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Avaliação da aprendizagem de ética no Ensino Fundamental* * Alexandre Palma; Ana Celi Pimentel Souza; Ana Lidia Felippe Guimarães; Felipe Guaraciaba Formoso; Humberto Lima; Monique Maiques Rezende e Natalia Borges Aguiar participaram da pesquisa que deu origem a esse artigo.

Assessment of learning ethics in elementary school

Evaluación de aprendizaje de ética en educación primaria

Resumos

O objetivo desta pesquisa qualitativa foi avaliar a aprendizagem de ética no Ensino Fundamental. Hipótese: é possível aprender ética por meio de virtudes no Ensino Fundamental. Nessa pesquisa ficou estabelecido o Método Sucupira Lins que tem base na Escuta Sensível de Barbier, acrescentando-se a ativa participação de pesquisadores que foi estabelecida por Lins. O Método Sucupira Lins fornece apoio aos alunos para que entendam o que estão fazendo e possam melhorar seu comportamento ético. A fundamentação teórica foi a filosofia moral de Alasdair MacIntyre que é baseada na filosofia das virtudes de Aristóteles e a teoria do julgamento moral de J. Piaget também foi considerada. Justiça, Amizade, Honestidade, Perseverança e Temperança foram as virtudes escolhidas para essa pesquisa. Foi observado de que modo crianças praticavam estas virtudes durante as atividades escolares. Os dados foram analisados de acordo com a metodologia de Laurence Bardin. Resultados mostram que as crianças aprenderam estas virtudes. Podemos concluir que a pesquisa respondeu positivamente a hipótese.

Aprendizagem; Ética; Virtudes; Ensino fundamental


The objective of this qualitative research was to assess the learning of ethics in Elementary School. The hypothesis was that it is possible to learn ethics through virtues in Elementary School. This study used the Method Sucupira Lins method, which is based on Barbier’s sensible listening in addition to the active participation of researchers, which was established by Lins. The Sucupira Lins method provides support for students to help them understand what they are doing and how they can improve their ethical behavior. The theoretical foundation was Alasdair MacIntyre’s moral philosophy, which is based upon Aristotle’s philosophy of virtues, and Jean Piaget’s theory of moral judgment was also considered. Justice, Friendship, Honesty, Perseverance, and Temperance were the virtues we chose for this research. We observed how children practiced these virtues during the activities of the school day. Data were analyzed according to Laurence Bardin’s methodology, and the results showed that the children learned these virtues. We conclude that the research affirmed the hypothesis.

Learning; Ethics; Virtues; Elementary school


El objetivo de esta investigación fue evaluar el aprendizaje de la ética en la Escuela Primaria. Se planteó la hipótesis de que es posible aprender la ética a través de las virtudes. Se utilizó el Método Sucupira Lins que está basado en la Escucha Sensible de Barbier además de la participación activa de los investigadores que fue establecido por Lins. El Método Sucupira Lins proporciona el apoyo a los estudiantes con el fin de hacerles entender lo que están haciendo y cómo pueden mejorar su comportamiento ético. La fundamentación teórica era la filosofía moral de A. MacIntyre que se basa en la filosofía de las virtudes de Aristóteles y la teoría del juicio moral de Piaget, también fue considerado. Justicia, Amistad, Honestidad, Perseverancia y Templanza fueron las virtudes elegidas. Se observó cómo los niños practican estas virtudes durante las actividades de días de escuela. Los datos fueron analizados de acuerdo con la metodología de Bardin y los resultados muestran que los niños aprendieron estas virtudes. Podemos concluir que la investigación respondió positivamente a la hipótesis.

Aprendizaje; Ética; Virtudes; Escuela primaria


1 Introdução

Esse artigo apresenta uma pesquisa que investigou a Aprendizagem de Ética nos Currículos de diferentes Escolas, por meio das virtudes, visando fundamentalmente observar a construção do bem comum. Não cabe, nos limites de um artigo que relata uma pesquisa, que se faça uma apresentação dos termos utilizados, no entanto, vamos expor brevemente algo sobre virtude e bem comum. É possível se encontrar definições de virtude em diferentes autores. Destacamos o que o filósofo Thomas Lickona escreve: “Virtudes são objetivamente boas qualidades humanas.” Ainda no mesmo texto, o referido autor diz que virtudes “expressam nossa humanidade comum” e mais adiante afirma que “elas transcendem o tempo e a cultura” e, por fim, que “afirmam

nossa dignidade humana.” Entende-se que virtudes são universais e atemporais, embora se manifestem segundo expressões próprias às culturas em determinadas épocas. Quanto à ideia de bem comum, que é a premissa orientadora da ética, entende-se que é a harmonia na vida social, conforme Aristóteles (séc. IV a. C. 1997) se refere, indicando que o bem comum é a finalidade da educação.

A pesquisa, que está aqui relatada, foi realizada no período entre 2009 e 2013. Pesquisas nessa linha são sempre necessárias e a continuidade do enfoque é importante (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.) pelas contribuições que oferece.

Partimos da compreensão da questão da Ética inserida na sociedade, por meio das virtudes conforme aponta Aristóteles (1997)ARISTOTELES. Ethique de Nicomaque. Paris: Flammarion, 1997., e considerando que é preciso que se tenha em conta o bem comum (MARITAIN, 1960MARITAIN, J. La philosophie morale: examen historique et critique des grands systémes. Paris: Gallimard, 1960. (Bibliothèque des idées, 24).) de todos que vivem na polis, ou modernamente falando, na sociedade. Os resultados dessa pesquisa podem contribuir para que professores e alunos das escolas de Ensino Fundamental reflitam sobre o ensino/aprendizagem de Ética e desenvolvam condições para que as virtudes façam parte da vida de modo que sejam cidadãos eticamente amadurecidos. A avaliação da presença das virtudes no comportamento dos alunos foi a constante em todos os momentos dessa pesquisa.

A fundamentação teórica da pesquisa se encontra na filosofia moral desenvolvida por MacIntyre (1984MACINTYRE, A. After virtue: a study in moral theory. 2. Ed. Indiana: University of Notre Dame Press, 1984., 1999MACINTYRE, A. Dependent rational animals: why human beings need the virtues. Illinois: Open Court, 1999. (Paul Carus lectures, 20).), que parte dos ensinamentos da filosofia de Aristóteles, principalmente no que concerne às virtudes. Esse filósofo contemporâneo faz uma análise da situação concernente à vivência ética, detecta o que chama desordem moral nas sociedades atuais e propõe elementos de vida ética para o século XXI. Além disso, foram consideradas as pesquisas de Piaget (1952PIAGET, J. Psychologie de l’Intelligence. Paris: Librairie Armand, 1952., 1973PIAGET, J. Le jugement moral chez l’enfant. Paris: PUF 1973., 1977PIAGET, J. Etudes sociologiques. Paris, Librairie Droz, 1977.) e de Kohlberg (1981)KOHLBERG, L. Essays on moral development. San Francisco: Harper & Row, 1981. concernentes ao desenvolvimento moral e cognitivo, as quais são, até nossos dias, pilares de sustentação para qualquer análise sobre desenvolvimento da ética. Não nos cabe aqui descrever os estudos destes dois famosos autores que são reconhecidos como a base de sustentação de todas as pesquisas sobre educação moral. Também os estudos de DeVries e Zan (1998)DEVRIES, R.; ZAN, B. A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola São Paulo. São Paulo: Artmed. 1998. referentes à prática da ética por crianças em escolas foram de grande contribuição para nossa compreensão dos acontecimentos observados. Esta fundamentação permite aos pesquisadores a realização do trabalho com confiança e segurança, não sendo aqui necessárias análises com referência ao que esses autores expressaram.

Foi utilizado nessa pesquisa o Método Sucupira Lins (LINS et al., 2007LINS, M. J. S. C. et al. Avaliação da aprendizagem de ética na formação de professores de Ensino Fundamental. Ensaio. Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 15, n. 55, p. 255-76, abr./jun. 2007.) que parte da Escuta Sensível de René Barbier (1977BARBIER, R. La recherche-action dans l’instituition educative. Paris: Gauthier-Villars, 1977., 1996BARBIER, R. La recherche-action. Paris: Anthropos/Ethno-Sociologie-Poche, 1996., 1997BARBIER, R. L’approche transversal: lécoute sensible ensciences humains. Paris: Anthropos/Ethno-Sociologie-Poche, 1997.) e acrescenta a ativa participação orientadora dos pesquisadores de modo que os alunos possam compreender o que fazem e se organizem para atingir os fins estabelecidos. Trata-se de um método de Pesquisa-Ação qualitativa participativa com maior comprometimento dos pesquisadores em vista das necessidades teleológicas da Educação. Este método vem sendo aplicado por diferentes pesquisadores desde a década de 1990, sempre trazendo grandes possibilidades de compreensão do que é observado e proporcionando desenvolvimento integral dos alunos.

Observe-se o seguinte exemplo esclarecedor do comportamento dos pesquisadores segundo o Método Sucupira Lins:

Na Escola E, LE começou a se jogar no chão, a professora chamou sua atenção, não adiantou, e então a pesquisadora perguntou ao aluno por que estava com esse comportamento. Ele se levantou e foi para sua cadeira.

Pode-se notar que houve uma intervenção do pesquisador. A principal originalidade do novo método é o intenso comprometimento do pesquisador com a construção do sujeito ético e, além da empatia estabelecida, o empenho para que os alunos se desenvolvam cada vez mais plenamente. Durante quase vinte anos o pesquisador chefe trabalhou em diversas pesquisas qualitativas sempre se utilizando do método Barbier, verificando, entretanto, que havia uma falha nessa perspectiva, embora o autor enfatize a empatia. Essa ausência no método é exatamente o que agora o Método Sucupira Lins propõe: a ação direta do pesquisador, sem a qual muitas oportunidades de desenvolvimento dos alunos são perdidas. Depois das experiências com o Método Sucupira Lins, pode-se considerar que a nova perspectiva apresentada vem suprir o que foi considerado no método Barbier como uma quase omissão.

Essa mudança radical se justifica e se faz necessária em pesquisas com alunos porque não se pode apenas descrever fatos e comportamentos e observar indiferentemente, mas encaminhá-los para uma meta de valores (LINS, 1997LINS, M. J. S. C. A questão da construção do valor: um estudo a partir da perspectiva da epistemologia genética. In: ASSIS, M.; ASSIS, O., (Orgs.). Piaget e a educação. Águas de Lindoia: Ed. Unicamp/Proepre, 1997 p. 75-91.), um aperfeiçoamento contínuo e a realização da educação integral (LINS, 2014LINS, M. J. S. C. Educação integral e o desenvolvimento da pessoa humana. In: MALHEIRO, J. Escola com corpo e alma. Curitiba: CRV, 2014.) o que é tarefa da escola. Por essa razão, o Método Sucupira Lins se torna adequado para pesquisas como a que está aqui sendo apresentada.

O desenho da pesquisa foi elaborado de modo que os pesquisadores observassem a prática das virtudes durante as atividades escolares dos alunos e também o que acontecia fora de aula, como por exemplo, na hora do recreio, entrada e saída da escola e atividades extracurriculares. Os diretores das escolas convidadas a participarem da pesquisa concordaram com a presença dos pesquisadores em sala de aula e nas outras dependências das escolas. As professoras responsáveis pelas turmas da pesquisa receberam informação sobre esta e também referente ao Método Sucupira Lins, além de material de fundamentação teórica. Elas apoiaram inteiramente a atividades dos pesquisadores e foram de fundamental valor para o sucesso da pesquisa.

A aprendizagem e a prática da ética nessa pesquisa foram enfocadas por meio da prática das virtudes, e para que a proposta se tornasse viável, foram escolhidas para a observação as seguintes virtudes: Amizade, Honestidade, Justiça, Perseverança e Temperança. A seleção dessas virtudes se justifica por serem as mais indicadas para o ensino na infância, fase em que os alunos da pesquisa se encontravam. As demais virtudes enumeradas por Aristóteles (séc. IV a.C.) (1997) têm também sua importância inegável, mas o aprendizado depende destas anteriores. Na presente pesquisa, as virtudes escolhidas serviram de pontos de referência para a análise das situações que foram observadas.

Os dados obtidos foram organizados na perspectiva da Análise de Conteúdo segundo a explicação de Bardin (1996)BARDIN, L. L’analyse de contenu. 8. ed. corr. Paris: PUF, 1996. (Collection Le psychologue).. Observamos que a crise de ética é uma realidade (KIRSCHENBAUM, 1992KIRSCHENBAUM, H. A comprehensive model for values education and moral education. Phi Delta Kappan, Bloomington, v. 73, n. 10, p. 771-80, jun. 1992.; LEMING, 1997LEMING, J. Wither goes character education? Objectives, pedagogy and research in education programs. Journal of Education, Boston, v. 179, n.2, p.11-34, 1997.; LINS, 1999LINS, M. J. S. C. Educação moral na encruzilhada. Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 8, n. 12, p. 97-112, jul./dez. 1999., 2000LINS, M. J. S. C. Questões de avaliação das competências sociais e morais. In: Programa Nova Escola. Avaliação do Desempenho Escolar. Rio de Janeiro: Fundação Cesgranrio, 2000.) e, considerando a hipótese de que por meio do ensino das virtudes desde o Ensino Fundamental é possível a aprendizagem da vida ética pior meio das virtudes selecionadas, tomamos como objetivo propiciar a avaliação da construção das cinco virtudes citadas durante o segundo e o terceiro ano dessa etapa escolar. Pesquisas sobre aprendizagem de comportamentos éticos, principalmente observando a inserção social e destacando a necessidade, possibilidade e legitimidade desse ensino (LINS, 2007LINS, M. J. S. C. Educação moral na perspectiva de Alasdair MacIntyre. Rio de Janeiro: Access, 2007.) precisam acontecer com mais frequência.

2 A pesquisa

Foram selecionadas turmas do segundo ano do Ensino Fundamental, que foram observadas durante o ano de 2009 e esses mesmos alunos, posteriormente, no terceiro ano, foram observados em 2010. A idade dos alunos variava entre sete a nove anos no início da pesquisa e todos eles correspondiam às características básicas enunciadas pela Psicologia do Desenvolvimento para esse momento da vida do sujeito. Partindo das descrições feitas por Piaget (1952PIAGET, J. Psychologie de l’Intelligence. Paris: Librairie Armand, 1952., 1977PIAGET, J. Etudes sociologiques. Paris, Librairie Droz, 1977.), para cada período do desenvolvimento cognitivo e social, conseguimos conhecer todas as crianças. Como é bastante enfatizado por todas as pessoas envolvidas com estudos sobre Educação Moral e aprendizagem de Ética, as pesquisas de Piaget (1973)PIAGET, J. Le jugement moral chez l’enfant. Paris: PUF 1973. são consideradas básicas, e por isso fizeram parte da fundamentação teórica. Foram utilizados ainda estudos sobre aprendizagem (LINS, 1996LINS, M. J. S. C. Piaget: da epistemologia genética a uma teoria da aprendizagem. In: ASSIS, M.; ASSIS, O.; RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. (Orgs.). Piaget: teoria e prática. Campinas: Editora Unicamp, 1996. p. 244-51.) segundo este autor que agregaram informações importantes.

Foi observada uma turma em cada uma das seis escolas escolhidas, como já citamos, do segundo ano do Ensino Fundamental, as quais apresentavam as seguintes características: quatro escolas no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, sendo duas escolas particulares no município do Rio de Janeiro, uma escola da rede municipal do Rio de Janeiro, uma escola particular em outro município do Rio de Janeiro, uma escola em uma capital do nordeste e uma escola em uma cidade dos Estados Unidos. Todas as escolas eram de médio porte, havendo em três delas somente uma turma por ano escolar. A quantidade de alunos por turma pesquisada em cada escola foi a seguinte: 18, 15, 19, 24, 19 alunos.

Os alunos frequentavam o segundo ano escolar no primeiro ano da pesquisa e a pesquisa continuou no ano seguinte com estes alunos frequentando o terceiro ano. Não houve variação significativa do número de alunos de um ano para outro. Em duas escolas houve grande flutuação de presença dos alunos em sala de aula, o que não afetou nem o andamento da pesquisa nem seus resultados.

As escolas foram escolhidas segundo o critério de receptividade da direção de cada uma delas, tendo-se o cuidado de que houvesse escolas públicas e privadas e que apresentassem número de alunos por turma semelhante. Além disso, foi exigido que as escolas apresentassem uma sólida organização e um Projeto Político Pedagógico que realmente fosse a base de suas atividades. Todas as escolas eram laicas, observando-se que em três dessas escolas, na metade, portanto, aulas de educação religiosa eram oferecidas. A pesquisadora chefe e os demais membros da equipe visitaram as escolas durante os dois anos da pesquisa assiduamente e sempre foram recebidos com respeito e atenção. Em todas as seis escolas integrantes da pesquisa as turmas são mistas. Excetuando-se a escola pública, todas as demais apresentaram perfil socioeconômico e cultural semelhante dos alunos.

Durante os anos de 2009 e 2010, foram feitas as observações em todas as escolas da pesquisa com o objetivo de se recolher elementos que permitissem avaliar a vida escolar das crianças na prática do currículo e a relação com as virtudes. As observações foram feitas dentro de sala de aula, no recreio, nas atividades extraclasse, entrada e saída da escola e reuniões gerais dos alunos na quadra de esportes. Desse modo, foi possível realizar uma coleta de dados que nos levaram a conclusões interessantes, práticas e que são passíveis de ser, mediante adaptações próprias, utilizadas em outras escolas. Apresentamos aqui a avaliação, de forma concisa, para que possa ser contida no espaço de um artigo, do que é a aprendizagem de ética no currículo destas seis diferentes escolas.

O material recolhido foi de grande riqueza e exigiu cuidadosa análise, de modo que, durante os anos de 2011 e 2012, os pesquisadores se dedicaram à organização das observações, ao trabalho de identificação de unidades de significado, categorização e inferências e à avaliação dos dados. A compreensão do ensino/aprendizagem de ética ocorrido nas escolas foi se tornando possível por meio da discussão feita semanalmente, a partir dos dados obtidos, pelos componentes do grupo de pesquisa. O relatório foi concluído em 2013, depois de exaustivas revisões e reescrituras, de modo que pudesse tornar visível o que foi observado e avaliado e, desse modo, partilhado com a comunidade científica e os demais interessados no tema.

Conforme a proposta atual para a educação brasileira (BRASIL, 1996), nas escolas, as indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) mostram a Ética apresentada como um Tema Transversal (LINS, 2003LINS, M. J. S. C. Formação do educador e a questão da ética. Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12 n. 20, p. 353-362, jul./dez. 2003.) a ser trabalhado em todas as disciplinas do currículo escolar. Exceto as escolas (D) e (F), todas as demais seguiram as indicações do ensino de Ética na perspectiva de Tema Transversal. De certo modo, pode-se entender a prática do ensino da virtude na escola (F) como seguindo o modelo de Tema Transversal, pois não há uma disciplina específica de Educação Moral e a aprendizagem ocorre continuamente, permeando todas as aulas.

Quanto à escola brasileira que não segue a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Brasília (DF), 1997.) para o ensino da ética, isso nos foi explicado como uma característica do Projeto Político Pedagógico da mesma que prevê a ênfase na aprendizagem de virtudes por meio de aulas próprias e com material confeccionado pela escola. Desse modo, nessa escola pesquisada, a Escola D, as duas professoras não inseriram os PCNs de ética como Tema Transversal nas abordagens de conteúdos escolares, porque essa escola trabalha especificamente a ética em aulas próprias de uma disciplina, considerando que os Parâmetros Curriculares Nacionais não se constituem uma imposição legal.

Na Escola F, observamos as professoras incentivarem os alunos a escreverem sobre o significado da cidadania, o que é realmente o ensino de ética, pois ser cidadão da polis é viver o ethos em todas as disciplinas. Essa escola se mostrou a mais preocupada com o ensino da Ética enquanto Tema Transversal, sem que este fosse explicitado. Em todas as disciplinas houve atividades relacionadas ao ensino da ética e havia cartazes na porta e nas paredes da sala, cada um descrevendo uma virtude. É interessante notar que os cartazes são industrializados, o que nos leva a pensar que outras escolas também tenham o interesse de ensinar as virtudes. Toda manhã a professora reúne os alunos na sala e lhes diz: “Cidadania: torne o mundo um lugar melhor”. Os alunos fazem juramento à nação em sala de aula diariamente.

3 Avaliação da Aprendizagem das Virtudes

Nesse item apresentaremos a avaliação das virtudes selecionadas segundo a vivência das crianças nas escolas.

3.1 Amizade

A prática da virtude da Amizade esteve presente em todas as escolas pesquisadas tanto entre alunos como na relação aluno/professor. Em todas as escolas houve momentos em que a amizade foi enfatizada. Episódios de briga no jogo durante o recreio e alunos gritando e insultando uns aos outros foram observados na Escola A, mostrando a ausência da virtude amizade que logo foi trabalhada pela professora. Um dado de amizade foi notado nessa mesma Escola A, quando os alunos se juntaram para recolher algo que foi espalhado por um deles que derrubou um balde com materiais diversos. Progressivamente os alunos passaram a manifestar traços de aprendizagem da virtude Amizade.

Na escola B foi observada uma interação entre a professora e alunos, além disso, ocorreram atitudes concretas de amizade entre alunos, principalmente no fato de que um aluno ajuda o outro. Nessa escola a professora se preocupa principalmente em trabalhar a delicada questão do empréstimo do material, destacando a Amizade e a generosidade. A professora do primeiro ano da pesquisa, isto é, com a turma no segundo ano escolar, nem sempre teve o cuidado, ou respeito, ao fazer comparações entre os alunos e comentários sobre estes diante de toda a turma. Isso foi resolvido com apresentação do problema pelo pesquisador e a professora passou a ter atitudes visando propiciar a Amizade entre os alunos.

Essa professora usou fábulas de Esopo, de domínio público, pedindo aos alunos que fizessem desenhos e textos. Há, na proposta da professora, grande interesse em ensinar virtudes, mostrando uma preocupação, que se origina na própria direção da escola, com o ensino da ética/moral. Há motivação da professora na realização da aprendizagem de valores e isso foi acentuado durante o segundo ano da pesquisa com a nova professora que continuou o trabalho de ensino/aprendizagem de ética no terceiro ano escolar e os alunos se ajudavam mutuamente. A professora incentivava o respeito e amizade e um exemplo disso foi um episódio em que um aluno riu de outro e ela não deixou a turma rir desse colega. A professora continuou a trabalhar a questão do empréstimo do material ressaltando a Amizade e a generosidade de quem empresta. Exemplos: o aluno B não conseguia fazer a tarefa de matemática e o aluno P perguntou à professora se podia ajudar e isso lhe foi permitido. O aluno P demonstrou aprendizagem do que é amizade. O aluno J acusou um colega por estar fazendo o dever de casa em sala e a professora fingiu que não ouviu, perdendo assim a oportunidade de ensinar ética aos alunos. Com a continuidade da pesquisa, a professora evoluiu. A aluna S ajuda frequentemente a colega J, portadora de dificuldades motoras. Quando alunos conversam enquanto uma aluna lê para a turma, a professora pede que respeitem a colega lembrando a virtude da amizade.

Na Escola C, os alunos mostraram maior dificuldade quanto ao conceito de Amizade e perguntamos o que é ser amigo. Dezoito alunos da turma responderam. “Não sei” (2), “Bom” (3), “dar carinho” (10), “gostar do outro” (1) sem resposta (1), e um aluno foi mais explícito: “eu penso que é uma pessoa que faz alguma coisa para outra, lavar a roupa e arrumar a casa”. Os alunos não têm a prática do empréstimo de material, pois a professora quer ensinar responsabilidade e assim exige que cada um traga sempre seu próprio material sem esquecer nada. Apesar da professora não deixar emprestar material, as crianças emprestam uns aos outros, quando um esquece, demonstrando Amizade.

Nessa Escola C ocorreu o seguinte incidente: Uma abelha voava insistentemente em torno de uma aluna. Um aluno logo se levantou e espantou a abelha demonstrando amizade. Outro exemplo: a aluna G perguntou quem podia ajudá-la em um exercício e a colega R imediatamente se levantou para ajudá-la. Em uma aula, quando todos acabaram de fazer o teste, foi-lhes solicitado que desenhassem. Os alunos fizeram trocas de materiais e ideias circulando na sala de aula. Há amizade e confraternização durante a atividade. No entanto, quando uma aluna caiu, os colegas riram o que demonstra uma atitude contrária à amizade, mas este comportamento inadequado foi logo trabalhado pela professora.

A professora do segundo ano da pesquisa costumava deixar os alunos em dupla para um ajudar o outro incentivando a Amizade e explicou que ajudar o outro não é copiar o trabalho do outro porque isso é errado. A professora solicitou a T que ajudasse os colegas e a aluna T mostrou que aprendeu a virtude da amizade aceitando ajudar os amigos com dificuldade. Outros colegas também pediram ajuda a essa aluna. Havia troca de livros e os alunos faziam um pequeno comentário para o colega que recebia o livro, pois já tinham lido no rodízio de leitura, sendo trabalhada a virtude Amizade. No trato com G, que era discriminado no ano anterior, a professora lhe deu segurança e quando chamava a sua atenção, ela falava baixo com o cuidado de não expor esse aluno. A professora foi atenta aos alunos, não sendo omissa nos momentos em que surgiram atitudes contrárias à amizade.

Na escola D, a professora se preocupou com o empréstimo ou partilha dos alunos que não traziam material para fazer os trabalhos escolares. Alguns alunos demonstraram aprendizado da virtude Amizade emprestando alguns lápis de cor ao amigo que esqueceu. Ainda na Escola D, foi observada progressiva interação em sala de aula entre os alunos, e a turma pareceu estabelecer amizade com a professora. Um dado importante foi que alguns alunos, que não fizeram os deveres prescritos em casa, foram ajudados por outros, demonstrando Amizade. A professora não se pronunciou a respeito, o que nos leva a inferir que ela pode ter achado interessante o aluno explicar ao outro. Na Escola D a professora manifestou a importância de a turma acolher um colega atrasado, de maneira a expressar o ensino da virtude da Amizade. Houve um acontecimento de atuação de uma inspetora quando dois alunos brigaram e, com a intervenção respeitosa da mesma, eles logo fizeram as pazes. A professora de inglês escolheu um ajudante para entregar os livros corrigidos, o que é outro exemplo de incentivo à amizade.

Na Escola E, os alunos se expressaram apontando apenas uma qualidade marcante que define amigo e, às vezes, duas. Dos 17 alunos da turma presentes naquele dia, foi obtida a seguinte distribuição: Não ver os defeitos/ver qualidades (4) e Respeito (4). Alguém para brincar (2) e Alguém que ajuda (2). Cada um desses quatro conceitos foi destacado por dois alunos. Generosidade e Honestidade foram consideradas traços de um amigo por dois alunos. Houve uma referência para cada um dos seguintes itens: Alguém que se conhece, Pedir desculpa, Alguém com quem se estuda junto e justiça. Nessa escola E, a professora trabalhou com os alunos uma pequena história sobre o valor da amizade por meio de textos e desenhos que foram solicitados aos alunos. A partir dessa atividade, os alunos desenharam algo sobre a Amizade. Nesse dia nenhum aluno faltou e os 24 desenhos foram assim identificados: relatando histórias pessoais de Amizade (5); convidando para sua casa (2); indicando que “é amigo porque brinca comigo” (3); expressando afinidade em desenhos iguais (2); solidariedade ao amigo (4); solidariedade aos pobres (1); destacando empatia (2), importância da opinião do outro (2); interpretação egoísta (1); bondade (1); sentido religioso (1). Houve um texto que nos chamou a atenção por relatar um plano de vingança para alguém parecer amigo do colega intitulado “eu e a amizade”, o qual foi categorizado como ‘interpretação egoísta’. No ano seguinte, a turma com a nova professora trabalhou sobre partilha, respeito e segredo com o objetivo de aprofundar as virtudes destacadas. A professora se empenhou nesse sentido, numa ocasião em que houve falatórios lembrando: “Vamos acabar com o disse me disse” (fofoca). Para o ensino da ética, foi usado o livro “A árvore generosa” (SILVERSTEIN, 2008SILVERSTEIN, S. A árvore generosa. 12. ed. Rio de Janeiro: Naify Cosac, 2008.). Destacamos uma atividade promovida pela professora que deu um livro diferente para cada grupo e depois pediu que um membro do grupo fosse para frente dizer qual é a moral da história. A turma trabalhou bem em grupo. Aproveitando para ensinar as virtudes, a professora disse que estava triste porque houve um caso de bullying de AR para LN e um aluno de outra turma, e explicou o sentido das virtudes e no final AR pediu desculpas a LN.

Os alunos da Escola F conceituaram a Amizade utilizando um grande número de qualidades para apresentarem as características consideradas típicas de um amigo. Eles responderam livremente ao que foi pedido e enumeraram mais de uma qualidade. Todos os 19 alunos da turma consideraram que amigo tem que ser confiável, incluindo nessa ideia a lealdade e a necessidade de ser verdadeiro. Deste total de 19 alunos, Divertido e Generoso foram duas qualidades consideradas por 14 alunos, enquanto 12 salientaram também que o amigo deve ser Honesto, Gentil, e Cooperativo. Nove citaram ainda Amoroso e Respeitoso. Bem Comportado foi salientado por um aluno e Perseverança por outro. Um aluno considerou que o amigo deve ser Justo. As crianças estavam escrevendo sobre o respeito, confiança e cuidado, que são elementos da amizade e a professora disse: “Cuidado é uma coisa que se faz com o coração”. Observe-se que Respeito como característica da Amizade foi um termo destacado por 9/19 na Escola F e por 4/17 na Escola E. Podemos avaliar como as virtudes se entrelaçam, de modo que no caso da definição de Amigo, 12/19 na Escola F e 2/17 na Escola E salientaram que deve ser Generoso. O mesmo aconteceu em relação à virtude da Honestidade que foi apontada por 12/19 alunos da Escola F e 2/17 alunos da Escola E.

Quanto à escola F, notou-se a intensa preocupação com o ensino da ética, durante os dois anos da pesquisa. Isso foi avaliado desde o início da pesquisa. Os alunos fizeram atividades frequentes em grupos que não são fixos. Os alunos foram constantemente incentivados a praticarem atos de amizade. A escola promoveu algumas atividades que envolvem a ideia de amizade, inclusive com ajuda a crianças de outros países. Isso também ocorreu na Escola E, mas concernente às crianças de áreas próximas à sua localização.

3.2 Honestidade

A virtude da Honestidade foi incentivada em diferentes situações na Escola A e foi avaliado o sucesso dessa aprendizagem no exemplo da experiência do uso correto da balança na aula de ciências que foi algo do qual os alunos muito gostaram. Os alunos repetiram essa história diversas vezes. A professora apresentou exemplos práticos nos quais os alunos descobriram se houve ou não a vivência da virtude da Honestidade.

É importante aqui destacar um fato ocorrido na aula de informática. O pesquisador observou que uma dupla de alunos não estava acompanhando as explicações e, pelo contrário, eles estavam acessando páginas que não lhes eram apropriadas. O pesquisador notou e conversou particularmente com a professora, que foi até o computador dessa dupla para lhes dizer que deviam seguir o que ela indicava. O pesquisador considerou que esse foi um problema grave e perguntou à professora se ela iria levar ao conhecimento das famílias desses alunos, mas ela respondeu que se assim o fizesse iria criar muita confusão. Nessa escola nem sempre se observou uma posição firme nas professoras quando se tratava de levar uma informação aos pais.

Em diversas ocasiões foi observado que na Escola B o tema referente à virtude da honestidade foi trabalhado em diferentes situações, inclusive nas competições esportivas e outros acontecimentos que envolviam a participação dos alunos da escola inteira. As professoras aproveitaram para ensinar a virtude da honestidade enfatizando a responsabilidade de quem pede emprestada alguma coisa para devolver e, de modo algum, pegar em algo que não é seu. Houve grande desenvolvimento decorrente da própria pesquisa.

Quanto ao ensino da virtude da Honestidade na Escola C, destacamos que a professora se preocupou em falar com o aluno DN, em particular, quando ele furtou, além de chamar o responsável pelo aluno, mas agindo de forma ética, sempre respeitando esse aluno. Isso mostra como a professora aproveitou a oportunidade de ensinar a virtude da honestidade ao aluno e, ao mesmo tempo, o tratou com respeito. A professora costumava aproveitar várias situações do dia a dia escolar para enfatizar a necessidade da prática da Honestidade. No segundo ano de observações, foi visto que a professora deixava os alunos em dupla e um ajudava o outro. Ela explicou que ajudar o outro não é para copiar o trabalho do outro, porque isso é errado, é o contrário da virtude da Honestidade.

A observação das aulas na Escola D mostrou a professora desenvolvendo o ensino da virtude Honestidade a partir da história de Pinóquio e pedindo aos alunos que escrevessem sobre o personagem. Havia a preocupação em ensinar a Honestidade, no entanto, não houve um aprofundamento do ensino dessa virtude como poderia ter acontecido. Avaliamos que o trabalho foi apenas pontual, sem um necessário aprofundamento da aprendizagem de ética. De modo geral, a professora pareceu se interessar em mostrar aos alunos a importância de se agir com Honestidade em diferentes situações e houve progresso ao longo do tempo da pesquisa.

Na Escola E, as professoras, nos dois anos da pesquisa, exercitaram a importância da Honestidade, principalmente criando um clima de verdade, de modo que nenhum aluno trouxe informação falsa durante esse período. Há um dia na semana em que os alunos podem levar um brinquedo favorito e a professora explicava à turma que não se pode pegar no que não é seu. Certa vez, uma aluna levou uma boneca grande que chamou a atenção de várias meninas e uma aluna foi até onde estava a boneca e a pegou sem ser percebida. A professora teve o cuidado de trabalhar a necessidade de não se fazer nada escondido e de se pedir, por favor, algo que se quer emprestado. Nessa Escola E, dois alunos, em um grupo de 17 alunos presentes nesse dia de aula, associaram amizade com Honestidade, considerando que essa virtude é a característica do amigo.

Na Escola F houve um incidente que chamou a atenção. Uma aluna assinou pela mãe a resposta a uma carta circular e a professora aproveitou para trabalhar a virtude da Honestidade particularmente com essa aluna e com toda a turma também. Uma das aulas de linguagem teve como tema honestidade e a professora ensinou: “Se você quer que tenham confiança em você, diga a verdade”. Segundo a professora, os alunos são honestos e citou o fato de que ao pedir que leiam um livro em casa devem anotar quantos foram os minutos de leitura sem que ninguém faça o controle. Ela disse que as anotações mostram que realmente os alunos praticam a virtude da Honestidade, pois há diversas indicações de tempos mínimos de leitura por parte de alguns alunos que ela sabe que realmente não são os mais interessados em leitura. A virtude da Honestidade foi apontada por 12 alunos no grupo total de 19 alunos da turma como uma característica do amigo.

3.3 Justiça

Na Escola A os alunos reclamavam quando regras não eram cumpridas e pediram que se fizesse Justiça. Durante os dois anos de pesquisa nós avaliamos que os alunos observavam promessas que não eram cumpridas, embora no segundo ano a professora tivesse tomado atitudes mais justas e conhecesse melhor os alunos. Ainda assim, não conseguiu evitar que um dos alunos praticasse uma maldade contra um colega, o que foi observado pelo pesquisador. Nessa escola, ainda que se trabalhasse a virtude da Justiça, houve desperdício de lanche e a professora não aproveitou essa ocasião para trabalhar tal virtude com os alunos. O aluno F não pareceu ter aprendido a virtude da Justiça na situação em que não assumiu sua responsabilidade e jogou a culpa para o outro colega. Justiça foi uma virtude trabalhada pela professora que nos explicou ter sido escolhido esse tema principalmente porque os alunos nem sempre respeitavam a vez, questionavam e argumentavam reivindicando egoisticamente e falando muito. Muitas vezes foi observada a ausência de controle do professor em situações de sala de aula, mas progressivamente a professora organizou atividades de modo que o bem comum viesse a ser respeitado como expressão da virtude justiça. No segundo ano da pesquisa já se notava um progresso na prática da justiça.

Diversas vezes a professora não atendeu a alunos que levantavam o dedo na Escola B e eles reclamaram que isso não é justo. Nessa escola, os alunos ficavam sem recreio quando conversavam e alguns deles perguntaram à professora: “Isso é justo?”. Ela não aproveitava a oportunidade para ensinar a virtude da Justiça, mas progressivamente passou a trabalhar nesse sentido. O Bem comum foi ensinado em diversas ocasiões de modo que os alunos relacionassem Justiça a essa finalidade. Na Escola B os alunos conversavam enquanto uma aluna lia e a professora pediu que respeitassem a colega dizendo que isso é um exemplo do que não é justo.

Sobre a virtude da Justiça, na Escola C a professora costumava pedir que um aluno ou uma aluna prestasse atenção ao comportamento dos colegas quando tivesse que sair da sala. Certa vez a professora pediu à aluna RT que fiscalizasse a turma. Não houve um preparo para a prática da virtude da Justiça e, quando a professora retornou, essa aluna disse que o aluno D pegou um giz. Ele disse que era mentira e a professora não fez nada, ou seja, por não fazer nada ela reforçou e valorizou a atitude da aluna e perdeu a oportunidade de ensinar a virtude da Justiça. Outro episódio foi o aluno dizer à professora que uma aluna (GV), na hora que estava com dúvidas sobre um tópico da aula era porque ela conversava muito, além do fato de beber suco e escrever ao mesmo tempo. A professora não aproveitava essas oportunidades, e nesse exemplo, apenas pediu silêncio, mas com a continuidade da pesquisa conseguiu trabalhar a virtude da Justiça. Podemos avaliar que esses exemplos são importantes pontos da contribuição do Método Sucupira Lins.

Ainda na Escola C, inicialmente a professora escolhia os alunos melhores para irem ao quadro, o que caracterizava a ausência da pratica da virtude da Justiça com os demais. A partir da vivência da professora na pesquisa e dos alunos observarem como as atitudes corretas eram valorizadas, ela começou a perguntar quem gostaria de ir ao quadro, desde que levantassem o dedo, com isso dando oportunidade para todos e exercitando a Justiça. A professora pediu que os alunos escrevessem o que entendiam por Justiça e os resultados foram: Disse que sabe, mas não conceituou (1) Não sabem (3), Sem resposta (1), “Colocar na justiça para prender” (3), Associou a palavra a algo que ouviu na TV (1).

Um caso muito importante de prática da Justiça foi a atuação da escola referente à aluna R que era moradora de rua com a família. Houve um movimento, a partir da atitude da professora, e se conseguiu que a família dessa aluna fosse para um abrigo. Outra situação na Escola C referiu-se ao aluno MC que era frequentemente espancado pelo padrasto. Durante as observações, a pesquisadora viu algumas marcas no corpo do aluno, mas ao lhe perguntar, ele disse que não eram nada. No ano seguinte da pesquisa, a situação do aluno MC piorou e ele aparecia cada vez mais com marcas pelo corpo. A pesquisadora, inteiramente comprometida com os alunos da pesquisa, levou o caso à direção e a diretora não queria que se fizesse nada sobre esse assunto com medo do que pudesse ocorrer. A pesquisadora sugeriu que se chamasse a família e o conselho tutelar e foi feito um relatório com a participação da pesquisadora, o qual foi encaminhado às autoridades competentes, depois de uma conversa com a família. Dois anos depois da pesquisa, a pesquisadora visitou a escola e encontrou o aluno MC. A pesquisadora observou que ele está bem e foi informada que o aluno não era mais espancado e, mais ainda, que seu padrasto estava estudando com ele. Este foi o exemplo mais significativo ocorrido durante a pesquisa corroborando a importância do Método Sucupira Lins de comprometimento maior dos pesquisadores em função das finalidades da Educação e que nos permitiu avaliar positivamente a atuação da pesquisadora.

Também nessa Escola C, foi proposta aos alunos uma história, em que se destacava a amizade como uma ação de se fazer o bem pelo bem e a justiça. Depois da leitura, os alunos escreveram e desenharam sobre o que entenderam quanto à moral da história. Foi avaliada a realização do ensino da ética por essa professora que intervém sempre que surge um fato errado, como xingamento ou preconceitos. Depois os alunos foram convidados a contarem suas próprias histórias e o aluno MF contou sua história, que foi destaque entre os colegas: “Eu tinha um cachorro que latia muito. A minha avó batia nele com a vassoura. E meu irmão afogou ele (sic) duas vezes”. A maioria da turma silenciou e a aluna ST perguntou: “Porque não deram amor, carinho e respeito?” O aluno MF respondeu que não sabia, mas que ele dava amor. A partir daí todos tiveram uma boa história sobre cachorro. A professora finalizou lembrando que se nós sabemos que os adultos estão fazendo coisas que não são boas, nós temos que fazer diferente. Como é fazer diferente? A turma respondeu: “fazer coisas boas, dar amor, respeitar, brincar com o cachorro, dar beijo, dar comida”. A professora pediu que o aluno GB iniciasse a tarefa e ele se negou e ela foi passando para outros alunos, sem cuidar desse comportamento. Houve uma oportunidade logo depois e a pesquisadora perguntou ao aluno GB: “Por que você não contou sua história?” O aluno balançou a cabeça em forma de negação, virou-se para frente e, depois de alguns segundos, pediu à professora para contar sua história. A partir da presença da pesquisadora, houve uma mudança de comportamento também da professora que começou a se preocupar com o ensino da Justiça. Um exemplo interessante foi o fato de ela ter organizado a ida dos alunos ao banheiro, que até então era um pouco tumultuada. Foi proposto pela pesquisadora à professora da turma que utilizasse os desenhos, articulando-os com o ensino da ética e ela se mostrou inclinada a fazer isto, de modo que a situação foi resolvida. Durante uma atividade, a professora emprestou uma borracha para o aluno GB. Ela o deixou pegar na mesa dela. Alguns alunos denunciaram que ele estava pegando coisas na mesa dela e ela disse que havia deixado, explicando que o aluno GB não iria mexer nas coisas dos outros sem autorização porque isso não seria justo.

É importante lembrar que, nessa escola, no primeiro ano da pesquisa, a professora não trabalhava as virtudes, conforme se pode observar no seguinte exemplo. A professora põe o aluno G no fundo da sala dizendo: “pois ele não aprende, é sujo, debocha das regras, não sabe ler”. Em um momento concernente a uma pergunta do aluno G, a professora comentou: “fica sem entender. Faz recuperação paralela e fica sem a aula de Educação Física”. No ano seguinte, a nova professora tinha uma postura diferente e se interessou em trabalhar as virtudes. Essa professora mostrou atitudes de justiça com referência ao aluno G e também com os demais. Como foi avaliado pelos pesquisadores, pode-se dizer que foi obtido como resultado a aprendizagem de ética principalmente no decorrer do segundo ano da atuação dos pesquisadores. O aluno G, que era marginalizado pela professora do ano anterior, com a nova professora começou a fazer as tarefas e a leva-las para a professora corrigir. De modo geral, os alunos falavam muito durante as aulas, não eram disciplinados e a professora tinha dificuldades com o aprendizado não só de ética, mas também dos conteúdos curriculares específicos. Isto não pode ser mudado rapidamente nem mesmo com a atuação interessada dos pesquisadores.

Também na continuidade da pesquisa, na Escola D, a professora disse que é difícil os alunos ficarem concentrados e argumentou que essa conduta vem de casa: “até os pais, na hora da apresentação de crianças no teatro da escola, por exemplo, falam ao celular, conversam muito. O pai ou a mãe só presta atenção na apresentação do próprio filho”. Diante dessa situação, a professora foi incentivada pelos pesquisadores a aprofundar a prática das virtudes e principalmente da justiça. Foi iniciada a prática da Justiça nas diferentes atividades diárias das crianças, tomando-se como base o respeito aos direitos de cada pessoa.

A virtude Justiça foi trabalhada na Escola E por meio de diferentes atividades, principalmente usando situações concretas. Os alunos (22) fizeram desenhos relativos à Justiça e dentre esses, 11 (50%) foram sobre polícia. A ideia de Justiça era entendida pela manifestação da ação de uma instituição, a polícia e desse modo eles diziam com frequência: “justiça é a polícia que prende o ladrão”. A escola se localiza em bairro de periferia e há incursões da polícia com frequência, por isso os alunos entendem a virtude da Justiça como ação da polícia. Essa escola é frequentada por alunos de classe média e há também alunos bolsistas da comunidade que a circunda, principalmente como resultado de um trabalho importante realizado com as famílias de baixa renda que moram na vizinhança. Oito desenhos mostraram a disputa entre duas crianças pelo mesmo objeto. Um deles mostrava a ajuda que era dada ao outro com uma ambulância desenhada e a Justiça foi entendida como o socorro prestado. Um desenho do aluno que ajudava outro que ia cair, aproximando da virtude da Amizade, também nos chamou a atenção. Em um desenho, uma “pessoa do bem” ajudava alguém que estava nas “mãos do mal”. Nessa escola, a aluna LN, que estava sentada na primeira fila da sala, retirou da mochila uma flauta, soprou um pouco, e depois um batom, que passou nos lábios, enquanto a professora explicava um tópico. A professora notou esses comportamentos, e de forma tranquila mandou que ela o guardasse. Depois a professora comentou com a pesquisadora sobre esse fato, dizendo que a mãe dessa menina incentiva a vaidade dela, esquecendo que se trata apenas de uma criança. A professora tem interesse no ensino de ética e oferece frequentemente elementos para a construção do caráter das crianças. Na escola E, a professora viu necessidade de trabalhar a falta de respeito que há no bullying e, para isso, utilizou o livro O Menino Maluquinho, de Ziraldo (1986)ZIRALDO. Menino Maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 1986..

Foi avaliada a aprendizagem da virtude da Justiça na Escola F, principalmente por expressões diretas sobre esta que foram usadas pela professora: “Justiça: a vida tem regras. Aja com justiça”. Na Escola F há uma constante avaliação de como os alunos estão aprendendo e praticando todas as virtudes e destacamos uma atividade observada na qual as crianças estavam escrevendo sobre a virtude da justiça. Os alunos progressivamente compreenderam que a virtude Justiça se caracteriza por ser algo diferente da realização dos próprios interesses. A professora se movimentava todo o tempo para atender aos alunos sem exceção, agindo como forte exemplo de alguém que preza a virtude da Justiça.

3.4 Perseverança

A prática da perseverança na Escola A aconteceu em diferentes atividades. Os alunos começavam um exercício e eram estimulados a continuar mesmo se sentissem dificuldade. Também a professora ensinava a importância do uniforme escolar e da postura em sala de aula, como itens que contribuem para a virtude da Perseverança de modo geral. A professora buscava a prática da Perseverança também lembrando a responsabilidade e destacando as consequências dos atos dos alunos.

Na Escola B os alunos aprenderam a trabalhar em todas as atividades sem esmorecer, procurando concluir as tarefas e eram frequentemente lembrados da necessidade da prática da virtude da Perseverança, a qual podia ser entendida como o oposto da preguiça. Em determinado momento da pesquisa, os alunos se mostraram muito empenhados em olimpíadas escolares, o que foi propício para o ensino/aprendizagem da virtude da Perseverança. A participação nos jogos serviu de tema para que a professora aprofundasse o significado da virtude Perseverança na vida de cada pessoa.

Na Escola C, em certa ocasião, a pesquisadora perguntou a um aluno repetente, com baixa autoestima, porque ele não pegava o livro. Ele disse que tinha vergonha. A pesquisadora conversou com ele demonstrando a importância de ler e, ensinando a Perseverança, dizendo que ele melhorará a leitura, se tentasse. Diante dessa intervenção respeitosa da pesquisadora, o aluno resolveu pegar um livro para ler. A professora pedia silêncio diante do barulho dos alunos e terminava desistindo quando não era atendida, falhando assim em trabalhar a virtude da Perseverança. No entanto, em outra aula, a professora afastou K de seu colega vizinho, pois ele estava conversando e não estava fazendo as tarefas, oferecendo condições para que ele perseverasse em sua atividade. Ela teve essa conduta para que ele se concentrasse, pois ele tem dificuldades de aprendizagem, ensinando deste modo a virtude da Perseverança. Certa vez, no retorno do recreio, a professora pediu silêncio para se acalmarem e reiniciar a aula. A professora, ao longo da pesquisa, colocava-se de forma mais firme para os alunos se concentrarem e prestarem atenção na aula. G mostrou aprendizagem da Perseverança ao apresentar suas tarefas para a professora. Nesta Escola C houve o exemplo de um aluno que tentava com uma colega resolver um exercício e, como não conseguiu entender o que esta lhe explicava, procurou a professora sem desistir da tarefa. A professora do segundo ano da pesquisa exigia a perseverança e incentivava os alunos para que não deixassem de fazer os trabalhos quando encontrassem dificuldades. Um aluno que tinha muita dificuldade passou a apresentar suas tarefas para a professora, como efeito da ação da pesquisa. A professora no primeiro ano não demonstrava atitudes que incentivassem a virtude da Perseverança e não tinha controle da turma, mas, na continuidade da pesquisa, essa professora começou a demonstrar maior preocupação com atitudes referente ao ensino/aprendizagem de ética.

Na Escola D o ensino da virtude da Perseverança, como as demais, aconteceu por meio de situações ilustrativas apresentadas em material elaborado e publicado pela própria escola. As crianças tinham dificuldades inicialmente para colocar em prática o que lhes era ensinado, mas as professoras agiram exatamente com Perseverança e podemos avaliar que houve aprendizagem dessa virtude. As crianças eram chamadas a concluírem todas as atividades dentro de prazos e a se dedicarem com empenho ao que estavam fazendo em sala de aula.

Na Escola E a professora incentivava a responsabilidade, como no diálogo que se segue, e que aconteceu quando a professora determinou uma tarefa. Uma aluna perguntou: “vai valer nota?” A professora respondeu que não, mas que a tarefa devia ser feita com cuidado, interesse e perseverança. Esse é um problema constante, pois foi frequentemente observado que os alunos se preocupavam com as notas que iriam receber e não com a execução da tarefa e a aprendizagem em si mesma. A professora conseguiu trabalhar a Perseverança gradativamente e, em especial durante o segundo ano da pesquisa, foi possível avaliar o progresso dos alunos quanto a essa virtude.

Na Escola F a virtude da Perseverança tinha um papel central em todas as atividades e os alunos eram ensinados a vivenciá-la, participando de todos os momentos das aulas. Foi observada particularmente uma atividade que destacamos. As crianças estavam escrevendo sobre a responsabilidade como elemento de perseverança e para isso a professora explicou: “Responsabilidade: você é responsável por você e com o outro”. As crianças usaram o tempo que necessitaram para a realização das tarefas e não foram cortadas por intervalos entre as atividades. As professoras se preocupavam muito com a dedicação que têm com seus compromissos e, desse modo, os alunos desenvolveram a Perseverança.

3.5 Temperança

Houve na Escola A uma avaliação sobre esta virtude que mostrou a dificuldade da professora em lidar com o ensino da ética. O pesquisador notou que, durante as aulas, em geral os alunos perdiam rapidamente o interesse pelo que estavam fazendo e se comportavam agressivamente. Isto ocorria também no recreio e várias vezes o pesquisador observou que os alunos brincavam com violência, exageravam nos gritos e correrias e não prestavam atenção aos colegas. O pesquisador comentou com a professora o que ocorria e essa disse que os alunos já vinham de casa sem a prática das virtudes e que era muito difícil para ela conseguir o desenvolvimento ético dos alunos. Com a continuidade das aulas e a presença do pesquisador, os alunos foram se modificando lentamente, mas, aos poucos, apresentando alguma Temperança.

É curioso destacar que nessa escola os alunos manifestaram grande simpatia pelo pesquisador e isso veio a se constituir em um fator que foi aliado ao trabalho da professora para que os alunos construíssem a virtude da Temperança. Esse desenvolvimento foi possível principalmente pelas características da metodologia usada na pesquisa, o Método Sucupira Lins, que permitiu ao pesquisador uma ação mais eficiente em conjunto com professores e alunos. Havia casos de exageros e de falta de atenção em diferentes atividades que foram progressivamente sendo corrigidos de modo que a Temperança foi aprendida pelos alunos.

Na Escola B o ensino da Temperança foi muito difícil, principalmente porque a professora não exigia um comprometimento dos alunos com as tarefas e também porque havia seguidas interrupções no decorrer das aulas por diferentes motivos. As crianças não pareciam motivadas com o que faziam e não havia dedicação às tarefas que executavam. A pesquisadora avaliou essa situação como consequência da professora muitas vezes não estar atenta a isso. Somente no segundo ano, com a influência da pesquisa, foi começado um trabalho mais diretamente focado na aprendizagem da Perseverança e as crianças demonstraram maior cuidado e permanência quanto às atividades e seus objetivos. A professora do segundo ano da pesquisa se empenhou mais firmemente do que a outra em aprender sobre as virtudes e a elaborar suas aulas de modo que os alunos pudessem se desenvolver eticamente.

O trabalho sobre Temperança foi iniciado na Escola C pela identificação do conceito com a utilização de um dicionário, pois oito alunos disseram não saber o que significava e um deles apenas sugeriu “uma coisa bonita”. A professora da Escola C teve a oportunidade de trabalhar a virtude Temperança quando um dos alunos pediu para ligar o ventilador e logo a turma se agitou, cada um expressando a sua vontade. A professora pediu que os alunos falassem com calma que ela ia ouvir o que pediam. O aluno M pediu à professora que desligasse o ventilador porque ele estava com uma crise alérgica e se sentindo mal. A professora entendeu a situação e disse que ia desligar o ventilador. Ela explicou a razão de sua atitude e todos concordaram com esta decisão que era para o bem do colega. Desse modo os alunos se adequaram à necessidade de um colega e aprenderam a vivenciar a virtude da Temperança. Nesta Escola C a professora disse que ia utilizar histórias infantis nos momentos em que acontecessem as situações de conflito, mas ela não utilizou essa estratégia especificamente para trabalhar ética. Houve uma aula em que a professora explicou o sentido de Temperança ao observar que um aluno havia empurrado o outro na sala e disse que essas atitudes impulsivas não são adequadas. A professora concluiu mostrando que agir com temperança é a expressão do coleguismo e que, por isso, essa virtude deve ser aprendida e praticada. No momento de se apresentarem para ler na frente, quando a professora propunha essa atividade, os alunos faziam bagunça e se agitavam muito com o objetivo de serem escolhidos, mas ouvindo as palavras da professora, eles se davam conta da necessidade de se comportarem com temperança, sem exagerar nos pedidos.

Na Escola D a professora responsável pela turma, certo dia ao sair da sala para dar lugar à professora de outra disciplina, ensinou a seus alunos a guardarem o material para não deixarem tudo espalhado. Essa professora se preocupava com a prática da Temperança que se expressava principalmente no uso dos objetos. A professora abordou também a questão de se economizar e de saber gastar o que era necessário para cada tarefa e os alunos demonstraram ter aprendido o que ela explicou. Dentro dessa virtude várias atitudes foram trabalhadas, de modo que levaram os alunos a agirem em função do bem comum e a prestarem atenção à Temperança em todas as suas atividades.

Também na Escola E a prática de ensino da virtude Temperança começou com a consulta ao dicionário depois da professora ter verificado que nenhum aluno conhecia o significado dessa palavra, e nem mesmo tinham escutado alguém falar em Temperança. A professora comentou conosco que essa virtude foi a mais difícil para ser explicada às crianças. O conceito de Temperança foi trabalhado na turma por meio de brincadeiras, desenhos e observações próprias que os alunos fizeram e desta maneira as crianças passaram a usar o termo com muita alegria e na preocupação de realmente exercitarem esta virtude. Em diferentes situações os alunos agiram intempestivamente, esquecendo-se desta virtude e a professora sempre tentou encaminhá-los para a prática da Temperança, mostrando quais as formas certas e as erradas de se comportar segundo essa virtude.

Na Escola F, durante uma aula de informática, a professora precisou falar algumas vezes com um aluno que não atendia o que ela pedia e, devido a isso, houve uma perda de 15 minutos em relação à aula seguinte. Diante desse fato, a professora começou a trabalhar a virtude da Temperança, juntamente com a necessária obediência, de modo que os alunos as vivessem na prática. A professora mostrou de modo bem claro que o aluno não obedeceu às regras e não vivenciou a virtude da Temperança quando excedeu em navegar em outras buscas que não eram pertinentes e necessárias para o trabalho a ser realizado no computador. Em diversas ocasiões, durante as aulas, nessa Escola F, os alunos pegam o material na mesa e vão até o tapete para iniciar as atividades. Há silêncio na sala e a professora fala em voz baixa e em particular, acompanhando as dificuldades de cada aluno. Quando há aula em outra sala, eles saem em fila e em silêncio para não atrapalhar as outras turmas. Os alunos têm atitudes que revelam a virtude de Temperança ao conservar seus próprios objetos e controlarem seu comportamento. Foi algo surpreendente observar como os alunos se deslocam dentro das instalações da escola sem correrias e sem gritos. A professora nos explicou que esses comportamentos de Temperança são trabalhados continuamente de modo que os alunos possam viver eticamente com respeito ao bem comum.

4 Considerações gerais sobre a aprendizagem de Ética avaliada nessas escolas

Foi observado que nas escolas C e D os alunos conversavam muito durante a aula, sem que as professoras tomassem alguma atitude e aproveitassem para o ensino das virtudes. Com a vivência dos dois anos da pesquisa as professoras passaram a se preocupar com essa questão e tentaram melhorar as atitudes das crianças em sala. Pelo contrário, nas escolas E e F observamos que os alunos trabalhavam em silêncio e com calma, respeitando os colegas e as professoras e mantendo a disciplina de acordo com as virtudes. Nessas escolas a aprendizagem de ética foi mais eficiente e cada vez mais se observou concretamente o desenvolvimento da prática das virtudes. É importante ressaltar que a estrutura geral dessas escolas no que diz respeito à prática pedagógica e aos propósitos estabelecidos certamente favoreceu essa aprendizagem.

É interessante destacar que foi observada a existência de quadros de regras em sala de aula, e que é educativo que esses estejam presentes para o ensino/aprendizagem de ética. Na Escola A existia um quadro que enumera valores a serem seguidos e atitudes a serem incorporadas por todos os alunos. Nas escolas B e D não havia quadro de valores que sugerissem regras ou atitudes. De maneira geral não foi observada na Escola B uma proposta pedagógica clara para o ensino de ética, apesar de que se notou o interesse das duas professoras e seu empenho em passar a agir com o objetivo de ensinar as virtudes. No segundo ano da observação, a nova professora, por influência da pesquisa, passou a demonstrar interesse no ensino/aprendizagem de ética, apesar de não ter elaborado com os alunos, um quadro de valores e regras.

Na Escola C é indicado que o aluno tenha vivência das regras em um quadro que foi organizado pelos próprios alunos com a orientação da professora. Observou-se que na escola E, os alunos, orientados pelos professores, confeccionaram o quadro de regras, tendo como objetivo o bem comum. NaEscola F os alunos têm liberdade para tomarem decisões desde que seguindo as normas estabelecidas presentes no quadro de regras. Os professores se preocupam em demonstrar isso de forma clara e direta, como no caso em que um aluno começou a conversar com o amigo e a professora disse: “isso não é aceitável”.

Observe-se o quadro de regras da Escola F, como exemplo:

  • Ouvir enquanto os outros falam;

  • Seguir regras;

  • Conservar-se no seu espaço;

  • Trabalhar calmamente e não atrapalhar os outros;

  • Respeitar a propriedade escolar e pessoal; e

  • Trabalhar e brincar de modo seguro.

Vale ressaltar, nesse item das considerações finais sobre a avaliação da aprendizagem de ética no Ensino Fundamental, que as atitudes do professor ocupam lugar central. A formação do professor é fundamental (LINS, 2004LINS, M. J. S. C. Temas transversais e aprendizagem de ética. Revista Univille, v. 9, n. 2, p. 16-25, dez. 2004.) para que haja o ensino/aprendizagem de ética. Excetuando-se as escolas E e F, observamos algumas vezes atitudes dos professores que não correspondiam inteiramente a esse objetivo. Alguns poucos exemplos podem ser citados. Na Escola B, a professora, em um dia de prova, esqueceu esse material, mostrando uma ausência da virtude Justiça para com os alunos.

A pesquisa mostrou que é possível ensinar virtudes no Ensino Fundamental de modo que os alunos realizem o processo de aprendizagem de Ética. Também chegamos à conclusão de que os professores são muito interessados nessa aprendizagem, embora apresentassem frequentes lacunas em sua formação. Os resultados foram positivos e os alunos realmente mudaram seu comportamento, o que é a própria definição de aprendizagem, incorporando às suas atitudes as virtudes que lhes foram ensinadas.

Lembramos ainda que se faz necessário um empenho maior nos cursos de formação de professores quanto ao ensino de Educação Moral, pois os professores não têm oportunidade de receber essa informação. É preciso destacar que os professores disseram aos pesquisadores que eles aproveitaram muito com o que a pesquisa lhes ofereceu. Os professores estavam algumas vezes engajados no propósito de ensino de ética, mas desconheciam os fundamentos, e também notamos que nem sempre a coordenação geral das escolas lhes propiciava as condições necessárias. Houve nítidas diferenças entre as escolas pesquisadas quanto a esses aspectos, o que se refletiu na aquisição melhor das crianças em algumas delas. As escolas E e F têm um projeto pedagógico voltado para a ética e seus professores eram melhor qualificados, além de terem demonstrado um grande interesse em aprender com os pesquisadores, o que nos leva a considerar tudo isso como uma possível causa do melhor desempenho de seus alunos quanto à aprendizagem das virtudes.

Essa avaliação não teve o propósito de estabelecer mais comparações entre as escolas pesquisadas do que as aqui apresentadas, o que seria possível de ser feito, no entanto, decidimos nos limitar às questões que envolviam apenas diretamente professores e alunos. O foco da pesquisa nos permitiu avaliar o processo de ensino/aprendizagem de ética por meio das virtudes selecionadas e nos leva a concluir que é possível se obter em escala mais ampla esses mesmos resultados.

5 Conclusão

Há um grande número de exemplos que poderiam ser apresentados concernentes às atividades dessa pesquisa, no entanto, isto não é pertinente ao objetivo e ao espaço de um artigo. Podemos inferir, como consequência das observações nas seis escolas, que a intenção de ensinar as virtudes foi clarificada pelos professores que realmente se empenharam nesse objetivo como consequência das atitudes dos pesquisadores. A partir da compreensão do papel da escola no desenvolvimento da ética, houve um trabalho concreto que se evidenciou na mudança de atitudes dos alunos.

Não se pretendeu fazer um estudo comparativo entre as escolas, pois esse não foi o objetivo da pesquisa. O que apresentamos é um relato, algumas vezes com o confronto entre uma ou outra escola, para exemplos específicos, mas sempre com a intenção de favorecer aos professores a prática em sala de aula de ensinamentos de virtude.

Essa pesquisa nos permitiu concluir que é possível o ensino de ética por meio de virtudes nas escolas e que as crianças aproveitam bastante de todas as oportunidades oferecidas. Concluímos também, por outro lado, que o Método Sucupira Lins é altamente eficiente para os propósitos de uma pesquisa educacional, pois tem em vista sempre o significado teleológico da educação, encaminhando assim as crianças para as finalidades estabelecidas. Sem dúvida o que realmente contribuiu para que essa pesquisa pudesse apresentar resultados úteis aos educadores foi a aplicação do Método Sucupira Lins. Além de incentivar a participação do pesquisador com maior comprometimento, essa metodologia de pesquisa exige destes uma fidelidade às finalidades da educação. Os pesquisadores não ficaram indiferentes ao que observavam e estavam constantemente avaliando os fatos e analisando qual seria a melhor maneira de conseguir que os alunos consertassem as atitudes erradas, ou seja, contrárias à prática das virtudes.

No caso de uma pesquisa como essa, que tem como objeto fundamental as virtudes, mais ainda se comprovou a adequação de um método de pesquisa que não fica apenas no plano da observação, mas que partilha com as crianças o desejo de progredir visando o alcance da meta educativa. Observar apenas se as crianças agem de um modo ou outro não traz contribuições para a sua formação integral e seu desenvolvimento pleno, por isso o Método Sucupira Lins de pesquisa participativa com forte comprometimento dos pesquisadores envolvidos é um instrumento importante.

Concluímos também que os professores, quando incentivados e orientados, são capazes de ensinar ética por meio de Tema Transversal. Durante os dois anos da pesquisa, foi observada uma crescente capacitação dos professores que não mais se prenderam apenas aos aspectos informativos, mas se preocuparam com a formação ética dos alunos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sept 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2013
  • Aceito
    26 Mar 2015
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