1 Introdução
Nos últimos 25 anos, muitas pesquisas têm sido focalizadas na preparação de micro e nanopartículas de polímeros biodegradáveis para liberação controlada de fármacos. A administração do fármaco via tais sistemas é vantajosa porque as partículas podem ser ingeridas ou injetadas; serem adaptadas ao perfil de liberação desejado e, em alguns casos, até mesmo permitir a liberação em regiões específicas do organismo[1-3].
Para a utilização das esferas poliméricas como sistemas de liberação de fármacos com administração via oral, torna-se necessário que elas não dissolvam-se em meio ácido e que possuam boa resistência mecânica. Isto pode ser obtido através da reticulação que proporciona a formação de uma rede tridimensional. Os grupos funcionais -OH, -COOH e -NH2, na estrutura dos polissacarídeos, podem ser utilizados para a formação de ligações cruzadas entre suas cadeias. A reticulação consiste de interações iônicas ou covalentes entre os polímeros que permitem a expansão e absorção de grandes volumes de água. Normalmente, essa interação é feita pela inserção de moléculas bifuncionais de baixa massa molar ou íons, que promovem a formação de ligações cruzadas entre as cadeias de macromoléculas[4].
Este tipo de modificação pode ser realizado com agentes físicos, como o cálcio[5] e tripolifosfato[6,7] e agentes químicos, tais como: epicloridrina (EP)[8-10], glutaraldeído (GA)[11-15], N,N-metilenobisacrilamida[16], genipina (GP)[17,18], dentre outros.
A quitosana (QT) é um copolímero linear de β–(1-4) 2-acetamida-2-desoxi-β-D-glucopiranose e 2-amino-2-desoxi-β-D-glucopiranose[12]. Em meio ácido, os seus grupamentos amino livres são protonados (-NH3+), o que a torna solúvel. À medida que o pH se aproxima de 6,5, a tendência à precipitação aumenta devido ao aumento do número de grupamentos –NH2 na estrutura[12]. Devido à fácil disponibilidade dos grupos amino na quitosana ela pode interagir com as cargas negativas da superfície de vários polímeros, formando complexos polieletrolíticos. Particularmente, neste estudo foi utilizada a goma do cajueiro modificada por carboximetilação como poliânion, por ser um polissacarídeo extraído de fonte renovável e regional.
A goma do cajueiro (GC) é um heteropolissacarídeo constituído de galactose (72-73%), glucose (11-14%), arabinose (4,6%), ramnose (3-4%), ácido glucurônico (4-7%) e 5-8% de proteína[19,20]. Modificação de polissacarídeos, quer seja por reações químicas ou por interações físicas, é uma ferramenta muito útil e bastante utilizada para a sua funcionalização e, consequentemente, para a obtenção de novos materiais. Em trabalhos recentes a goma do cajueiro foi submetida a processos de modificação tais como: reações de carboximetilação, sulfatação e oxidação[21-25]. Seu potencial para aplicação como veículo liberação de fármacos na forma de gel foi avaliada utilizando pilocarpina como fármaco modelo[22]. Microesferas de goma do cajueiro carboximetilada e quitosana foram produzidas e apresentaram capacidade de liberação controlada de BSA em pH 7,4. Entretanto, essas esferas não poderiam ser utilizadas como sistemas para liberação de fármaco com administração oral, devido a sua solubilidade em pH do fluido gástrico (pH 1,2)[24].
O objetivo deste trabalho é verificar o efeito da modificação química nas propriedades físico-químicas de esferas de goma do cajueiro carboximetilada e quitosana para potencial aplicação como veículo para liberação de fármaco administrado de forma oral. Modificação química das esferas com agentes reticulantes como genipina (GP), glutaraldeído (GA) e epicloridrina (EP) e a reacetilação com anidrido acético (A) foram realizadas e as esferas investigadas quanto a sua resistência à dissolução em solução pH 1,2 e em relação ao efeito no intumescimento e no coeficiente de difusão.
2 Experimental
2.1 Materiais
A quitosana com grau de desacetilação de 82% (determinado por 1H RMN) e massa molar 4,6x105 g/mol foi adquirida de uma empresa local. O exsudato do cajueiro foi gentilmente cedido pela EMBRAPA, Fortaleza, Ceará e a GC foi isolada a partir do exsudato seguindo a metodologia desenvolvida anteriormente[20,26].
O glutaraldeído (25% em água) da Vetec e a epicloridrina da Sigma foram os agentes reticulantes comerciais utilizados na reticulação das esferas.
A genipina, utilizada como agente reticulante natural, foi extraída do jenipapo (Genipa americana L.) coletado em Pacatuba, Ceará. Para a extração, utilizou-se a metodologia descrita por Djarassi, Gray e Kincl[27].
2.2 Reação de carboximetilação da goma do cajueiro
A reação de carboximetilação foi realizada baseando-se no método de Silva e colaboradores[21]. A reação da GC com ácido monocloracético foi realizada em meio alcalino sob agitação por 3 h a 55 °C. Ao final, a solução foi neutralizada e dialisada contra água destilada com monitoramento da condutividade elétrica. A razão molar de goma/NaOH /AMC utilizada foi de 1:2:1 e o derivado obtido foi denominado GCCM.
O grau de substituição (GS) de GCCM foi determinado por titulação potenciométrica. O material foi eluído em coluna de troca iônica Amberlit IR-120H+ para acidificá-lo e então titulado com NaOH 0,1079 mol/L. O grau de substituição obtido foi de 0,35.
2.3 Preparação das esferas via complexação polieletrolítica
Para obtenção das esferas de QT e GCCM foi utilizado o método de coagulação[24,28,29]. A solução de QT 3% (m/v) foi preparada em ácido acético 1% (v/v), sob agitação, durante 24 h. Essa foi gotejada em uma solução de GCCM 1% (m/v) em NaOH 1 mol/L através de um sistema com seringa hipodérmica comercial acoplado a uma bomba dosadora peristáltica (Milan - modelo 202) para a formação das esferas. A razão mássica utilizada foi de 1:3 (m/m) de GCCM/QT. Ao final do gotejamento, a solução contendo as esferas foi mantida sob agitação lenta por 24 h. Após esse período, as esferas foram lavadas exaustivamente com água destilada e secas ao ar 25 °C. As esferas formadas foram denominadas E. Para obter uma melhor uniformidade e esfericidade das partículas, alguns parâmetros importantes, tais como diâmetro da agulha (0,8 mm), temperatura das soluções de QT e GCCM (T= 25 °C) e altura entre o gotejador e a cuba com a solução coagulante (25 cm), foram definidos empiricamente e fixados durante o processo de coagulação.
2.4 Modificação Químicas das esferas
As esferas (E) obtidas pela técnica de coagulação foram modificadas quimicamente através da reticulação com diferentes agentes reticulantes (glutaraldeído (GA), genipina (GP), epicloridrina (E)) e por reacetilação da quitosana, presente nas esferas, com anidrido acético (A).
Na reação com GA, as esferas ainda úmidas foram reticuladas em solução aquosa recém-preparada de GA nas concentrações 1%, 3% e 5%, sob agitação a 40 °C por 1 h. Em seguida, as esferas foram lavadas com água deionizada. As esferas obtidas foram secas a 25 °C. Os derivados obtidos foram denominados de ERGA1, ERGA3 e ERGA5 para as amostras reticuladas com glutaraldeído 1%, 3% e 5%, respectivamente.
A reticulação das esferas com GP foi realizada segundo metodologia proposta por Magalhães Jr e colaboradores[30], Barck e Butler[31] e Wei e colaboradores[32]. Para esta modificação química, as esferas ainda úmidas foram imersas em solução de GP 100 mmol/L em etanol 90%, sob agitação lenta por 24 h. Ao final deste período, as esferas foram lavadas exaustivamente com água deionizada e secas ao ar a 25 °C. As esferas obtidas foram denominadas ERGP.
No procedimento de reticulação com EP, a metodologia seguida com algumas alterações encontra-se em Maciel e colaboradores[9]. A solução de EP 0,01 mol/L foi preparada em NaOH 0,1 mol/L e as esferas úmidas foram imersas nessa solução sob agitação contínua por 2 h. Após duas horas de reação a 40 °C, as esferas foram lavadas exaustivamente com água deionizada e em seguida secas ao ar a 25 °C. As esferas obtidas foram denominadas EREP.
Na última rota, as esferas foram modificadas usando anidrido acético. As esferas úmidas foram imersas em anidrido acético, a 25 °C e agitação por 30 min. Após esse tempo, as esferas foram lavadas com água deionizada e secas ao ar a 25 °C. As esferas obtidas foram denominadas EA.
2.5 Tamanho das esferas
O diâmetro médio das esferas com e sem modificação química foi medido utilizando um micrômetro externo digital com uma média dos valores de 30 esferas escolhidas aleatoriamente.
2.6 Análise da estabilidade química das esferas modificadas quimicamente
O teste utilizado para verificar a estabilidade química das esferas modificadas foi baseado no procedimento descrito por Torres e colaboradores[33]. As esferas com e sem modificações foram mantidas sob lenta agitação, utilizando-se uma mesa agitadora, durante 48 h em solução pH 1,2. Sua solubilidade neste meio foi avaliada visualmente durante esse período em intervalos regulares de tempo. Os ensaios foram realizados em triplicata.
2.7 Ensaio de intumescimento
O estudo da cinética de intumescimento das esferas foi realizado utilizando microscópio óptico Olympus CH30. O diâmetro das esferas (medido na micrografia com mesma ampliação) foi determinado no intervalo de 5 min na primeira meia hora, 10 min na segunda meia hora e 20 min na segunda hora em solução com pH 1,2 e sequenciado em solução tampão pH 6,8 com mais 2 horas de ensaio de modo semelhante ao realizado em pH 1,2.
A taxa de intumescimento (T.I.) é dada por:
em que Dt é o diâmetro relativo em um determinado instante e Do é o diâmetro inicial.
2.8 Coeficiente de difusão
O coeficiente de difusão (Dv) de moléculas de água foi determinado seguindo a metodologia descrita por Rokhade e colaboradores[34] e Harogoppad e Aminabhavi[35]. Os autores mostraram que o Dv pode ser calculado verificando-se a variação de volume das esferas em função do tempo (
em que ΔV∞ representa a variação de volume no equilíbrio e D0 o diâmetro inicial. O coeficiente angular (c) do gráfico de
3 Resultados
Os diâmetros das esferas secas não reticuladas foram determinados utilizando micrômetro externo digital e obteve-se uma média de 1,05 ± 0,04 mm. Magalhães Júnior e colaboradores[24] produziram microesferas de goma do cajueiro carboximetilada e quitosana com tamanhos variando de 500 a 580 µm. Os valores bem menores obtidos pelos autores deve ser devido à utilização de um compressor de ar no sistema de preparação das amostras, diferentemente do utilizado neste trabalho (bomba peristáltica). No trabalho de Paula e colaboradores[36], as esferas de alginato dopadas com óleo essencial de Croton zenhtneri apresentaram um diâmetro médio que variou de 0,71 a 1,46 mm, para as faixas de concentração de alginato estudada, valor próximo ao obtido com as esferas obtidas neste estudo. Os valores de diâmetros das esferas modificadas quimicamente estão mostrados na Tabela 1.
Tabela 1 Diâmetro médio das esferas modificadas quimicamente com glutaraldeído (ERGA), epicloridrina (EREP), genipina (ERGP) e reacetiladas (EA).
Amostra | Diâmetro médio (mm) |
---|---|
ERGA1 | 0,97 ± 0,05 |
ERGA3 | 1,08 ± 0,05 |
ERGA5 | 0,97 ± 0,04 |
EREP | 0,77 ± 0,05 |
ERGP EA |
0,88 ± 0,04 0,82 ± 0,02 |
Valores similares de tamanho de partículas foram obtidos para as esferas reticuladas com GA em diferentes concentrações (variação não significativa). Resultados diferentes foram observados por Rokhade e colaboradores[34], visto que suas formulações de carboximetil celulose e gelatina apresentaram menores diâmetros com o aumento da quantidade do reticulante. Isto ocorre devido à formação de uma estrutura de rede mais rígida com a maior extensão da reticulação.
As esferas reticuladas com EP, GP e as reacetiladas (EA) apresentam valores menores que as reticuladas com GA e as esferas reticuladas com EP apresentaram o menor diâmetro entre os sistemas estudados, possivelmente devido a uma compactação maior da matriz após a reticulação.
Gonçalves e colaboradores[37] obtiveram diâmetros médios de 0,96 e 1,30 mm para as esferas de QT reticulada com epicloridrina e glutaraldeído, respectivamente. Os tamanhos médios das esferas são menores do que os obtidos na complexação polieletrolítica de QT com carboximetil glucomananas (goma konjac) (1,2-1,6 mm)[38]. Na complexação de ácido hialurônico com QT, Vasiliu e colaboradores[39] obtiveram esferas de diâmetro médio de 0,72 a 1,15 mm dependendo da metodologia de preparação.
3.1 Análise da estabilidade química das esferas modificadas quimicamente
As esferas sem reticulação (grupo controle), as modificadas com GA, GP, EP e as reacetiladas com anidrido acético foram deixadas sob lenta agitação em solução pH 1,2 por 24 h e sua solubilidade foi avaliada visualmente durante esse período. Os critérios analisados nessa avaliação foram: a manutenção do formato esférico e a solubilização.
Nos ensaios de estabilidade química, pode-se observar que o grupo controle solubilizou imediatamente em meio ácido e as esferas ERA e EREP não apresentaram boa estabilidade química frente à solução com pH 1,2, solubilizando completamente após 30 min e 6 h de contato com a solução ácida, respectivamente. Provavelmente a reacetilação dos grupos aminos da quitosana nas amostras ERA não foi completa o que proporcionou a solubilização em pH 1,2. No trabalho de Torres e colaboradores[33], as esferas modificadas com anidrido acético também dissolveram em meio ácido, variando apenas o tempo de dissolução. A densidade de reticulação com a epicloridrina deve ter sido baixa nas amostras EREP causando uma solubilidade após um certo intervalo de tempo.
As esferas ERGA1, ERGA3, ERGA5 e ERGP não apresentaram nenhum grau de solubilização em pH 1,2 durante 48 h de ensaio, mostrando excelente estabilidade química, sugerindo que as modificações químicas promovidas foram eficiente para elevar a estabilidade química desses biomateriais.
4 Ensaio de Intumescimento
Os ensaios de intumescimento em pH sequenciado para as esferas reticuladas com diferentes concentrações de glutaraldeído e com genipina (não solúveis em pH 1,2) são apresentados na Figura 1.

Figura 1 Gráfico de Dt/Do vs tempo de intumescimento das esferas ERGA1, ERGA3, ERGA5 e ERGP em pH seqüenciado 1,2 e 6,8.
A taxa de intumescimento das esferas diminuiu com o aumento da concentração da solução de GA. Esta diminuição deve-se ao aumento da densidade de reticulação com a formação de uma estrutura de rede mais rígida, na qual o tempo de relaxação da cadeia das macromoléculas e a difusão das moléculas do solvente são reduzidos. Microesferas de carboximetil celulose e gelatina reticuladas com GA apresentaram também o mesmo perfil no gráfico de Dt/D0 vs tempo de intumescimento[34].
As esferas estudadas intumescem mais nas primeiras duas horas de incubação em pH 1,2, especialmente para a ERGA1. Em meio ácido, os grupos amino (-NH2) da QT são facilmente protonados (pKa da QT~6,5)[40] e ocorre então uma repulsão eletrostática entre eles, promovendo a expansão da cadeia polimérica. Quando o pH foi mudado para 6,8, o tamanho das esferas foi reduzido, devido à desprotonação dos grupos ionizados (–NH3+) da QT e desidratação da cadeia nesse meio, ocorrendo uma diminuição do intumescimento. Isso sugere uma maior interação entre a QT e GCCM do que, por exemplo, entre GCCM e água. Esse comportamento é semelhante ao do CPE de quitosana e amido carboximetilado, relatado por Assaad e colaboradores[41] onde a mudança de pH provocou uma diminuição da capacidade de intumescimento.
As esferas reticuladas com genipina apresentaram um intumescimento maior que as esferas reticuladas com glutaraldeído 3 e 5% e uma resposta de intumescimento à variação do pH de 1,2 para 6,8 mais expressivo.
5 Coeficiente Difusional
Para caracterizar quantitativamente o ensaio de intumescimento, os coeficientes de difusão (Dv) para as diferentes esferas foram calculados utilizando as Equações 2 e 3 (Tabela 2).
Tabela 2 Coeficiente de difusão em pH 1,2 das esferas ERGA1, ERGA3, ERGA5 e ERGP.
AMOSTRAS | Dv (cm2/s) |
---|---|
ERGA1 | 2,66 × 10–6 |
ERGA3 | 1,05 × 10–6 |
ERGA5 | 5,48 × 10–7 |
ERGP | 3,10 × 10–7 |
O coeficiente de difusão é a taxa de fluxo do líquido que se move em direção à rede tridimensional polimérica. Os valores dos coeficientes de difusão diminuíram com o aumento da concentração do GA devido ao aumento das ligações cruzadas. As esferas ERGP apresentaram um valor de coeficiente difusional menor do que as esferas ERGA5.
Kulkarni e colaboradores[42] sintetizaram microcápsulas de goma gelana e albumina reticuladas com cloreto de cálcio e o estudo mostrou que os coeficientes de difusão variavam de 3,13 × 10–6 a 5,62 × 10–6 cm2/s, e também diminuía com o aumento da concentração do reticulante.
Paula e colaboradores[36] estudaram o desenvolvimento de esferas de alginato e GC dopadas com óleo essencial de Croton zenhtneri (Cz), com atividade larvicida. As esferas de alginato dopadas e não dopadas com Cz apresentaram um Dv de 0,71 × 10–10 m2/s e 6,7 × 10–10 m2/s, respectivamente. Já as esferas revestidas com GC não-dopadas e dopadas com Cz apresentam valores mais elevados de Dv, respectivamente de 18 × 10–10 e 50 × 10–10 m2/s, se comparadas com às não revestidas. Os autores concluíram que o revestimento de GC podia interferir no mecanismo de formação do “egg-box” do alginato, levando a uma matriz com menor densidade de reticulação, e conseqüentemente, maior difusividade e capacidade de intumescimento.
5.1 Caracterização das esferas resistentes a pH ácido
As esferas reticuladas com glutaraldeído e genipina foram caracterizadas por espectroscopia de FTIR, por análise termogravimétrica (TGA) e por microscopia eletrônica de varredura (MEV).
5.2 Espectroscopia de absorção na região do infravermelho
A Figura 2 mostra os espectros de FTIR para as esferas reticuladas ERGP, ERGA1, ERGA3 e ERGA5 e os espectros de QT e de GCCM.
O espectro da QT apresenta bandas de absorção características de quitosana em 1653 e 1586 cm–1, atribuídas a vibrações de estiramento -CONH2, e duas bandas a 2926 e 2879 cm–1, devido ao estiramento C-H. As bandas em aproximadamente 1420 e 1377 cm-1 foram atribuídas à deformação angular simétrica C-H de grupos metilênicos[41,43].
O espectro da GCCM mostra bandas características de polissacarídeos, como às que estão em 3500-3000 cm–1 (estiramento OH), 2935 - 2930 cm-1 (estiramento simétrico e assimétrico de CH2) e 1640 cm–1, devido à vibração de O-H de moléculas de água adsorvida e de estiramento da ligação C-O do grupo carboxilato (-COO-). As bandas em torno de 1150-1030 cm–1 são atribuídas à vibração de deformação de C-O-C da ligação glicosídica, C-O de álcool primário e estiramento de O-H de álcool primário e secundário. A carboximetilação da goma do cajueiro foi confirmada pela presença da vibração de estiramento de C=O do grupo carboximetil em 1735 cm–1.
As esferas apresentam espectros com bandas similares a ambos os polissacarídeos, confirmando a formação do complexo. A semelhança entre os espectros de FTIR dos complexos polieletrolíticos formados a partir de polissacarídeos aniônicos e quitosana e os espectros dos seus materiais de partida foi relatada em outros estudos[22,24,41,44]. Ombros em torno de 1730 e 1540 cm–1 poderiam ser atribuídos, respectivamente, a grupos -COOH e -NH3+.
Os espectros das esferas reticuladas com GA são bastante semelhantes entre si. Em 1654 cm–1, pode-se observar um aumento significativo da intensidade da banda característica da ligação N=C da imina formada através da ligação das aminas alifáticas com moléculas de glutaraldeído. Um ombro em torno de 1560 cm–1 está associado à ligação etilênica C=C[33]. Após a reticulação das esferas ERGP, a absorbância da banda em 1654 cm–1 aumenta, assim como àquela da banda em 1558 cm–1. Isto sugere o aumento de grupos amida, evidenciando a reação de reticulação.
5.3 Análise termogravimétrica
Os parâmetros termogravimétricos das esferas reticuladas com glutaraldeído e genipina são mostrados na Tabela 3.
Tabela 3 Parâmetros obtidos do TGA para as esferas ERGA1, ERGA3, ERGA5 e ERGP em atmosfera de ar sintético.
Amostras | Tmax nos eventos (°C) | Resíduo em 900 °C (%) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
I | II | III | IV | |||||
ERGA1 | 47 | 264 | 427 | 520 | 1,58 | |||
ERGA3 | 46 | 265 | 430 | 514 | 1,59 | |||
ERGA5 | 45 | 267 | 411 | 521 | 1,44 | |||
ERGP | 48 | 257 | 426 | 505 | 0,86 |
A porcentagem de perda de massa, associada à perda de água para todas as amostras, apresentou comportamento similar, com quatro eventos distintos. O primeiro referente à perda de água residual das esferas, e os demais, referentes à degradação termoxidativa das esferas. As temperaturas máximas de degradação das esferas de cada evento são relativamente próximas entre si. O resíduo final em 900 °C variou entre 1,59 e 0,86%. As amostras reticuladas com GA apresentaram um percentual de resíduo superior ao da amostra reticulada com GP provavelmente devido à formação de uma rede tridimensional mais estável e densa que dificulta a degradação.
5.4 Caracterização das esferas por microscopia eletrônica de varredura
A morfologia da superfície das esferas ERGA1, ERGA3, ERGA5 e ERGP após a secagem foi analisada por MEV (Figuras 3-4). A superficie dos complexos apresenta-se homogênea, indicando uma distribuição uniforme e uma boa compatibilidade entre GCCM e QT.

Figura 3 Fotomicrografias eletrônicas das esferas: (a) ERGA1, ampliação 50X (c) ERGA3 e (e) ERGA5, ampliação 70X, (b) detalhe da superfície de ERGA1, (d) detalhe da superfície de ERGA3 e (f) detalhe da superfície de ERGA5, ampliação 1000X.

Figura 4 Fotomicrografias eletrônicas das esferas: (a) ERGP, ampliação 70X, (b) detalhe da superfície de ERGP, ampliação 1000X.
As micrografias revelaram que as esferas ERGA5 possuem superfícies com mais rugosidade (Figura 3f) do que às das outras esferas (Figuras 3b, d e 4b). Rokhade e colaboradores[34] também observaram superfícies rugosas em esferas de gelatina e carboximetilcelulose reticuladas com glutaraldeído. Contrariamente, micropartículas de alginato/quitosana reticuladas com genipina não apresentaram mudanças na morfologia das cápsulas[45].
Algumas esferas mostraram formato irregular e uma superfície com baixa rugosidade, com a presença de poros de diferentes tamanhos distribuídos aleatoriamente e até mesmo de rachaduras ao longo da superfície, provavelmente provocadas pelo processo de secagem para obtenção do MEV. Tais alterações morfológicas são comuns, como relatado por Halder e colaboradores[46] para esferas de alginato.
6 Conclusão
Esferas modificadas quimicamente foram produzidas e caracterizadas. As esferas de goma do cajueiro carboximetilada e quitosana, modificadas pela reacetilação de quitosana ou por reticulação com epicloridrina não apresentaram estabilidade em pH 1,2. Entretanto, a reticulação com glutaraldeído e com genipina aumentou a resistência à dissolução e baixos valores de coeficiente de difusão. As esferas reticuladas com genipina apresentaram, além da resistência química, uma maior variação de intumescimento com o pH que as esferas reticuladas com glutaraldeído 3% e 5% (m/v), indicando potencial para uso como sistema de liberação de fármaco responsivo a mudança de pH e possibilidade de administração do fármaco via oral.