1 Introdução
O polietileno de baixa densidade (PEBD) é um polímero parcialmente cristalino (50-60%), cuja temperatura de fusão está na região de 110 a 115 °C, com uma combinação única de propriedades: tenacidade, alta resistência ao impacto, alta flexibilidade, boa processabilidade, estabilidade e propriedades elétricas notáveis[1]. Devido essas propriedades o PEBD é uma das resinas termoplásticas mais consumidas no Brasil. Segundo a ABIPLAST[2] seu consumo foi cerca de 14,5% do total de plásticos consumidos no Brasil em 2011.
Devido ao rápido crescimento da demanda de produtos plásticos, impulsionado pela diversidade de propriedades e aplicações, nos últimos anos as atenções estão voltadas para os resíduos plásticos gerados pós-consumo, visto que a maioria dos plásticos não são biodegradáveis e na maioria dos casos têm um baixo tempo de uso, contribuindo significativamente para o problema da gestão de resíduos urbanos.
Para evitar a poluição ambiental, os resíduos plásticos em particular o PEBD devem ser reciclados e recuperados. Muitos estudos têm sido realizados quanto à reciclagem terciária de resíduos plásticos através de pirólise térmica e termocatalítica. Esse processo é considerado uma alternativa promissora para a conversão de resíduos plásticos em produtos químicos de baixo peso molecular, que podem ser utilizados como matérias-primas para a indústria química e petroquímica.
De acordo com a literatura, o uso de catalisadores na pirólise apresenta algumas vantagens em relação a processos térmicos, como menor consumo de energia, tempo de reação mais curto e uma boa seletividade para produtos de maior valor comercial[3]. Vários tipos de catalisadores utilizados na pirólise de poliolefinas têm sido estudados: ZSM-5[4], H-ZSM-5[5], MCM-41[6], H-AL-MCM-41[7], SAPO[8,9], como também trabalhos que utilizam argilas, como Lama vermelha[10] e Caulim[3].
O baixo custo, alta resistência térmica, além da estrutura que possibilita a criação de poros e aumento da área superficial após tratamentos, como calcinação e lixiviação ácida, tornam as argilas materiais alternativos para a catálise[11]. A lixiviação ácida promove o aumento de acidez, necessária para o uso em pirólise; o controle das condições de tratamento ácido (concentração do ácido, temperatura, tempo, razão ácido/argila) é fator determinante para as propriedades, tais como acidez, área superficial, porosidade e atividade catalítica, dos materiais resultantes[12-16]. De acordo com Stefanis[11], as argilas atuam na pirólise promovendo a quebra das ligações poliméricas, através dos seus sítios ácidos superficiais de Brönsted e Lewis.
A argila vermiculita possui propriedades importantes para catalisadores como alta resistência térmica e grande potencial para formação de sítios ácidos do tipo Brönsted, devido ao seu alto número de substituições tetraédricas[17-20]. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a seletividade dos materiais obtidos por lixiviação seletiva da argila vermiculita frente à pirólise termocatalítica do PEBD, sendo os produtos principais hidrocarbonetos leves de maior valor de mercado.
2 Materiais e Métodos
2.1 Lixiviação ácida da argila vermiculita
Utilizou-se a argila vermiculita proveniente da região de Santa Luzia (PB), Brasil. Inicialmente, fez-se uma limpeza na argila com água destilada, e depois à mesma adicionou-se 10 mL de solução de HNO3 a 2, 3 e 4 mol.L–1 por grama de argila e, manteve-se sob agitação a 90 °C por 4h. Em seguida, a mistura foi decantada e o sólido obtido foi lavado com água destilada. O sólido foi filtrado e seco a 80 °C por 24h. A nomenclatura utilizada para os sólidos obtidos foi V0 para vermiculita de partida e Vx para vermiculita tratada com ácido, sendo x referente à concentração ácida utilizada no tratamento. Realizou-se a calcinação dos materiais a 400 °C, com taxa de aquecimento de 10 °C.min–1, por 4h, em atmosfera ambiente.
2.2 Caracterizações
As análises de difração de raios X (DRX) foram realizadas em um equipamento modelo Mini Flex II da RIGAKU, utilizando radiações de CuKα, com abertura da fenda de 0,15°, passo de 0,02°, na faixa 2θ entre 2-70°. Analisou-se os resultados utilizando o programa PCPDFWIN 2003. As análises termogravimétrica foram realizadas em um equipamento modelo Q600 TG/DSC da TA Instruments, usando, aproximadamente, 8 mg de amostra, aquecimento de 30 à 900 °C, taxa de 10 °C.min–1, fluxo de N2 de 50 mL.min–1, em um cadinho de alumina de 90 μL. Para as análises de adsorção/dessorção de nitrogênio foi utilizado um equipamento modelo Nova 1200e, da QuantaChrome Instruments; o material foi pré-tratado a 300 °C por 3 h sob vácuo e a adsorção de nitrogênio foi realizada a –196 °C, com o uso de nitrogênio líquido, numa faixa de pressão parcial entre 0,01-0,95. A lixiviação seletiva das amostras foi acompanhada por espectroscopia de energia dispersiva (EDS), em um microscópio eletrônico de varredura modelo 1430, da marca Leo, equipado com espectrômetro de energia dispersiva.
2.3 Determinação da acidez
O procedimento foi realizado utilizando cerca de 100 mg dos materiais. As amostras foram adicionadas em um sistema cotendo um forno, com controle da temperatura, onde foram aquecidas até 400 °C por 2 h sob fluxo de N2 (100 mL.min–1); em seguida, a temperatura foi reduzida a 95 °C, e as amostras foram deixadas sob vapor de n-butilamina, conduzido por fluxo de N2 por 1 h (fluxo de nitrogênio controlado, de modo que a n-butilamina fosse borbulhada); depois, o fluxo de n-butilamina foi cessado e as amostras ficaram 1 h sob fluxo de N2 (100 mL.min–1), sendo, em seguida, esfriadas até a temperatura ambiente. Cerca de 8 mg dos materiais obtidos foram analisados em um equipamento Q600 TG/DSC da TA Instruments, em cadinho de alumina de 90 μL, sendo aquecidos até 900 °C, taxa de 10 °C.min–1 e fluxo de N2 de 50 mL.min–1. Tal técnica permite, através da interação da amina com o material, determinar a força dos seus sítios ácidos, baseando-se na temperatura em que ocorrem as perdas de massa, visto que quanto mais elevada a temperatura da perda, maior é a interação da amina com o sítio ácido, e consequentemente, maior é a acidez do material[13,16,21].
2.4 Processo de pirólise do PEBD
A pirólise térmica e catalítica do PEBD foi realizada em um pirolisador modelo PY-2020iS Control da Frontier LAB, acoplado a um GC/MS modelo QP 2010 da Shimadzu. Foi utilizado um cadinho de aço inoxidável, de 50 μL, em atmosfera de gás hélio de 3 mL.min–1, a 500 °C. A identificação dos produtos da pirólise foi feita com o banco de dados da biblioteca NIST (National Institute of Standards of Technology) do software acoplado ao sistema de análise GC/MS.
3 Resultados e Discussão
3.1 Caracterização dos catalisadores
Através dos resultados de DRX, observou-se que a vermiculita perde sua cristalinidade gradualmente, à medida que a concentração ácida empregada foi sendo elevada, tanto que os materiais V3 e V4 apresentam caráter essencialmente amorfo, ver Figura 1. Essa amorfização dos materiais é decorrente da destruição da estrutura da argila pela lixiviação dos metais do esqueleto inorgânico. Para as amostras V0 e V2 observa-se um deslocamento da reflexão 001(*) para valores maiores de 2θ, reflexão característica do empilhamento das lamelas da argila, sendo o deslocamento atribuído à diminuição do espaçamento basal causada pela saída de água durante a calcinação. A lixiviação dos metais constituintes do esqueleto inorgânico da argila foi confirmada pela análise química apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 Características das amostras de vermiculita, antes e após o tratamento ácido.
Amostras | SBET (m2g–1) | Acidez (mmol.g–1) |
Composição Química Parcial (%) |
|||
---|---|---|---|---|---|---|
Fraca | Média | SiO2 | Al2O3 | Fe2O3 | ||
V0 | 16 | 0 | 0.264 | 44.62 | 9.18 | 5.46 |
V2 | 339 | 0.680 | 0.220 | 55.80 | 5.01 | 4.04 |
V3 | 673 | 1.050 | 0.230 | 58.80 | 0.88 | 1.37 |
V4 | 575 | 0.580 | 0.190 | 61.30 | 0.62 | 0.79 |
Na Tabela 1 observa-se que a lixiviação é acompanhada pelo o aumento da área específica (SBET) até o sólido V3, entretanto, no tratamento a 4 mol.L–1 (V4), houve um decréscimo da valor de SBET, que é atribuído a fusão dos microporos formando mesoporos, diminuindo assim a área específica; tem-se também uma diminuição nos valores de acidez média com o tratamento ácido, o que é esperado pela retirada dos sítios de Al3+ e Fe3+, acidez de Lewis[22], e o aumento nos valores de acidez fraca é concordante com o aumento percentual de SiO2 dos materiais, e conseqüente aumento dos grupos silanóis (SiOH), principais responsáveis pela acidez fraca[23]; outra fonte de sítios de Brönsted são os prótons (H+), que substituem os cátions interlamelares das argilas, devido a lixiviação[24].
3.2 Pirólise catalítica do PEBD
O cromatograma da pirólise térmica realizada com o PEBD é apresentado na Figura 2, destacando-se a maior obtenção em produtos de cadeia carbônica longas, ou seja, hidrocarbonetos pesados. O resultado da pirólise termocatalítica do PEBD é apresentado na Figura 3, onde se percebe claramente que produtos mais leves são favorecidos pela presença dos catalisadores V0 e V2, enquanto os materiais V3 e V4 não foram satisfatórios para a conversão.

Figura 3 Cromatograma da pirólise termocatalítica do PEBD com os catalisadores V0 (a), V2(b), V3(c) e V4(d).
Através da quantificação dos picos presentes nos cromatogramas listada na Tabela 2, o sólido V2 apresentou uma seletividade 10% maior para a formação de produtos leves com cadeias com menos de dezesseis carbonos (C<16) em relação ao sólido V0 e esse comportamento é atribuído à maior área específica deste sólido, mais de 20 vezes superior, que significa maior área disponível para a ocorrência de quebras das ligações das cadeias poliméricas; no entanto, o mesmo não é observado para o sólido V3, que possui aproximadamente o dobro da área específica do sólido V2. Esses resultados indicam que a seletividade dos materiais se deve a uma relação de idealidade entre as propriedades texturais, com as propriedades químicas da superfície da argila.
Tabela 2 Faixas de distribuição dos produtos da reação de pirólise térmica e termocatalítica do PEBD.
Pirólise | Produto (%) | ||||
---|---|---|---|---|---|
ΣC2-C16 | C2-C4 | C5-C10 | C11-C16 | C16> | |
PEBD | 25.8 | 1.7 | 13.0 | 11.1 | 74.2 |
PEBD+V0 | 62.2 | 5.5 | 42.0 | 14.7 | 37.8 |
PEBD+V2 | 71.4 | 20.0 | 41.2 | 10.2 | 28.6 |
PEBD+V3 | 30.7 | 8.5 | 15.0 | 7.2 | 69,3 |
PEBD+V4 | 28.0 | 1.2 | 15.7 | 11.1 | 72.0 |
A aplicação de uma concentração muito elevada de ácido diminuiu muito o percentual de alumínio de V3 e V4, sendo uma desvantagem para a atividade catalítica na pirólise do PEBD, mesmo havendo um pronunciado aumento na área específica. Segundo Okada et al.12, há uma relação ideal entre o percentual de alumínio, responsável pela acidez de Brönsted, e as condições da lixiviação ácida realizada, que é usada para promover um aumento na área específica. Entretanto, essa relação é altamente dependente do material de partida, visto que a constituição da argila é dependente do seu local de origem.
Através da distribuição dos produtos da pirólise por faixas de número de carbono na cadeia, Tabela 2, observa-se que o catalisador V2 promove uma maior conversão em produtos na faixa de carbonos de C2-C16, que compreende o GLP (C2-C4), gasolina (C5-C10) e destilados médios (C11-C16), evidenciando assim a maior atividade catalítica desse material, entre todos os estudados. Ao comparar os resultados de V2 e V0, observa-se que o V0 teve uma maior seletividade na faixa da gasolina e dos destilados médios, porém sua conversão total na faixa C2-C16 foi inferior à de V2, comportamento atribuído ao maior percentual de alumínio em sua estrutura, visto que à medida que íons Al3+ são lixiviados, há aumento da acidez de Lewis, responsável por quebras das ligações C-C e C-H do PEBD[22]. Em relação à pirólise do PEBD na presença dos catalisadores V3 e V4, os sólidos não apresentam atividade catalítica satisfatória para obtenção de hidrocarbonetos leves, pois ao comparar os produtos da pirólise térmica, não há alteração significativa no percentual de produtos leves formados.
A fim de verificar o efeito de um material intermediário entre V0 e V2, a pirólise foi realizada com o material V1, Figura 4. Como pode ser visto, o material possibilitou o aumento de produtos leves, em relação à pirólise sem catalisador, porém, foi menos eficiente que V2. Os percentuais de faixas de átomos de carbono (C2-C4 = 16,8; C5-C10 = 35,5; C11-C16 = 8,0 e C>16 = 39,7), mostraram que V2 foi mais eficiente nas três faixas de produtos leves, indicando a necessidade de uma relação ideal entre área superficial e percentual de alumínio, apresentada por V2.
Um diferencial que torna o material V2 mais eficiente frente ao V0 é em respeito à formação de produtos na faixa de C2-C4. O gás liquefeito de petróleo (GLP) é de grande importância para toda a população mundial, do ponto de vista econômico e por ter a vantagem de ser uma fonte de energia limpa. Essa grande importância se traduz no consumo, no Brasil, de cerca de 10 mil m3 no ano de 2011[25].
4 Conclusões
A lixiviação ácida causou a diminuição dos percentuais de metais presentes na estrutura da vermiculita, originando sílicas porosas, com grande aumento de área específica. A utilização de concentrações ácidas muito elevadas causa a destruição da estrutura dos materiais, resultando em sólidos amorfos, e diminui drasticamente o percentual de metais presentes, diminuindo a atividade catalítica. Os resultados demonstram que a atividade dos catalisadores e a distribuição dos produtos são dependentes do grau de lixiviação que a argila é submetida. O material V2 resultou na maior conversão em produtos leves, tendo então a maior eficiência catalítica para a pirólise do PEBD. Por outro lado, V3 e V4 não tiveram atividade catalítica satisfatória, pois as conversões obtidas foram próximas aos resultados da pirólise do PEBD ausente de catalisador. Além disso, o material obtido com concentração ácida de 1 mol.L-1 (V1) foi menos eficiente que V2, indicando ser o que apresenta melhor relação área superficial e conteúdo de alumínio. Em suma, o uso de catalisadores oriundos da argila vermiculita na pirólise termocatalítica é uma opção atraente para a reciclagem do PEBD, tendo em vista a obtenção de percentuais significativos de hidrocarbonetos leves, que podem ser utilizados pela indústria química e petroquímica, sendo este catalisador um material de baixo custo.