Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

Este número da revista Ensaio é comemorativo de sua publicação ininterrupta nos últimos vinte anos, período de tempo em que ganhou o reconhecimento nacional e, até mesmo, o de outros países, por sua atuação nos estudos de avaliação e políticas públicas educacionais. Nesta oportunidade, aproveitamos o ensejo para renovar o compromisso do Corpo Editorial com seus leitores para manter a qualidade da revista, de forma a assegurar sua contribuição para o conhecimento educacional.

Convivência escolar é um tema educacional que aparece com importância crescente nas preocupações dos estudiosos dos fatores que dificultam a aprendizagem dos alunos. A diferença entre as escolas e turmas passíveis de enfrentar desordens na sala de aula e aquelas onde o currículo, em seu calidoscópio formativo e informativo, encontra condições favoráveis de desenvolvimento, acabam por gerar discrepância excessiva nos níveis de aprendizagem, que tende a se ampliar com o tempo.

A violência escolar, como fenômeno social de grande impacto, é um fato. Sua ocorrência não se dá de forma isolada, posto que permeia as atividades sociais, desafiando uma compreensão que tem a amplitude das dimensões do problema. Um traço marcante desse dossiê é o da diversidade de situações que apresenta e que exige levantamentos que abordam a natureza dos problemas em tela e a diversidade de instrumentos necessários para dimensionar a natureza diferenciada da violência, que não se restringe a uma modalidade dessa violência ou a um setor da sociedade.

O artigo inicial lida com um tema abrangente, qual seja, a aprendizagem socioemocional. O título do artigo, "Aprendizaje socioemocional em estudiantes de quinto e sexto grado: presentación y evaluación de impacto del programa BASE" sinaliza a importância desse programa, fazendo uma descrição detalhada de procedimentos, variáveis, fontes de dados, objetivos e resultados. Seus autores são Neva Milicic, Lidia Alcalay, Christian Berger e Pilar Álamos. A ênfase do programa é o desenvolvimento dos vínculos interpessoais de qualidade e das competências necessárias. Os resultados mostram um impacto significativo positivo do programa na autoestima e na integração social, além da percepção do clima social dos estudantes que eram parte do programa, comparado favoravelmente com o grupo de controle. Esses resultados são apresentados na perspectiva de suas implicações para intervenções educacionais futuras.

O artigo seguinte, "El Reglamento Escolar como Eje de Análisis de La Convivência em La Escuela", de autoria de Azucena O. Cervantes e Evelyn Diaz-Martinez, coloca em destaque a importância dos regulamentos escolares no convívio escolar, ajudando na formação de comportamentos aceitáveis e, até mesmo, desejáveis. Porém, um levantamento realizado junto a dois grupos de alunos, constituídos de 1.436 estudantes da 3ª à 6ª séries do ensino primário, e de 1.275 alunos do ensino médio, revela o pouco uso do regulamento escolar, devido ao seu desconhecimento pelo alunado, tanto do primário, como do secundário. Quando o regulamento escolar é utilizado, seus efeitos comportamentais positivos são notados. O levantamento dos dados é complementado com uma discussão sobre os diferentes aspectos tratados na literatura de forma a permitir ao leitor aprofundar uma compreensão ampla do tema.

O terceiro artigo deste dossiê, intitulado "Escola e Polícia em três países: vinho novo em odres velhos ou a crise das instituições" foi escrito por João C. Cardoso, Candido A. Gomes e Edna U. Santana. Aborda o tema da violência nas escolas, que tem levado à presença cada vez maior dos policiais aos estabelecimentos de ensino. É um trabalho comparativo quando considera particularidades da convivência escolar em três países: Brasil, Portugal e França. Tal trabalho analisa, nesses países, as relações entre escolas e polícia, em tempos de crise institucional da chamada pós-modernidade. Nesse cotejo, verifica-se que tais relações correspondem ao quadro institucional e administrativo de cada país, sendo as normas reinterpretadas na realidade social, afastando-se com frequência do tipo ideal burocrático. Nessa dinâmica, verificam-se arriscados desvios e superposições de papéis de educadores e agentes. Diversos projetos têm buscado superar a distância entre policiais e jovens, cujos papéis sociais e aparências os opõem sob a lente de estereótipos, em parte fundamentados em fatos. Propõem-se novos rumos para novas pesquisas.

Em a "Melhoria da qualidade educacional e redução da violência através da abertura de escolas públicas nos finais de semana; uma avaliação quantitativa", Marco T. A. França, Rogério A. Duenhas e Flavio de O. Gonçalves abordam o impacto da abertura de escolas curitibanas da primeira fase do ensino fundamental nos finais de semana às comunidades que estão localizadas em áreas vulneráveis. As questões analisadas serão sobre a violência percebida pelos diretores de escola e sobre a aprendizagem dos estudantes. O método estatístico empregado na análise da violência foi o de mínimos quadrados ponderados por propensity score e para os aspectos envolvendo a qualidade foi empregado o diferenças em diferenças. Os resultados mostram que o programa teve impacto positivo sobre algumas dimensões da violência, como a melhoria no relacionamento entre o corpo discente, redução de crimes contra a propriedade e tráfico de drogas dentro da escola. Todavia, os resultados mostram impactos negativos sobre o desempenho médio das escolas. Conclui-se que o programa, apesar de verificar melhorias no ambiente escolar, ainda não consegue melhorar significativamente a qualidade da educação.

Lisiane A. Saraiva e Adriana Wagner discutem as relações entre escola e os alunos e seus familiares num artigo intitulado "A relação família-escola sob a ótica de professores e pais de crianças que frequentam o ensino fundamental." Essas distintas perspectivas são retratadas incorporando várias assimetrias existentes. Para desenhar as perspectivas, são organizados dois grupos focais; um com professores do ensino fundamental e outro com pais de alunos. A partir da análise de conteúdo, as informações do grupo focal com os docentes configuram diversos temas. De forma semelhante, a análise de grupo dos pais gerou outros tantos temas. As conclusões remetem a uma realidade perfilada por fronteiras difusas entre família e escola, revelando dificuldades que obstruem essa relação e convergem para um jogo de culpabilidades mútuas.

Em "Diversidade e padronização nas políticas educacionais: configurações da convivência escolar", suas quatro autoras, Ana Maria Eyng, Maria Lourdes Gisi, Romilda Teodora Ens e Thais Pacievitch, propõem reflexões sobre as relações entre as políticas educacionais e a convivência escolar, trazendo para a discussão e triangulação entre dados empíricos, traços da legislação educacional recente e argumentos de autores contemporâneos. O estudo enfatiza as contradições entre diretrizes políticas de currículo e avaliação, pois, enquanto para o currículo o princípio é a diversidade, a avaliação está marcada pelos traços da padronização. Nesse sentido, é indagado: de que modo os princípios e práticas da diversidade e da padronização incidem no contexto escolar? Os resultados apresentam indícios de tensões, divergências e possíveis conflitos que pautam as percepções e ações de professores e estudantes no cotidiano escolar.

No artigo "Memória coletiva e insurgência contra o olvido: em favor da convivência na escola", Roseli Fischmann analisa como o abandono amnésico, a que o Estado e a sociedade brasileira têm relegado a memória coletiva, pode impactar a convivência escolar. Este estudo é comparativo, com base em levantamentos, biográfico e documental. Procura discutir o direito à memória como fonte de transformação social, em especial na escola. Pontua a reflexão de Habermas sobre o "Memorial às vítimas da Guerra e da dominação violenta", em Berlim. Adicionalmente, o trabalho inclui temas ligados à discriminação a indígenas e negros no Brasil. Aborda os dispositivos constitucionais que repercutem meios uteis para auxiliarem na definição de políticas públicas. Como se vê, existe uma forte ligação entre os múltiplos temas mencionados e a forma enriquecedora com que são apresentados.

Os autores Alvaro Chrispino e Daniel Evangelho Gonçalves, em seu artigo "Políticas públicas sistêmicas para a redução da violência: a visão de futuro e a resiliência", partindo de episódios de violência escolar recentes, procuram demonstrar a importância das medidas de prevenção da violência estruturadas em políticas publicas eficazes materializadas na visão de futuro e na superação das dificuldades. Assim, a escola deve ser um espaço de proteção, aprendizagem e socialização, contribuindo para a resiliência do aluno, adaptando-o às adversidades; e deve criar para essas crianças e jovens estímulos e condições para se tornarem atores de seu próprio futuro.

Assim, este número acrescenta mais algumas peças ao mosaico do conhecimento, reunindo contribuições de pesquisadores do âmbito ibero-americano. Trata-se de um mundo histórico, cultural e linguístico com cerca de 600 milhões de pessoas, falando os idiomas português e espanhol em vários continentes. Tendo ingressado no cenário da História, em maioria durante o processo globalizante das Grandes Navegações, seus contrastes espaciais, sociais, econômicos e educacionais destacam, neste século XXI, o desafio de aprender a conviver. A escola é um dos locais por excelência para a ele responder.

  • Editorial

    Candido Gomes e Alvaro Chrispino
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
    Fundação CESGRANRIO Revista Ensaio, Rua Santa Alexandrina 1011, Rio Comprido, 20261-903 , Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: + 55 21 2103 9600 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: ensaio@cesgranrio.org.br