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Editorial

EDITORIAL

A formulação de políticas públicas em educação é cada vez mais baseada em evidência, proveniente da pesquisa científica e de estudos de avaliação educacional. Assim, assistimos a desenvolvimentos muito rápidos em termos da influência da avaliação educacional na definição e avaliação de políticas públicas. Deparamo-nos com uma onda crescente na implementação de sistemas de avaliação que têm como propósito a responsabilização, mutias vezes, com consequências de alto risco ao nível dos indivíduos e das instituições. Tais sistemas são baseados em métodos estatísticos. Conferindo-lhes centralidade, suscitam também uma nova agenda para a pesquisa em avaliação educacional, em estatística e, em particular, em estatística educacional, nos termos genericamente definidos pela Encyclopedia of Statistical Sciences.

De acordo com uma das primeiras definições, a avaliação educacional trata do processo de determinar em que medida os objectivos educacionais são efetivamente atingidos. Circunscreve-se nesta definição a análise dos efeitos de políticas e programas nos indivíduos, grupos, instituições e comunidades. Através de métodos objectivos e sistemáticos, a avaliação afere o grau de realização das metas face às estabelecidas, considerando o processo, os resultados e o impacto, e procura os fatores associados ao sucesso ou insucesso dos resultados alcançados.

Face à necessidade impreterível e criteriosa de proceder a uma seleção, optámos por dar prioridade ao desenvolvimento de temas emergentes e prementes na agenda da pesquisa científica e na implementação de políticas públicas brasileira e portuguesa.

Este número especial contempla a universalidade do saber, do pensamento e da prática, sem todavia, descurar a importância de reconhecer e valorizar a existência de uma agenda de investigação própria, face às características históricas, estruturais e conjunturais comuns ao Brasil e Portugal. Neste sentido, temos presente duas realidades: a primeira, à qual aludimos acima, é a de que a avaliação educacional é uma atividade que acontece no contexto político: as políticas e programas avaliados são criações de decisão política; a avaliação tem por objetivo último dar feedback para a tomada de decisão e, como tal, os seus resultados têm implicações na arena política; a avaliação é, por natureza, uma atividade política na perspectiva, menos consensual, de que pode ou não legitimar políticas ou programas; e, adicionalmente, a produção de conhecimento científico nas áreas em apreço está fortemente dependente da política de financiamento nessas áreas. A segunda realidade apoia-se na ideia de melhoria educacional e, de modo mais amplo, melhoria social, implícita a qualquer processo de avaliação.

Ora, nos nossos países, tem-se verificado a implementação em ritmo acelerado de sistemas de avaliação educacional que visam à comparação do desempenho

profissional e institucional, apesar de ainda nos depararmos com desafios metodológicos e técnicos consideráveis para que os resultados efetivos da avaliação contribuam efetivamente para a melhoria da educação e para a prosperidade da sociedade. A comparação do desempenho pode ser bastante produtiva para os envolvidos quando é bem feita. Quando mal feita, pode ser muito custosa, e não apenas inútil, mas prejudicial e até mesmo destrutiva. Contribuições recentes têm mostrado que é possível obter estimativas da eficácia das escolas na promoção das aprendizagens, sendo estas aferidas por testes padronizados. Embora ainda se verifiquem preocupações em torno da precisão dessas estimativas, alguns mentores de política educativa têm sido demasiado entusiastas na incorporação dessas estimativas como indicadores de desempenho nos sistemas de avaliação educacional. As propriedades associadas a esses indicadores são, assim, cruciais para a legitimidade desses sistemas, particularmente quando são usados com consequências de alto risco.

Nestes termos, o principal objetivo do número especial de ENSAIO que aqui se apresenta é contribuir para a discussão fundamentada das potencialidades e limitações de tais sistemas e estudos de avaliação educacional de modo a que as potencialidades sejam maximizadas e as limitações devidamente equacionadas e ultrapassadas.

Com o olhar retrospectivo e prospectivo, Domingos Fernandes traz-nos um enunciado dos principais desafios da área nas suas múltiplas vertentes. Segundo o autor, realizar estudos de avaliação que traduzam cada vez melhor as realidades, exige que se conheçam em profundidade os seus desenvolvimentos teóricos e que se dominem questões críticas tais como a sua natureza formal e informal, a sua natureza como disciplina, as suas relações com a qualidade e as implicações das opções epistemológicas e metodológicas que se fazem. Para tal, aponta que o futuro da avaliação tem necessariamente de passar por uma melhor integração teórica, uma melhor articulação entre diferentes perspectivas epistemológicas e metodológicas e uma inequívoca cooperação e colaboração entre avaliadores e investigadores de uma diversidade de disciplinas (e.g. educação, estatística, economia, avaliação, sociologia).

Tal como acima mencionámos, a produção e o uso de medidas de desempenho ou de resultados escolares, é um tópico central em avaliação, tanto na perspectiva individual como institucional. O tema é tratado por Ruben Klein e por Bernard Veldkamp e Mariagiulia Matteucci, no que concerne à classe de modelos de resposta ao item, Ruben Klein aborda diversos tópicos relacionados com as escalas de proficiências e detalhes metodológicos na produção da medida, concretamente da sensibilidade das estimativas obtidas à configuração e estrutura dos testes. O tema é retomado por Bernard Veldkamp e Mariagiulia Matteucci que apresentam inovações metodológicas na aplicação de testes computarizados. Nilma Fontanive apresenta uma retrospectiva sobre as principais aplicações verificadas no Brasil e também se debruça sobre o uso da avaliação das aprendizagens em larga escala quanto à sua tradução na melhoria do ensino-aprendizagem e no uso da avaliação em sala de aula.

Na perspectiva profissional e institucional, a produção e uso de medidas de desempenho são assuntos tratados, com diversos enfoques, por Harvey Goldstein, Henry Braun e por Maria Eugénia Ferrão e Alcino Couto. Harvey Goldstein descreve aspectos da avaliação de iniciativas de política educativa tais como o efeito do tamanho da escola, a responsabilização sob a forma de listas ordenadas de escolas, a eficácia dos “trabalhos para casa”. Adicionalmente, o autor mostra exemplos ilustrativos de como os achados da pesquisa científica podem ser avaliados e deles retiradas lições para uma melhor interação entre mentores de política educativa e investigadores, estabelecendo um enquadramento que fortalece e valoriza a evidência científica e a sua transferência à sociedade. Henry Braun descreve o ímpeto com que nos Estados Unidos da América as políticas de responsabilização têm sido adotadas, com consequências de alto risco para professores. Com elas tem aumentado o interesse nos indicadores de valor acrescentado aplicados à avaliação do desempenho docente. O autor enuncia formas alternativas de considerar tais abordagens metodológicas de modo a contribuir construtivamente para a melhoria da educação, em particular, da docência. Maria Eugénia Ferrão e Alcino Couto exploram a abordagem de valor acrescentado no contexto da literatura de eficácia escolar e debatem aspetos sobre o uso do indicador de valor acrescentado, sobre os problemas de escolha do modelo estatístico e o das propriedades de consistência e estabilidade do indicador, considerando o contexto educacional brasileiro.

Muitos outros temas chave dos métodos estatísticos em avaliação educacional transbordam este número especial. Por diversas razões, entre elas, a da impossibilidade de os tratar cabalmente em um único número.

Nossos agradecimentos, por ordem alfabética, a todos que colaboraram para a concretização deste projeto editorial realizando arbitragem científica de acordo com o método de revisão duplamente cego: Coral Gonzalez, Dalton Andrade, Fatima Alves, Luis Lizasoaín Hernandez, Luiz Carlos Freitas, Nigel Brooke, Patrícia Mota Costa, Pedro Nuno Oliveira, Romualdo Portela e Tufi Machado Soares.

Maria Eugénia Ferrão & Ruben Klein

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013
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