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Avaliação de clones de borracha natural crua por ensaios padrão e análise dinâmico-mecânica

Evaluation of clones of the raw natural rubber by standard test and dynamic mechanical properties

Resumos

A qualidade do látex de borracha natural (Hevea brasiliensis) de diferentes clones (RRIM 600, IAN 873, GT 1, PB 235), uma mistura destes clones e uma borracha comercial foi avaliada por ensaios padrões (plasticidade Wallace, PRI, viscosidade Mooney, % de cinzas, extrato acetônico e % de nitrogênio), DMA, DSC e TG. As borrachas estudadas apresentam propriedades competitivas com as da borracha presente no mercado, ficando dentro dos padrões de qualidade exigidos pela norma brasileira e pelo padrão internacional. Entre os clones, o clone RRIM 600 foi o que apresentou o melhor desempenho, principalmente em relação à viscosidade Mooney e ao PRI.

Borracha natural; clone; látex; análise térmica


Natural rubber (Hevea brasiliensis) from different clones (RRIM 600, IAN 873, GT 1, PB 235), a mixture made from these clones, and a commercial rubber, have been characterized by DMA, DSC, TGA, and standards methods (Wallace plasticity, PRI, Mooney viscosity, ash percentage, acetonic extract and nitrogen percentage). All the samples studied complied with standard specifications required for application in the rubber industry, and can be used in the rubber industry in blended or unblended forms. Among the clones, the best results of the standards methods were obtained from the RRIM 600 clone, and the blended form of the natural rubber increases its storage modulus.

Natural rubber; clone; latex; thermal analysis


ARTIGO TÉCNICO CIENTÍFICO

Avaliação de clones de borracha natural crua por ensaios padrão e análise dinâmico-mecânica

Evaluation of clones of the raw natural rubber by standard test and dynamic mechanical properties

Ana C. Dall'AntoniaI; Maria A. MartinsII; Rogério M. B. MorenoII; Luiz H. C. MattosoII; Aldo E. JobIII; Fábio C. FerreiraIII; Paulo S. GonçalvesIV

IInterunidades em Ciência e Engenharia de Materiais, IQSC, USP

IIEmbrapa Instrumentação Agropecuária, São Carlos/SP

IIIDepartamento de Física, Química e Biologia, UNESP, Presidente Prudente/SP

IVEmbrapa, Programa Integrado Instituto Agronômico, Programa Seringueira, Campinas/SP

Autor para correspondência Autor para correspondência: Luiz Henrique C. Mattoso Embrapa Instrumentação Agropecuária Caixa Postal 741 CEP: 13560-970, São Carlos, SP E-mail: mattoso@cnpdia.embrapa.br

RESUMO

A qualidade do látex de borracha natural (Hevea brasiliensis) de diferentes clones (RRIM 600, IAN 873, GT 1, PB 235), uma mistura destes clones e uma borracha comercial foi avaliada por ensaios padrões (plasticidade Wallace, PRI, viscosidade Mooney, % de cinzas, extrato acetônico e % de nitrogênio), DMA, DSC e TG. As borrachas estudadas apresentam propriedades competitivas com as da borracha presente no mercado, ficando dentro dos padrões de qualidade exigidos pela norma brasileira e pelo padrão internacional. Entre os clones, o clone RRIM 600 foi o que apresentou o melhor desempenho, principalmente em relação à viscosidade Mooney e ao PRI.

Palavras-chave: Borracha natural, clone, látex, análise térmica.

ABSTRACT

Natural rubber (Hevea brasiliensis) from different clones (RRIM 600, IAN 873, GT 1, PB 235), a mixture made from these clones, and a commercial rubber, have been characterized by DMA, DSC, TGA, and standards methods (Wallace plasticity, PRI, Mooney viscosity, ash percentage, acetonic extract and nitrogen percentage). All the samples studied complied with standard specifications required for application in the rubber industry, and can be used in the rubber industry in blended or unblended forms. Among the clones, the best results of the standards methods were obtained from the RRIM 600 clone, and the blended form of the natural rubber increases its storage modulus.

Keywords: Natural rubber, clone, latex, thermal analysis.

Introdução

A borracha natural é uma matéria-prima agrícola importante, utilizada em indústrias como a pneumática, a de autopeças, e de produtos bélicos. É utilizada também em artefatos leves como luvas cirúrgicas, preservativos, chupetas, solados e couro vegetal e, recentemente, como biomaterial para aplicação médica[1-4]. No Brasil, que já foi o maior produtor mundial, atualmente a produção de borracha natural representa apenas 1% deste valor, o que é insuficiente para o consumo interno e leva à importação de cerca de 60% da borracha consumida no país[5]. Um dos maiores desafios atuais para o aumento da produção e da qualidade da borracha natural nacional é uma maior integração entre o segmento produtivo, o beneficiador e o industrial[6,7]. O fato de a borracha provir de plantações e usinas diferentes, onde o látex é coagulado espontaneamente no campo, estocado e processado sem padronização, prejudicam a qualidade do produto final, diminuindo a sua aceitação, principalmente pelas indústrias pneumáticas, principais consumidoras[8]. Deste modo, os aumentos da produtividade e da qualidade dependem do aprimoramento de tecnologias para auxiliar os produtores e os beneficiadores e de estudos para o desenvolvimento e caracterização do látex e da borracha de novos clones.

A seringueira, pertencente ao gênero Hevea, da família Euphorbiaceae, tem a Hevea brasiliensis (Willd. ex Adr. de Juss.) Muell. -Arg., como espécie mais importante e maior fonte de borracha natural. A borracha natural obtida da Hevea brasiliensis possui unidades isoméricas do tipo isoprênica cis-1,4 com configuração do tipo cabeça-cauda[9,10].

O aumento da demanda da borracha natural levou várias regiões no mundo a iniciar seu cultivo em larga escala. O Brasil possui em relação aos demais países produtores, áreas incomparavelmente mais aptas ao plantio de seringueira. O Estado de São Paulo, que é o maior produtor nacional, possui cerca de 14 milhões de hectares aptos à heveicultura[1,6]. Neste Estado, o Instituto Agronômico (IAC) desenvolve projetos para o melhoramento genético de novos clones de seringueira através do monitoramento de caracteres como: produção de borracha seca, vigor expresso pela circunferência do caule, espessura de casca e antracnose do painel; tipo e freqüência de sangria. No entanto, existe ainda uma grande demanda para a avaliação do desempenho (qualidade e uniformidade) da borracha seca obtida antes da formulação e processamento de compostos[10,11].

Este trabalho foi realizado dentro de uma colaboração entre a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e o IAC visando o desenvolvimento do setor heveicultor brasileiro e teve como objetivo caracterizar as propriedades da borracha natural de quatro diferentes clones recomendados para o Estado de São Paulo e comparar com as propriedades de uma mistura formada a partir destes clones e com uma borracha comercial. A qualidade da borracha natural foi avaliada através de análise dinâmico-mecânica (DMA), ensaios de calorimetria exploratória diferencial (DSC), termogravimetria (TG), e ensaios padrões de plasticidade Wallace, índice de retenção de plasticidade, viscosidade Mooney, porcentagem de cinzas, extrato acetônico e porcentagem de nitrogênio.

Experimental

Materiais

As amostras de látex foram coletadas em experimento instalado na estação experimental do IAC no município de Votuporanga/SP, onde as árvores foram plantadas com espaçamento de 7,0 m entre linhas e de 3,0 m entre plantas. As sangrias foram realizadas em 254 árvores que possuíam circunferência do caule igual ou superior a 45 cm e 1,20 m de altura do calo de enxertia, utilizando o sistema ½ S d/4 6d/7 (corte em meia espiral, sangradas quatro vezes por semana, estimuladas com Ethrel por pincelamento do painel de sangria a cada 45 dias).

Os clones estudados foram[12]: RRIM 600 (Rubber Research Institute of Malasia 600 - clone secundário desenvolvido pelo Rubber Research Institute of Malaysia, cujos parentais são os clones primários TJIR 1 e PB 86); GT 1 (Gondang Tapen 1 - clone primário desenvolvido no seringal Gondang Tapen, em Java / Indonésia); IAN 873 (Instituto Agronômico do Norte 873 - clone secundário, cujos parentais são os clones primários PB 86 e FB 1717); PB 235 (Prang Besar 235 - clone secundário resultante do cruzamento dos clones PB 5/51xPBS /72 desenvolvido em Prang Besar / Malásia).

A borracha natural comercial utilizada foi do tipo GEB-1 (Granulado–Escuro-Brasileiro). Esta borracha foi obtida a partir de coagulados diversos e fornecida pela Indústria de borracha Top Color localizada em São Carlos-SP.

Métodos

Os diferentes látices foram estabilizados com amônia (4,7 mL NH4OH para cada 100,0 mL de látex), e coagulados pela adição de solução de ácido acético 3 mol/L. Os coágulos obtidos passaram por uma etapa de lavagem para remoção do ácido acético residual, em seguida foram laminados em um moinho aberto de dois rolos até uma espessura entre 2-3 mm e secos a 50 °C, por 72 horas. A mistura dos 4 clones foi obtida pela mistura de 25% em massa de cada clone durante 5 minutos em um moinho aberto de dois rolos[1].

A análise dinâmico-mecânica (DMA) foi realizada em um equipamento Netzsch modelo DMA 242C, no modo de tensão de tração, em corpos-de-prova de 10x6x3 mm, e freqüência de 10 Hz. A razão de aquecimento utilizada foi de 5 °C/min-1 e o intervalo de temperatura de -100 a 50 °C.

Nos ensaios de calorimetria exploratória diferencial (DSC) foram utilizados 5 mg de cada amostra em instrumento marca Netzsch modelo DSC 204, com razão de aquecimento de 10 °C/min-1 e faixa de temperatura de -90 a 180 °C.

A análise por termogravimetria (TG) foi realizada em equipamento Netzsch modelo TG 209, a partir da temperatura ambiente até 400 °C, razão de aquecimento de 10 °C/min, usando nitrogênio como gás de arraste com vazão de 15 mL/min-1.

Os ensaios considerados como padrão para látex de borracha natural (porcentagem de cinzas, porcentagem de nitrogênio, extrato acetônico, viscosidade Mooney, plasticidade Wallace e o índice de retenção plasticidade) foram realizados segundo a norma NBR 11597/96[13]. O ensaio de teor de cinzas foi realizado em um forno tipo mufla, com cerca de 5 g de borracha seca cortada. A massa residual de cinza nos cadinhos foi pesada e o teor final de cinzas determinado. Para o extrato acetônico, cerca de 2 g de borracha foi colocado em um extrator tipo Soxhlet e a extração com acetona foi feita por 16 horas. O resultado é expresso em peso de extrato calculado sobre 100 g de borracha. A determinação do teor de nitrogênio foi realizada pelo método semimicro Kjeldahal. A porcentagem de nitrogênio foi calculada com base na porcentagem de proteína bruta (PB) através da expressão: % de nitrogênio = . O viscosímetro Mooney foi usado na determinação da viscosidade das amostras. Neste aparelho um disco metálico envolve a amostra de borracha contida numa câmara rígida, mantida a temperatura de 100 ± 0,5 ºC. O disco gira lentamente em uma direção durante um tempo de 4 minutos. A resistência oferecida pela borracha a esta rotação, medida em uma escala convencionada, é definida como a viscosidade Mooney da borracha. Para cada determinação foram preparados dois corpos-de-prova com cerca de 50 mm de diâmetro e 6 mm de espessura com um furo central de 8 mm.

O plastímetro Wallace de pratos paralelos mede a plasticidade Wallace (P0) da borracha como resposta a uma compressão constante em condições padrão de temperatura, tempo de ação da força de compressão, forma e peso do corpo-de-prova. A leitura é feita em unidades de escala Wallace. Foram preparados dez corpos-de-prova que foram divididos, ao acaso, em dois grupos de cinco. A plasticidade (P0) foi determinada em 5 corpos-de-prova não degradados e em 5 degradados termicamente (140 ºC por 30 minutos). O índice de retenção de plasticidade (PRI) é expresso em porcentagem e calculado a partir da expressão: PRI = (P30 / P0) x 100, onde P0 = plasticidade e P30 = plasticidade após degradação térmica dos corpos-de-prova.

Resultados e Discussão

Os materiais poliméricos apresentam componentes elásticas e plásticas e o módulo de armazenamento é o módulo relativo à componente elástica. A Figura 1 apresenta o log do módulo de armazenamento (Log E'), versus a temperatura (ºC) para a borracha natural dos diferentes clones, para a mistura dos quatro tipos selecionados e para a borracha comercial do tipo GEB 1. Observa-se que, entre -100 e -75 ºC a borracha comercial é a que apresenta melhor desempenho, maior valor do módulo de armazenamento, seguida pela mistura e o clone IAN 873. Observa-se também que nesta faixa de temperatura, o clone RRIM 600 apresentou um desempenho cerca de 50% menor em relação às outras amostras. A partir de -75 ºC, a mistura apresenta desempenho visivelmente superior em relação às demais amostras, sendo que os clones apresentaram comportamento comparável com o da borracha utilizada comercialmente.


A análise dinâmico-mecânica (DMA) permite a obtenção de vários parâmetros, sendo um deles a relação entre o módulo de perda e o de armazenamento, denominado tan delta (tan d), cujo valor máximo é atribuído à temperatura de transição vítrea, Tg[14]. Na Figura 2, encontram-se as curvas de tan d em função da temperatura para as amostras de borracha natural estudadas. Os dados obtidos mostram que a mistura apresentou a menor temperatura de transição vítrea e, a borracha comercial e o clone IAN 873, as maiores, indicando que a mistura possui uma maior mobilidade de suas cadeias poliméricas. Abaixo da faixa de transição há relativamente pouca movimentação molecular e os segmentos da cadeia estão como que congelados, sendo capazes de vibrar nessas posições fixas, mas com poucas chances de rearranjos nas posições. Aumentando-se a temperatura, a amplitude das vibrações torna-se maior e é possível a movimentação ocasional de segmentos da cadeia. Quanto mais flexível a cadeia, mais baixa a temperatura na qual isto irá ocorrer[15]. A partir dos resultados, observa-se uma redução na intensidade do amortecimento e um aumento na temperatura de transição vítrea para os clones em relação à sua mistura, indicando que estes possuem uma menor mobilidade de suas cadeias, e que com a mistura obtém-se um material mais flexível. O comportamento apresentado pela mistura, mostrando melhor desempenho em relação ao módulo de armazenamento e a menor Tg também foi observado por outros autores[16,17], que sugerem que este comportamento da borracha natural pode estar relacionado com o aumento da orientação das cadeias ou da viscosidade do material devido ao processamento realizado na sua obtenção.


A Tg obtida através da técnica de calorimetria exploratória diferencial (DSC) é acompanhada de uma mudança na capacidade de calor, mas não há mudança de entalpia (DH= 0). A transição aparece, portanto, como uma descontinuidade na linha de base[18]. As curvas de DSC, Figura 3, apresentaram uma mudança na linha base que corresponde à temperatura de transição vítrea da borracha natural na faixa de -62,0 a –63,2 ºC. Vê-se que, diferentemente do observado através de DMA, as amostras da borracha dos clones, da mistura e da borracha comercial apresentaram um intervalo de variação pequeno para a Tg.


As temperaturas de transição vítrea (Tg) obtidas através do DMA, foram medidas nos pontos máximos das curvas do fator de amortecimento em função da temperatura, e as de DSC através da primeira derivada da curva, os valores da Tg encontrados pelas técnicas de DSC e DMA são mostrados na Tabela 1. O valor da temperatura de transição vítrea da borracha natural crua relatado na literatura é de –72 °C[19,20]. Como a técnica de DMA é mais sensível do que a de DSC, observa-se que, a partir dos resultados da Tabela 1, esta permite uma caracterização diferenciada dos clones estudados. A mistura apresentou um valor para Tg cerca de 12% inferior à média dos 4 clones, provavelmente devido a mastigação para a completa homogeneização durante o processamento, ocorrendo a quebra das macromoléculas, e consequentemente diminuindo o valor da Tg. O mesmo não é observado para a borracha comercial, que também é uma mistura, provavelmente devido ao seu tempo de estocagem, o que pode levar a um processo de envelhecimento e endurecimento da borracha[7] e consequentemente a um aumento da Tg.

A análise por termogravimetria foi realizada para avaliar a estabilidade térmica das borrachas. O comportamento térmico do material é um parâmetro importante para a determinação das etapas de formulação e processamento da borracha. A Figura 4 apresenta as curvas obtidas para as borrachas dos diferentes clones, para a mistura e para a borracha comercial. Observa-se que não ocorreu diferença significativa entre as amostras, indicando a limitação desta técnica na diferenciação das amostras selecionadas. Observa-se ainda que a temperatura inicial de decomposição é próxima a 300 ºC, sendo que até esta temperatura praticamente não ocorreu perda de massa em relação à massa inicial, e que em aproximadamente 380 ºC, em todos os casos, a massa inicial já está reduzida a cerca de 50%.


A Tabela 2 apresenta os resultados dos ensaios considerados como padrão para látex de borracha natural (viscosidade Mooney, plasticidade Wallace, índice de retenção de plasticidade, extrato acetônico, % de nitrogênio, e % de cinzas) para amostras de borracha de diferentes clones, para a mistura e para a borracha comercial.

A viscosidade Mooney (VR) é um parâmetro muito usado pelos países consumidores de borracha e pela indústria em geral. O valor da viscosidade Mooney varia com o tempo de estocagem, e com as condições de temperatura e umidade[7,8]. Para o processamento, uma borracha com alta viscosidade Mooney requer longos tempos de pré-mastigação ou a necessidade de incorporação de aditivos caros para tornar o material processável. Por outro lado, borrachas muito flexíveis, com baixa viscosidade Mooney, praticamente não requerem mastigação, mas não podem ser submetidas a determinadas condições de processamento[7,8].

A partir dos resultados obtidos para a viscosidade Mooney, verifica-se que os clones RRIM 600 e GT 1 apresentam os menores valores, e a borracha comercial e o clone IAN 873 os maiores. A VR varia de clone para clone devido a maior ou menor quantidade de constituintes não borrachosos presentes, que influenciam as características da borracha, como por exemplo na formação de ligações cruzadas. As borrachas naturais quando estocadas em condições de temperatura e umidade ambientes (25 ºC e 50%) tendem a aumentar a quantidade de ligações cruzadas levando a um aumento da VR. Segundo Burfield e Gan[21], que estudaram a presença de grupos epóxido e amino na borracha natural, outro fator que influencia no aumento da viscosidade e da plasticidade da borracha é a diminuição do número desses grupos com a estocagem, sendo estes provavelmente os motivos da borracha comercial apresentar o maior valor de VR (Tabela 2). Yip[22] estudou a viscosidade Mooney de 43 clones da Malásia e encontrou valores de viscosidade média entre 55-83 unidades para os clones denominados Classe I e entre 46-78 para os Classe II. Quando se comparam os valores obtidos para as borrachas da Malásia com os obtidos neste trabalho, observa-se que os clones RRIM 600, GT 1 e a mistura obtida dos 4 clones podem ser classificados como Classe I e que as borrachas dos clones IAN 873, PB 235 e a borracha comercial apresentam altos valores de viscosidade podendo ser classificadas como rígidas ou de classe II[8,22].

A plasticidade Wallace (P0) está ligada ao comprimento da cadeia de poliisopreno, sendo uma medida do estado de degradação da borracha[19,23-25]. Ela pode variar de clone para clone, e também entre as coletas. A norma ABNT estabelece 30 unidades como valor mínimo para esta propriedade, abaixo do qual a borracha é considerada muito flexível[7,13]. Segundo estudos realizados por Yip[22], os valores para a plasticidade dos clones da Malásia variam de 42-55 unidades.

Os resultados obtidos neste trabalho, Tabela 2, mostraram que o clone IAN 873 é o que deve possuir a estrutura de cadeias poliméricas maiores e/ou com maior intercruzamento, por possuir o maior valor médio da P0. Observa-se também que todas as amostras apresentaram valor de plasticidade acima do mínimo estabelecido na norma, e dentro de uma faixa comparável a dos clones da Malásia, que são normalmente utilizados como padrão internacional.

A medida do índice de retenção de plasticidade (PRI) é outra propriedade largamente usada pela indústria e avalia a estabilidade da borracha natural, sob condições controladas de calor e/ou oxidação[13]. Valores elevados de PRI indicam boas propriedades quanto ao envelhecimento, e ao aquecimento, o que leva a menor degradação termo-oxidativa. As especificações do SMR (Standard Malaysian Rubber)[26] e da norma brasileira[13] padronizam o valor de 60% como um mínimo necessário para todas as classes de borrachas. As variações do PRI nas borrachas dos clones estudados podem ser influenciadas pelas diferenças genéticas clonais e alterações nas condições climáticas que atuam diretamente na síntese dos constituintes não borrachosos do látex coletado[23]. Observa-se que com exceção da borracha comercial, todos os clones e a mistura apresentaram valores de PRI acima deste mínimo, indicando que a borracha comercial utilizada apresenta qualidade inferior em relação as amostras dos clones. Observa-se ainda que o clone RRIM 600 apresentou o maior valor, indicando que esta borracha apresenta uma maior resistência à degradação termo-oxidativa.

A plasticidade e viscosidade da borracha são propriedades de grande importância, já que influenciam o processamento e determina o teor dos diversos ingredientes que serão adicionados para vulcanizar e promover as propriedades desejadas no artigo a ser fabricado. As borrachas excessivamente rígidas, com elevados valores de plasticidade na escala Mooney ou Wallace, nem sempre são as preferidas, pois levam ao aumento de mão-de-obra, de tempo e energia durante o processamento[27]. Os lipídios associados à borracha podem atuar como plastificantes internos, sendo que, alto valor do extrato acetônico com consideráveis quantidades de lipídios pode induzir à baixos valores de P0 e VR[28]. Na borracha seca, a porcentagem de extrato acetônico pode variar de 2 a 5 %[29], sendo que a porcentagem máxima estabelecida pela norma brasileira é de 3,5%[13]. O extrato consiste dos constituintes não borrachosos, dos quais os lipídios são os principais componentes. Estes estão localizados ao redor das partículas de borracha no látex, tendo influência na estabilidade mecânica do látex e na estocagem em amônia. Uma composição típica de lipídios no látex de borracha natural consiste de 54% em lipídios neutros, 33% em glicolipídios e 14% em fosfolipídios[10,11,29]. Os lipídios neutros são extraídos em acetona e os lipídios polares (glico e fosfolipídios) são insolúveis nesse solvente. Esses lipídios neutros são compostos de mais de 14 substâncias incluindo os esteróis, ésteres de esteróis, mono, di e triglicerídeos, substâncias fenólicas, ésteres de ácidos graxos e ácidos graxos livres. Os ácidos graxos livres presentes no extrato acetônico da borracha natural consistem, principalmente, dos ácidos esteáricos, araquidônico, linoléico, oléico e palmítico que atuam como ativadores durante o processo de vulcanização por enxofre, portanto, valores de extrato acetônico fora dos limites de 2 a 5 % serão prejudiciais às propriedades da borracha vulcanizada. Ambos, o conteúdo e a composição dos lipídios, podem variar com as condições ambientais[10,11,29].

O clone PB 235 está nitidamente, em um patamar superior no valor de extrato acetônico em relação às demais amostras, tendo o maior valor médio, e a borracha comercial apresentou o menor valor médio, Tabela 2. Os resultados mostraram que o clone PB 235 além do maior valor de extrato acetônico, apresentou valores medianos para P0 e VR, provavelmente devido, a maior quantidade de lipídios que atuam como plastificantes internos[30]. Já as amostras de IAN 873 e da borracha comercial possuem os menores valores médios do extrato acetônico e os maiores valores da P0 e VR. Os demais clones e a mistura apresentaram valores de porcentagem de extrato acetônico dentro dos padrões da norma.

O conteúdo de nitrogênio expressa o excesso ou a deficiência de substâncias nitrogenadas que afetam as propriedades de resistência mecânica do produto obtido depois que a borracha é processada e vulcanizada. Se houver excesso de substâncias nitrogenadas a borracha apresentará depois de processada e vulcanizada, propriedades de resistência mecânica insatisfatórias[25,29]. A deficiência destas substâncias nitrogenadas é também indesejável, pois neste caso a borracha poderá também exibir propriedades dinâmicas insatisfatórias. As borrachas de boa qualidade devem exibir teores de nitrogênio entre 0,2 e 0,6%[2,13,26,28]. Dos resultados de % de nitrogênio observa-se que o clone RRIM 600 possui a maior % de N, ficando no limite superior exigido, e a borracha comercial no limite inferior. Observa-se ainda que os valores médios das outras amostras estão dentro da faixa estabelecida para uma borracha de boa qualidade.

O teor de cinzas reduz a borracha a somente os componentes inorgânicos não decompostos à temperatura de aproximadamente 550 ºC, enquanto todas as substâncias de natureza orgânica são destruídas nessa temperatura. O excesso de cinzas além de poder reduzir as propriedades dinâmicas do vulcanizado, pode influenciar negativamente as propriedades de envelhecimento[6]. A matéria orgânica decomposta no solo, contém quantidades variáveis de elementos minerais, como o N, P, Mg, Ca, S, e micronutrientes. Esta matéria orgânica, a medida que se decompõe, libera os nutrientes, tornando-se disponíveis às plantas, inclusive no látex produzido pela seringueira, o que pode ser avaliado pela medida do teor de cinzas. Os valores de porcentagens de cinzas encontrados na literatura estão na faixa de 0,1 a 0,9% e representam os constituintes inorgânicos presentes na borracha que dependem de fatores ambientais e genéticos, intrínsecos de cada clone[31]. A Tabela 2 mostra que os resultados do teor de cinzas obtidos para os clones foram menores do que os presentes na borracha comercial, provavelmente devido ao procedimento realizado na coleta e no processamento do látex dos diferentes clones, nos quais foi evitado o contato com impurezas como folhas, galhos, poeira, etc. Os resultados obtidos para as amostras estudadas não excederam o valor de 0,5% de cinzas que é valor máximo recomendado pelo SMR[26] e pela norma brasileira[13] para borrachas de boa qualidade.

Trabalhos publicados[6,7,32,33] têm demonstrado a existência de fatores condicionantes, físicos e biológicos que interferem na fenologia e na produtividade das seringueiras. Sob condições normais de solo, nutrição e de agentes patogênicos, a interação entre a idade das folhas, a área foliar e os fatores climáticos, resultam numa curva anual de eficiência no acúmulo de assimilados e consequentemente da produção de látex. Como as coletas realizadas para este trabalho foram realizadas no período de máxima produção do látex e em uma única estação experimental, as variações observadas nas propriedades das borrachas obtidas dos diferentes clones podem estar relacionadas mais diretamente ás características de cada clone do que aos fatores climáticos, de nutrição do solo, disponibilidade de recursos hídricos e agentes patogênicos[6,7,11].

Conclusões

Os resultados obtidos no estudo para a caracterização das borrachas cruas provenientes dos clones GT 1, IAN 873, PB 235 e RRIM 600, e da mistura destes clones indicaram que estas borrachas apresentam propriedades competitivas com as da borracha natural comercial presente no mercado, ficando dentro dos padrões de qualidade exigidos pela norma brasileira e pelo padrão internacional. Para uma aplicação industrial, a utilização de materiais a partir dos clones separados ou a confecção de misturas pode ser recomendada devido à qualidade da borracha e ao desempenho dinâmico mecânico e térmico apresentado pelas amostras. Observou também a que a utilização da borracha natural na forma de mistura de diferentes clones minimiza as variações das propriedades entres os diferentes clones, obtendo-se um material com melhor desempenho dinâmico mecânico e dentro da norma para os ensaios considerados padrão para borracha natural. Entre os clones estudados, o clone RRIM 600 foi o que apresentou o melhor desempenho, principalmente em relação à viscosidade Mooney e ao PRI.

Estes resultados poderão ser utilizados dentro do Programa de Melhoramento Genético, para serem aplicados pelos produtores e beneficiadores da agroindústria de látex e de borracha através da parceria Embrapa - IAC, auxiliando a recomendação de clones para o plantio em larga escala não só pelas propriedades agronômicas, mas, também, adicionando a esta seleção, as propriedades físico-químicas e tecnológicas da borracha, que são exigidas pela indústria.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq e à FAPESP pelo apoio financeiro.

Enviado: 23/01/06

Reenviado: 31/03/06

Aprovado: 04/04/06

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  • Autor para correspondência:
    Luiz Henrique C. Mattoso
    Embrapa Instrumentação Agropecuária
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      04 Abr 2006
    • Recebido
      23 Jan 2006
    • Revisado
      31 Mar 2006
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