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Saga do computador mal-amado

Saga of the unloved computer

Saga del ordenador malamado

Resumos

O que a tecnologia tem a oferecer para a educação é cada vez mais abundante, criativo e confiável. Seja nas tecnologias de imagem, nos computadores e nas suas combinações, a oferta é quase ilimitada. Não obstante, as escolas acadêmicas não conseguem usar com sucesso tais recursos. Há ampla evidência de que iniciativas bem focalizadas mostram resultados muito positivos. Contudo, tais sucessos não se generalizam e a maioria dos estudos mostra resultados pífios para os sistemas educativos como um todo. A sociologia da escola acadêmica e a tecnologia se enfrentam em batalhas em que saem perdendo os alunos. Não obstante, os computadores nas casas dos alunos tendem a melhorar o seu rendimento. Ainda mais admirável, a miríade de soluções educativas não-formais fazem excelente uso de todas as tecnologias.

Computador; Educação; Escola; Inovação; Tecnologia


What technology has to offer to education is ever more abundant, creative and reliable. Be it in the image technology, in the computers and in their combinations, the possibilities are almost endless. Nevertheless, academic schools fail to materialize the benefits one could expect from such resources. While there is ample evidence that well-focused initiatives show positive results on learning, this learning potential does not generalize for educational systems as a whole. School sociology is at odds with the modes of utilization that would make a difference. As a result, students lose. In contrast, computers in students' homes improve learning. Even more admirable, non-formal schooling modes have been using technology with ample success.

Computer; Education; School; Innovation; Technology


Lo que la tecnología tiene para ofrecerle a la educación es cada vez más amplio, creativo y confiable. La oferta es casi ilimitada, ya sea en tecnología de imagen, en variedad de ordenadores (computadoras) o en sus diversas combinatorias. Sin embargo, los centros académicos no logran utilizarlos en forma exitosa. Hay amplia evidencia de que cuando las iniciativas están bien focalizadas resultan beneficiosas para los estudiantes. El problema es que tales resultados no se generalizan en los sistemas educativos. La consecuencia es que no mejora el rendimiento de los estudiantes. Es como si la sociología de la escuela estuviera en guerra con la tecnología. Por supuesto, los que pierden son los estudiantes. Pero, cuando los ordenadores están en los hogares de los estudiantes, su aprendizaje puede mejorar. Y más loable aún es que la educación no formal impulsa la tecnología educativa con gran éxito.

Ordenadores; Educación; Escuela; Innovación; Tecnología


PÁGINA ABERTA

Saga del ordenador malamado

Claudio de Moura Castro

O autor, assessor especial da Presidência do Grupo Positivo, agradece comentários úteis de Ana Maria Rezende Pinto, Ernesto Schiefelbein e Marisa Éboli. Contudo, assume plena responsabilidade pelo texto apresentado. E-mail: claudiodemouracastro@positivo.com.br

RESUMO

O que a tecnologia tem a oferecer para a educação é cada vez mais abundante, criativo e confiável. Seja nas tecnologias de imagem, nos computadores e nas suas combinações, a oferta é quase ilimitada. Não obstante, as escolas acadêmicas não conseguem usar com sucesso tais recursos. Há ampla evidência de que iniciativas bem focalizadas mostram resultados muito positivos. Contudo, tais sucessos não se generalizam e a maioria dos estudos mostra resultados pífios para os sistemas educativos como um todo. A sociologia da escola acadêmica e a tecnologia se enfrentam em batalhas em que saem perdendo os alunos. Não obstante, os computadores nas casas dos alunos tendem a melhorar o seu rendimento. Ainda mais admirável, a miríade de soluções educativas não-formais fazem excelente uso de todas as tecnologias.

Palavras-chave: Computador. Educação. Escola. Inovação. Tecnologia.

ABSTRACT

What technology has to offer to education is ever more abundant, creative and reliable. Be it in the image technology, in the computers and in their combinations, the possibilities are almost endless. Nevertheless, academic schools fail to materialize the benefits one could expect from such resources. While there is ample evidence that well-focused initiatives show positive results on learning, this learning potential does not generalize for educational systems as a whole. School sociology is at odds with the modes of utilization that would make a difference. As a result, students lose. In contrast, computers in students' homes improve learning. Even more admirable, non-formal schooling modes have been using technology with ample success.

Keywords: Computer, Education, School, Innovation, Technology.

RESUMEN

Lo que la tecnología tiene para ofrecerle a la educación es cada vez más amplio, creativo y confiable. La oferta es casi ilimitada, ya sea en tecnología de imagen, en variedad de ordenadores (computadoras) o en sus diversas combinatorias. Sin embargo, los centros académicos no logran utilizarlos en forma exitosa. Hay amplia evidencia de que cuando las iniciativas están bien focalizadas resultan beneficiosas para los estudiantes. El problema es que tales resultados no se generalizan en los sistemas educativos. La consecuencia es que no mejora el rendimiento de los estudiantes. Es como si la sociología de la escuela estuviera en guerra con la tecnología. Por supuesto, los que pierden son los estudiantes. Pero, cuando los ordenadores están en los hogares de los estudiantes, su aprendizaje puede mejorar. Y más loable aún es que la educación no formal impulsa la tecnología educativa con gran éxito.

Palabras clave: Ordenadores. Educación. Escuela. Innovación. Tecnología.

Tive a oportunidade de participar de uma conferência internacional (COSN, 2010a) sobre o uso de tecnologias na educação. O relato que segue é uma rendição pessoal e subjetiva do que vi e ouvi. Está a uma distância longínqua de ser uma síntese de um rapporteur do congresso - e nisso estão seus méritos e vícios. Em um evento gigantesco, em Washington, DC, sem o dom da ubiquidade, uma pessoa não vê senão uma fração pequena do que acontece, pois além das sessões plenárias, bem mais de trezentas pessoas mostraram seus trabalhos, em apresentações simultâneas1 1 Ver lista das sessões e conferencistas em COSN Conference (2010a). .

Assim sendo, a escolha daquilo a que assisti reflete meus interesses e preferências. E o que se consegue anotar e lembrar não foge da mesma subjetividade. Portanto, está plenamente advertido o leitor do inevitável viés pessoal e até dos riscos de haver mal interpretado os conferencistas.

Não obstante, acho que capturei algumas mensagens mais amplas, não necessariamente formuladas da forma explícita em que o faço. Passando os olhos no programa do evento, podemos ver algumas congruências entre os assuntos tratados e as tendências gerais inferidas do que disseram os palestrantes. É também interessante registrar os assuntos das exibições de produtos e serviços, em paralelo ao evento principal2 2 O catálogo arrola 160 empresas mostrando seus produtos. .

Fui o único que não era de país rico, dentre mais de três centenas de conferencistas. De fato, tratava-se de um evento de "cachorro grande". Esse viés não torna os resultados menos pertinentes. Podemos pensar que antecipam o que vai acontecer nos nossos mundos. E em muitos casos, estamos falando de coisas que parecem repetir-se entre nós. Mas é preciso tomar as distâncias e as precauções, para não extrapolar indevidamente alguns resultados que pouco têm a ver com a nossa realidade.

O discurso glorioso e a realidade nem tanto

A COSN (Consortium for School Networking) é uma ONG cuja razão de ser é promover o uso de tecnologias na educação. Portanto, está mais ou menos obrigada a festejar as proezas e os sucessos da área. É inevitável.

Mas lendo entre as linhas e observando a escolha dos temas e dos conferencistas, não é difícil concluir que acabou a lua de mel do computador com a escola. Ou melhor, o casamento não se consumou. Não se materializaram as grandes promessas do passado, e já se vai meio século.

Há computadores e são usados. Mais ainda, há alguns resultados positivos. Contudo, juntando fragmentos aqui e acolá, dá para vislumbrar que o computador é mal-amado na escola. Não foi pequeno o número de depoimentos usando palavras diferentes para dizer o mesmo, de forma discreta ou contundente.

Não vai daí um epitáfio para o computador na educação ou uma acusação à sua ineficácia (que foi repetidamente demonstrada como real). Na verdade, a maioria das apresentações defendeu o computador e acusou a escola.

Um dos grandes temas da educação no Primeiro Mundo é a necessidade de trazer o ensino para o século XXI. Aliás, a escola vem sendo acusada de não conseguir fazê-lo. De fato, podemos vislumbrar uma associação entre seu conservadorismo no uso da tecnologia com a sua incapacidade de tornar o ensino mais relevante para o mundo contemporâneo. Ou seja, é tudo farinha do mesmo saco. Não fosse a sua inércia e tradicionalismo, as tecnologias entrariam mais facilmente na escola e os conteúdos e estratégias didáticas seriam modernizados.

Mas o assunto não acaba aí. Mal-amado na escola não significa mal-amado na educação. Na verdade, a educação começa a acontecer por todos os lados, ocupando progressivamente o lugar da escola. E nesses modelos alternativos e espontâneos, a tecnologia impera. Como explicitado adiante, isso acontece em casa, nos cybercafés e em escolas alternativas. O protagonismo dos próprios Aprender por conta própria é o antídoto contra a incapacidade da escola para avançar nas direções esperadas.

Portanto, o aparecimento de soluções educacionais alternativas dá um novo alento ao uso de tecnologias. Contudo, esse é um desenlace que não pode deixar de ser preocupante, pois estamos longe de poder jogar fora a escola que existe.

Outra constatação curiosa é a distância entre a sala de exposições e a temática do evento. Nas exibições, os fabricantes de equipamento, as software houses e as prestadoras de serviço tentam vender seus produtos. Mas notei que estavam mercadejando serviços que passavam um pouco longe dos temas tratados. No que tange ao software, havia grande quantidade de programas tutoriais, de jogos, de simulações educativas e tudo o mais a que estamos acostumados a ver nessa área, e também, os serviços de gerenciamento de dados, avaliação, cloud computing e tudo mais. Mas isso não aparecia com muita intensidade nas discussões, pois essas eram mais centradas nos desafios de implementar o uso de tecnologia nas escolas e fora delas.

O que sabemos do impacto da tecnologia

Não foram poucas as apresentações criticando o pouco que sabemos sobre o real impacto das tecnologias da informação no aprendizado dos alunos. De fato, a ausência de boas avaliações é altamente frustrante.

De entrada, faltam dados. Nem parece que estamos falando dos países mais avançados do globo. Mas é o caso.

Alguma coisa há sobre a rede instalada e sobre a proporção de máquinas conectadas à Internet. Mas quando chegamos ao uso, ficamos por conta do que reportam os professores, obviamente, partes interessadas e comprometidas em um assunto delicado. Os dados existentes não são lisonjeiros. Mas acima de tudo, a informação é um pouco desencontrada.

Segundo um conferencista, os melhores. estados com mais desempenho nos Estados Unidos são aqueles que mentem. Na verdade, sobre o aprendizado resultante do uso de computadores, há muito pouco. Estamos longe de poder dizer se investir em computadores traz resultados comensuráveis com os custos. E diga-se de passagem, depois de cinquenta anos, saber isso não é querer demais.

Alguns pesquisadores se queixaram da falta de padronização daquilo que é medido. Sendo assim, não há cumulatividade nas pesquisas.

Em suma, a alguém que venha de fora e queira saber se vale a pena colocar computadores na escola, há pouco que se pode dizer. Pior, o que sabemos não é encorajador. Mas uma coisa é certa, não se materializaram os benefícios sonhados por muitos e proclamados bombasticamente ao longo dos anos, começando com o otimismo de Patrick Suppes (1966), na década de 60.

Espíritos de porco poderiam perguntar: se faltam dados, não seria porque o grande exército daqueles lidando com esse assunto prefere não ter boas avaliações, por suspeitar que seriam negativas? Obviamente, isso é apenas uma conjectura.

Guerra de atrito: a sociologia da escola versus a tecnologia

Estatísticas da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) indicam que os jovens passam duas horas por dia usando tecnologias (computadores e celulares). Em contraste, passam apenas 15 minutos por semana diante dos computadores escolares. Esses números sozinhos explicam muito da ineficácia dos computadores na escola.

Podemos pensar que não é tanto o seu uso equivocado que resulta na falta de impacto. Pode ser apenas o não uso! Como poderíamos esperar ganhos, com 15 minutos de utilização por semana? Essa é a mesma pergunta retórica que Seymor Pappert já se fazia, há duas décadas. Seja como for, é uma questão candente e mal respondida. Pode também ser o caso de que o pouco uso decorre em parte do mau uso.

Foi dito e repetido que as escolas gastaram uma fortuna para equipar-se com computadores e outros apetrechos. De fato, o orçamento para colocar computadores e conectá-los à internet não é pequeno. Ademais, geram custos de manutenção consideráveis e têm vida curta, fazendo com que a rede de muitos países já esteja obsoleta. Não obstante, de modo geral, a escola não soube e não sabe usá-los para aumentar a sua produtividade.

Parece ser caso único. Todas as indústrias que investiram em tecnologia da informação foi para reduzir custos. E isso foi conseguido. Em contraste, as escolas investiram em computadores e não conseguiram reduzir suas despesas. Pelo contrário, cresceram (nos países da OECD, de 4% ao ano, ao mesmo tempo em que os orçamentos só se expandem a 2%). E tampouco o uso da tecnologia permitiu aumentar a qualidade.

Alguém disse que a escola perdeu o bonde da história em todas as revoluções tecnológicas. Ao que parece, o sistema escolar não foi desenhado de forma a acomodar-se às mudanças. Dá a impressão de estar vacinado contra elas.

Nos Estados Unidos, nota-se forte tendência de culpar os sindicatos de professores pela inércia observada. Livro recente do Hudson Institute (MOE; CHUBB, 2009) afirma que os sindicatos estão atrapalhando o progresso na aplicação das tecnologias, com o objetivo de proteger os seus associados.

As inovações aparecem e até dão certo nas situações protegidas em que foram criadas. Mas na hora de replicá-las em escala, aí entram em ação os anticorpos do sistema, bloqueando os avanços. Cada revolução tecnológica repete o ciclo da anterior: morre na praia.

Voltaremos mais adiante a uma tese pessimista que reapareceu em diferentes apresentações: é difícil ou impossível mudar instituições como a escola acadêmica. A revolução tem que ser feita fora, em campo neutro, longe dos terrenos minados. Com efeito, o advento de alternativas às escolas tradicionais foi assunto central do evento.

Observando o andamento dos projetos do Banco Mundial, seu representante na conferência notou que as iniciativas interessantes estão acontecendo onde o governo não está. No fundo, por aí caminhou o veio mais otimista do evento. É fora das escolas tradicionais que as tecnologias desabrocham e se casam bem com a educação. De fato, como ilustrado adiante, não se trata aqui apenas de registrar que na educação nada muda. Na verdade, muda e não é pouco. Só que não é na escola.

A nova geração é "nativa digital". Tecnologia faz parte da sua vida. Como disse alguém, tecnologia só é tecnologia para quem nasceu antes dela. Claramente, está se tornando a ferramenta para muito do que aprendem os jovens. E lida com um aprendizado mais integrado à realidade do cotidiano. Por sua natureza, é também interdisciplinar.

Foi mostrada uma tabela de uso de tecnologia por parte dos jovens (em países da OECD), mapeando os momentos em que estão ou não utilizando tecnologias de informação ao longo do dia. Confirmando o que se poderia imaginar, o dia transcorre com um contato intensivo com tecnologias. Porém, nas horas de aula, cai dramaticamente. Congruente com esses dados, também relevante é notar análises do PISA, indicando que o desempenho escolar é superior para os alunos que têm as tecnologias em casa. Essa é uma constatação ainda mais danosa para a escola, onde os computadores não parecem trazer benefícios para o aprendizado. Ou seja, as maneiras pelas quais os alunos usam os computadores por conta própria são mais produtivas do que as indicadas pelos professores na escola.

Notou-se que, no orçamento de tempo do professor, o computador é mais um elemento que se soma, sem que nada seja subtraído. O uso da tecnologia adiciona a tudo mais que ele já é obrigado a fazer. E ele não é remunerado pelo tempo extra que precisa dedicar aos computadores.

Por inúmeras razões, a tecnologia colide fragorosamente com a sociologia das escolas. Tudo que seria preciso fazer para que funcionasse a contento requer mudanças profundas na sua lógica, nas suas crenças, nos seus sistemas de premiação e punição, bem como no seu marco legal e administrativo.

Ao longo do presente texto, venho enfatizando o que percebi como denominador comum do evento: a inércia da escola tradicional e as dificuldades de introduzir mudanças. Para que isso não seja visto como interpretação espúria da minha parte, transcrevo abaixo alguns títulos das sessões do congresso. Como se pode ver, parecem confirmar a preocupação com as barreiras para a entrada da tecnologia nas escolas: "Learning from the extremes", "How disruptive innovation will change the way the world learns", "Rethinking schooling in a globally connected world", "Defining key challenges and opportunities", "What stands on the way", "A disruptive leader", "Transforming schools into 21st century learning organizations", "Kicking the tires of education technology: what are the obstacles and promises for delivering value here and now", "Crafting change: breaking form, re-shaping learning in the middle years, the slow crisis and metahistories of education interventions", "What does it take for innovative ideas and programs to succeed?", "Technology as education change agent", "Transformation of learning through innovation and collaboration", "Disrupting class: how to get to 21st century schools", "Learning innovation and educational techology: pull vs. Push".

Ensina-se apenas o que vai cair na prova

Sempre se repete que os alunos estudam aquilo que vai cair na prova. Mas é igualmente verdade que os professores ensinam também aquilo que será avaliado.

O corolário é óbvio. Se não mudam as provas e avaliações oficiais, pouco vai alterar-se no ensino. Os professores não vão quebrar lanças tentando ensinar o que não será reconhecido e exigido pelos sistemas de avaliação. Como já se viu no passado, é a principal razão explicando porque os laboratórios de ciência não são usados. Simplesmente, travam o ritmo da aula e não aumentam as notas (CASTRO; MAGALHÃES, 1979).

Pela sua natureza, o computador pode ajudar em projetos práticos que integram as disciplinas. O currículo convencional pode até conter a retórica da interdisciplinaridade, mas está muito distante das questões relevantes que deveriam ser contempladas. Além do mais, não há prêmios para fazer acontecer tal integração.

O computador viceja nos processos abertos de aprendizado, promovendo iniciativa e imaginação. A escola tradicional nem valoriza isso e nem consegue avaliar se o aluno aprendeu tais competências. O computador desenvolve a capacidade de buscar informação. Essa tampouco é uma competência valorizada nos testes.

Os currículos são longos demais, fazendo com que seja um risco para o professor perder tempo com computadores. Isso pode torná-lo vulnerável a criticas da administração da escola, se não percorrer todos os assuntos. Esse problema é recorrente.

A distância entre, o que o computador faz bem, e o que se avalia convencionalmente, nos testes, parece ser um dos motivos mais poderosos para reduzir o seu papel na escola.

Na prática, ter computadores na escola faz parte da ideologia da modernidade. Todos querem mostrar suas reluzentes salas de informática. Soa bem, impressiona e os pais exigem. Mas daí a haver mudanças significativas nos currículos, nas avaliações e na logística de operação de uma sala de aula vai uma enorme distância. Portanto, há uma dissonância cognitiva entre a retórica oficial e o que, de fato, é valorizado na escola. Obviamente, há professores dedicados e que fazem excelente uso dos computadores. Há também diretores e autoridades locais que apoiam a sua utilização. Mas permanecem como a exceção.

Não será com exortações que ocorrerão mudanças na educação. No fundo, se não cai na prova, não vai acontecer na sala de aula. Se não se premia, não se faz. Se não se pune, vai continuar a ocorrer.

Os professores e a escola em tempos de tecnologia

Os professores estarão preparados para usar tecnologia na sala de aula? Sobre esse assunto, registramos pouco acordo.

Foi observado que, em matéria de informática, os cursos de formação de professores estão ainda mais atrasadas do que as escolas onde ensinarão os futuros mestres. Inclusive, esse é o caso em matéria de hardware, até em lugares como a Alemanha. Mas isso não ocorre em todos os países, pois em outros há abundância de equipamento, por exemplo, na Escandinávia, sem que isso traga os sonhados avanços.

Pesquisa com os participantes de outro congresso identificou uma série de problemas com a formação tecnológica oferecida aos professores americanos. Por exemplo, as sessões de treinamento tendem a ser marcadas na pior hora do dia. As decisões vêm de cima para baixo e não contemplam o que os professores precisam. O treinamento é em um bloco único, sem continuidade. A administração da escola não dá os bons exemplos.

No evento da COSN (2010a) foi dito que os professores podem até não saber usar as tecnologias críticas para ensinar os assuntos verdadeiramente relevantes. Mas isso não interessa tanto, pois o problema maior está na sua incapacidade para passar trabalhos inteligentes aos alunos. Ou seja, o ponto de estrangulamento não está no desconhecimento da tecnologia.

Na verdade, é o conteúdo do que a escola deve ensinar que se tornou problemático, quer se usem ou não computadores. Na prática, o computador na sala de aula deixou de ter importância, pois os alunos os têm em casa.

Durante a conferência, houve quem lembrasse que os alunos na França, por gerações, eram obrigados a fazer pesquisas para escrever sobre a Revolução Francesa. Hoje, um professor que passe o mesmo trabalho vai receber transcrições ipsi literis da Wikipédia - provavelmente copiadas sem ler. A estratégia tem que mudar, por exemplo, pedindo para comparar a Revolução Francesa com a americana ou com algum evento recente, pois isso não está na Wikipédia.

Alguns conferencistas afirmaram que há exagero nas afirmativas acerca da inépcia tecnológica dos professores. Eles não são tão incompetentes assim no uso dos computadores. Ao que parece, quase todos os utilizam para planejar suas férias.

Outra visão divergente afirma que o professor não precisa saber usar o computador tão bem assim. Isso porque, mesmo que os alunos não saibam, vão rápido descobrir por conta própria. O professor precisa encontrar as perguntas inteligentes que irão desencadear o processo de raciocínio criativo que levará às respostas. O computador será uma ferramenta conveniente para realizar o trabalho e os alunos sabem disso.

O problema é que os professores são frágeis nas sua competência para ensinar conhecimentos de ordem superior. Ao se postular que sejam aprendidos pela via da informática, o que vai falhar não é o seu manejo dos computadores, mas a sua incapacidade para lidar com tais competências. E o que é pior, esses aprendizados nem são valorizados e nem capturados pelas avaliações convencionais, em geral, feitas na própria escola. Tal como aqui no Brasil, a retórica dos conhecimentos de ordem superior é muito mais presente do que a sua realidade.

Surpreendentemente, análises do Pisa mostraram que, em uma aula típica, 52% do tempo vai para copiar do quadro-negro, 33% para ouvir aulas expositivas, 29% para discussão em aula e 10% para uso dos computadores. Segundo os pesquisadores da OECD, deveria ser 56% para trabalho em grupo, 35% para atividades práticas e 31% diante do computador. Se é algum consolo para nós, esses são dados do que acontece em escolas do Primeiro Mundo.

Vale lembrar o uso cada vez mais frequente do computador como adjunto das apresentações em PowerPoint projetadas na tela. Nada contra, em princípio. Mas tampouco é uma revolução, sobretudo, considerando a péssima qualidade da maioria dos PowerPoints feitos pelos professores.

No todo, o que ouvi não foi nada lisonjeiro para as escolas acadêmicas. Obviamente, fala-se aqui de médias ou tendências centrais. Desempenhos maravilhosos são observados em algumas escolas e algumas salas de aula. Mas o fato de lidarmos com médias nos aponta para o quadro mais geral.

Inovações radicais

O contraponto a esse quadro desanimador das escolas acadêmicas é o avanço vibrante das tecnologias fora desse ambiente tão hostil a elas. Uma das aulas magnas foi dada por Charles Leadbeater, apresentando os resultados de um dos interessantíssimos estudos promovidos pela Cisco. Learning from the Extremes (LEADBEATER; WONG, 2010) é um ensaio explorando as possibilidades de inovação e mudança na escola.

Sem ânimo de resumir aqui os principais resultados, sua mensagem principal é a de que as escolas tradicionais mudam pouco e não são abertas à inovação, tal como o presente ensaio vem insistindo. Talvez por isso, as inovações mais radicais estão aparecendo fora das escolas tradicionais. Quanto mais distante do modelo convencional, maior a chance de ser possível introduzir mudanças dramáticas.

Como disse outro conferencista, o exército americano recruta alunos que fracassaram nas high schools e lhes ensina como consertar submarinos atômicos estacionados do outro lado do globo. Ou seja, não é propriamente a formalização que traz os bloqueios, mas a lógica tradicional das escolas e a valorização de objetivos que apontam para outras direções.

Voltando a Leadbeater, ao longo de muitas viagens a lugares inesperados, ele descobre inovações radicais introduzidas em processos educativos que estão fora das escolas. Foi ver os experimentos de Sugata Mitra que fez um buraco no muro da sua fábrica, dando para a rua, deixando lá um computador funcionando, mas sem qualquer instrução de como usar ou alguém encarregado de fazê-lo. Ao voltar ao buraco, semanas depois, encontrou um sem número de jovens usando o computador com extraordinária competência.

Da Índia, foi às favelas do Rio, para conhecer os experimentos de Rodrigo Baggio, usando computadores para tirar jovens do tráfico de drogas. Em São Paulo, visitou a escola de Ricardo Semler. Em Belo Horizonte, conversou com Tião Rocha que criou formas não convencionais de motivar e ensinar.

Segundo esse jornalista-pesquisador, é preciso reinventar as escolas, pois suas agendas presentes são conservadoras demais. São necessárias soluções radicais. O desafio em todos esses modelos é replicar em escala o que funcionou bem no projeto-piloto. Mas sua observação sugere que é sempre mais fácil inovar fora da escola do que dentro. Esse foi um dos temas recorrentes do evento.

Conteúdos do século XXI

Os números são eloquentes. Mostram que os produtos dos países agressivos do Terceiro Mundo tornam-se cada vez melhores e mais baratos. Com isso, implodem as indústrias tradicionais das nações avançadas, aquelas mesmas que foram a quintessência da Revolução Industrial: aço, tecidos, calçados, ferramentas. E também, produtos das outras revoluções subsequentes, como a eletrônica de consumo.

Nos países de primeira linha, sobrevivem as indústrias de forte conteúdo tecnológico e complexidade. Por via de consequência, crescem as ocupações com alto conteúdo de conhecimento, que demandam competência específica para o seu exercício. Em contrapartida, caem as ocupações de rotina, tanto manuais quanto não manuais.

Tudo isso manda um recado muito claro para os sistemas educacionais: é necessário reforçar as competências de alto nível, bem como as maneiras mais produtivas de trabalhar. Congruente com o pragmatismo da sociedade americana, essas preocupações se traduzem em programas formulados de forma direta e contundente.

Por exemplo, uma das formas elegantes de resumir o novo perfil é identificá-lo com os quatro Cs: Colaboração, Criatividade, Pensamento Crítico e Comunicação. Portanto, é isso que os alunos precisam aprender na escola.

Na sociedade do século XXI, é preciso conviver com a mudança e trabalhar em grupo. É questão prioritária aprender a filtrar e interpretar a informação.

O ciclo de tarefas que tipicamente ganham vigência consiste em (i) investigar o mundo, (ii) formular questões, (iii) coletar evidência e (iv) sintetizar os resultados.

Outra manifestação das mesmas preocupações é a ênfase que começa a ganhar um grupo de disciplinas batizadas como Science, Technology, Engineering and Mathematics (STEM). O programa foi lançado pelo Presidente Bush em 2006 e recebeu apoio das academias de ciência americanas. Embora não seja, em si, um programa apoiado em tecnologias educativas, há uma presunção de que poderia beneficiar-se delas.

Diante das dificuldades de empurrar a escola para que opere nas faixas de onda descritas acima, há certo consenso de que é hora de recorrer às soluções tecnológicas, a fim de obter o que o ensino convencional tem dificuldades de ensinar.

Uma das vertentes do pensamento atual é aceitar que as escolas de qualidade sempre ensinaram a prática do pensamento crítico e vão continuar ensinando. O problema é que são poucas e não há formas realísticas de aumentar muito o seu número, pois se baseiam na qualidade superlativa dos seus alunos e professores.

Diante disso, a tarefa recai nas soluções mediadas pela tecnologia. Os desafios deverão ser formulados e propostos pelo software e courseware. E as formas de avançar serão igualmente apoiadas por produtos tecnológicos. Na verdade, não se trata de criar programas separados ou independentes de escolas e currículos, mas um denominador comum das direções que precisam tomar os currículos e o ensino. Todavia, esses desafios acabam esbarrando no conservadorismo da escola, seja diante da tecnologia, seja diante de conteúdos inovadores.

Novas direções: e outras nem tão novas

A conferência fez vir à tona miríades de assuntos. Alguns são da infraestrutura tecnológica requerida para fazer funcionar soluções cada vez mais complexas e exigentes (largura de banda, resolução gráfica, velocidade de processamento, 4D, cloud etc). Serão mencionadas adiante, de forma bastante sumária. Outros são assuntos voltados propriamente para o ensino, novos ou variantes de soluções clássicas que se tornam mais robustas e disseminadas.

Comunicação e colaboração

Talvez mesmo pela inapetência da escola para usar tecnologias endogenamente, a internet se converteu em gigantesco fórum de intercâmbio e debates. Na esteira da enorme e surpreendente popularidade do FaceBook, Twitter e iniciativas ao estilo Wiki, o congresso mostrou alguns experimentos cujos números de participantes impressionam. A ideia subjacente é que, ao interagir com outras pessoas por via de comunicações eletrônicas, é possível estimular aprendizados de grande relevância, sem ser muito atrapalhado pelo ritmo pachorrento da escola.

E-pals é uma versão eletrônica dos tradicionais programas de trocas de cartas entre alunos de escolas diferentes, em países diferentes. Com a internet, desaparecem os problemas mecânicos de enviar a carta, esperar para que chegue e seja respondida. Cartas abrem o horizonte dos alunos, trazem informações sobre outras culturas e melhoram a capacidade de redação. Na versão eletrônica, muitos cuidados foram tomados para aumentar a segurança de cada etapa do processo. O programa tem hoje 27 milhões de participantes, número bem impressionante.

Outro programa no gênero, Taking It Global (TIGED) tem mais de quatro milhões de participantes (TIGED, 2010). Trata-se de uma comunidade de educadores que trocam experiências. É muito nas linhas atuais de trabalhos colaborativos entre pessoas com interesses comuns. Há hoje mais de 30 fóruns de discussão de problemas, como meio ambiente, sexualidade, aprendizado e educação, etc.

O European Schoolnet (2010) soma dois milhões de participantes. Trata-se de uma rede que inclui 31 ministérios de Educação europeus. A rede aborda três grandes temas: (i) políticas, pesquisa e inovação; (ii) serviços para escolas e (iii) compartilhamento de recursos didáticos.

International Education and Resource Network (iEARN) é um software de colaboração entre alunos de lugares diferentes. Há fóruns em 31 línguas (IEARN, 2010). São selecionados projetos de interesse de grupos específicos. Há projetos em que os alunos estudam fontes locais de energia limpa. Há outros sobre proteção ambiental. De grande interesse para o Brasil, sobretudo para a região Norte, é um projeto sobre silvicultura sustentável. O aprendizado não é pela pregação, mas pela observação do resultado de ações empreendidas pelos próprios alunos. Em um dos projetos em curso, os jovens aprendem que cortar as árvores da floresta amazônica é uma péssima ideia.

A NASA tem um programa de pesquisa científica "de verdade", o Globe Program (NASA, 2010), no qual os jovens participantes se envolvem na fase de coleta e análise de dados em suas respectivas regiões. Os assuntos têm a ver com clima, condições físicas, hidrologia e solos.

Frequentemente, contendo, boa dose de colaboração, estava presente nas exibições a nova geração de programas que induzem os alunos a criar e contar histórias (INTERACTIVE..., 2010). Essa é uma linha promissora, do ponto de vista da ciência cognitiva. Curioso notar, os conferencistas, pouco falaram sobre isso.

Tudo indica que essas atividades podem vir a ser uma solução intermediária entre os "extremos" do ensaio da Cisco e o modorrento ritmo das escolas. Dependem menos de grandes esforços das escolas, são conduzidas pelos próprios alunos e com relativamente pouca intervenção dos professores.

Esse ponto nos leva a repetir um dos grandes temas subjacentes a muito do que se disse. Os jovens estão aprendendo fora da escola, usando intensivamente a tecnologia. Eles modulam seu aprendizado, tomam decisões próprias e enriquecem a sua experiência na direção que lhes apraz. Na medida em que for possível empurrar um pouco essa motivação para conteúdos e aprendizados mais significativos, consegue-se a síntese que dentro das rotinas tradicionais da escola não tem sido possível obter.

Celulares na educação3 3 Para um resumo da posição dos organizadores do evento sobre o uso de celulares, ver COSN (2010b).

Comparado com o computador, o celular apresenta certas vantagens. Alguns observadores já estão dizendo que se torna a tecnologia mais relevante para o ensino. Não enguiça, é maior a duração da bateria, tem mais portabilidade. Outro aspecto crítico é ser fácil de usar. Fala-se que o i-phone criou uma interface que é muito mais simples do que a do próprio Macintosh. De fato, o ipad não é um Mac simplificado, mas um i-phone gigante. Alguns chegam a dizer que essa interface algum dia vai migrar para o Mac.

Isso tudo seria especulação ociosa se a juventude já não houvesse migrado para o celular e quase abandonado o computador - notebook ou de mesa. De fato, pesquisas mostram que muitos jovens quase não usam computadores. Há mesmo indicações iniciais de que as escolas não sabem o que fazer com seu parque gigantesco de computadores.

Daí o enorme interesse nos últimos anos em fazer migrar para os celulares muito do que se fazia nos computadores. Crescem, em ritmo acelerado, os aplicativos para celulares voltados para a educação.

E crescem também as pesquisas sobre o que acontece, quando se usa telefone para aprender. Obviamente, os resultados são ainda provisórios. Mas algumas tendências já começam a emergir.

Para obter informações, o telefone é melhor do que para criar alguma coisa com ele, mais adiante. De positivo, sabemos que podem desenvolver as habilidades básicas e desenvolver vocabulário (mensagens pequenas e frequentes são favoráveis para isso). Do lado negativo, telefones e outras engenhocas no gênero oferecem incontáveis oportunidades como "máquinas de colar" na prova. Sinal óbvio que as provas são mal formuladas, pois exigem memória e não raciocínio.

Dado o seu baixo preço e a migração crescente de capacidades técnicas desejáveis para a educação (como SMS, telas maiores e melhores, MP3, vídeo), é inevitável que acabe chegando no Brasil também a nova moda. Nesse sentido, estará à frente da concorrência quem começar cedo a desenvolver programas para educação assistida por celulares.

Explosão dos livros digitais

Trata-se de um nascimento anunciado. O livro digital é um destino inevitável. Contudo, não há razões para crer que isso seja a morte anunciada do livro em papel.

Com gastos de duplicação próximos de zero, não há ceticismo que resista a tais custos. No entanto, apesar de haver sido previsto, faz tempo, pouco vinha acontecendo.

Eventos recentes precipitaram o que parece vir a ser uma revolução maior. Com sua gigantesca capacidade de negociar com livreiros - uma estirpe muito saudosista - a empresa Amazon tinha todos os incentivos para criar o Kindle.

A liderança da Apple nas inovações e seu séquito de admiradores se juntou à sua experiência exitosa no i-tunes. A Apple revolucionou a distribuição de música e acha que vai fazer o mesmo com livros, graças ao i-pad.

Curioso notar, a Apple tomou caminho diferente da Amazon. O Kindle é um leitor de uma nota só. Provavelmente, será vencedor para as leituras de ficção. O i-pad é bem mais versátil, o que o aproxima das necessidades da educação.

Seja como for, são dois pesos pesados forçando a entrada. Só não sabemos se haverá grande séquito de empresas menores ou se o mercado será muito concentrado nos dois. Note-se que o número de modelos de outras empresas já é expressivo e parece haver espaço para um mercado "genérico", dada a quantidade de livros de domínio público digitalizados.

O software Blio (2010), de distribuição gratuita, está sendo louvado como alternativa interessante, pois permite leitura fácil de mais de um milhão de livros e é independente de plataforma. Além disso, preserva a aparência do livro original e permite anotações, bem como a transferência definitiva do arquivo para o computador de cada usuário.

Mas tudo indica que o grande catalisador de uma migração acelerada para o livro digital seja a crise de 2009, pois alguns estados americanos encontram-se em posição financeira muito vulnerável. Está literalmente falida a Califórnia, com seus seis milhões de alunos e toda a motivação para economizar no livro de papel, diante de cortes orçamentários assustadores. Texas, Florida e Maine, por razões semelhantes, resolveram também empreender a migração dos seus livros-texto, passando para a versão digital. À exceção do Maine, são estados enormes. Seu peso catalisa a entrada do livro didático digital.

Os números são eloquentes. Na Califórnia, os seis livros didáticos distribuídos anualmente a cada aluno somam 600 US$. Ora, isso é mais do que o preço de um Kindle ou i-pad - cujas cotações para estados grandes podem ser bem inferiores.

O Texas gasta 800 milhões de US$ por ano em livros didáticos e os orçamentos também estão sendo severamente cortados. Daí a decisão do seu governo de entrar no livro digital. A economia é expressiva, embora haja ainda muitos problemas práticos, tais como a disponibilidade de hardware para os alunos. Ficou acertado que cada distrito educacional terá ampla liberdade de decidir como fazer. Fala-se muito em permitir que os alunos tragam seus equipamentos de casa, diante da inadequação da rede de computadores instalada nas escolas. No fundo, a introdução do livro digital foi imposta por razões econômicas. Ninguém sabe como vai mudar o funcionamento das escolas.

Todos os estados mencionados optaram pelo que estão chamando de open source, embora o termo seja meio obscuro. Para simplificar, o governo recebe gratuitamente os originais com seus respectivos direitos autorais e os transforma em um livro digital de domínio público, dando pleno acesso a ele. Os conteúdos deverão migrar para a web. Os livros adotados têm que ser neutros com relação à plataforma (Windows, Mac ou Linux).

De momento, os estados não pretendem pagar às editoras pelos materiais. Segundo entendi, já são donos dos direitos autorais. Mas como serão financiados os livros futuros? Parece inevitável que os estados pagarão às editoras para produzir novos livros digitais. Mas isso não ficou claro para mim.

Um livro em papel leva três anos para ser preparado. A sua versão digital deverá ser aprontada em quatro meses. E obviamente, com a facilidade de poder estar sempre atualizada.

As primeiras versões dos livros serão pouco mais do que o texto preexistente em PDF, colocado na web. A migração para celulares terá lugar breve. Estima-se que, em um par de anos, os livros passem a ser bem mais interativos, com hiperlinks, simulações e todo os apetrechos dos programas clássicos dos softwares tutoriais.

Nesse sentido, estamos diante de uma competição interessante. Há um bom número de empresas que fazem programas tutoriais para ensinar assuntos convencionais do currículo. São, em geral, programas com pouco texto e muitas simulações, bem como todos os "balangandans" dos jogos e animações4 4 Veja-se, por exemplo, as seguintes empresas: Aventa Learning (2010), cobrindo dezenas de disciplinas: Core Learning (LEARNING..., 2008); Atomic Learning (2010); RM Education (2010). . Será que elas serão capazes de vender aos governos uma evolução desses programas, mais completos e aderentes aos currículos oficiais?5 5 Sobre a transição para o livro digital, ver Edutopia (GEORGE LUCAS EDUCATIONAL FOUNDATION, 2010a).

As editoras convencionais de livros serão desafiadas a oferecer um conteúdo mais interativo às versões digitais dos seus livros. E as software houses terão interesse em dar uma cara de livro aos seus programas tutoriais, de olho nos contratos públicos. Quem chegará lá primeiro? Um dos conferencistas afirmou que empresas tradicionais são grandes e rígidas demais para conseguirem o salto requerido.

Jogos educativos saltam das telas para o mundo real

Um jogo se define como um conflito artificial, onde há regras que permitem chegar a um resultado quantitativo. Com esse paradigma, os desenvolvedores de jogos criaram imensa variedade de produtos.

Mas certamente, dentre os jogos, os educativos são minoria. Mais ainda, há alguma evidência de que seu mercado encolhe. De fato, primaram pela ausência no evento do COSN. Será que isso confirma (uma) queda na sua popularidade? Fica a pergunta.

É uma pena, pois jogos como SimCity têm (um) enorme potencial de fazer o aluno pensar sobre as consequências de decisões relacionadas ao funcionamento de uma cidade. Com ele, há muitos outros jogos propondo situações realísticas e com grande atratividade para escolares.

O que vimos no encontro foi a nova direção que tomam os jogos educativos, representada por uma empresa holandesa, a Creative Learning Lab (2009). A proposta é criar jogos que saem da tela. Ou seja, o jogo é provocado pelo que está na tela do computador ou do telefone. Mas leva os seus participantes para a rua, a fim de realizar as tarefas encomendadas. A ideia mais próxima disso seria uma gincana gerenciada por computador. Só que é uma gincana com um componente educacional explícito.

No exemplo mostrado, os jovens devem orientar-se pelas ruas da cidade ou em parques, seguindo instruções precisas e usando o GPS do telefone. Mas a planta da cidade faz referência ao que era o local em tempos medievais. Dessa forma, o jogo ensina orientação, leitura de mapas e promove um mergulho no mundo medieval da cidade, com a correspondência exata dos locais de então e de hoje.

É um jogo feito para Amsterdam e exigindo condições muito particulares de software e conhecimentos. Mas a ideia de usar jogos para criar uma gincana que motiva o aluno a entender muitas coisas do mundo físico não é de se desprezar.

Os autores do jogo retomam o mesmo comentário que ouvimos em outras sessões. A escola bloqueia a inovação, embora os alunos precisem de atividades que estimulem a criatividade e a flexibilidade. Mas no fundo, para que funcione além dos "projetos piloto", é preciso que o jogo substitua parte do currículo. Não há como prever sucesso se o tempo do jogo se soma ao que já acontece na rotina sobrecarregada da escola.

Educação a distância: a grande vitória da tecnologia

Não se pode dizer que o tema Educação a Distância (EAD) tenha sido o mais festejado durante o evento. Na verdade, havia relativamente pouco sobre o assunto, talvez por não ter tantas novidades assim.

Mas em contraste com as dificuldades de trazer os computadores para dentro da salas de aula, seu desempenho representa dupla vitória. Em primeiro lugar, os números são expressivos e a expansão rápida. De fato, desde 2007, o crescimento foi de 50%. Em segundo lugar, as avaliações são confiáveis e mostram resultados positivos.

No ensino básico americano, 75% dos distritos educacionais oferecem cursos a distancia. Não necessariamente muitos alunos estão fazendo tais cursos, mas essa modalidade continua se expandindo.

No nível superior, observou-se aumento de 17% na matrícula em cursos a distância. Mais de um quarto dos universitários fizeram, pelo menos, um curso pela Internet.

Pesquisas mostram que os cursos a distância são percebidos como respostas aos problemas práticos de escolas pequenas e de alunos com necessidades muito particulares. Assim, as grandes apreciadoras da EAD são as escolas rurais que não têm condições de oferecer todas as disciplinas que os alunos gostariam de cursar. Por exemplo, oferecem a possibilidade de fazer um curso de alemão ou português, para o qual não haveria professores locais ou um número suficiente de interessados. Também, atende a alunos que querem versões mais avançadas das disciplinas oferecidas na sua escola (tipicamente, matemática).

Professores consultados acham que o aprendizado é inferior ao do ensino presencial. Há resistências e algum medo de que sejam substituídos. Não obstante, há várias pesquisas comparando o EAD com o mesmo curso oferecido presencialmente. Os resultados são eloquentes, o EAD é tão bom e, com frequência, melhor. Ainda mais positivos são os cursos híbridos, combinando distância e presencial. Estima-se que esse será o modelo predominante de educação no futuro.

O surgimento de cursos de EAD dentro de instituições tradicionais, como universidades, está provocando uma consequência inesperada. Como foi observado no evento aqui descrito - e alhures -, as transformações desse tipo ocorrem em instituições que escapam às regras e imposições da rotina. A criação de cursos de EAD se dá em núcleos relativamente independentes. Neles, há mais liberdade de introduzir inovações como computadores ou o que seja. Portanto, são cursos que incorporam uma dose muito maior de tecnologia. Oferecidos em contextos muito próximos do ensino tradicional, podem "contaminar", para o bem, as suas práticas mofadas e vetustas.

Cadê a TV educativa?

Nos países de Primeiro Mundo, a televisão educativa gorou de forma quase universal. Isso porque, os sistemas convencionais são eficazes e já têm mais capacidade do que o necessário para absorver os alunos existentes. Assim sendo, a televisão educativa sempre se caracterizou por ser limitada e desprovida das vantagens de uma grande escala de operações. Não passa de cursos de extensão de má qualidade, oferecidos por colleges e universidades de segunda linha. Não há nada comparável a um Telecurso 2000 ou uma Telesecundária (México).

O evento de Washington reflete essa TV educativa apagada e agonizante. Nada foi mostrado. Mas houve uma exceção. De resto, é a mesma de antes, mas que não pode ser considerada, a rigor, uma televisão educativa, pois é para a pré-escola. Trata-se de (um) novo programa do Sesame Street (Vila Sésamo): a Ilha de Panwapa (2010).

Vale a pena prestar atenção no que faz essa empresa, pois as avaliações do programa Sesame Street foram altamente positivas. O novo programa é muito complexo na sua concepção, pois inclui os conhecidos filmes com personagens da Vila Sésamo, mas tem também um contexto de jogos, com (um) baralho especial. A configuração dos jogos pode variar, de acordo com a decisão dos organizadores. As lições ensinadas são sobre geografia, meio ambiente e cidadania global.

Infraestrutura tecnológica

O ensino convencional é pouco vulnerável aos enguiços de infraestrutura. Se a sala não está desabando, há luz e quadro-negro, é possível oferecer educação de qualidade. Mas se a banda não é larga, cai a linha com frequência, as máquinas não tem velocidade para o software usado, nesse caso, praticamente se inviabiliza o emprego da tecnologia.

Cá nos trópicos, botamos olho gordo na infraestrutura da Europa e Estados Unidos. Mas, surpresa, ela não é tão boa assim. Com toda a sua majestade tecnológica, a Alemanha tem um computador para cada 11 alunos. Até três quartos dos alunos estão conectados em casa, mas na escola, os números são muito mais modestos. Ademais, os professores são mais velhos e não têm incentivos para aprender a usar a tecnologia.

Nos Estados Unidos, também há um computador para cada 11 alunos. A desatenção para a tecnologia foi ilustrada por um conferencista que mencionou haver encontrado salas de aula com apenas duas tomadas. A rede de máquinas está envelhecida (25% com mais de cinco anos) e os recursos para sua manutenção e renovação estão sendo cortados. De fato, os orçamentos federais para tecnologia nas escolas estão congelados. Pesquisa junto aos professores mostrou que 73% achavam inadequado o nível de apoio técnico oferecido pelas escolas (Há 2410 alunos para cada técnico em informática). Uma dolorosa conclusão parece inevitável. Os computadores envelheceram e se tornam obsoletos antes que a escola conseguisse se mobilizar para usá-los.

Um computador por aluno, One Laptop Per Child (OLPC) é a nova mantra. Mas o avanço é lento, apenas um estado implementou, o Maine6 6 Para um vídeo sobre o OLPC no Maine, ver George Lucas Educational Foundation (2010b). .

Começam a aparecer as primeiras avaliações dessa política. Não se observou necessariamente aumento no rendimento escolar. Se a escola se prepara para usá-los, se há empenho das equipes, os resultados tendem a ser positivos. Mas há dados para dizer que só implementar OLPS não traz avanços no aprendizado. Como os professores têm alto grau de controle sobre o que acontece na aula e sobre a forma de usar os computadores, muito depende deles (STANSBURY, 2010). De fato, ter mais computadores na aula não muda a equação sociológica que engendra o bloqueio de usos mais intensos e mais interessantes, tal resultado poderia ser esperado.

O tema Web 2.0 reaparece com bastante ênfase. De fato, várias sessões foram dedicadas a ele. Ao contrário do que pode parecer, não é apenas uma questão de velocidade de transmissão de dados. É um termo com certa ambiguidade, denotando o uso da rede como plataforma, justificado pela mobilização da inteligência coletiva. Em certa medida, baseia-se no mesmo princípio da Wikipédia.

O Whiteboard interativo é uma das tecnologias que parecem destinadas ao sucesso. Parente próxima do PowerPoint, é simples de usar e facilita a vida do professor. Não obstante, foi observado que, para tirar partido dos seus potenciais, se requer um uso mais sofisticado e premeditado.

Ainda na área do hardware mais visível para o usuário, as maquininhas de votar e de responder a perguntas estavam bastante presentes nas exibições. Lá também estavam todos os outros gadgets de desenho, de robótica e de música. Mas curiosamente, seu uso e seus problemas não compareceram com igual assiduidade nos painéis do congresso.

Cloud Computing é a moda tecnológica mais festejada, por criar arquivos centralizados e atualização automática do que está armazenado nas pontas. Possivelmente, trará seus ganhos. Mas como o êxito para o aprendizado passa por outros caminhos, não fica claro se poderá acrescentar vantagens tangíveis.

Open Source é um tema que, lá como cá, tanto tem de técnico como de ideológico. Muitos professores temem o mercado, mesmo nas Mecas do capitalismo. Assim sendo, comprar de fornecedores como a Microsoft é visto como fazer um pacto com o diabo (isso vem mais de conversa de corredor do que das apresentações formais). Portanto, há muitos seguidores do software livre e de outras formas de domínio público dos conteúdos (Não reflete esse comentário nenhuma oposição do autor ao movimento do open source, vai apenas o registro sociológico).

No geral, o tema infraestrutura tecnológica ficou muito mais por conta dos expositores, embora várias sessões discutissem inovações na área. Diversas empresas mostraram redes, software de controle acadêmico, de avaliação de rendimento escolar e sistemas de autor voltados para professores. Havia também empresas produzindo programas para facilitar a combinação de imagens com as aulas preparadas por professores. Todavia, grande parte dessa problemática não apareceu nos painéis.

Recebido em: 22/03/2010

Aceito para publicação em: 19/05/2010

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  • Saga do computador mal-amado

    Saga of the unloved computer
  • 1
    Ver lista das sessões e conferencistas em COSN Conference (2010a).
  • 2
    O catálogo arrola 160 empresas mostrando seus produtos.
  • 3
    Para um resumo da posição dos organizadores do evento sobre o uso de celulares, ver COSN (2010b).
  • 4
    Veja-se, por exemplo, as seguintes empresas: Aventa Learning (2010), cobrindo dezenas de disciplinas: Core Learning (LEARNING..., 2008); Atomic Learning (2010); RM Education (2010).
  • 5
    Sobre a transição para o livro digital, ver Edutopia (GEORGE LUCAS EDUCATIONAL FOUNDATION, 2010a).
  • 6
    Para um vídeo sobre o OLPC no Maine, ver George Lucas Educational Foundation (2010b).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2010
    • Aceito
      19 Maio 2010
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