Acessibilidade / Reportar erro

EDITORIAL

Conforme o leitor atento da Revista Ensaio poderá conferir, os dez trabalhos que dão corpo ao seu número 86 emergem, na quase totalidade, de pesquisas de cunho teórico-empírico, que não se furtam à necessária problematização teórico-conceitual dos referentes empregados e, em alguns casos, também atribuem centralidade aos processos teórico-metodológicos adotados, configurando-se tanto de natureza qualitativa, quanto – embora em menor número – quantitativa.

Ultrapassando os extremos contemplativos ou eminentemente descritivos da crítica sobre os contextos e/ou objetos para os quais se inclinam, estes estudos, com idêntico rigor e vigor, possuem o mérito de formularem propostas de intervenção nas realidades e problemas enfocados, contribuindo, portanto, para a superação local dos desafios identificados e, a um só tempo, fornecendo significativos elementos para a reflexão acerca de situações congêneres.

Assim, esta edição principia com três artigos que consubstanciam importantes contributos para o conhecimento acerca do perfil editorial-científico que este periódico vem assumindo ao longo da sua existência, colaborando, ainda, para a compreensão de problemáticas educacionais internacionais e de maior especificidade pedagógica local.

O primeiro trabalho, de Álvaro Chrispino, Márcia Bengio Albuquerque e Patrícia Borges Coutinho da Silva (Chrispino et al.), intitulado “Os vinte anos da Revista Ensaio analisados por meio de Redes Sociais”, cumpre neste número função institucional e, em paralelo, científica, pois, para além da disponibilização de elementos estratégicos para o conhecimento do perfil da evolução histórica deste periódico, o faz coerentemente ao rigor científico necessário, discutindo, ainda, a pertinência da metodologia empregada. Mapeando 466 artigos selecionados a partir do total de 620 publicados em 80 números deste periódico, a começar por sua primeira edição, em 1993, os autores adotam a abordagem de Redes Sociais, por meio do software Program for Large Network Analysis (PAJEK), de modo a traçar o seu perfil decenal com base no quantitativo de autores e instituições às quais estes se vinculam e, ainda, das palavras-chave associadas ao conjunto desses trabalhos. A título de conclusão mais geral, postulam que a missão da Revista Ensaio nos campos prioritários propostos – Avaliação e Políticas Públicas em Educação – vem sendo cumprida com fidelidade, fazendo com que o periódico afirme-se “como veículo de divulgação de dados e ideias, reflexões e debates no grande campo da Educação, oferecendo uma visão plural dos fenômenos educacionais nos diversos ângulos de análise, a saber: políticos, administrativos, econômicos, sociais, epistemológicos e axiológicos, especialmente”.

Dentre o conjunto de parâmetros analisados, Chrispino et al. constatam a crescente internacionalização da Ensaio nos termos da veiculação de artigos de autores vinculados a instituições estrangeiras, quantitativamente mais tímida nos primeiros dez anos de existência da Revista, exprimindo, contudo, maior adensamento na segunda década, quando, a partir de 2005, o periódico veio a compor o acervo da Scientific Electronic Library Online (SCIELO). Assim, a Ensaio vem disponibilizando trabalhos de autores vinculados a instituições da Europa e das Américas, como, por exemplo, pertencentes ao Chile, país sul-americano do qual desponta o segundo artigo da presente edição.

Trata-se do trabalho nomeado “Nudos Críticos del Sistema Escolar Chileno, Hipótesis Explicativas y Propuestas para una Nueva Arquitectura del Sector Público”, de autoria de Sebastián Donoso-Díaz, Moyra Castro-Paredes, Jorge Alarcón-Leiva e Giselle Davis-Toledo (Donoso-Díaz et al.), cujo objetivo consiste em identificar e discutir os principais entraves da educação pública no Chile contemporâneo, com destaque para a baixa qualidade do ensino e a concomitante apartação socioeconômica e territorial produzida no – e pelo – sistema educacional vigente. Ressaltando que a superação das dificuldades apontadas resulta complexa, os autores apontam sua dependência para com um conjunto amplo de mudanças relativas, de um modo geral, à institucionalidade e à organização do sistema educacional do país, e, de modo específico, ao seu modelo de financiamento, de distribuição de competências e de recursos que, na atual configuração, acabam por não assegurar o direito a uma educação pública dita de qualidade. Todavia, ressaltam que, embora haja relativa convergência quanto ao reconhecimento da necessidade de transformações que incidam sobre a arquitetura do sistema educacional em questão, prevalecem dissensos quanto às formas organizativas que devem dar lugar.

Decerto, as análises de Donoso-Díaz et al. permitem a visualização de um quadro desafiador ao sistema educacional do Chile, por meio da expressão dos déficits de justiça social e dos limites da própria democracia desse país que, para além das fronteiras andinas, e a par das suas especificidades políticas, econômicas e culturais mais amplas, aludem a reptos similares que, estruturalmente, marcam a sociedade brasileira e que acabam por reproduzir-se na esfera dos sistemas nacional e infranacional de educação. Com isto, o artigo de Donoso-Díaz et al. potencialmente nos leva, por distanciamento característico dos processos comparativos em ciências humanas e sociais, a pensar a nossa própria realidade, agora sob empréstimo do olhar que originalmente se encontrava dirigido ao não familiar, à diferença, ao que preliminarmente se mostra, em termos antropológicos, exótico, tarefa que a Ensaio, por meio da publicação de estudos internacionais, vem há muito facultando aos seus leitores.

Os compromissos da Ensaio para com a atualidade dos problemas educacionais no Brasil também são evidenciados nesta edição por meio de trabalhos como o de José Antonio Vianna, Silvana Márcia de Souza e Katarina Pereira dos Reis (Vianna et al.) que, caracteristicamente descritivo e exploratório, visa ao exame da ocorrência de um fenômeno marcante no cotidiano escolar que, talvez secular e de certa universalidade, tenha apenas mais recentemente chamado a atenção dos educadores e pesquisadores no Brasil, conceituado pelo estrangeirismo vocabular bullying. Intitulado “Bullying nas aulas de Educação Física: a percepção dos alunos no ensino médio”, o artigo discute resultados de pesquisa que tomou por base uma escola pública no município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, pautada na aplicação de questionário semiestruturado a uma amostra intencional de 49 alunos que, no transcurso escolar, vieram a cursar a disciplina em questão, confirmando a existência de práticas de agressões verbais, emocionais e físicas, embora não necessariamente nas aulas de Educação Física. Ainda de acordo com Vianna et al., se por um lado, o bullying é apontando preponderantemente como decorrente do protagonismo de “indivíduos que se valem do seu maior tamanho e força”, por outro, é o próprio poder socialmente legitimado ao professor e à instituição escolar que é tomado por esses alunos como possibilidade da “definição de direitos e obrigações, e controle dos indivíduos desviantes”.

O estudo de Vianna et al. coloca também em pauta o valor e o alcance do discurso discente para as pesquisas no campo das ciências da educação, seja como uma importante forma de apreensão da realidade na – e pela qual – as políticas e práticas internas e externas à ambiência educacional se manifestam, seja como fonte da definição de estratégias e ações de intervenção nesse mesmo contexto. Neste número da Revista Ensaio, tais aspectos tornam-se evidentes em vários dos estudos que dão sequência àquele artigo, os quais vieram a se pautar na percepção de alunos, por exemplo, do Ensino Superior, a respeito de outras questões específicas, conforme salientado mais adiante.

Os demais artigos deste número de Ensaio se edificam a partir de três eixos fundamentais, relativos às políticas públicas contemporâneas no Brasil, assentados no campo da avaliação, das políticas compensatórias e, ainda, das políticas docentes. Consistem em sete estudos que, de modo mais geral, evidenciam a crescente atribuição de valor, por um lado, ao protagonismo local na elaboração e na condução das políticas públicas na área da educação e, por outro, de acordo com o que foi anteriormente ressaltado, à percepção discente para a análise e a intervenção nesses mesmos processos.

O eixo relativo à avaliação reúne três artigos, sendo um sob abordagem quantitativa e outros dois, qualitativa; porém, esses artigos se mostram congruentes quanto ao fato de enfocarem aspectos metodológicos fundamentais desse campo. O estudo quantitativo realça a “Avaliação da Satisfação de Alunos por meio do Modelo de Resposta Gradual da Teoria da Resposta ao Item”, de autoria de Fernando de Jesus Moreira Junior, Andréa Zanella, Luis Felipe Dias Lopes e Enio Júnior Seidel (Moreira Junior et al.). Já os estudos qualitativos, que aqui expõem maior afinidade mútua, objetivam a definição de indicadores que instrumentalizem determinados processos avaliativos locais, um vinculado à avaliação institucional, intitulado “Avaliação institucional em Ciências Biológicas nas modalidades presencial e a distância: percepção dos egressos”, fruto da pesquisa levada a efeito por Dirceu Esdras Teixeira, Luiz Carlos dos Santos Ribeiro, Keila Mara Cassiano, Masako Oya Masuda e Marlene Benchimol (Teixeira et al.), e outro, relativo à avaliação de política educacional propriamente dita, publicado na Seção “Página Aberta” deste periódico, designado “Indicadores para avaliação de programas educacionais: desafios metodológicos”, de autoria de Adriana Bauer e Sandra Zákia Sousa (Bauer & Sousa).

O trabalho de Moreira Junior et al., guiado por pesquisa de campo circunscrita à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), visa a avaliar a satisfação de alunos, que em 2007 cursaram as disciplinas de Estatística Básica e Geral, em relação aos professores, à infraestrutura das salas de aula e à disciplina propriamente dita. Tal avaliação ocorreu considerando-se uma amostra composta por 500 respondentes de cursos de graduação e pós-graduação, e empregando, entre outros instrumentos, a Teoria da Resposta ao Item (TRI) conjugada ao Modelo de Resposta Gradual (MRG), por meio do qual foi criada uma escala de medida unidimensional. Já os dois trabalhos que versam sobre a problemática dos indicadores de avaliação, igualmente derivando da efetivação de investigações de cunho teórico-empírico, privilegiam o contexto educacional estadual: o primeiro, no âmbito do Ensino Superior, enquanto que o segundo, na esfera da Educação Básica. De um lado, o estudo de Teixeira et al., metodologicamente calçado na aplicação de questionário on-line, se volta para a análise da percepção de egressos de cinco cursos de Ciências Biológicas das modalidades presencial e a distância de instituições de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, ainda, a Universidade Santa Úrsula (USU) –, com vistas à consideração dos seus resultados como indicador estratégico de diagnóstico relativo à avaliação institucional; e, do outro lado, o trabalho de Bauer & Sousa, que se dirige à descrição do processo de elaboração de indicadores mistos (qualitativos e quantitativos) vinculados à avaliação de impacto do Programa Letra e Vida, política destinada ao aprimoramento da prática de professores alfabetizadores atuantes nos primeiros anos do Ensino Fundamental, implementada pela Secretaria de Estado de Educação (SEE) de São Paulo, em meados da década de 2000.

Trata-se de estudos não frequentes na literatura correlata, que exprimem grande valor teórico-conceitual e teórico-metodológico para o campo da avaliação: o estudo de Moreira Junior et al., pelo fato de se dispor a aferir a pertinência e as propriedades do emprego da TRI em investigações congêneres; o estudo de Teixeira et al., em função de buscar configurar a percepção de egressos como indicador de avaliação institucional, enquanto que o estudo de Bauer & Sousa, em virtude da atribuição de centralidade à discussão sobre a elaboração de indicadores destinados à avaliação de políticas públicas de educação. Esses respectivos aspectos os tornam, no seu conjunto, ainda mais relevantes no presente número da Revista Ensaio.

A par das contribuições teórico-metodológicas desses artigos para o campo da avaliação, cumpre apontar os resultados atingidos pelas análises efetuadas que, em larga medida, igualmente sugerem somar importantes elementos ao acúmulo do conhecimento no domínio do ensino das Ciências Estatísticas e Biológicas; isto, a partir da percepção discente, além da Formação de Professores, sendo esta a partir do desempenho discente. Na primeira situação, os resultados obtidos por Jesus Moreira Junior et al. apontam aspectos relativos a satisfação e insatisfação discente para com a disciplina de estatística, fornecendo elementos estratégicos à diagnose dos problemas que a marcam, na universidade na qual é ministrada. Por seu turno, o estudo de Teixeira et al. expõe a conclusão geral de que a satisfação em relação ao curso de Ciências Biológicas é maior entre os egressos que cursaram a modalidade a distância do que propriamente presencial, embora o artigo não discuta as causas desta preferência. Já em termos da pesquisa de Bauer & Sousa, as autoras sinalizam que, apesar de a discussão acerca dos resultados obtidos com a avaliação do Programa Letra e Vida não ter constituído o foco do artigo, e sim as informações relativas à metodologia utilizada para a avaliação do programa, os indicadores delineados no estudo “trouxeram evidências para a compreensão das influências das atividades de formação continuada docente nos resultados de desempenho dos alunos, revelando a pertinência de esforços para avaliar impactos de programas de formação de professores, ainda escassos no Brasil”.

Além desses três estudos avaliativos, a Ensaio disponibiliza um quarto trabalho do gênero, de autoria de Andreliza Cristina de Souza e Mary Ângela Teixeira Brandalise (Souza & Brandalise), denominado “Democratização, justiça social e igualdade na avaliação de uma política afirmativa: com a palavra, os estudantes”, que, pelo fato de concomitantemente remeter ao eixo das políticas afirmativas, veio, neste editorial, fazer par com o estudo de Neusa Chaves Batista (Batista), “Políticas públicas de ações afirmativas para a educação superior: o conselho universitário como arena de disputas”, constituindo, juntos, uma oportuna discussão sobre temática cujos trabalhos vêm progressivamente se avultando no Brasil, despertando amplo interesse de pesquisadores, em especial, na área das Ciências Humanas e Sociais.

Assim, os artigos de Souza & Brandalise e de Batista, alicerçados na análise de dados empíricos coletados em instituições de ensino superior da Região Sul do país – respectivamente, no Paraná e no Rio Grande do Sul –, enfocam as suas políticas de cotas. O primeiro trabalho é realizado a partir da percepção de estudantes que, por meio dessa política compensatória, ingressaram nos cursos de graduação (em instituição não identificada pelas autoras), enquanto que o segundo trabalho privilegia os embates e disputas estabelecidos em sessão do Conselho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CONSUN/UFRGS), emergidos da avaliação dos primeiros cinco anos do programa de ações afirmativas na Universidade. Enquanto Souza & Brandalise procuram verificar se tal política possibilita a democratização do acesso a este nível de educação e a promoção da justiça social e da igualdade, Batista propõe-se a analisar, especialmente, os impasses sobre esta matéria, estabelecidos entre os segmentos docente e discente.

No que concerne à percepção dos estudantes da instituição de ensino superior paranaense, Souza & Brandalise notam que há certo consenso de que a política de cotas vigente na Universidade, norteada pela reserva de vagas para candidatos oriundos de escolas públicas e candidatos negros oriundos de escolas públicas, é capaz de proporcionar a democratização do acesso ao Ensino Superior, mas não a promoção da justiça social, já que a entendem dependente de outras ações político-sociais de maior abrangência, embora reconhecendo que tais políticas possam contribuir para que o processo de construção dessa igualdade ocorra. No caso da instituição de ensino superior gaúcha, Batista constata a ausência de consenso quanto aos critérios de acesso e permanência dos cotistas na Universidade, o que se expressa, de um lado, pela defesa docente da continuidade da vinculação entre as cotas raciais e sociais, nos termos de que as primeiras deveriam seguir sujeitas aos critérios em vigência relativos à origem escolar e à condição socioeconômica; e, de outro lado, pela percepção discente de que as cotas raciais deveriam separar-se das cotas sociais, implicando, em exclusivo acesso segundo a origem étnico-racial do candidato, como uma forma de garantir o reconhecimento da desigualdade deste aspecto cultural, tendo prevalecido o ponto de vista defendido pelos docentes.

O paralelismo das políticas afirmativas enfocadas por esses dois estudos revela, portanto, a diferenciação existente entre os critérios locais destinados à definição não apenas das cotas no interior das instituições que se afiguraram campo da investigação – expressão do exercício da autonomia universitária, da percepção dos atores sociais envolvidos e da correlação de forças estabelecidas –, mas também a heterogeneidade do próprio sentido atribuído à justiça social, em cada um desses dois contextos. Na instituição paranaense, verifica-se um duplo critério, que se pauta tanto na origem escolar dos candidatos, quanto também nos aspectos raciais (mas, neste caso, mesclado à origem escolar); já na instituição gaúcha, nota-se, conforme categoria empregada por Batista, a predominância de um modelo de justiça social dito unidimensional, com foco na problemática socioeconômica, indicativo de uma política redistributiva que minimiza o reconhecimento cultural, nesta perspectiva, a luta contra discriminações étnicas, raciais, religiosas e de gênero.

No caso das políticas para docentes, dois artigos, também decorrentes da efetivação de pesquisas teórico-empíricas, discutem, de um lado, os processos de valorização do trabalho docente e, de outro, a formação continuada desses profissionais, sendo que este se mostra com relativa afinidade temática com o artigo de Bauer & Sousa, anteriormente mencionado. O trabalho de autoria de Marli André (André), sob título “Políticas de valorização do trabalho docente no Brasil: algumas questões”, traz à vista alguns dos resultados de pesquisa mais ampla que, dentre o conjunto de problemáticas enfocadas, implicou investigar três tipos de ações locais levadas a efeito por órgãos gestores de educação no Brasil, no campo das políticas de valorização do trabalho docente, de modo a focalizar a socialização de práticas exitosas, os prêmios ou bônus por bom desempenho e as licenças ou bolsas para qualificação profissional dos docentes. Já o artigo de Paulo César Geglio (Geglio), intitulado “Políticas públicas de formação continuada para professores: um estudo de cursos realizados a partir de propostas licitatórias”, discute resultado de investigação vinculada à análise de propostas, também locais, de cursos de formação continuada de professores de uma rede pública municipal, com vistas ao exame do modo pelo qual essas ações vieram a ser desenvolvidas e, ainda, se se pautam em aspectos inovadores.

As análises constantes do artigo de André são conduzidas a partir de dados coletados junto a cinco Secretarias Estaduais de Educação (SEEs) – Goiás, Amazonas, Santa Catarina, Espírito Santo e Ceará – e dez Secretarias Municipais de Educação (SMEs) – Aparecida de Goiânia, Campo Grande, Florianópolis, Pelotas, Taubaté, Jundiaí, Sobral, Caruaru, Santarém e Manaus –, instâncias selecionadas em função da representação regional e da relevância de suas respectivas propostas, de ainda não terem sido contempladas em outras pesquisas similares e, ainda, por terem adotado sistema de ensino apostilado. Por seu turno, o trabalho de Geglio, que explicitamente reconhece a importância dos resultados alcançados, entre outras, pela pesquisa da qual André veio a derivar o seu artigo, visou a focar, em específico, as iniciativas da SME de João Pessoa, Estado da Paraíba, dirigidas à formação continuada dos seus professores; note-se que isto ocorreu considerando-se as propostas que vieram a ser selecionadas pelo município, por meio de concorrência licitatória.

Como conclusão mais geral, apesar de o estudo de André revelar a existência de certa equidade entre as três classes de ações anteriormente mencionadas, observa-se a tendência de compensação individual do professor, quer diretamente, por meio de prêmios ou bônus por bom desempenho, quer indiretamente, já que a socialização de práticas exitosas e a concessão de licenças e afastamentos dirigem-se, em última análise, ao indivíduo isoladamente; isto, ao revés de propostas articuladas ao incentivo do trabalho coletivo, às comunidades de aprendizagem e ao desenvolvimento profissional do coletivo escolar. De qualquer modo, o artigo de André destaca as dificuldades em se atestarem os efeitos de tais políticas no âmbito do desenvolvimento profissional dos docentes e na qualidade do ensino de sala de aula, já que, presentemente, não se dispõe de um quadro suficiente de pesquisas que tenham objetivado os efeitos decorrentes das políticas calçadas em bônus por produtividade ou premiações que, para a autora, deveriam “indagar que tipo de ensino e de aprendizagem vem sendo estimulado por essas medidas” e, ainda, “questionar se essa é não uma forma de ‘aumentar’ artificialmente os salários, que todos reconhecem como sendo muito baixos”. Embora o estudo de Geglio não tenha objetivado a identificação dessas políticas de prêmios ou bônus, acaba por constatar a presença, no município, de um programa voltado para a bonificação dos professores, mas que, segundo o entendimento do autor, aparenta relacionar-se mais ao “cumprimento de metas de gestão escolar, do que [à] valorização e [ao] incentivo à carreira docente”. Por outro lado, este autor evidencia que o protagonismo do município pesquisado é baixo em relação à esfera das parcerias estabelecidas com o governo federal – já que as diretrizes encontram-se previamente fixadas, implicando pouca ou nenhuma margem de mudança pela localidade – e mais acentuado em face dos cursos ministrados pelos formadores de instituições educacionais contratadas – situação em que a SME define alguns importantes parâmetros de realização do curso. Contudo, do ponto de vista da inovação, tais práticas ainda continuam a espelhar a concepção de formação pautada em “cursos com características exclusivamente transmissiva e receptiva”, neste sentido, sob enfoque tradicional.

Finalmente, cabe ressaltar que as possíveis vinculações e contribuições relativas aos artigos de mais este número da Revista Ensaio não se esgotam nas digressões editoriais até aqui levadas a efeito, cabendo ao leitor atento, individual e coletivamente, o estabelecimento de novas interpretações e proposições com vistas ao desenvolvimento profícuo de uma práxis educativa sintonizada às mudanças mais recentes das sociedades, em particular no Brasil.

Conforme esta e outras edições da Ensaio revelam, os esforços científico-acadêmicos em torno da compreensão dos fenômenos educacionais em âmbito local parecem metodológica e conceitualmente adensar-se, num crescente movimento, levando a crer numa maior disposição investigativa em resgatar o valor das políticas e práticas em educação, não apenas sob a ótica mais geral de suas dimensões globais ou nacionais, certamente imprescindíveis, mas também particulares, já que evidenciam importantes protagonismos, marcados por atores sociais diversos, inclusive institucionais, com destaque para, no caso do Brasil, as esferas estadual e municipal.

Nesse processo, conforme se podem aqui apurar, as atenções dos pesquisadores também convergem para a percepção discente, nos mais variados contextos. Em última instância, atestam o valor do ajuizamento daqueles que secularmente se constituíram, em exclusivo, objeto avaliativo, mas que agora vêm sendo elevados à condição de sujeitos ativos e pró-ativos nas diligências avaliativas, ou seja, protagonistas tanto do cotidiano e do conjunto das práticas intraescolares, quanto propriamente da produção plural do saber sobre este mesmo contexto, sobre a sua própria realidade.

  • Editor Associado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015
Fundação CESGRANRIO Revista Ensaio, Rua Santa Alexandrina 1011, Rio Comprido, 20261-903 , Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: + 55 21 2103 9600 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: ensaio@cesgranrio.org.br