrj.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2002
  • Data do Fascículo
    Set 2001
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