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Gestão pública da educação especial e formalismo nas políticas públicas inclusivas - o caso do Brasil

Special education public management and formalism in inclusive public policies - the case of Brazil

Gestión pública de la educación especial y formalismo en las políticas públicas inclusivas - el caso de Brasil

Resumos

A idéia de Educação Inclusiva tem adquirido proeminência no contexto atual. Desse modo, a análise em questão versa sobre a compreensão de como a Educação Inclusiva no Brasil tem sido gerida a partir do Decreto nº 6.571/2008, considerando a perspectiva de análise do formalismo. Duas etapas de pesquisa foram realizadas, sendo a primeira com o conjunto das Secretarias de Educação do Brasil (pesquisa de levantamento) e outra com a Secretaria do Estado do Rio Grande do Norte (estudo de caso). Verificou-se que, apesar da pressão legal para um isomorfismo das práticas dentre as Secretarias, há particularidades dentre elas, justificadas pelos aspectos contextuais e culturais. No caso em específico da Secretaria estudada, foi possível concluir que a prática formalística permite interrogar a eficácia das políticas do "conhecimento oficial" e suas outras formas de narrar não somente a educação especial, mas a própria pluralidade de lógicas e vivências sociais.

Gestão Pública; Educação Especial; Políticas Públicas Inclusiva; Formalismo


The idea of inclusive education has gained prominence in the actual context. Thus, this analysis focuses on the understanding of how inclusive education in Brazil has been managed since the Decree-Law nº 6.571/2008, considering the perspective of analysis of the formalism. Two steps were taken, the first with all the Secretaries of Education of Brazil (survey research), and another with the Secretary of Education of Rio Grande do Norte (case study). It was found that, despite the legal pressure on the environment to an isomorphism of practices among Secretaries, there are peculiarities among them. In the specific case study of the Secretary of Education of Rio Grande do Norte, it was concluded that the formalistic practice allows questioning the effectiveness of the policies of "official knowledge", and its other forms of narrative that regards not only the special education, but the very plurality of logical and social experiences.

Public Management; Special Education; Inclusive Public Policy; Formalism


La idea de la educación inclusiva ha ganado importancia en el contexto actual. Por lo tanto, este análisis se centra en la idea de comprender cómo la educación inclusiva en Brasil ha sido manejada desde el Decreto 6.571/2008, teniendo en cuenta la perspectiva de análisis del formalismo. Hecho realizado en dos etapas. La primera parte se desarrolló con todas las Secretarías de Educación de Brasil (investigación de levantamiento) y la segunda, con la Secretaría de Educación de Rio Grande do Norte (estudio de caso). Se verificó que, a pesar de la presión legal dirigida hacia un isomorfismo de prácticas entre las Secretarías, existen peculiaridades en cada una de ellas, debido a aspectos contextuales y culturales. En el caso específico de la Secretaría provincial estudiada, se concluyó que la práctica formalística permite cuestionar la efectividad de las políticas de "conocimiento oficial" y sus otras formas de narrar no sólo la educación especial, sino también la propia pluralidad de lógicas y vivencias sociales.

Gestión Pública; Educación Especial; Políticas Públicas Inclusivas; Formalismo


Gestão pública da educação especial e formalismo nas políticas públicas inclusivas – o caso do Brasil

Special education public management and formalism in inclusive public policies – the case of Brazil

Gestión pública de la educación especial y formalismo en las políticas públicas inclusivas -el caso de Brasil

Bruno Luiz AméricoI; Fagner CarnielII; Adriana Roseli Wünsch TakahashiIII

IMestre em Administração, UFPR. E-mail: brunolaa@hotmail.com

IIDoutorado em Sociologia Política, UFSC. Professor da Universidade Estadual de Maringá

IIIDoutorado em Administração, USP. Professora da Universidade Federal do Paraná. E-mail: adrianarwt@terra.com.br

RESUMO

A idéia de Educação Inclusiva tem adquirido proeminência no contexto atual. Desse modo, a análise em questão versa sobre a compreensão de como a Educação Inclusiva no Brasil tem sido gerida a partir do Decreto nº 6.571/2008, considerando a perspectiva de análise do formalismo. Duas etapas de pesquisa foram realizadas, sendo a primeira com o conjunto das Secretarias de Educação do Brasil (pesquisa de levantamento) e outra com a Secretaria do Estado do Rio Grande do Norte (estudo de caso). Verificou-se que, apesar da pressão legal para um isomorfismo das práticas dentre as Secretarias, há particularidades dentre elas, justificadas pelos aspectos contextuais e culturais. No caso em específico da Secretaria estudada, foi possível concluir que a prática formalística permite interrogar a eficácia das políticas do "conhecimento oficial" e suas outras formas de narrar não somente a educação especial, mas a própria pluralidade de lógicas e vivências sociais.

Palavras-chave: Gestão Pública. Educação Especial. Políticas Públicas Inclusiva. Formalismo.

ABSTRACT

The idea of inclusive education has gained prominence in the actual context. Thus, this analysis focuses on the understanding of how inclusive education in Brazil has been managed since the Decree-Law nº 6.571/2008, considering the perspective of analysis of the formalism. Two steps were taken, the first with all the Secretaries of Education of Brazil (survey research), and another with the Secretary of Education of Rio Grande do Norte (case study). It was found that, despite the legal pressure on the environment to an isomorphism of practices among Secretaries, there are peculiarities among them. In the specific case study of the Secretary of Education of Rio Grande do Norte, it was concluded that the formalistic practice allows questioning the effectiveness of the policies of "official knowledge", and its other forms of narrative that regards not only the special education, but the very plurality of logical and social experiences.

Keywords: Public Management. Special Education. Inclusive Public Policy. Formalism.

RESUMEN

La idea de la educación inclusiva ha ganado importancia en el contexto actual. Por lo tanto, este análisis se centra en la idea de comprender cómo la educación inclusiva en Brasil ha sido manejada desde el Decreto 6.571/2008, teniendo en cuenta la perspectiva de análisis del formalismo. Hecho realizado en dos etapas. La primera parte se desarrolló con todas las Secretarías de Educación de Brasil (investigación de levantamiento) y la segunda, con la Secretaría de Educación de Rio Grande do Norte (estudio de caso). Se verificó que, a pesar de la presión legal dirigida hacia un isomorfismo de prácticas entre las Secretarías, existen peculiaridades en cada una de ellas, debido a aspectos contextuales y culturales. En el caso específico de la Secretaría provincial estudiada, se concluyó que la práctica formalística permite cuestionar la efectividad de las políticas de "conocimiento oficial" y sus otras formas de narrar no sólo la educación especial, sino también la propia pluralidad de lógicas y vivencias sociales.

Palabras clave: Gestión Pública. Educación Especial. Políticas Públicas Inclusivas. Formalismo.

Introdução

Diversos autores (PINHEIRO, 2003; OLIVEIRA, 2009) têm destacado atualmente para o modo como a ideia de Educação Inclusiva tem adquirido proeminência no contexto ideológico das modernas democracias ocidentais. Articulada politicamente por inúmeras entidades internacionais e frequentemente apresentada como um "novo" paradigma educacional, esta perspectiva tem sido incorporada por inúmeras nações através de conferências, encontros oficiais e congressos1 1 Autores como Ferreira e Oliveira (2009) e Pinheiro (2003) argumentam que, embora a retórica política e educacional contemporânea apresentem a Educação Inclusiva como uma novidade, as políticas inclusivas têm sido objeto de intenso debate na educação pública pelo menos desde o início da década de 70. Este movimento será evidenciado no tópico seguinte quando discutiremos o histórico de trabalho da Secretaria de Educação Especial do Brasil (SEESP). .

De acordo com o "Censo IBGE 2000, o Brasil tem 24,5 milhões de pessoas com deficiência, o que equivale a 14,5% da população do País. Dessas, 48,1% foram declaradas deficientes visuais, 22,9% com deficiência motora, 16,7% com deficiência auditiva, 8,3% com deficiência mental e 4,1% com deficiência física" (APAE BRASIL, 2011).

Motivado por esse ideário político que se consolidou hegemônico no final do século XX, o Brasil, através do Ministério da Educação (MEC), trabalha a educação dos alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) na perspectiva da inclusão. A partir da promulgação do Decreto nº 6.571/2008, que prevê que todas as escolas devem matricular a totalidade de alunos com NEE em classe comum do ensino regular, os sistemas de ensino brasileiros viram-se influenciados a responder às demandas (agora não apenas internacionais) pela reestruturação da organização da educação especial (pública e conveniada) nas mais diversas unidades federativas2 2 Este Decreto tem como princípios orientadores: a (1) Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia (1990); a (2) Declaração de Salamanca, Espanha (1994); (3) a Convenção da Guatemala (1999); o (4) Foro Mundial sobre Educação, Dakar, Senegal (2000); e (6) a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), aprovado pela ONU. Para os países parte do Mercosul, como é o caso do Brasil, deve-se atentar também para existência do (5) Programa Educar na Diversidade (2003), sobre formação contínua de gestores e professores que fundamentou-se no material de formação docente da UNESCO Special Needs in the Classroom. .

A abrangência dos estudos brasileiros que versam sobre gestão educacional para examinar como os acordos internacionais e documentos legais, que seguiram na esteira da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), dão mostras do poder que os organismos estrangeiros têm para interferir nas realidades nacionais e locais em todo o Ocidente. Para Frigotto (2009), a política e gestão educacional na modernidade caracterizam-se por uma regressão social, indeterminação política e hegemonia de concepções mercantis. Feldfeber (2009), para citar outro teórico, analisa a internacionalização da educação e políticas educativas na América Latina através dos processos regionais de integração, reforma, abertura, desregulamentação e privatização do Estado, reconhecendo papel central dos organismos internacionais na orientação de políticas de reforma mediante a assistência técnica e financeira. Essas imposições, segundo Arelaro (2003), são causa e conseqüência da perpetuação do endividamento público dos países em desenvolvimento.

No entanto, muitas dessas abordagens parecem não explicar satisfatoriamente as lógicas internas de assimilação e agenciamento que os Estados nacionais empregam diante da influente presença daquilo que se poderia chamar de comunidade internacional. Isto porque os modos distantes, generalistas e por demais engajados – "românticos", para utilizar uma expressão de Ramos (1983) – pelo qual algumas reflexões interpretam as relações de importação de modelos estrangeiros para a "cultura" nacional, simplificam demasiadamente um processo (social, político, jurídico e administrativo) que é extremamente complexo.

Nesse sentido, o formalismo surge como uma possibilidade categórica alternativa que pode auxiliar a examinar as implicações da Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Este campo de estudo foi escolhido como possibilidade objetiva, uma vez que envolve processos nacionais e regionais de institucionalização, auto-sustentação, transformação e re-significação das políticas e legislações que historicamente têm sido importados para (re)construir a educação brasileira. O formalismo, importante no contexto institucional nacional (MACHADO DA SILVA, et al., 2003), não se refere a nenhuma "característica bizarra" da cultura nacional; antes, trata-se de "um fato normal e regular, que reflete a estratégia global" da burocracia e da sociedade brasileira (RAMOS, 1983, p. 251). Formalismo alude ao que Riggs (1964) descreveu como discrepância entre os comportamentos concretos e as normas prescritas que supõe regulá-los e, para tanto, constitui-se como categoria própria da teoria organizacional e administrativa (RAMOS, 1983).

Ao perceber o caráter formalista no posicionamento de muitos daqueles que são responsáveis por conceber, adequar, planejar, executar e avaliar políticas públicas em prol de uma concepção nacional (e internacional) para Educação Inclusiva nos estados brasileiros é possível identificar o Estado como múltiplo, diverso e contraditório. Um espaço atravessado por interesses e lógicas que parecem transcender as dinâmicas de classe; (des)organizado por conhecimentos, aprendizados e pressões, ao mesmo tempo internas e externas; permeado por relações locais, regionais, nacionais e internacionais.

Tendo em vista o até então exposto, este artigo, circunscrito dentro dos preceitos da Teoria Organizacional, apresenta como objetivo geral: Compreender, na perspectiva do formalismo, o impacto do Decreto nº 6.571/2008 na gestão da Educação Inclusiva no Brasil, em especial, na Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte. E objetiva especificamente: (1) apresentar, com base na sucessão de acontecimentos sócio-políticos que conformaram a trajetória institucional3 3 "A institucionalização tem essencialmente o objetivo de dar forma ao que, sem ela, se dissiparia de modo caótico" (RAMOS, 1966, p. 150-151). da educação especial no Brasil, os mecanismos pelos quais o Ministério da Educação e Cultura (MEC) se apropria de políticas de educação especial externas, legitimando-as no contexto nacional. (2) descrever a complexidade daquilo que se convencionou chamar de Educação Inclusiva no Brasil a partir do posicionamento estratégico das 27 Secretarias de Estado da Educação diante do Decreto Federal nº 6.571/2008; e (3) analisar a posição oficial da Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte e de uma de suas escolas (regular) por meio dos discursos formalísticos de funcionários representativos dessas organizações – possibilitando, desse modo, comparar as influências internas e externas às organizações e compreender o que se relaciona com os mecanismos impessoais do MEC/SEESP e o que emerge como estratégia local única.

Justifica-se o desenvolvimento do estudo pelos seguintes aspectos: (a) colaborar com a compreensão e avaliação dos significados da Educação Inclusiva na gestão pública brasileira; (b) reconhecer a coerção institucional como um "instrumento de manutenção da ordem e, paradoxalmente, de transformação social" (MACHADO DA SILVA, et. al., 2003, p. 191), bem como a importância dos contextos locais nos processos estaduais de tomada de decisão organizacional; e (c) possibilitar entender que estudos na gestão educacional pública carecem do que Mannheim chama de "atitudes experimentais", que considerem o efetivo e a estratégia como decisão tomada entre inúmeras possibilidades.

Assim, ademais dessa introdução, o presente estudo contém as seguintes seções: o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Educação Especial (SEESP), refletindo se evoluímos da educação especial à Educação Inclusiva; a conexão entre o discurso e a prática, na categoria do formalismo, na Educação Inclusiva brasileira; o delineamento metodológico; o contexto atual da Educação Inclusiva nos Estados brasileiros; a análise do caso da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte, questionando sobre sua postura dentro de um contínuo entre dissidência e conformidade e, por fim, as considerações finais.

2. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) e sua Secretaria de Educação Especial (SEESP): da educação especial à Educação Inclusiva

Em 1973, foi criada a primeira Secretaria para gerir exclusivamente a educação especial no Brasil com o nome de Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). A Educação Inclusiva, na época nada factível, já se colocava como uma meta do CENESP: "Se os fins da educação são os mesmos e se há uma realidade subjacente na conceituação da excepcionalidade, não existe razão para que se estabeleçam opções entre a educação dos normais e dos excepcionais: todos têm igual direito de acesso à educação" (PIRES, apud SILVA, 2003, p. 75).

Mesmo antes da criação do CENESP, em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1961) fundamentava o atendimento educacional às pessoas com deficiência, preferencialmente, dentro do sistema geral de ensino. Porém, em decorrência dos escassos recursos e da falta de informações sobre o tamanho da população de "excepcionais" a serem atendidos foi criada a Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971) que alterou a LDB de 1961, definindo que os alunos especiais deveriam ser encaminhados para as classes e escolas especiais. É de se notar que a educação de alunos com NEE no Brasil, historicamente, organizou-se à parte do ensino regular com acentuada postura clínica; o que resultou em uma crescente segregação em instituições especializadas, criando diferentes modalidades de ensino e instituições especializadas4 4 "No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff" (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007). .

Com a Constituição Federal de 1988, volta à tona o discurso da Educação Inclusiva. Seus artigos 205, 206 e 207 estabelecem a "igualdade de condições de acesso", apontando como obrigação do Estado Brasileiro atender os alunos com NEE "preferencialmente na rede regular de ensino". (BRASIL, 1988).

Em 1990 é ratificada a já mencionada Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e, no mesmo ano, a Lei nº 8.069/90, no artigo 55, determina que os pais matriculem seus filhos com NEE no ensino regular.

Em 1994, no mesmo ano em que é celebrada a Declaração de Salamanca5 5 A Declaração de Salamanca (1994), que influenciou as políticas públicas na perspectiva da inclusão, é recorrente objeto de estudos em todo o mundo e alvo de variadas críticas pela sua forte visão econômica: "a visão da criança deficiente como um ser que deve ser preparado para a assunção de funções na estrutura capitalista está presente, ressaltando a utilidade econômica da educação e os benefícios econômicos para a criança e seu ambiente social. O paradigma que está evidente (...) parece ser o desenvolvimento econômico e não o humano uma vez que não são apontadas as possibilidades da educação para a ampliação das linguagens da criança e para a vivência plena da infância" (OLIVEIRA; PINTO, 2004, p. 3) , a atual Secretaria de Educação Especial (SEESP) publica a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), sustentando que os alunos com NEE, em condições de acompanhar o ritmo dos outros alunos, devem ter acesso aos espaços regulares de ensino e aprendizagem. A lei nº 9.394/96, referente às Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu artigo 60, regulamenta a Educação Inclusiva como alternativa "preferencial", e define a forma pela qual se deve dar o financiamento desta6 6 Na lei nº 9.394/96 destaca-se ainda os seguintes artigos: Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais. I -currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades; II -terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados. Art. 24, inciso V. possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado. Art. 37. (...) oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. . O Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999), define a transversalidade da educação especial – educação especial como complementar ao ensino regular.

Também no ano de 1999 é celebrada a Convenção da Guatemala, que trata da igualdade de direitos e da liberdade dos alunos com NEE, essa Convenção só foi promulgada pelo Brasil no ano de 2001 (BRASIL, 2001a). O Plano Nacional de Educação (PNE) é lançado também em 2001. Com ele, a educação especial reposicionou-se definitivamente através da ótica da Educação Inclusiva, assumindo ser a escola regular a responsável por atender os alunos com NEE e por matricular a totalidade dos estudantes de acordo com o lema "educação de qualidade para todos".

Frente ao lançamento do PNE, a SEESP depara-se com a quase inexistência de infraestrutura, tecnologias educacionais, materiais adequados e professores qualificados (BRASIL, 2001b). Nos anos seguintes, os mecanismos institucionais federais já não visavam mais a uma transformação na forma de pensar a educação especial, uma vez que se optou pela Educação Inclusiva. Para tanto, os decretos, programas e resoluções subsequentes visavam à superação das limitações estruturais e funcionais encontradas.

Em 2002, a Resolução CNE/CP nº 1 decreta que as instituições de Ensino Superior devem formar educadores aptos a trabalhar com alunos com NEE. Em 2003, o MEC iniciou a implantação do programa "Educação Inclusiva", com o objetivo de "apoiar a transformação dos sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, (...) formação de gestores e educadores (...), à oferta do atendimento educacional especializado e à garantia da acessibilidade" (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007, p. 4). No ano de 2004, emerge, do Decreto nº 5.296, o Programa Brasil Acessível, do Ministério das Cidades, que objetiva criar acessibilidade universal aos espaços urbanos comuns, e financiar acessibilidade de todas as escolas públicas do Brasil (BRASIL, 2004). Já em 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é aprovada pela ONU, e vem reforçar que um sistema de Educação Inclusiva deve ser assegurado por todos os Estados signatários. Em 2006, é lançado o material de formação docente: "Educar na Diversidade", utilizado pelos países do MERCOSUL para formar professores preparados a responderem à diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem dos seus alunos7 7 O material de formação docente da UNESCO Special Needs in the Classroom fundamenta o Projeto Educar na Diversidade. As pesquisas relativas à criação deste material se iniciaram em 1998, com uma equipe de trabalhos que realizou pesquisas de campo no Canadá, Chile, Jordânia, Kenia, Malta, Espanha e Zimbábue. A equipe coordenadora do Projeto Educar na Diversidade nos países do MERCOSUL alega não tratar-se puramente de uma "importação", mas sim constitui-se como resultado da busca de conhecimento com estratégia de adequação e utilização do mesmo em consonância com a realidade local. Este Projeto iniciou-se em 2001, com amostra inicial de vinte e cinco escolas, sendo cinco escolas por país, localizadas em uma mesma região, representando diferentes realidades: rural, periferia, urbana e intercultural. . Em 2007, o MEC lança o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que visa, dentre outros objetivos, superar a diferença existente entre educação regular e especial8 8 No que tange a Educação Inclusiva, reforça a sua necessidade e estabelece formas para trabalhar a formação de professores, a implantação de salas com recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares e o acesso e permanência das pessoas com deficiência na educação superior (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007). . Para forçar a implantação do PDE, foi publicado o Decreto nº 6.094/2007 (BRASIL, 2007a) Também em 2007, através de acréscimo ao Decreto nº 6.253/2007, institui-se a política de financiamento para Educação Inclusiva através de duplo cômputo da matrícula dos alunos especiais na educação regular da rede pública e no atendimento educacional especializado. (BRASIL, 2007b).

O Decreto nº 6.571/2008, objeto do presente estudo, sucede os Decretos nº 6.094/2007 e 6.253/2007, para estabelecer a forma de atendimento. Este decreto dispõe sobre o atendimento educacional especializado, definindo, em seu primeiro artigo, que cabe à União prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a fim de ampliar a forma de atendimento educacional aos alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Um ano mais tarde, o Decreto nº 6.571/2008 foi regulamentado pelo Parecer CNE/CEB nº 13/2009, e a Resolução CNE/CEB nº 4/2009, na qual se efetiva o financiamento.

Visando a implementação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, o Parecer CNE/CEB nº 13/2009 define, no parágrafo 1º em seu artigo 1º, o atendimento educacional especializado como "o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos, organizados institucionalmente, prestados de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular", e trata da matrícula dos alunos com NEE no espaço escolar regular e do Atendimento Escolar Especializado, possibilitando a oferta deste atendimento em salas de recursos multifuncionais da própria escola, de outra escola pública, ou em centro de atendimento educacional especializado. Muita controvérsia foi criada na época, por interpretação de que o MEC sugerira o fechamento das escolas especiais. Sendo assim, com os artigos 1º, 5º, 8º e 11 da Resolução CNE/CEB 4/2009, prevê-se a participação de instituições de educação especial na oferta do atendimento aos alunos com NEE. Essa resolução, no entanto, não extrapola o previsto pelo Decreto nº 6.571/2008.

Posteriormente, outras regulamentações foram elaboradas, principalmente o Decreto nº 7.611/2011, que revoga o Decreto nº 6.571/2008, e flexibiliza a forma de oferta e financiamento. O novo Decreto de 2011 afirma que o dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado por meio de um sistema inclusivo em todos os níveis, sem discriminação, e com base na igualdade de oportunidades, garantido no Ensino Fundamental gratuito e compulsório com o apoio necessário. Os objetivos do atendimento educacional especializado são definidos no Artigo 3º, a fim de prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular, garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular, fomentar o desenvolvimento dos recursos didáticos e pedagógicos, e assegurar condições de continuidade dos estudos. O apoio técnico e financeiro da União é estendido aos sistemas públicos de ensino dos Estados, Municípios e Distrito Federal, e a instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.

Em dezembro de 2012, a Lei nº 12.764 instituiu a política nacional de proteção especificamente de pessoa com Transtorno do Espectro Autista. De acordo com o Artigo 3º, é direito da pessoa assim diagnosticada o acesso à educação e ao ensino profissionalizante, à moradia, ao mercado de trabalho e à previdência social, e à assistência social. A Lei prevê, ainda, multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários mínimos ao gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com este transtorno ou qualquer outro tipo de deficiência (Artigo 7º). (BRASIL, 2012).

Conforme evidenciado neste tópico, o desenvolvimento do regime político legislativo indica diferentes tentativas de reestruturação definitiva da educação especial no território brasileiro, na perspectiva da Educação Inclusiva. Portanto, em menos de dez anos, o Brasil passou da inclusão gradativa, alunos com NEE "preferencialmente" matriculados em classes regulares, à obrigatória. Este movimento foi influenciado por pressões internacionais e nacionais, que utiliza, como instrumento, inúmeros mecanismos coercitivos dispostos pelo poder público nacional, entre eles: normas, projetos piloto, programas, manuais, incentivos, restrições financeiras e, principalmente, legislações diversas que se repetem e se reforçam.

Tal movimento, contudo, compreende aspectos meramente formais que visam regular as ações estratégicas locais por meio de mecanismos impessoais de compartilhamento e apropriação das normas que regem a educação nacional. A compreensão dos processos de tradução ou ressignificação desses mecanismos nos contextos locais exige ultrapassar a formalidade da gestão pública para acessar os aspectos informais, que também concorrem para efetivação das políticas nacionais em contextos estaduais. Para tanto, a partir da perspectiva do formalismo, conforme se discute no tópico a seguir, entende-se que uma análise dos aspectos formais (expressões de lei) e informais (o comportamento formalístico dos atores sociais) pode contribuir para compreender o efetivo impacto do Decreto nº 6.571/2008 na gestão da Educação Inclusiva.

3. Entre o discurso e a prática: o formalismo na educação inclusiva brasileira

O formalismo, identificado por Riggs (1964) na Tailândia e Filipina, é característica encontrada principalmente em sociedades nem tradicionais nem modernas, mas "prismáticas". Este "traço cultural", para tanto, pode ser compreendido como algo ambíguo (PRESTES MOTTA; CALDA, 1997, p. 33) que "corresponde ao grau de discrepância entre o prescritivo e o descritivo, entre o poder formal e o poder efetivo, entre a impressão que nos é dada pela constituição, pelas leis e regulamentos, organogramas e estatísticas, e os fatos práticos e reais do governo e da sociedade" (RIGGS, 1964, p. 22).

Segundo Riggs (1964, p. 146), o defeito desta estrutura social está "na própria estrutura de poder, que se caracteriza pelo fato de não ser autoridade 'formal' suficientemente forte para impor um controle eficaz à burocracia". O fato de que as sociedades prismáticas frequentemente buscam parâmetros em práticas não locais, quando não simplesmente transplantam modelos estrangeiros, sustenta o descompasso entre estrutura e função – a uma estrutura, nesse sentido, correspondem funções latentes que se dão, concomitantemente, com sua função manifestada (RIGGS, 1964).

O formalismo é estudado há mais de cem anos no Brasil (RAMOS, 1983, p. 259). Conforme elucidado por Ramos (1966, p. 25), há quase meio século, trata-se de algo que é chamado de formalístico quando "não representa fielmente a realidade". Portanto, a partir dos trabalhos de Riggs (1964), pode-se dizer que o pensamento organizacional brasileiro, sobretudo na figura de Ramos (1983), construiu determinada compreensão do formalismo. Trata-se do desenvolvimento de um olhar estratégico, dentro do pensado por Ramos (1983)9 9 Azevêdo e Albernaz (2010) discutem a "redução sociológica" de Ramos (1965, 1989), que buscava, através dos sentidos auferidos, a fundação de construções teóricas na prática social em uma época de desenvolvimento e industrialização sem precedentes na histórica brasileira, que levou nossa sociedade a importar modelos e práticas alhures. Para Boava et. al. (2010, p. 75), Ramos (1989) transplantou as idéias em torno do "método fenomenológico" de Husserl para o campo sociológico buscando desta maneira assimilar criticamente a literatura estrangeira, abstraindo desta a essência daquela verdade fabricada, uma vez que "toda produção científica estrangeira é, em princípio, subsidiária" (RAMOS, 1965, p. 120-130), para repensar a singularidade da sociedade brasileira, trabalhando uma construção livre de sombras, local e crítico. , pelo fato de o formalismo permitir que sociedades absorvam ou diminuam conflitos sociais, tenham mobilidade vertical ascendente, escalem construção nacional e articulação com o mundo exterior.

O ponto de vista estratégico do formalismo, pensado e descrito a partir do Brasil, descrito pelos estudos organizacionais como "sociedade da mistura" ou "do intermediário" (FREITAS, 1997, p. 54), permitiu a Ramos (1983) afirmar a relevância desse traço cultural em sociedades prismáticas e refutar o caráter patológico e tautológico, por longa data, empregado ao formalismo. Desde o século passado, até poucas décadas atrás, esta prática tinha um significado conotativo negativo; representava apenas aquilo que Holanda (1995) chamou de um índice de nossa (suposta) incapacidade de criar espontaneamente. No entanto, não é este aspecto "inconveniente" do formalismo -perpetuação do status quo das elites e das desigualdades sociais -, como afirma Castor (2000), que deve ser considerado. Pelo contrário, o formalismo é, para o presente estudo, estratégia que articula os discursos externos às práticas e contextos sociais, políticos e culturais internos da organização pública brasileira; ou seja, como forma de ressignificar o estrangeiro a partir "do ponto de vista do desenvolvimento nacional" (RAMOS, 1983, p. 269).

É importante mencionar a leitura que realizou Castor (2000, p. 6) sobre o sentido estratégico que Ramos (1983) empregou ao formalismo, "referia-se ao período em que inexistiam, em nosso país, condições concretas de auto-articulação, que ele situou no período colonial e nos primórdios de nossa vida social independente, sem atribuir ao formalismo méritos intrínsecos, atemporais". Tendo em vista o apontado por Castor (2000), que contemporaneamente define formalismo como a discrepância entre valores ostensivos, atitudes e comportamentos reais, este estudo, ao invés de tentar construir um conceito autossuficiente, pretende descrever como esta prática se manifesta, como produz efeitos e como se relaciona com outras coisas que já conhecemos – seja aproximando-se delas, seja contrastando-se com elas (VEIGA-NETO; WORTMANN, 2002). No entanto, isso não significa afirmar que o estudo não reconhece que, a partir da independência, o formalismo passa a ser atributo natural do país (MACHADO DA SILVA et al., 2003). Assim, talvez seja mesmo possível compreender como o formalismo, estratégico no período colonial, pode ser ainda considerado um importante modo de observar as relações organizacionais na atualidade. O que contribui, também para colapsar as visões românticas sobre a burocracia estatal.

Na concepção de Machado da Silva et al. (2003), historicamente, o Estado precedeu a sociedade brasileira em intermináveis processos de transplantação de práticas estrangeiras. Contudo, "a constituição da sociedade não se dá apenas pela sua relação com o mundo, mas também pela interação entre seus constituintes" (MACHADO DA SILVA et al., 2003, p. 190). Conforme observado previamente, há mais de meio século nossa sociedade vem discutindo possibilidades para trabalhar a educação especial na perspectiva da Educação Inclusiva e em ambientes organizacionais, como os tratados nesta pesquisa: "é mais fácil adotar por decreto ou por Lei uma estrutura formal de organização (...) do que institucionalizar o correspondente comportamento social" (RIGGS, 1964, p. 38). Nesse caso, um observador não iniciado poderia concluir que a educação brasileira atual se orienta pela perspectiva da inclusão. Contudo, o formalismo permite questionar a aparente estabilidade e homogeneidade das práticas e discursos institucionais da administração pública nacional. Afinal, conforme exposto por Machado da Silva et al. (1999, p. 3), "por mais que forças isomórficas pressionem no sentido da homogeneização da estrutura e da ação organizacional dentro de um mesmo nicho, sempre haverá diversidade em virtude das especificidades dos esquemas interpretativos". Especificamente para esse estudo, trata-se de perceber como as próprias práticas que apregoam a inclusão podem ser formalísticas, possibilitando, outrossim, a emergência de sentidos diversos para esse discurso10 10 Como já observou Skliar (2005), o jogo dos discursos, quando praticado com e para os sujeitos, suscita questões próprias, de autoridade, propriedade, que seguem sempre abertas. "É a partir de uma incapacidade, a partir de um não conhecimento, a partir da impossibilidade para responder a essa pergunta, que alguma coisa acontece ali, no lugar onde não há lugar, faz-se acontecimento" (SKLIAR, 2005, p. 25). .

Por fim, importa ressaltar o fato de que o formalismo é tomado, aqui, como perspectiva de análise das políticas públicas inclusivas11 11 Flexibilidade é suscitada do formalismo e, adaptabilidade e criatividade, são faces da flexibilidade (PRATES; BARROS, 1997). . Por isso, não se trata de um conceito fechado, mas de um modo de se colocar diante dos próprios estudos organizacionais. Isto, contudo, implica reconhecer que:

Não há um porto seguro, onde possamos ancorar nossa perspectiva de análise, para, a partir dali, conhecer a realidade. Em cada parada no máximo conseguimos nos amarrar às superfícies. E aí construímos uma nova maneira de ver o mundo e com ele nos relacionamos, nem melhor nem pior do que outras, nem mais correta nem mais incorreta que outras (VEIGA-NETO; WORTMANN, 2002, p. 33-34).

Desse modo, a análise em questão versa sobre a compreensão de como a Educação Inclusiva no Brasil tem sido gerida a partir do Decreto nº 6.571/2008, considerando a perspectiva de análise do formalismo. Para investigar, teórico-empiricamente, este fenômeno adotou-se o delineamento metodológico, apresentado a seguir.

4. Metodologia

Uma vez enunciado o problema de pesquisa, de "onde olhamos e pensamos esta mesma realidade" (CORAZZA, 2002, p. 115), procede-se com a explanação das práticas metodológicas utilizadas nesta pesquisa (CRESWELL, 2007). O objetivo geral é compreender, na perspectiva do formalismo, o impacto do Decreto nº 6.571/2008 na gestão da Educação Inclusiva no Brasil, em especial, na Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte.

A investigação configura-se como de abordagem predominantemente qualitativa com uma dimensão quantitativa e descritiva. De acordo com Creswell (2003), o paradigma qualitativo tem o propósito de compreender uma situação social particular. É um processo investigativo onde o pesquisador constrói gradualmente o sentido de um fenômeno social por contrastar, comparar, replicar e classificar o objeto de estudo. A adoção desta abordagem requer entrar no mundo dos informantes e procurar as perspectivas e significados deles. É descritivo porque pretende analisar identificar e descrever como uma pressão legal do ambiente exerce impacto sobre a gestão da educação exclusiva no Brasil e em uma determinada Secretaria de Educação (COOPER; SCHINDLER, 2003). Procura-se, desta forma, descrever um fenômeno com base em um referencial teórico, um quadro geral no qual o pesquisador se orientará na execução da pesquisa (BERG, 2001).

Quanto ao método, trata-se de um estudo multimétodo realizado em duas etapas. Essa escolha visa à neutralização das limitações de cada método, considerando que os resultados de um método podem ajudar a desenvolver ou a informar o outro método (CRESWELL, 2003; SAUNDERS et al. 2000).

Na primeira etapa, apresentada na sessão seguinte, realizou-se uma pesquisa de levantamento, onde se procurou fazer uma pesquisa censitária com a população representada pelas 27 Secretarias de Educação do Brasil, abordando a relação entre Formalismo e Educação Inclusiva, através de: (1) dados secundários – análise das páginas da internet, reportagens e documentos oficiais das 27 Secretarias de Estado de Educação do Brasil (Departamento de Educação Especial); (2) dados primários – entrevista semi-estruturada com as Secretarias via contato telefônico e e-mail, onde se objetivou que um respondente de cada Departamento de Educação Especial, representante do discurso oficial de sua respectiva Secretaria, respondesse a entrevista. Dentre os 27 departamentos das Secretarias de Educação Especial contatados, obteve-se resposta de 14 delas, tanto via e-mail quanto contato telefônico.

A partir das respostas obtidas e dos documentos analisados, cujos dados foram tratados por meio da análise de conteúdo, procurou-se verificar as opiniões e tendências do grupo como um todo (SAUNDERS et al., 2000). Não é objetivo de a presente pesquisa proporcionar reflexão sobre a existência, ou não, de variação nas percepções individuais. Tendo em consideração o exposto, a escolha de um representante por Departamento de Educação Especial foi suficiente, desde que os respondentes afirmaram ter voz para representar o discurso oficial de sua respectiva Secretaria. Os dados das entrevistas foram gravados, transcritos e codificados, a fim de preservar o anonimato dos entrevistados.

Na segunda etapa, apresentada na sessão 6, realizou-se um estudo de caso único na Secretaria da Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte (SEC/RN). O critério de seleção foi a acessibilidade às organizações e disponibilidade dos entrevistados. Os dados da primeira etapa permitiram observar que essa Secretaria afirmava trabalhar na perspectiva da Educação Inclusiva, mesmo anteriormente às determinações do MEC, representando assim, na concepção de Riggs (1964), modalidade de formalismo característico da esfera política – formalismo constitucional. A escolha dessa escola se deu durante conversa com as representantes da SEC/RN, que apontaram essa instituição escolar como problemática. Buscou-se verificar, assentado nessa situação extrema, se preocupação é colocada nas formalidades extrínsecas da inclusão educacional, ou nas implicações práticas desse processo.

Para efetivar esta segunda etapa da pesquisa, utilizou-se conversa guiada por entrevista semi-estruturada com: (1) duas representantes da equipe pedagógica da Subcoordenadoria de Educação Especial (SUESP) da SEC/RN; e (2) com a diretora de uma das escolas do Estado do RN. Desse modo, buscou-se comparar o discurso institucional da escola (representada na figura da diretora) com o discurso oficial da SEC/RN (representada por duas integrantes da equipe pedagógica da SUESP). Não se estendeu a pesquisa aos discursos dos professores e alunos, uma vez que o foco foi os discursos oficiais dessas instituições.

Com este estudo seccional, realizado ex post facto, esperou-se aclarar, por um lado, o panorama atual da Educação Inclusiva no Brasil, vista a partir do modo como os discursos da inclusão de pessoas consideradas portadoras de NEE têm sido tratados -e incorporados -na agenda pública das diferentes Secretarias de Estado da Educação em sua relação com o MEC; e, por outro lado, os significados locais da prática, aparentemente, consonante, empreendida pelo estado do Rio Grande do Norte em sua relação com uma de suas escolas.

O nível de análise é interorganizacional, envolvendo análises macro e micro (conjunto das Secretarias e a Secretaria de um estado). A unidade de análise utilizada foram os impactos do Decreto nº 6.571/2008 na gestão da Educação Inclusiva no Brasil, em especial, na Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, considerando a perspectiva do formalismo. A unidade de observação foi composta pelos 14 representantes das Secretarias de Educação Especial no Brasil e pelos representantes da equipe pedagógica da Subcoordenadoria de Educação Especial (SUESP) da SEC/RN, e a diretora de uma das escolas do Estado do RN. Os dados foram coletados ao longo do segundo semestre de 2010 e analisados até abril de 2011.

Os dados obtidos por meio da coleta de dados documental do setor (leis, decretos, portarias, diretrizes, entre outros), das organizações e das entrevistas foram submetidos à técnica de triangulação dos dados para garantir a validade do estudo e obter novas perspectivas de conhecimento (VERGARA, 2005). De acordo com Eisenhardt (1989), a combinação de dados pela triangulação de métodos pode ser sinérgica e propiciar a elaboração de construtos mais fidedignos.

5. O panorama atual da Educação Inclusiva nos estados brasileiros

Um dos desafios da administração pública, e também empresarial, nos países em desenvolvimento, sobretudo aqueles que hoje buscam inserção definitiva nos processos de mundialização política e econômica, é o de lograr legitimidade para suas ações e estruturas organizacionais. Legitimidade, segundo Weber (1963), seria o elemento que possibilita a própria aceitação do exercício do poder nos modernos Estados nacionais. Neste momento singular de interdependência e intercâmbio entre as nações, um discurso de autossuficiência nacional poderia trazer desvantagens para qualquer país que pretende participar do cenário da política internacional. Ao menos, isto é o que ocorre com a posição do Estado brasileiro diante das questões que, mundialmente, envolvem a Educação Inclusiva (SILVA, 2003).

Este posicionamento da Federação frente às demandas externas parece alinhar as Secretarias de Estado da Educação em uma mesma direção12 12 Esse alinhamento decorre, principalmente, dos mecanismos coercitivos nacionais e internacionais – conforme narrado na seção dois do presente artigo. . As entrevistas realizadas com as 14 Secretarias pesquisadas na primeira etapa permitiram observar que o discurso comum de todos os representantes foi o de enfatizar o compromisso dos Estados com as políticas de inclusão – o que poderia sugerir um máximo de realismo e de institucionalização na organização da educação especial na perspectiva da Educação Inclusiva proposta pelo MEC. Tal posicionamento, entretanto, pode ter implicações muito diferentes na organização das políticas públicas, dependendo da interpretação atribuída por cada região. Um exemplo disso pode ser o número representativo de Secretarias que afirmam ter uma política própria para a Educação Inclusiva: entre as dez que se pronunciaram sobre esta questão, seis (60%) afirmaram trabalhar com "planos", "orientações" ou "diretrizes" próprias. Evidentemente, não é possível afirmar que a existência de políticas paralelas às propostas pelo MEC implique em uma prática formalística por parte dessas Secretarias; contudo, dá mostras de como os programas do MEC têm sido localizados e traduzidos para as realidades regionais:

Sim, nós trabalhamos na perspectiva da Educação Inclusiva, de acordo com as orientações do MEC. Respeitamos as diferenças, acreditamos nas pessoas com NEE, nos direitos pautados pela legislação vigente e nos projetos desenvolvidos pelo MEC que muito tem auxiliado o trabalho nessa área. (...) No entanto, as escolas especiais existem com todos os créditos que tem direito, pois foram criados há muito tempo e sempre apoiaram as pessoas com deficiências, o que precisa é um novo olhar sobre que deve frequentar esses colégios e pra que. É preciso observar onde a Educação Inclusiva não está atingindo os alunos com deficiências, no caso aqueles que já estão com idade avançada e não tem uma atividade prazerosa e diferente para participar. Acredito que sempre existirá colégio especial, pois aqueles alunos com deficiência múltipla não tem com acompanhar o currículo de uma escola comum. Nem as escolas comuns possuem atendimentos clínicos que os colégios especiais oferecem (Secretaria de Educação número 07).

Ao mesmo tempo em que é possível observar como a política pública federal se adapta aos contextos locais, é igualmente factível afirmar que esses contextos modificam-se frente às exigências nacionais. Isso foi verificado nas entrevistas ao constatar que, dentre oito Secretarias, 50% trabalham a educação especial na perspectiva da Educação Inclusiva, "mesmo anteriormente a nova política do MEC", enquanto 50% iniciaram este trabalho apenas depois de 2007. Sendo assim, além de inferir que este processo de localização constitui-se como não linear, pode-se igualmente presumir que não é possível interpretar uma estrutura administrativa sem considerar os complexos processos de transformação social, cultural e política, bem como, os contextos organizacionais.

Nesta pesquisa, isso se evidenciou com a disparidade de discursos sobre a reestruturação das escolas especiais em centros de atendimento educacional especializados, que deveriam localizar-se dentro, ou em parceria com escolas regulares, e a inclusão de todos os alunos na rede regular de ensino, "sempre que possível", tal qual proposto pelo Decreto nº 6.571/2008. Para a grande maioria dos Estados brasileiros, nove dentre doze (75%), a permanência e manutenção de salas, ou escolas especiais, indicam conformações administrativas, políticas e pedagógicas, diferentes daquela idealizada recentemente pelo MEC. Esse fato pode ser ilustrado por meio do discurso:

Nós temos convênios com ONGs e com professores, nessas ONGs eles tem as salas especiais (...). Por este ano [2010] ainda nós estamos prorrogando os convênios, porque, como eu te disse, é uma questão hierárquica, exige licitação e tudo, e até de estrutura das próprias ONGs, no plano político pedagógico, elas já estão se preparando, se estruturando, para que em 2012 nós já estejamos bem avançados nesta questão (Secretaria de Educação número 3).

Este descompasso entre a política nacional e as realidades Estaduais pode ser observado ao constatar-se que, das nove Secretarias que possuem modalidades especiais de ensino, três delas (33%) têm prazo para incluir todos os alunos no ensino regular, e seis delas (66%) não têm. Para a Secretaria de Educação número 06, estabelecer um prazo significa enfrentar resistência muito grande por parte dos pais, mas, principalmente, significa conformar o discurso organizacional para financiar a educação especial no estado, pois "se você tem sala especial não tem dinheiro". Esse impasse apenas foi solucionado parcialmente, quando os artigos 1º, 5º, 8º e 11º da Resolução CNE/CEB 4/2009 passaram a prever a participação de instituições de educação especial na oferta do atendimento aos alunos com NEE; uma readequação da política federal que foi influenciada por contextos regionais e locais.

Portanto, as influências externas, que indicavam o fechamento das escolas especiais, sugeriram um caminho organizacional para que Brasil e suas unidades federativas modificassem a estrutura de seu sistema de ensino. Nessa reestruturação, como indicado na Declaração de Salamanca (1994), as escolas especiais deveriam ser "exceções" e que, quando necessárias, deveriam estar localizadas "dentro das escolas inclusivas", provendo "educação mais adequada a um número relativamente pequeno de crianças portadoras de deficiências que não possam ser adequadamente atendidas em classes ou escolas regulares". Até a Resolução CNE/CEB 4/2009, o MEC tentou conter investimentos dos Estados em escolas especiais e conveniadas, como transparece neste discurso:

Nós estamos nessa fase de justificar a estrutura de escolas especiais do estado. E isso é uma briga, pois o que fizemos até agora foi com recursos próprios. Pra você ter uma idéia nós colocamos no MEC uma ação de formação de professores, colocamos lá 'formação de professores da educação especial', o MEC devolveu, não foi aprovado porque tinha que ser pra professores da educação básica. O MEC não quer mais a diferença (Secretaria de Educação número 06).

Essa dimensão coercitiva do processo tem passado por inúmeras fases de renegociação entre o MEC e as Secretarias. A referida Resolução de 2009 é o resultado de pressões regionais, locais, histórica e constituinte da sociedade brasileira, desvelando o complexo processo de constituição do Brasil, conforme é possível notar:

Não há nenhuma indicação no sentido de acabar com as escolas especiais no nosso estado. Até porque instituições especiais, como a APAE1413 13 A missão da APAE é promover e articular ações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e representar o movimento perante os organismos nacionais e internacionais, para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas APAEs, na perspectiva da inclusão social de seus usuários. [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais] , por exemplo, ofertam outros tipos de serviços e trabalhos, como a terapia ocupacional (Secretaria de Educação número 10).

A Secretaria de Estado da Educação de [número 13] garante o direito de acesso e permanência no atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência intelectual que necessitam de apoio pervasivo, possibilitando a celebração de convênios com instituições que mantêm atendimento educacional gratuito, na modalidade de Educação Especial, disciplinados em legislação específica: Decreto nº 54.887, de 7 de outubro de 2009, Resolução SE nº 72, de 9 de outubro de 2009 e Decreto nº 40.722, de 20 de março de 1996. Atualmente, o número de contemplados pelos convênios atinge um total de 299 alunos. (...) A diminuição das classes especiais, a reorganização do trabalho com as APAEs, o financiamento da Educação Especial para o Trabalho e a exclusão gradativa dos alunos com mais de 30 anos da relação de convênios, para encaminhamento a atividades mais adequadas a sua idade são metas para o fortalecimento da rede pública e consequentemente integração e respeito ao aluno deficiente (Secretaria de Educação número 13).

Paradoxalmente, embora todas as Secretarias assumam trabalhar a educação especial na perspectiva da Educação Inclusiva, esse posicionamento implica em concepções e ações diversas. Isso pode ser verificado nos diferentes e contraditórios significados que a Educação Inclusiva assume no discurso das Secretarias. Abaixo, estão agrupadas, em cinco grandes grupos, as respostas dos 14 representantes que se manifestaram frente a questão: para sua Secretaria, qual o significado da Educação Inclusiva?

1) Concepção política: integrar/incluir "todos" ou a "maioria" na sala regular; realizar uma integração/inclusão "progressiva", "responsável" ou "gradativa"; reconhecer que existem alunos que "não podem" ser integrados/incluídos;

2) Investimentos pedagógicos e financeiros: ter intérpretes em sala de aula, "quando necessário"; ter recursos e equipamentos; dar formação continuada ao professores da educação especial; ter um monitor que acompanhe os alunos com NEE, e trabalhe cooperativamente com o professor; realizar formações itinerantes por todo o Estado; ter as escolas comuns cada vez mais aptas em sua estrutura para receber alunos com NEE;

3) Reestruturação do sistema regional: transformar as escolas em centros de atendimento educacional especializado; acabar com escolas especiais e também manter estas escolas; renovar convênios com ONGs e não ter mais escolas conveniadas; implantar nas escolas o atendimento educacional especializado; trabalhar com alunos especiais incluídos em sala regular e, em contraturno, em salas especiais, escolas conveniadas e centros educacionais especializados; receber formação do MEC; receber recursos do MEC para formação e universalização do acesso; ter uma equipe técnica, seja na escola regular ou especial, composta por terapeutas ocupacionais, assistência social, fonoaudiólogo, entre outros profissionais; estabelecer número máximo de alunos especiais por sala; ter professores itinerantes atendendo as escolas; ter pacto com municípios.

4 )Concepção ideológica: apoiar a escola comum; apoiar os profissionais da educação especial; respeitar as habilidades de todos os alunos, evitando comparações entre "especiais" e "normais"; transformar os espaços escolares em inclusivos e esbarrar, ao mesmo tempo, em uma estrutura "azeitada"; criar uma estrutura legitima para os pais de família; lidar com conflito de interesses locais; respeitar a diferença; acreditar nos alunos com NEE; sensibilizar toda a escola regular.

5) Alinhamento político: assegurar os direitos vigentes na legislação brasileira; seguir as políticas e orientações do MEC; ter uma política própria14 14 Muitas vezes, como para a Secretaria de Estado numero 11, o MEC parece não ser apenas o principal norte, mas o único: "o MEC observa, eles tem tudo, informação sobre matriculas. Através do senso eles têm monitoramento nos Estados como esta acontecendo o processo". ; seguir "a onda", pois "não só o nosso Estado, mas o Brasil todo está caminhando nesse sentido (...), até mesmo por que é um movimento mundial".

Como possíveis resultados de trabalhar a educação especial na perspectiva da Educação Inclusiva, obtiveram-se respostas de oito Estados: "melhor e mais freqüente formação docente" apareceu em 62% das respostas e em "maior número de alunos incluídos", em 37,5% das respostas. Ainda entre os resultados, vale ressaltar mais "recursos, maior sensibilização e assessoramento pedagógico", com 25% e "visão mais ampla, mais respeito, maior adaptação arquitetônica", com 12,5% . Apenas um Estado reconheceu existir também resultados ruins relacionados aos conflitos internos e externos às escolas que tais políticas estariam promovendo, o que representa 12,5%.

Acredita-se que a presente seção da pesquisa permite evidenciar que o Decreto nº 6.571/2008, analisado na perspectiva do formalismo com base em seus aspectos formais (expressões de lei), e informais (o comportamento formalístico dos atores sociais), foi traduzido e interpretado diferentemente a cada contexto de prática organizacional. Objetivou-se, pela descrição, prover compreensão do efetivo impacto deste Decreto na gestão da Educação Inclusiva, e confirmar que, "por mais que forças isomórficas pressionem no sentido da homogeneização da estrutura e da ação organizacional dentro de um mesmo nicho, sempre haverá diversidade em virtude das especificidades dos esquemas interpretativos" (MACHADO DA SILVA et al. , 1999, p. 3).

Na seção que segue, a partir da ampliação do conhecimento sobre a totalidade do universo em questão, ainda que limitado pela característica metodológica da etapa, buscou-se, então, analisar a realidade da Gestão da Educação Inclusiva na Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte. Para isso, considerou-se uma prática que apregoa a inclusão de maneira consonante e, "mesmo anteriormente ao MEC", que pode ser formalística, possibilitando a emergência de sentidos diversos para esse discurso.

6. A Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte: dissidência ou conformidade?

Como se verificou na sessão anterior, a organização pública do sistema educacional brasileiro apresenta uma ampla variedade de posicionamentos locais diante da perspectiva institucional da Educação Inclusiva. Isso porque, de acordo com a enunciação oficial de seus representantes, cada Secretaria de Estado da Educação interpretou os dispositivos legais fornecidos pelo Governo Federal a partir dos contextos políticos e administrativos regionais, adequando seus discursos e ações às formalidades extrínsecas impostas pelo MEC.

Com o intuito de ultrapassar essa adequação formal e contribuir para uma compreensão mais efetiva do impacto do Decreto nº 6.571/2008 na gestão pública da educação brasileira, optou-se pela realização de um estudo de caso em uma das Secretarias que se posicionou ideologicamente favorável e administrativamente alinhada ao paradigma dominante da inclusão total dos alunos com NEE no ensino regular. Para tanto, esta etapa do estudo concentrou-se no Rio Grande do Norte, aproximando-se da SUESP e suas relações interorganizacionais com uma das escolas regulares em que se realizam a inclusão.

O contato inicial com esta Secretaria foi estabelecido por telefone. Após percorrer os ramais de algumas subcoordenadorias de sua Coordenadoria de Desenvolvimento Escolar (CODESE), responsável pela organização da educação básica no estado do Rio Grande do Norte, a ligação parou no SUESP. Como informado, esta seria "a área que mais trabalha com o desenvolvimento e implementação das políticas de inclusão" – reproduzindo uma concepção ainda muito presente no cotidiano das instituições públicas que localiza a perspectiva da inclusão, quase que somente no interior das políticas empreendidas pela educação especial, como se elas estivessem separadas do restante da educação básica. Assim, foi indicada uma representante do setor pedagógico da SUESP para responder a entrevista.

A conversa nesta ocasião foi breve, as questões envolveram apenas a posição oficial da SEC/RN diante das diretrizes estabelecidas pelo MEC para a Educação Inclusiva:

Nós já trabalhamos nessa perspectiva há algum tempo. Eu posso até dizer que a gente foi anterior a nova política, mas ainda estamos caminhando nesse sentido, nessa direção, realmente com o objetivo de que [a inclusão educacional] aconteça de fato em todas as escolas (...) Começamos na década de 1990; agora estamos fazendo pequenos ajustes na nossa política (...), escolas especiais não temos nenhuma no Rio Grande do Norte; tem apenas Centros de Atendimento Especializado, mas um Centro não é uma escola (...), o desafio atual é derrubar algumas barreiras que ainda permanecem – de atitude, de acessibilidade. (Entrevistada 01).

Na fala da entrevistada, a "nova política" de educação especial, na perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, parece apenas legitimar o trabalho já realizado pela SUESP desde o início da década de 90. Depois de confrontar essas informações com os dados oferecidos pelas outras Secretarias pesquisadas, decidiu-se aprofundar a análise neste contexto justamente por sugerir que ele estaria distante de qualquer formalismo, permitindo verificar até que ponto esta Secretaria poderia agir em consonância com as normas e regulamentos nacionais.

Assim, outra entrevista foi agendada, no próprio Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Norte, na cidade de Natal, onde funciona a SUESP. Dessa vez, uma pedagoga que trabalhava com os "projetos itinerantes" e as "salas de recursos multifuncionais"15 15 A Declaração de Salamanca (1994) sugere que apenas países sem histórico com escolas especiais deveriam concentrar esforços no desenvolvimento exclusivo de escolas inclusivas e serviços especializados. Reconhecendo, assim, que a situação da educação especial varia de país para país. Contudo, aponta um "melhor" caminho ao afirmar que "investimentos em escolas especiais existentes deveriam ser canalizados a este novo e amplificado papel de prover apoio profissional às escolas regulares no sentido de atender as NEE" (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994) – jogando por terra todo o discurso empregado sobre especificidades e particularidades de contextos educacionais locais. foi designada para responder as perguntas. Como não foram elaboradas questões fechadas, este encontro logo se transformou em uma conversa informal, na qual a entrevistada fez questão de contar sua própria trajetória na educação especial para explicar as principais mudanças na organização deste sistema estadual de educação, com o advento das propostas de inclusão educacional:

Trabalho aqui no setor pedagógico há mais de 30 anos com a educação infantil – eram as "creches". Naquela época tinham crianças com deficiência auditiva, visual e mental e eu entrei para coordenar este trabalho com professoras nossas, da SUESP. Fazia-se aquilo que a família não oferecia; esses cuidados que a mãe não dava. Tinha também aqueles com deficiência intelectual, mas ao invés de haver uma progressão eles eram segregados; só estavam de corpo presente. Assim eram as salas especiais, de 1976 a 1984. (...) Em 1985 começou o alerta para integrar – numa sala com alunos normais se colocaria 3 ou 4 com NEE. Eles eram o que a gente chama de objetos. Estavam ali só para dizer que estávamos integrando. Não era inclusão. Era estar dentro, conviver. (..) Nessa época começamos a perceber que era um preconceito, uma descriminação muito grande, eram descriminados na hora do intervalo, nas festas, em qualquer atividade – até na fila do lanche eram rejeitados. Então veio do MEC, em 1985, e começou o alerta (...), na década de 90, por ai, estourou a bomba: tinha que ser inclusão! Foi um rebuliço. (Entrevistada 02).

A partir desse ponto, a entrevistada começou a descrever as principais consequências que o paradigma da inclusão, iniciado ainda na década de 1990, produziu sobre a gestão da educação pública, particularmente a educação especial, no Rio Grande do Norte:

A revolta dos professores provocou a necessidade de formação (...), houve uma resistência por parte das escolas pra permanecer com estes alunos segregados e integrados. Houve resistência. Houve não, ainda há muita resistência. Mas isso vem diminuindo, principalmente porque o MEC coloca que para estar nas salas multifuncionais tem que ter formação. Por isso digo que o marco de todo esse processo foi mesmo 2003. A inclusão bombou desde 1990, em 2000 praticamente já não tinha mais escolas especiais – só algumas escondidas no interior. Eu peguei uma em 2000 que era assim (...), a escola persistiu em continuar com a sala especial, nós desmanchamos. Houve muita confusão. (...) Mas foi depois de 2003 que tudo começou mesmo com as salas de contraturno. Hoje sempre tem a professora itinerante que vai até a escola. A gente tem trabalhado na formação, sensibilizando os professores. Por isso eu acho que tudo está caminhando bem, principalmente depois da sala de recursos multifuncionais. (Entrevistada 02).

Conforme esta descrição oferecida pela entrevistada, a educação especial no Rio Grande do Norte é apresentada a partir de um movimento de quatro décadas, pelo qual a gestão educacional transita de um modelo assistencialista para uma concepção integracionista e, posteriormente, inclusiva. Tal processo, desde 2003, é legitimado por meio das políticas nacionais do MEC, com o financiamento de Salas de Recursos Multifuncionais e dos projetos de itinerantes desenvolvidos pelo estado na formação inicial e continuada dos profissionais que atuam na educação especial.

Contudo, a avaliação positiva das atuais políticas educacionais inclusivas apresentadas pelas representantes da SEC/RN foi muito diferente da avaliação realizada pela diretora de uma escola em Natal. Sua escola foi selecionada para esta pesquisa por destacar-se como uma voz dissonante no estado: "uma escola problemática", segundo a entrevistada 02. Quando perguntada sobre o trabalho da SUESP, na promoção da atual política de inclusão educacional, esta diretora revelou:

A inclusão está implantada nas escolas. O pessoal vai receber os alunos, as escolas estão abertas, mas ninguém tem nenhuma formação. Não é nem por queda de braço, mas eu sempre estou em conflito com a SUESP por varias coisas. Eles falam, teorizam, mas a pratica educacional deixa muito a desejar. E olha que nós somos uma das poucas escolas que tem essas salas de recursos multifuncionais e que recebem todas as NEE. Mas o professor está preparado pra receber o aluno com NEE? Não, ele não está preparado. (...) Eu era professora de sala de aula, lidava com alunos especiais dentro do processo dos alunos considerados normais. Eu já tinha alguma experiência porque eu sou formada em sociologia, já trabalhei na APAE, tenho um pouco de tranquilidade e ainda encontrava dificuldade tremenda. Mas os professores que nunca tiveram contato com alunos com NEE e agora tem obrigação de receber esses alunos na sala de aula, como eles fazem? A própria SUESP não leva em conta isso. Por exemplo, como a pessoa vai lidar com surdos se ele desconhece o mundo das LIBRAS? (Entrevistada 03).

Desse modo, a diretora criticou o trabalho da SUESP, sobretudo no que diz respeito às suas principais "bandeiras":

A SUESP só lida com a sala multifuncional. Mas somente ela não dá suporte aos professores de sala de aula. As visitas da SUESP são apenas para as salas multifuncionais, eles não dão suporte para os professores de sala de aula. Então eu não acredito que este processo funcione. (...) Por isso, digo que o discurso da SUESP é bonito, mas na prática é tudo diferente. Eles querem que a gente aceite os alunos, incluindo estes alunos em sala de aula e os professores estão despreparados. A gente liga solicitando formação e eles não aceitam nem que a professora de sala de aula faça um curso. (...) Então, qual é o trabalho do projeto itinerante? O que o itinerante faz? Eles já consideram que o programa esteja em andamento funcionando em 100%. Se existe o programa eu acho que o programa tem que ser melhorado, e muito. (...) (Entrevistada 03).

Por fim, a diretora encerrou sua fala problematizando a própria posição da SUESP, e apontando para o que poderia ser chamado de uma prática formalística na gestão pública da educação no Rio Grande do Norte:

Nem todos os alunos especiais que estão aqui querem ir para a escola regular. Por isso, eu acho que a escola especial, ou como quer que se chame, é um espaço que não pode simplesmente acabar. Ela tem equipamentos, professores com qualificação nessa área (...), nas escolas normais as únicas professoras que são especializadas são as professoras da sala multifuncional – que é o espaço do reforço, o cantinho especial. Queria saber se o pessoal da SUESP acredita mesmo que isso que fazem é inclusão ou apenas é para dizer que o estado é inclusivo? (Entrevistada 03).

O descompasso entre o discurso das representantes da SUESP e da diretora de uma das escolas, que integra este sistema regional de ensino, é evidente, ainda que limitado pela realização de uma diretora. Não cabe a esta pesquisa determinar a legitimidade ou veracidade destes relatos, pois a intenção não é rivalizar ainda mais essas posições. Pelo contrário, buscou-se apenas registrar a presença de aspectos formalísticos nos processos de reorganização do ensino público que estão sendo impulsionados pelo ideário da inclusão da educação na educação especial.

7. Considerações Finais

Ao abordar o formalismo no contexto da Educação Inclusiva, procurou-se analisar conjuntamente alguns dos processos que posicionam todo o sistema de ensino brasileiro em uma mesma direção oficial, criando mecanismos e dispositivos estratégicos que mobilizam transformações locais a partir de discursos externos, sejam eles nacionais ou internacionais. Nesse sentido, foi possível constatar que as práticas formalísticas emergem nas instituições educacionais como possibilidades de ressignificação frente às exigências das organizações que as regulam para se adequar às demandas e necessidades locais, ou mesmo nacionais. Contribuem, deste modo, para capturar a influência dos usos estratégicos que a gestão pública realiza das normas jurídicas e políticas estatais.

Do ponto de vista teórico, a expectativa é a de ter chamado atenção para a presença do formalismo na administração pública da educação, especialmente da educação especial. Como já observou Machado da Silva et al. (2003, p. 198), trata-se de perceber que tais práticas "não se caracterizam apenas pela imposição freqüente de regras – quando não estão fundamentadas nos costumes –, mas também como traço cultural que integra o comportamento dos atores sociais". Diante das constantes mudanças na legislação, e na orientação política das diversas instâncias da educação brasileira, a pressão coercitiva impõe dinâmicas aceleradas de adaptação, prática e discursiva, que são compartilhadas pelos agentes e organizações.

Portanto, ao analisar o impacto do Decreto nº 6.571/2008, e demais regulamentações sobre a estruturação do ensino público brasileiro, conclui-se que a prática formalística permite aos Estudos Organizacionais interrogar a eficácia das políticas do "conhecimento oficial" (APPLE, 1997), e suas outras formas de narrar não somente a educação especial, mas a própria pluralidade de lógicas e vivências sociais.

O delineamento metodológico traz algumas limitações para este trabalho, bem como, as dificuldades de acesso a recursos financeiros e físicos para a pesquisa em todos os estados. Cabe apontar, também, a limitação do número de entrevistas realizadas na segunda etapa da pesquisa. Porém, entende-se que esta pesquisa teve um tempo reduzido para sua condução e que novos estudos, a partir dos resultados alcançados, podem ser realizados para ampliar a compreensão de um fenômeno que envolve os níveis macro e micro de análise.

Como sugestões de futuras pesquisas, recomendam-se um aprofundamento do contexto das necessidades de pessoas consideradas portadoras de NEE e seu histórico no Brasil, a condução de novos estudos de caso, únicos ou múltiplos, e a inclusão de outras categorias intervenientes como o formalismo. Compreender melhor a configuração da cultura brasileira pode ser um promissor caminho para estudos que envolvem o setor educacional de um determinado país.

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  • WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1963.
  • 1
    Autores como Ferreira e Oliveira (2009) e Pinheiro (2003) argumentam que, embora a retórica política e educacional contemporânea apresentem a Educação Inclusiva como uma novidade, as políticas inclusivas têm sido objeto de intenso debate na educação pública pelo menos desde o início da década de 70. Este movimento será evidenciado no tópico seguinte quando discutiremos o histórico de trabalho da Secretaria de Educação Especial do Brasil (SEESP).
  • 2
    Este Decreto tem como princípios orientadores: a (1) Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia (1990); a (2) Declaração de Salamanca, Espanha (1994); (3) a Convenção da Guatemala (1999); o (4) Foro Mundial sobre Educação, Dakar, Senegal (2000); e (6) a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), aprovado pela ONU. Para os países parte do Mercosul, como é o caso do Brasil, deve-se atentar também para existência do (5) Programa Educar na Diversidade (2003), sobre formação contínua de gestores e professores que fundamentou-se no material de formação docente da UNESCO
    Special Needs in the Classroom.
  • 3
    "A institucionalização tem essencialmente o objetivo de dar forma ao que, sem ela, se dissiparia de modo caótico" (RAMOS, 1966, p. 150-151).
  • 4
    "No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff" (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007).
  • 5
    A Declaração de Salamanca (1994), que influenciou as políticas públicas na perspectiva da inclusão, é recorrente objeto de estudos em todo o mundo e alvo de variadas críticas pela sua forte visão econômica: "a visão da criança deficiente como um ser que deve ser preparado para a assunção de funções na estrutura capitalista está presente, ressaltando a utilidade econômica da educação e os benefícios econômicos para a criança e seu ambiente social. O paradigma que está evidente (...) parece ser o desenvolvimento econômico e não o humano uma vez que não são apontadas as possibilidades da educação para a ampliação das linguagens da criança e para a vivência plena da infância" (OLIVEIRA; PINTO, 2004, p. 3)
  • 6
    Na lei nº 9.394/96 destaca-se ainda os seguintes artigos: Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais. I -currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades; II -terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados. Art. 24, inciso V. possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado. Art. 37. (...) oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
  • 7
    O material de formação docente da UNESCO Special Needs in the Classroom fundamenta o Projeto Educar na Diversidade. As pesquisas relativas à criação deste material se iniciaram em 1998, com uma equipe de trabalhos que realizou pesquisas de campo no Canadá, Chile, Jordânia, Kenia, Malta, Espanha e Zimbábue. A equipe coordenadora do Projeto Educar na Diversidade nos países do MERCOSUL alega não tratar-se puramente de uma "importação", mas sim constitui-se como resultado da busca de conhecimento com estratégia de adequação e utilização do mesmo em consonância com a realidade local. Este Projeto iniciou-se em 2001, com amostra inicial de vinte e cinco escolas, sendo cinco escolas por país, localizadas em uma mesma região, representando diferentes realidades: rural, periferia, urbana e intercultural.
  • 8
    No que tange a Educação Inclusiva, reforça a sua necessidade e estabelece formas para trabalhar a formação de professores, a implantação de salas com recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares e o acesso e permanência das pessoas com deficiência na educação superior (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007).
  • 9
    Azevêdo e Albernaz (2010) discutem a "redução sociológica" de Ramos (1965, 1989), que buscava, através dos sentidos auferidos, a fundação de construções teóricas na prática social em uma época de desenvolvimento e industrialização sem precedentes na histórica brasileira, que levou nossa sociedade a importar modelos e práticas alhures. Para Boava et. al. (2010, p. 75), Ramos (1989) transplantou as idéias em torno do "método fenomenológico" de Husserl para o campo sociológico buscando desta maneira assimilar criticamente a literatura estrangeira, abstraindo desta a essência daquela verdade fabricada, uma vez que "toda produção científica estrangeira é, em princípio, subsidiária" (RAMOS, 1965, p. 120-130), para repensar a singularidade da sociedade brasileira, trabalhando uma construção livre de sombras, local e crítico.
  • 10
    Como já observou Skliar (2005), o jogo dos discursos, quando praticado com e para os sujeitos, suscita questões próprias, de autoridade, propriedade, que seguem sempre abertas. "É a partir de uma incapacidade, a partir de um não conhecimento, a partir da impossibilidade para responder a essa pergunta, que alguma coisa acontece ali, no lugar onde não há lugar, faz-se acontecimento" (SKLIAR, 2005, p. 25).
  • 11
    Flexibilidade é suscitada do formalismo e, adaptabilidade e criatividade, são faces da flexibilidade (PRATES; BARROS, 1997).
  • 12
    Esse alinhamento decorre, principalmente, dos mecanismos coercitivos nacionais e internacionais – conforme narrado na seção dois do presente artigo.
  • 13
    A missão da APAE é promover e articular ações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e representar o movimento perante os organismos nacionais e internacionais, para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas APAEs, na perspectiva da inclusão social de seus usuários.
  • 14
    Muitas vezes, como para a Secretaria de Estado numero 11, o MEC parece não ser apenas o principal norte, mas o único: "o MEC observa, eles tem tudo, informação sobre matriculas. Através do senso eles têm monitoramento nos Estados como esta acontecendo o processo".
  • 15
    A Declaração de Salamanca (1994) sugere que apenas países sem histórico com escolas especiais deveriam concentrar esforços no desenvolvimento exclusivo de escolas inclusivas e serviços especializados. Reconhecendo, assim, que a situação da educação especial varia de país para país. Contudo, aponta um "melhor" caminho ao afirmar que "investimentos em escolas especiais existentes deveriam ser canalizados a este novo e amplificado papel de prover apoio profissional às escolas regulares no sentido de atender as NEE" (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994) – jogando por terra todo o discurso empregado sobre especificidades e particularidades de contextos educacionais locais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014
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