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O fenômeno das explicações: aspectos da realidade portuguesa e do contexto global

Private tutoring in Portugal: elements for the characterization of the phenomenon

Las clases particulares en Portugal: elementos para la caracterización del fenômeno

Resumos

As explicações (private tutoring), como fenômeno que ocorre geralmente fora da escola, podem ser interpretadas sob múltiplos pontos de vista: como instrumento pedagógico a serviço dos alunos que já experimentaram ou perspectivam vir a experimentar insucesso escolar; como adjuvante das famílias na conquista das melhores posições para disputar o selectivo processo de ingresso no ensino superior; como expressão do mercado educativo, em que as famílias exercem liberdade de escolha; como fenômeno que pode induzir formas de pressão externa sobre a escola, nomeadamente quando pode ser identificado pelos "consumidores" (famílias) como sintoma da reduzida qualidade e eficácia das escolas; ou, pelo contrário, como aliado das escolas na obtenção dos melhores resultados nos exames tendo em vista a melhoria do posicionamento respectivo no chamado ranking das escolas. Seja qual for a perspectiva adoptada, parece-nos essencial conhecer os contornos do fenômeno, quer em Portugal, quer noutros contextos nacionais. Na sequência de uma investigação acerca da temática das explicações iniciada em 2001, que conta já com cinco anos sucessivos de recolhas de informação, realizada através de inquérito por questionário dirigido a todos os alunos do 12º ano (último ano do ensino secundário português, o ano escolar que precede o acesso ao ensino superior) de quatro escolas secundárias de uma cidade do litoral português a que chamamos Cidade Aquarela, apresentamos neste artigo alguns dos dados relativos ao ano lectivo de 2005/2006.

Explicações/aulas particulares; Sucesso escolar; Equidade; Mercado da educação


Private tutoring, as a phenomenon that occurs mainly outside of school, can be interpreted through several points of view: as a pedagogical instrument for pupils who have already experienced or think they will experience school failure; as something that helps families in "conquering" the best positions to compete in the selective process to enter a university; as an expression of the education market, in which families exercise their freedom of choice; as a phenomenon that can put external pressure on schools, namely when it is identified by its "consumers" (families) as a symptom of the reduced quality and efficiency of schools; or, on the other hand, as an ally of schools in securing better exam results, having in view the improvement of their position in the so-called school ranking. The perspective adopted notwithstanding, it seems essential to us to further explore the contours of this phenomenon, in Portugal, and in other national contexts. As a follow-up to the research on private tutoring began in 2001, which now has five consecutive years of information gatherings, carried out through a questionnaire aimed at 12th year pupils (last year of Portuguese secondary education, the school year preceding higher education entry) of four secondary schools of a city located in the Portuguese coast, which we call Aquarela City, we present here some data concerning the 2005/2006 school year.

Private tutoring; Academic success; Equity; Education market


Las clases particulares (private tutoring), como fenômeno que ocurre principalmente fuera de la escuela, se pueden interpretar a través de varios puntos de vista: como instrumento pedagógico para los alumnos que han experimentado o piensan que experimentarán fracaso escolar; como algo que ayuda a las familias en la "conquista" de las mejores posiciones para competir en el proceso selectivo para entrar en una universidad; como una expresión del mercado de la educación, en que las familias ejercen libertad de opción; como un fenômeno que puede traer una presión externa sobre las escuelas, por ejemplo, cuando es identificado por sus "consumidores" (familias) como un síntoma de reducida calidad y eficacia de las escuelas; o, por otra parte, como un aliado de las escuelas para asegurar mejores resultados en los exámenes, teniendo como objetivo la mejora de su posición en el llamado ranking de escuelas. Independientemente de la perspectiva adoptada, parece esencial para nosotros explorar más profundadamente los contornos de este fenômeno, en Portugal, y en otros contextos nacionales. Como seguimiento a una investigación sobre las clases particulares empezada en 2001, que ahora tiene cinco años consecutivos de recojas de datos, realizada a través de un cuestionario dirigido a alumnos del último año de la educación secundaria portuguesa (el año que precede la entrada en la educación superior) de cuatro escuelas secundarias de una ciudad situada en la costa portuguesa, que llamamos Ciudad Aquarela, presentamos aquí algunas informaciones referentes al año escolar de 2005/2006.

Clases particulares; Éxito académico; Equidad; Mercado de la educación


O fenômeno das explicações: aspectos da realidade portuguesa e do contexto global* 1 É de referir não só o aparecimento de novas empresas, algumas de expressão quase "familiar", passando pelo negócio do franchising que tem em Portugal uma face cada vez mais evidente, mas também o desenvolvimento de uma configuração multinacional já presente em muitos países e que agora começa a instalar-se também em Portugal (Neto-Mendes; Costa; Ventura; Azevedo, 2007).

Private tutoring in Portugal: elements for the characterization of the phenomenon

Las clases particulares en Portugal: elementos para la caracterización del fenômeno

Jorge Adelino CostaI; Antônio Neto-MendesII; Alexandre VenturaIII; Sara AzevedoIV

IDoutor em Ciências da Educação; Professor da Universidade de Aveiro, PT. E-mail: jcosta@ua.pt

IIDoutor em Ciências da Educação; Professor da Universidade de Aveiro, PT. E-mail: amendes@ua.pt

IIIDoutor em Ciências da Educação; Professor da Universidade de Aveiro, PT. E-mail: alexandre.ventura@ua.pt

IVDoutoranda em Ciências da Educação, Universidade de Aveiro, PT. E-mail: saramazevedo@ua.pt

RESUMO

As explicações (private tutoring), como fenômeno que ocorre geralmente fora da escola, podem ser interpretadas sob múltiplos pontos de vista: como instrumento pedagógico a serviço dos alunos que já experimentaram ou perspectivam vir a experimentar insucesso escolar; como adjuvante das famílias na conquista das melhores posições para disputar o selectivo processo de ingresso no ensino superior; como expressão do mercado educativo, em que as famílias exercem liberdade de escolha; como fenômeno que pode induzir formas de pressão externa sobre a escola, nomeadamente quando pode ser identificado pelos "consumidores" (famílias) como sintoma da reduzida qualidade e eficácia das escolas; ou, pelo contrário, como aliado das escolas na obtenção dos melhores resultados nos exames tendo em vista a melhoria do posicionamento respectivo no chamado ranking das escolas. Seja qual for a perspectiva adoptada, parece-nos essencial conhecer os contornos do fenômeno, quer em Portugal, quer noutros contextos nacionais.

Na sequência de uma investigação acerca da temática das explicações iniciada em 2001, que conta já com cinco anos sucessivos de recolhas de informação, realizada através de inquérito por questionário dirigido a todos os alunos do 12º ano (último ano do ensino secundário português, o ano escolar que precede o acesso ao ensino superior) de quatro escolas secundárias de uma cidade do litoral português a que chamamos Cidade Aquarela, apresentamos neste artigo alguns dos dados relativos ao ano lectivo de 2005/2006.

Palavras-chave: Explicações/aulas particulares. Sucesso escolar. Equidade. Mercado da educação.

ABSTRACT

Private tutoring, as a phenomenon that occurs mainly outside of school, can be interpreted through several points of view: as a pedagogical instrument for pupils who have already experienced or think they will experience school failure; as something that helps families in "conquering" the best positions to compete in the selective process to enter a university; as an expression of the education market, in which families exercise their freedom of choice; as a phenomenon that can put external pressure on schools, namely when it is identified by its "consumers" (families) as a symptom of the reduced quality and efficiency of schools; or, on the other hand, as an ally of schools in securing better exam results, having in view the improvement of their position in the so-called school ranking. The perspective adopted notwithstanding, it seems essential to us to further explore the contours of this phenomenon, in Portugal, and in other national contexts.

As a follow-up to the research on private tutoring began in 2001, which now has five consecutive years of information gatherings, carried out through a questionnaire aimed at 12th year pupils (last year of Portuguese secondary education, the school year preceding higher education entry) of four secondary schools of a city located in the Portuguese coast, which we call Aquarela City, we present here some data concerning the 2005/2006 school year.

Keywords: Private tutoring. Academic success. Equity. Education market.

RESUMEN

Las clases particulares (private tutoring), como fenômeno que ocurre principalmente fuera de la escuela, se pueden interpretar a través de varios puntos de vista: como instrumento pedagógico para los alumnos que han experimentado o piensan que experimentarán fracaso escolar; como algo que ayuda a las familias en la "conquista" de las mejores posiciones para competir en el proceso selectivo para entrar en una universidad; como una expresión del mercado de la educación, en que las familias ejercen libertad de opción; como un fenômeno que puede traer una presión externa sobre las escuelas, por ejemplo, cuando es identificado por sus "consumidores" (familias) como un síntoma de reducida calidad y eficacia de las escuelas; o, por otra parte, como un aliado de las escuelas para asegurar mejores resultados en los exámenes, teniendo como objetivo la mejora de su posición en el llamado ranking de escuelas. Independientemente de la perspectiva adoptada, parece esencial para nosotros explorar más profundadamente los contornos de este fenômeno, en Portugal, y en otros contextos nacionales.

Como seguimiento a una investigación sobre las clases particulares empezada en 2001, que ahora tiene cinco años consecutivos de recojas de datos, realizada a través de un cuestionario dirigido a alumnos del último año de la educación secundaria portuguesa (el año que precede la entrada en la educación superior) de cuatro escuelas secundarias de una ciudad situada en la costa portuguesa, que llamamos Ciudad Aquarela, presentamos aquí algunas informaciones referentes al año escolar de 2005/2006.

Palabras clave: Clases particulares. Éxito académico. Equidad. Mercado de la educación.

Introdução

Entendemos as explicações, na esteira de Bray e Kwok (2003, p. 612), como o apoio em disciplinas académicas assegurado por indivíduos que são remunerados por este serviço que é suplementar ao que é leccionado na escola. Em Portugal, as explicações têm-se tornado um recurso frequente, sendo cada vez maior o número de alunos que recorrem aos prestadores deste serviço educativo, constituindo uma realidade visível quer pelo número crescente de anúncios afixados em estabelecimentos comerciais e noutros locais públicos, quer pelo número de empresas1 1 É de referir não só o aparecimento de novas empresas, algumas de expressão quase "familiar", passando pelo negócio do franchising que tem em Portugal uma face cada vez mais evidente, mas também o desenvolvimento de uma configuração multinacional já presente em muitos países e que agora começa a instalar-se também em Portugal (Neto-Mendes; Costa; Ventura; Azevedo, 2007). que se dedicam a esta actividade. Esta é apenas uma das razões que nos tem levado a estudar e a propor uma reflexão sobre esta temática. Mas outras razões há que justificam que seja dedicada mais atenção ao tema: o número reduzido de investigações realizadas sobre este fenômeno; o impacto da utilização das explicações para o ambiente de sala de aula e para a escola em geral; a desigualdade de oportunidades que a frequência de explicações pode acarretar, já que nem todos os alunos/famílias podem suportar os seus custos, o que pressupõe um cenário de privatização crescente das despesas com uma parte da educação, mesmo quando os alunos frequentam a escola pública; o papel dos professores acumulando a função de docentes no sistema formal de ensino e a de explicadores (professores particulares) fora da escola; ou a circunstância de, em Portugal, cada vez mais licenciados em ensino encontrarem na actividade das explicações a única oportunidade de ensinar, iniciando a sua actividade não no contexto formal de uma sala de aula de uma qualquer escola mas antes numa sala de um dos muitos centros de explicações ou salas de estudo que proliferam pelas vilas e cidades do país.

Com este trabalho pretendemos, em primeiro lugar, descrever de uma forma breve os resultados de alguns estudos realizados sobre a problemática das explicações que nos permitem explorar a extensão deste fenôme no noutros países e em Portugal. Em segundo lugar, iremos abordar alguns estudos realizados já no âmbito desta linha de investigação, com destaque de um estudo que temos vindo a desenvolver, em que se pretende caracterizar o fenômeno das explicações numa cidade do litoral português – a Cidade Aquarela (nome fictício) – com base numa recolha de dados efectuada em Maio de 2006 aos alunos do 12º ano de escolaridade.

O fenômeno das explicações

O fenômeno das explicações ainda não é uma temática muito explorada nos círculos académicos. Parece-nos, todavia, importante destacar alguns dos trabalhos já realizados sobre este fenômeno e explicitar alguns dos resultados a que chegaram. Assim, no contexto internacional, seleccionámos os estudos de Baker e Letendre (2005), de Bray e Kwok (2003), de Ireson e Rushforth (2004), de Bacchetto (2003) e de Santos (2004). No que se reporta ao panorama nacional, referimos a investigação que os autores deste texto têm vindo a desenvolver nos últimos anos (COSTA; VENTURA; NETO-MENDES, 2003; VENTURA; NETO-MENDES; COSTA; AZEVEDO, 2006; NETO-MENDES, COSTA, VENTURA; AZEVEDO, 2007) e os trabalhos apresentados por Neto (2006) e Silveirinha (2007) (duas dissertações de mestrado apresentadas na Universidade de Aveiro e orientada por dois dos autores deste texto).

Baker e Letendre (2005) descrevem, no capítulo "Demand for achievement: the worldwide growth of shadow education systems", o trabalho realizado por estes autores com Akiba e Wiseman, em 2001. Aí se indica que o estudo TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), realizado em meados dos anos 90 (mais exactamente em 1995), incluiu questões acerca do recurso aos serviços de explicações, sendo esta a primeira vez que se obtiveram dados detalhados e comparáveis acerca da utilização de explicações em diferentes sistemas educativos. Este facto levou os autores, em conjunto com os seus colegas Akiba e Wiseman, a realizarem uma análise detalhada das respostas que os alunos deram às questões sobre explicações, com o objectivo de descobrirem factos sobre o quê, onde e o porquê das explicações (BAKER; LETENDRE, 2005, p. 57).

O estudo referenciado mostra que todos os países da amostra2 2 Os autores analisaram as respostas dadas pelos alunos dos seguintes países: Dinamarca, Inglaterra, Noruega, Alemanha, Suécia, França, Países Baixos, Áustria, Austrália, Escócia, Nova Zelândia, Irlanda, Suíça, Israel, Kuwait, Tailândia, Canadá, Portugal, Espanha, Bélgica (Flamenga), Bélgica (Francesa), Estados Unidos da América, Islândia, Singapura, Grécia, Lituânia, Irão, Chipre, Coreia, Hungria, República Checa, Federação Russa, Hong Kong, Roménia, Eslovénia, Japão, África do Sul, Filipinas, República Eslovaca, Letónia e Colômbia. Baker, Akiba, LeTendre e Wiseman realizaram, em 2001, um estudo sobre as respostas dadas pelos alunos do sétimo e oitavo anos acerca do seu recurso às explicações aquando da sua participação no estudo TIMSS em 1995. tinham uma taxa apreciável de recurso a explicações por parte dos alunos. Por exemplo, quase quatro em cada dez alunos do sétimo e oitavo anos participavam semanalmente em sessões de explicações. A maioria dos alunos frequentava sessões de explicações com a duração de uma hora ou menos, mas um quinto dos alunos fazia-o durante duas horas ou mais por semana. Os autores afirmam mesmo que em alguns países o uso de explicações está a caminho de se tornar uma prática universal entre alunos da escola pública. Mais de três quartos dos alunos do sétimo e oitavo anos na Coreia do Sul, Japão, África do Sul, Filipinas e Colômbia participavam semanalmente em sessões de explicações (BAKER; LETENDRE, 2005, p. 57).

Segundo este estudo, parece haver indicadores de que o fenômeno não penetrou de forma igual os sistemas educativos em todo o mundo. Embora não existam países que escapem ao fenômeno das explicações, no Reino Unido, na Noruega e na Alemanha havia menos de um quinto dos alunos a frequentá-las (BAKER; LETENDRE, 2005, p. 58).

Por sua vez, Bray e Kwok (2003) apresentam um estudo realizado por Kwok em 2001, em Hong Kong, que focou o ensino secundário (ensino médio no Brasil). Dentro de cada uma das escolas objecto de análise, foi escolhida uma turma aleatoriamente, durante o ano lectivo de 1998/1999, dentro de cada um dos três agrupamentos de turmas: Secundário 1-3 (primeiros três anos do ensino secundário), Secundário 4-5 (anos intermédios do ensino secundário) e Secundário 6-7 (dois anos finais do ensino secundário – o ensino secundário em Hong Kong compreende sete anos). Da amostra do Secundário 1-3, 35,1% dos alunos indicaram que estavam a frequentar explicações. No Secundário 4-5, a percentagem era de 46,6% e no Secundário 6-7 era de 70,3% (BRAY; KWOK, 2003, p. 615).

A maioria dos alunos frequentava sessões de explicações em massa (explicações em grandes grupos, em ambientes semelhantes aos de uma sala de aula) em vez de sessões individuais ou em pequenos grupos (BRAY; KWOK, 2003). As explicações em massa tornavam-se particularmente populares em níveis mais avançados: 72,4% dos alunos do Secundário 6-7 frequentavam explicações em massa contra apenas 33% dos alunos do Secundário 4-5 que o faziam. No que diz respeito aos alunos do Secundário 1-3, 12,3% dos alunos frequentavam mais que um tipo de explicações. Esta percentagem aumentava para 29,4% no Secundário 4-5, e era de 19,8% no Secundário 6-7. No Secundário 1-3, a Matemática era a disciplina mais popular, sendo que 89,7% dos alunos frequentavam explicações a esta disciplina. Esta disciplina era seguida pelo Inglês (78,2%), Ciências (52,6%) e Chinês (44,9%). Em níveis mais avançados, os rankings de disciplinas mais frequentadas dependiam da especialização pela qual o aluno tinha optado, mas o Inglês e a Matemática continuaram particularmente populares. No que diz respeito ao tempo dedicado às explicações, em cada grupo de anos de escolaridade a média de frequência mensal era de 6-10 horas, com 30,4% dos alunos a indicar que frequentavam mais de 10 horas por mês, e 6,5% a referir que frequentavam mais de 25 horas (BRAY; KWOK, 2003, p. 615).

No cômputo geral, a preparação para exames era a maior motivação indicada pelos alunos para frequentarem explicações, embora esta motivação fosse relativamente fraca no Secundário 1-3 e mais forte no Secundário 6-7. No Secundário 1-3 a principal razão era a ajuda nos trabalhos de casa (deveres escolares), mas esta razão perdia importância nos níveis mais avançados. Um terço dos alunos indicou que frequentava explicações por causa dos pais e 10,1% indicaram que as frequentavam para fazer novos amigos (BRAY e KWOK, 2003).

A razão mais apresentada para não se frequentarem explicações era de que os alunos eram capazes de resolver os seus próprios problemas de aprendizagem, quer individualmente, quer em colaboração com os seus colegas. Um terço dos inquiridos indicou que não precisava de explicações porque os seus pais ou outros familiares podiam fornecer-lhes a ajuda necessária, mas os valores reduziram de 43,2% no Secundário 1-3 para 17,1% no Secundário 6-7. Alguns alunos afirmaram que os resultados escolares não eram importantes, e um pequeno número indicou que ou tinham obtido melhorias suficientes nos seus resultados escolares em sessões de explicações que tinham frequentado anteriormente e que por isso já não precisavam delas, ou que os seus resultados não tinham melhorado com explicações e, por isso, não as consideravam úteis. É de notar que 10,9% dos inquiridos responderam que não tinha explicações porque estas eram dispendiosas (BRAY; KWOK, 2003).

Um terço dos alunos indicou que gastava menos de HK$500 (R$124) por mês em explicações; no entanto, 28,1% indicaram que gastavam mais de HK$1000 (R$249) e 8,5% gastavam mais de HK$2000 (R$498) (BRAY; KWOK, 2003, p. 615-616). Como seria de esperar, os alunos oriundos de famílias com rendimentos baixos frequentavam menos explicações que os seus pares mais desafogados economicamente. Para o grupo de rendimentos baixos a taxa de participação era de 10,2% no Secundário 1-3, 13,2% no Secundário 4-5, e 16,2% no Secundário 6-7. Em contraste, para o grupo de rendimentos elevados a taxa de participação era de 15,2% no Secundário 1-3, 22,1% no Secundário 4-5 e 19,3% no Secundário 6-7.

Estes valores correlacionavam-se com os níveis educacionais dos pais: quanto maior o nível educacional dos pais, maior a percentagem de alunos a frequentar explicações (BRAY; KWOK, 2003).

Um outro estudo, realizado por Ireson e Rushforth (2004), sobre o fenômeno das explicações no Reino Unido é descrito no trabalho que intitularam "Mapping the nature and extent of private tutoring at transition points in education". Ireson e Rushforth (2004, p. 1) indicam que o seu objectivo, ao realizar esta investigação, era fornecer uma descrição sistemática da natureza e extensão das explicações recebidas pelos alunos em três momentos de "transição": no final da escola primária (6º ano no Reino Unido – o ensino primário corresponde ao primeiro nível do ensino fundamental brasileiro, da 1ª à 5ª série), na transição para o ensino secundário não obrigatório (11º ano no Reino Unido) e do ensino não superior para o ensino superior (13º ano no Reino Unido).

No estudo levado a cabo pelas autoras, que incluiu a realização de inquéritos por questionário em 2003 e 2004, foi perguntado aos alunos participantes se já tinham tido um explicador. Dos alunos inquiridos, 27% já tinham frequentado explicações; uma proporção maior de alunos no 13º ano afirmou ter frequentado explicações (29,5%), comparando com os alunos do 6º e 11º anos (26% em cada ano) (IRESON; RUSHFORTH, 2004).

Em relação ao 6º ano, 17% dos alunos afirmaram ter tido explicações em Matemática, 15% em leitura e escrita e 8% em Ciências. Em relação ao 11º ano, havia mais alunos com explicações em Matemática (18%) e Inglês (10%) do que em Ciências (6%), Francês (1%), História (1%) ou Geografia (1%). Em relação ao 13º ano, 326 alunos indicaram que nunca tiveram um explicador e 213 afirmaram já ter tido explicações em Matemática (19% dos alunos). A Matemática era seguida pelo Inglês (8%), Ciências (6%), línguas modernas incluindo Francês (3,4%) e História (0,4%) (IRESON; RUSHFORTH, 2004, p. 6-8).

Foi também pedido aos alunos com explicadores para assinalarem as razões que os levavam a procurar explicações. A maioria dos alunos (71%) indicou que tinha explicadores para que estes os ajudassem a ter bons resultados em exames e testes. A segunda razão mais indicada pelos inquiridos era para que os explicadores ajudassem os alunos a aprender os conteúdos da disciplina mais depressa (40% dos alunos deram esta resposta). Um terço dos alunos (33%) tinha explicações porque precisava de ajuda adicional para o seu trabalho escolar. 17% dos alunos tinham explicadores para que estes os ajudassem a estudar conteúdos expostos em aulas a que tinham faltado. Uma percentagem semelhante (17%) tinha explicadores porque não aprendia bem com os seus professores na escola. Alguns alunos responderam que tinham explicadores porque a sua escola não garantia ajuda suficiente (13%). 9% dos alunos tinham explicadores porque tinham necessidades adicionais de aprendizagem. Um em cada dez alunos tinha explicadores por causa de uma recomendação por parte da escola (IRESON; RUSHFORTH, 2004).

Foram também questionados os alunos que não tinham explicadores para assinalarem as suas razões para este facto. As razões principais prendiam-se com o facto de que os alunos sentiam que podiam obter ajuda do seu professor, membros da família ou amigos. Assim, 64% dos alunos iriam falar com o seu professor se precisassem de ajuda e 56% sentiam que recebiam ajuda suficiente da sua família e amigos. 56% dos alunos sentiam que aprendiam o suficiente na escola e, por isso, não tinham um explicador. 55% dos alunos indicaram que não queriam ter um explicador. 42% dos alunos sentiam que ter um explicador iria limitar o seu tempo livre. 37% dos alunos indicaram que não tinham um explicador porque era muito dispendioso.

A pesquisa realizada por estas autoras (IRESON; RUSHFORTH, 2004), indica que uma percentagem substancial de alunos tem explicações em algum momento do seu percurso escolar. Para além disto, algumas famílias parecem estar a utilizar as explicações de uma forma estratégica para ajudar os seus filhos a fazerem transições bem-sucedidas no sistema educativo.

Breve incursão na situação brasileira

No decurso da nossa investigação sobre esta temática realizámos também uma recolha de trabalhos que se debruçassem sobre este assunto no Brasil. A nossa pesquisa levou-nos a descobrir o fenômeno dos colégios preparatórios para o vestibular, também denominados cursinhos. Para melhor compreender este fenômeno foi-nos bastante útil a consulta dos estudos de Bacchetto (2003) e de Santos (2004). Os cursinhos, como indica Bacchetto (2003, p. 1), "consistem em organizações específicas de treinamento para o exame de acesso ao Ensino Superior" e parecem desempenhar um papel importante neste acesso. Um exemplo do impacto dos cursinhos é-nos dado por este mesmo autor, que refere que "no exame de 2000 da FUVEST [Fundação Universitária para o Vestibular], 60,9% dos inscritos haviam feito pré-vestibular; no total dos matriculados, esse percentual sobe para 68,4%. Na carreira de medicina esses estudantes representaram 69,3% dos inscritos e 84,6% dos matriculados, e, dentre os que obtiveram sucesso, um total de 48,0% declarou ter realizado mais de um ano de cursinho" (BACCHETTO, 2003, p. 3). Um outro exemplo é-nos dado por Santos (2004, p. 174) que nos fala da "disputa pelas cento e dez (110) vagas do curso de Medicina, oferecido pela Universidade Federal de Goiás (UFG) para 2004. Os resultados mostram que oitenta e um (81) dos estudantes aprovados no processo seletivo, para ocuparem as cento e dez (110) vagas, eram originários de um só Cursinho. Logo, a maioria das vagas foi conquistada por egressos de Cursinhos preparatórios". Santos (2004, p. 163) diz-nos também que a legislação brasileira não contempla este tipo de organismo no seu sistema educativo, mas, no entanto, "as escolas preparatórias para o exame vestibular existem e contam com expressivo número de alunos". Bacchetto (2003) teve como objecto principal de estudo o caso dos cursinhos alternativos ou populares. Estes cursinhos dirigem-se àqueles que não possuem os meios para frequentar um cursinho comercial, pois o seu custo é bastante mais reduzido. Os cursinhos alternativos procuram, assim, "nivelar as oportunidades do estudante de menor renda com as daquele formado em uma escola média de melhor nível, e que pode pagar um cursinho comercial, passando a oferecer o mesmo serviço a preços populares e com a expectativa de ingresso numa universidade pública" (BACCHETTO, 2003, p. 1). Na nossa opinião, o desenvolvimento deste tipo de cursinhos mostra também a importância que é dada à frequência deste género de organizações, pois o número de alunos que as frequenta e/ou o papel que lhes é atribuído na obtenção de um lugar numa universidade levou à mobilização de diversas entidades/indivíduos para a criação de cursinhos mais acessíveis aos alunos de menor poder de compra. Algumas das razões que levam os alunos a procurar os cursinhos serão, de acordo com SANTOS (2004, p. 162-163), obter

uma qualificação paralela ao término do Ensino Médio ou uma revisão geral dos conteúdos exigidos; aumentar a autoconfiança; inserir-se em um ambiente mais propício para o estudo; preencher as lacunas herdadas do Ensino Médio; atender às cobranças da família para que se dediquem mais aos estudos e sentir-se mais seguro para enfrentar com maior competitividade a concorrência.

Assim, "por esses ou por qualquer outro motivo, muitos estudantes acabam procurando as salas de Cursinhos preparatórios em busca de condições que lhes proporcionem maiores possibilidades de aprovação nos exames de seleção" (SANTOS, 2003, p. 162-163).

As explicações em Portugal

No que diz respeito à investigação produzida em Portugal, e relativamente aos trabalhos que nós próprios temos vindo a desenvolver nesta área3 2 Os autores analisaram as respostas dadas pelos alunos dos seguintes países: Dinamarca, Inglaterra, Noruega, Alemanha, Suécia, França, Países Baixos, Áustria, Austrália, Escócia, Nova Zelândia, Irlanda, Suíça, Israel, Kuwait, Tailândia, Canadá, Portugal, Espanha, Bélgica (Flamenga), Bélgica (Francesa), Estados Unidos da América, Islândia, Singapura, Grécia, Lituânia, Irão, Chipre, Coreia, Hungria, República Checa, Federação Russa, Hong Kong, Roménia, Eslovénia, Japão, África do Sul, Filipinas, República Eslovaca, Letónia e Colômbia. Baker, Akiba, LeTendre e Wiseman realizaram, em 2001, um estudo sobre as respostas dadas pelos alunos do sétimo e oitavo anos acerca do seu recurso às explicações aquando da sua participação no estudo TIMSS em 1995. , refiram-se os primeiros dados apresentados em 2003 sobre o assunto (COSTA; VENTURA; NETO-MENDES, 2003) onde apresentámos e discutimos os resultados obtidos através de um inquérito por questionário conduzido junto de alunos do 12º ano de escolaridade. Trata-se da primeira vez que aplicámos este questionário: aos alunos do 12º ano que, no ano lectivo de 2001/2002, frequentavam as quatro escolas secundárias da Cidade Aquarela. Este questionário tem vindo a ser replicado, desde essa data, todos os anos, a todos os alunos que frequentam o 12º ano nesta cidade. São os dados relativos ao ano lectivo de 2005/2006 que são objecto central deste texto e que apresentaremos no ponto seguinte. Nesta primeira investigação, verificámos que a maioria dos alunos do 12º ano frequentava explicações a pelo menos uma disciplina COSTA; VENTURA; NETO-MENDES, 2003, p. 65). A disciplina a que os alunos tinham mais explicações era a Matemática. Para além disto, as escolas com mais alunos com pais diplomados registavam uma frequência mais elevada de explicações e, para a maioria dos alunos, as explicações traduziam-se numa melhoria das classificações por eles obtidas (COSTA; VENTURA; NETO-MENDES, 2003, p. 65).

Em relação à realidade portuguesa, registamos o aparecimento de um trabalho recente de Neto (2006) acerca das razões que motivam os pais dos alunos a procurarem explicações. Esta autora realizou um inquérito por questionário junto de professores do 1º ciclo do Ensino Básico4 4 O sistema educativo português possui a seguinte estrutura: educação pré-primária, dos 3 aos 6 anos de idade; ensino básico, que tem a duração de nove anos e se organiza em três ciclos de estudos (1º ciclo: 1º-4º anos; 2º ciclo: 5º-6º anos; 3º ciclo: 7º-9º anos), e também corresponde ao ensino obrigatório; e ensino secundário, que compreende três anos, 10º, 11º e 12º. O Ensino Superior é constituído por dois subsistemas: o universitário e o politécnico. (correspondente ao primeiro nível do ensino fundamental no Brasil), e de alunos e encarregados de educação (pais) do Ensino Básico (ensino fundamental brasileiro) e do Ensino Secundário (ensino médio brasileiro). Realizou também entrevistas a encarregados de educação que têm filhos em explicações e a responsáveis dos Centros de Estudo/Explicações/Ateliers de Tempos Livres (instituições privadas que oferecem serviços de explicações ou outras actividades de ocupação de tempos livres) existentes na área que estudou (uma cidade de pequena dimensão na região norte de Portugal). Este estudo mostra que, no contexto geográfico delimitado, a procura de explicações abrangia 20,8% dos alunos de todos os níveis de ensino, desde o 1º ciclo do Ensino Básico até ao último ano do Ensino Secundário. Esta autora indica ainda que no Ensino Secundário a percentagem de procura de explicações era superior à que foi observada em relação aos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico, sendo a procura destes serviços mais acentuada no 12º ano de escolaridade. No Ensino Secundário5 5 Ao ingressar no Ensino Secundário português (no 10º ano) os alunos têm que seleccionar uma área de especialização. O aluno pode optar por áreas de estudos de carácter mais geral ou por áreas de estudos às quais foram atribuídas a designação de "tecnológicas", dado que incluem uma formação prática. As áreas de carácter mais geral eram, até 2004 as seguintes: Agrupamento Científico-Natural, Agrupamento de Artes, Agrupamento Económico-Social e Agrupamento de Humanidades. A partir de 2004 o Ensino Secundário passou a organizar-se em quatro áreas: Cursos científico-humanísticos, Cursos tecnológicos, Cursos artísticos especializados e Cursos profissionais. Os cursos científico-humanistícos, de carácter mais geral, compreendem as seguintes opções: Curso de Ciências e Tecnologias, Curso de Ciências Sócioeconómicas, Curso de Ciências Sociais e Humanas, Curso de Línguas e Literaturas e Curso de Artes Visuais. , eram os alunos do Agrupamento Científico-Natural (ou área curricular de Ciências e Tecnologias) que mais procuravam explicações. No que diz respeito aos pais dos alunos que procuram explicações, é de notar que a percentagem de procura de explicações era mais elevada por parte dos pais com maior poder económico e com habilitações académicas mais elevadas (MOUTINHO NETO, 2006, p. 203-204).

No 1º ciclo do Ensino Básico, os alunos frequentavam explicações maioritariamente em Centros de ATL (instituições que oferecem actividades de ocupação de tempos livres diferenciadas, não se especializando no fornecimento de explicações); no 2º ciclo em Centros de Estudo (instituições que se dedicam apenas a explicações) e no 3º ciclo e Ensino Secundário os alunos procuravam preferencialmente explicadores particulares (MOUTINHO NETO, 2006, p. 223).

Em relação às razões apontadas pelos pais para justificarem a procura de explicações para os seus filhos, refere-se que os pais com filhos a frequentar o Ensino Básico indicam como principais razões para esta procura a prevenção do risco de retenção e o desejo de que os seus filhos obtenham classificações que lhes permitam aceder ao Ensino Superior. Os pais com filhos no Ensino Secundário apontaram como principal razão a obtenção de classificações para garantir o acesso ao Ensino Superior (MOUTINHO NETO, 2006, p. 211).

É de referir também, em relação à realidade portuguesa, o trabalho de Silveirinha (2007). A autora realizou um estudo sobre as explicações também na Cidade Aquarela, tendo como objectivos fazer um levantamento do mercado das explicações nesse espaço, caracterizar esse mercado, analisar as representações dos alunos sobre as implicações das explicações nos resultados escolares dos alunos do 12º ano no que concerne à disciplina de Matemática e verificar o impacto das explicações no sistema educativo. A autora aplicou questionários a alunos do 12º ano que frequentavam explicações de Matemática e realizou entrevistas com indivíduos que fornecem explicações. No decurso deste estudo a autora decidiu dividir os explicadores objecto de estudo em duas categorias: os explicadores 'domésticos', que são "indivíduos que dão explicações em casa e, na sua generalidade leccionam em escolas do Ensino Básico e Secundário (e eventualmente Superior)" e os explicadores 'públicos', "que podem ou não, exercer a actividade docente, e que se dedicam à actividade de explicador em centros de explicação" (SILVEIRINHA, 2007, p. 161, grifo do autor). Em relação aos explicadores 'domésticos' a autora verificou que para todos os entrevistados o número de anos que afirmavam ter trabalhado como explicadores ultrapassava o número de anos passados a exercer a actividade docente, o que a levou a concluir que estes tinham iniciado a actividade de explicador antes de concluírem os seus estudos universitários. A autora registou uma diferença entre as idades daqueles que eram explicadores 'domésticos' e os que eram explicadores 'públicos': em relação aos primeiros, a média de idades situava-se nos 58 anos; em relação aos segundos, esta média situava-se nos 25 anos, o que indica que este segundo grupo era composto por uma população mais jovem, pois como podemos verificar, entre as médias de idades dos dois grupos existem 30 anos de diferença . Para além disto, no que diz respeito ao número de anos que os explicadores indicavam ter trabalhado como professores, para o grupo dos explicadores 'domésticos' a média de anos situava-se nos 29,8 anos, o que demonstra uma longa experiência de ensino, e no caso dos explicadores 'públicos', o quadro apresenta-se bastante diferente, já que a sua maioria (66,6%) não possui experiência de ensino, não tendo nunca leccionado numa escola (SILVEIRINHA, 2007, p. 163-166).

No que concerne à oferta de explicações na área geográfica que a autora estudou, esta verificou a existência de explicações para "todos os níveis de ensino, desde o 1.º ciclo até à universidade" e que a cidade em questão "dispõe de quinze (15) centros de explicações, de cinco (5) escolas de línguas e de centro e trinta e dois (132) explicadores 'domésticos' (conhecidos)", o que a leva a concluir que neste espaço existe uma predominância de explicadores 'domésticos' (SILVEIRINHA, 2007, p. 168-169), embora não disponibilize informações sobre o número de alunos abrangidos.

Em relação aos dados obtidos através dos questionários dirigidos aos alunos do 12º ano, Silveirinha (2007) indica que 42,6% dos respondentes indicaram frequentar explicações em centros de explicação e 57,3% afirmaram frequentar explicações em explicadores 'domésticos'. No que diz respeito à caracterização destes alunos, a sua maioria era do sexo feminino (61,7%), e os alunos situavam-se entre os 17 e os 21 anos. A maioria dos alunos (76,4%) pertencia ao Agrupamento Científico-Natural, surgindo depois os alunos que frequentavam o Agrupamento Económico-Social (13,2%) e os que frequentavam o Agrupamento de Artes (10,2%)6 6 A organização do ensino secundário que aqui apresentamos esteve em vigor em Portugal até 2004. . No que concerne às habilitações dos pais destes alunos, quase metade dos pais possuem formação universitária. Tal como vimos no estudo de Neto (2006) que apresentámos antes, são também os alunos, filhos de pais com habilitações académicas mais elevadas, os que mais procuram explicações.

As explicações dos alunos do 12º ano na Cidade Aquarela: situação em 2006

Com o objectivo de continuar o estudo do fenômeno das explicações que temos vindo a realizar na Cidade Aquarela, uma cidade de média dimensão do litoral português, realizámos, no final do ano lectivo de 2005/2006 (e à semelhança dos anos lectivos anteriores, desde 2001/2002) um inquérito por questionário dirigido a todos os alunos do 12º ano de quatro escolas secundárias.

Este questionário contém 27 questões, na sua maioria de resposta fechada e de escolha múltipla. Nele é pedido aos alunos para indicarem elementos relativos à sua caracterização pessoal, como o seu género e o agrupamento da estrutura curricular (área de especialização) do ensino secundário que elegeram; elementos que se prendem com a caracterização da família, como o grau de instrução dos pais e a sua ocupação profissional; elementos relacionados com a escola que frequentam, como a principal razão que os levou a matricularem-se naquela escola e a sua opinião em relação à turma em que estão inseridos; elementos relacionados com o processo de ensino-aprendizagem, em que se colocam sobretudo questões relativas à frequência de explicações; e, por fim, elementos que dizem respeito às intenções de prosseguimento de estudos no Ensino Superior.

O inquérito foi realizado nas quatro escolas secundárias do ensino público existentes na cidade em estudo. Embora não pretendamos a generalização dos resultados deste estudo, procurámos, ao questionar os alunos do 12º ano de todas as escolas da cidade, recolher dados que nos permitiam caracterizar o fenômeno das explicações nesta cidade.

Para conduzir este estudo, deslocámo-nos a cada uma das quatro escolas e contactámos com diferentes professores, que depois empreenderam a tarefa de aplicação e recolha dos questionários em cada uma das turmas do 12º ano. Estes questionários foram preenchidos por todos os alunos presentes na sala no dia em que estes foram distribuídos. Os professores que realizaram a distribuição dos questionários fizeram-no em aulas de disciplinas em que a maioria dos alunos da turma se encontrava inscrito, já que o nosso objectivo é recolher informação que se aproxime o mais possível da totalidade dos alunos que frequentam o 12º ano nestas escolas.

Resultados preliminares

No quadro que se encontra adiante apresentamos alguns dados obtidos através do questionário atrás mencionado. Neste quadro apresentamos, em primeiro lugar, o número total de alunos inquiridos em cada escola; a percentagem de pais, distribuídos segundo o género (M/F), a formação académica de nível do ensino superior (Bacharelato, Licenciatura, Mestrado ou Doutoramento) e a percentagem de alunos que se encontrava a frequentar explicações no ano lectivo em que foi realizado o questionário (2005/2006). Apresentamos depois as respostas dos alunos em relação ao número de horas que passam, em média, por semana, em explicações (as respostas encontram-se divididas em três grandes grupos: alunos que responderam passar, em média, entre uma e três horas em explicações, alunos que disseram passar entre quatro e dez horas nesta actividade e os que afirmaram dedicar-lhe mais de dez horas) e as respostas dos alunos no que diz respeito a quanto gastam, aproximadamente, por mês, em explicações – as respostas encontram-se também divididas em três grandes grupos: alunos que responderam gastar, em média, até 70• (R$182) mensais em explicações, alunos que declararam gastar entre 71• (R$185) e 210• (R$547) e os alunos que afirmaram gastar mais de 210• (R$547) mensais. Por último, apresentamos as respostas dos alunos no que concerne ao impacto das explicações nos seus resultados escolares, isto é, se entendem que a frequência de explicações lhes permitiu obter melhores classificações no ano lectivo em que foram questionados e indicamos também a percentagem de alunos que expressou interesse em prosseguir estudos no Ensino Superior.

Pelo que podemos ver pelo quadro apresentado, em todas as escolas objecto de estudo, um número significativo de alunos encontrava-se a frequentar explicações a pelo menos uma disciplina, sendo a percentagem de utilização deste apoio fora da escola superior a 50% na quase totalidade das escolas (apenas uma escola não atinge os 50% de frequência deste serviço, mas não fica longe).

No que diz respeito às escolas que apresentam a taxa mais elevada de alunos que recorrem a explicações (a Escola Azul e a Escola Rosa), é de notar que são também estas escolas que apresentam um maior número de alunos com pais diplomados: no seu total, 56% e 47%, respectivamente.

Como também podemos ver pelo quadro que apresentamos, a maioria dos alunos frequentava entre uma e três horas de explicações por semana. É de salientar, no entanto, a percentagem de alunos que frequentava entre quatro e dez horas de explicações por semana, taxa essa que regista valores acima dos 30% em todas as escolas. Embora as percentagens sejam reduzidas, é de notar que em três escolas havia alunos que passavam mais de dez horas em explicações por semana.

No que diz respeito à despesa mensal com explicações, verificamos que em três escolas mais de 50% dos alunos se encontravam a despender entre 71• e 210• (R$185-R$547), sendo que na quarta escola metade dos alunos gastava até 70• (R$182) por semana. Para além disto, na Escola Azul e na Escola Rosa 7% e 8% dos alunos, respectivamente, afirmavam gastar mais de 210• (R$547) por mês em explicações. É de notar novamente que estas duas escolas, que são aquelas cujas famílias alocam maiores quantias à frequência de explicações, são, como já foi referido acima, aquelas que possuem mais alunos com pais habilitados com estudos superiores.

Em relação ao impacto das explicações nos resultados dos alunos, em todas as escolas mais de 80% dos alunos que frequentavam explicações afirmaram que estas lhes tinham permitido obter melhores classificações no ano lectivo em que o questionário foi realizado.

Se atentarmos à última coluna do quadro apresentado, notamos que a maioria dos alunos inquiridos mostrava interesse por realizar estudos ao nível do ensino superior, mas as percentagens obtidas ao analisar os questionários não são tão homogéneas como as obtidas, por exemplo, na questão a que aludimos anteriormente. Se na Escola Azul 93% dos alunos expressam a intenção de prosseguir estudos, nas Escolas Verde e Rosa este valor situa-se nos 80% e na Escola Amarela a percentagem de alunos é de apenas 61%. O facto de os pais dos alunos serem ou não diplomados parece ter influência sobre a decisão dos filhos em prosseguir estudos no ensino superior. Por exemplo, a Escola Amarela, que apresenta a menor taxa de pais diplomados, é também aquela que possui menos alunos a quererem prosseguir estudos.

No que concerne as disciplinas mais procuradas pelos alunos, uma das questões que explorámos e que não incluímos no quadro apresentado, a Matemática é a disciplina que em todas as escolas mais justifica a procura de explicações. Na Escola Azul esta percentagem é de 58%, na Escola Amarela 72%, na Escola Verde 86% e na Escola Rosa 81%. As disciplinas mais populares a seguir à Matemática são a Física, a Química e a Geometria Descritiva.

Em relação à principal razão que levou os alunos a procurar explicações a Matemática, nas Escolas Azul e Rosa a maioria dos alunos indicou o "receio de não ser capaz de obter sucesso sem ajuda" e nas Escolas Amarela e Verde o "insucesso anterior nessa disciplina".

Quanto às taxas de reprovação nas escolas em estudo, apurámos que na Escola Azul 26% da amostra já tinha reprovado pelo menos uma vez no decurso da sua carreira escolar, na Escola Amarela esta percentagem elevou-se para 59% dos alunos, e nas Escolas Rosa e Verde a percentagem é de 37%.

As duas disciplinas em que os alunos dizem sentir mais dificuldades no ano lectivo em questão são, na Escola Azul, Matemática (42%) e Português (40%), na Escola Amarela Matemática (49%) e Física (24%), na Escola Verde Matemática (50%) e Química (41%) e na Escola Rosa Matemática (49%) e Português (34%).

Considerações finais

Com este trabalho pretendemos aprofundar o nosso conhecimento sobre o fenômeno das explicações, e mostrar a sua verdadeira extensão na sociedade portuguesa de uma forma especial. Como se pode constatar pelos dados apresentados, confirma-se o recurso às explicações em larga escala, já que, ao efectuar a média das percentagens de alunos que frequentam explicações nas quatro escolas analisadas, verificamos que 58,7% dos alunos recorrem a estes serviços.

A análise do tempo dedicado às explicações, as quantias despendidas por mês ao adquirir estes serviços e a crença no impacto positivo das explicações nos seus resultados escolares permitem-nos construir uma visão mais clara do fenômeno das explicações na cidade em estudo. A análise das disciplinas em que os alunos dizem ter mais dificuldades, a taxa dos alunos que reprovaram pelo menos uma vez, a expectativa expressa pelos alunos de prosseguirem estudos no ensino superior e o conhecimento das habilitações literárias dos pais dos alunos auxiliou-nos também a compreender melhor este fenômeno.

Por todas as razões já aduzidas, parece-nos urgente considerar o fenômeno das explicações como uma variável que não pode mais ser ignorada pelos decisores políticos, pelos responsáveis locais e institucionais pelo governo das escolas, pelos professores, pelos pais e pelos alunos, tendo em conta o processo pedagógico que todos os dias são chamados a gerir nos contextos das organizações escolares. As investigações realizadas por outros autores, noutros contextos, parecem-nos relevantes para avaliar tanto a complexidade do que está em causa quanto a urgência da tomada de decisões.

Recebido em: 27/09/2007

Aceito para publicação em: 30/10/2007

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  • *
    Investigação integrada no
    Projecto Xplika: o mercado das explicações, a eficácia escolar e o sucesso dos alunos. Equipa de investigação: Jorge Adelino Costa (Coord.), António Neto-Mendes e Alexandre Ventura; colaboração da bolseira de investigação Sara Azevedo. Projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pelo Programa Operacional Ciência e Inovação 2010.
  • 1
    É de referir não só o aparecimento de novas empresas, algumas de expressão quase "familiar", passando pelo negócio do
    franchising que tem em Portugal uma face cada vez mais evidente, mas também o desenvolvimento de uma configuração multinacional já presente em muitos países e que agora começa a instalar-se também em Portugal (Neto-Mendes; Costa; Ventura; Azevedo, 2007).
  • 2
    Os autores analisaram as respostas dadas pelos alunos dos seguintes países: Dinamarca, Inglaterra, Noruega, Alemanha, Suécia, França, Países Baixos, Áustria, Austrália, Escócia, Nova Zelândia, Irlanda, Suíça, Israel, Kuwait, Tailândia, Canadá, Portugal, Espanha, Bélgica (Flamenga), Bélgica (Francesa), Estados Unidos da América, Islândia, Singapura, Grécia, Lituânia, Irão, Chipre, Coreia, Hungria, República Checa, Federação Russa, Hong Kong, Roménia, Eslovénia, Japão, África do Sul, Filipinas, República Eslovaca, Letónia e Colômbia. Baker, Akiba, LeTendre e Wiseman realizaram, em 2001, um estudo sobre as respostas dadas pelos alunos do sétimo e oitavo anos acerca do seu recurso às explicações aquando da sua participação no estudo TIMSS em 1995.
  • 3
    Sobre os resultados da investigação em curso, bem como para se ter um conhecimento mais aprofundado sobre a problemática das explicações, pode consultar-se o sítio deste projecto (
    Projecto XPLIKA: o mercado das explicações, a eficácia das escolas e o sucesso dos alunos). Disponível em:<
  • 4
    O sistema educativo português possui a seguinte estrutura: educação pré-primária, dos 3 aos 6 anos de idade; ensino básico, que tem a duração de nove anos e se organiza em três ciclos de estudos (1º ciclo: 1º-4º anos; 2º ciclo: 5º-6º anos; 3º ciclo: 7º-9º anos), e também corresponde ao ensino obrigatório; e ensino secundário, que compreende três anos, 10º, 11º e 12º. O Ensino Superior é constituído por dois subsistemas: o universitário e o politécnico.
  • 5
    Ao ingressar no Ensino Secundário português (no 10º ano) os alunos têm que seleccionar uma área de especialização. O aluno pode optar por áreas de estudos de carácter mais geral ou por áreas de estudos às quais foram atribuídas a designação de "tecnológicas", dado que incluem uma formação prática. As áreas de carácter mais geral eram, até 2004 as seguintes: Agrupamento Científico-Natural, Agrupamento de Artes, Agrupamento Económico-Social e Agrupamento de Humanidades. A partir de 2004 o Ensino Secundário passou a organizar-se em quatro áreas: Cursos científico-humanísticos, Cursos tecnológicos, Cursos artísticos especializados e Cursos profissionais. Os cursos científico-humanistícos, de carácter mais geral, compreendem as seguintes opções: Curso de Ciências e Tecnologias, Curso de Ciências Sócioeconómicas, Curso de Ciências Sociais e Humanas, Curso de Línguas e Literaturas e Curso de Artes Visuais.
  • 6
    A organização do ensino secundário que aqui apresentamos esteve em vigor em Portugal até 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      30 Out 2007
    • Recebido
      27 Set 2007
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