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Concepções e ações de professoras sobre propostas de um programa de educação integral

Conceptions and actions of female teachers related to full-time education proposals

Concepciones y acciones de profesoras sobre propuestas de un programa de educación integral

Resumo

O objetivo deste trabalho foi identificar concepções e ações de professores em relação a um programa de educação integral. Foram analisadas respostas de 11 professoras de Ensino Fundamental I, de uma rede municipal de ensino, a partir de um roteiro semiestruturado de entrevista e questionários sociodemográficos. A análise de conteúdo, com apoio no software Iramuteq, evidenciou a contribuição socializadora da educação integral para a educação formal; as dificuldades de integração entre os professores dos dois currículos; as tentativas de aproximar os pais e a ausência da noção de comunidade; o reconhecimento da importância das atividades não formais e lúdicas; o uso da motivação e interesse do aluno pelas atividades das oficinas como condicionantes da frequência na sala de aula; a predominância da visão assistencialista. Sugere-se a ampliação de pesquisas, o investimento na formação de professores, visando à melhor compreensão e à atuação em programas articulados e planejamento de políticas públicas.

Jornada escolar ampliada; Formação de professores; Ensino Fundamental; Políticas públicas

Abstract

The objective was to identify concepts and teachers’ actions related to a full-time education proposal. Responses of eleven female elementary school teachers of a municipal network were analyzed from a semi-structured interview script and demographic surveys. The content analysis with support of Iramuteq software showed: the socializing contribution of the full-time program to formal education; the difficulties of integration between teachers of both curricula; the attempts to engage parents and the lack of sense of community; the recognition of the importance of non-formal and playful activities; the student motivation and interest in recreational activities used as determinants for classroom frequency; the prevalence of a paternalistic vision. Research should be expanded and investment in teachers training should be enhanced, aiming at better understanding and performing articulated programs and planning of public policies.

Extended school day; Teachers training; Elementary school; Public policies

Resumen

El objetivo de este trabajo fue identificar concepciones y acciones de profesores en relación a un programa de educación integral. Se analizaron respuestas de once profesoras de Enseñanza Fundamental I de una red municipal de enseñanza, a partir de un itinerario estructurado de entrevista y cuestionarios sociodemográficos. El análisis de contenido, con apoyo en el software Iramuteq, evidenció la contribución socializadora de la educación integral para la educación formal; las dificultades de integración entre los profesores de los dos currículos; los intentos de aproximar a los padres y la ausencia de la noción de comunidad; el reconocimiento de la importancia de las actividades no formales y lúdicas; el uso de la motivación e interés del alumno por las actividades de los talleres como condicionantes de la frecuencia en el aula; el predominio de la visión asistencialista. Se sugiere la ampliación de investigaciones, la inversión en la formación de profesores, buscando la mejor comprensión y la actuación en programas articulados y planificación de políticas públicas.

Jornada escolar ampliada; Formación de profesores; Enseñanza fundamental; Políticas públicas

1 Introdução

Este artigo tem como foco a integração de ações entre o currículo formal e o currículo específico de educação integral, do ponto de vista de Professoras de Educação Básica I, PEB I, favorecendo a qualidade do processo educacional dos alunos. Os objetivos são identificar as concepções que as professoras têm sobre o programa, bem como as ações por elas reconhecidas como aquelas que se integram na prática dos currículos; verificar se elas reconhecem as articulações entre as ações de educação integral e o projeto político-pedagógico da escola.

Os debates sobre Educação Integral e a implantação de programas nas escolas brasileiras têm-se ampliado nos últimos anos, em decorrência das experiências do Programa Mais Educação e da meta do Plano Nacional de Educação. Tais propostas preveem a expansão progressiva da educação integral, em regime de jornada ampliada, a todos os estudantes de todas as escolas brasileiras, a médio e longo prazos (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira, mapeamento das experiências de jornada escolar ampliada no Brasil: estudo qualitativo. Brasíllia, DF, 2013.; MANCINI, 2014MANCINI, S. Programa Mais Educação: investigando sentidos produzidos por coordenadoras acerca de um Programa de Educação Integral. 2014. 195 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO, Osasco, 2014.; MOREIRA, 2013MOREIRA, S. C. Desigualdades educacionais e educação integral: um exame do Programa Mais Educação a partir da Educação Crítica. Revista Pedagógica, v. 15, n. 30, jan./jun. 2013. Recuperado de <http://www.bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/1567/872. Acesso em: 10 fev. 2016.
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).

No âmbito dos princípios e ações sugeridas nos textos produzidos pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação, para a implantação do Programa Mais Educação, destacam-se as ações articuladas entre diferentes esferas da sociedade e de corresponsabilidade de diferentes atores sociais: escolas, famílias, poder público, organizações sociais para a garantia do acesso às oportunidades de desenvolvimento e formação integral de crianças e jovens (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Educação Integral: texto referência para o debate nacional. Brasília, DF, 2009.).

São muitos os desafios a serem enfrentados para atender às propostas que emanam das diretrizes sugeridas nos documentos oficiais. Dentre esses desafios, persiste o baixo rendimento escolar dos alunos apontados nos sistemas de avaliação (Censo Escolar, Saeb e Prova Brasil); o acesso à educação de qualidade e a efetiva ampliação da responsabilidade da escola pública na formação integral das crianças e jovens, junto à família e à comunidade (MANCINI, 2014MANCINI, S. Programa Mais Educação: investigando sentidos produzidos por coordenadoras acerca de um Programa de Educação Integral. 2014. 195 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO, Osasco, 2014.).

Há um consenso sobre a relevância desses programas para o efetivo desenvolvimento e aprendizagem dos alunos da escola pública. No entanto, o mesmo não ocorre, em relação às concepções, práticas e formas como os vários estados e municípios têm trabalhado na implantação de programas de jornada ampliada. Tampouco, o Programa Mais Educação é o único modelo de implantação. Não existe consenso a respeito das concepções sobre educação integral e os vários modelos em funcionamento pelo país expõem múltiplas possibilidades de equalizar as relações entre o tempo de escola e a qualidade do trabalho educativo que nela se realiza (CAVALIERE, 2007CAVALIERE, A. M. Tempo de escola e qualidade na educação pública. Educação e Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1015-35, out. 2007. https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000300018
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; 2009CAVALIERE, A. M. Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral. Em Aberto, v. 22, n. 80, p. 51-63, abr. 2009.).

As condições culturais e históricas do contexto em que se insere a escola, como também os estudos sobre a eficácia escolar, se traduzem em diferentes soluções educacionais e diferentes concepções que subsidiam as propostas pedagógicas e administrativas de tempo integral, quando se analisam experiências implantadas (CAVALIERE, 2007CAVALIERE, A. M. Tempo de escola e qualidade na educação pública. Educação e Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1015-35, out. 2007. https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000300018
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; 2009CAVALIERE, A. M. Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral. Em Aberto, v. 22, n. 80, p. 51-63, abr. 2009.). Os diferentes atores sociais do processo educacional, pais, alunos, gestores e professores têm diferentes representações sobre as experiências de educação integral (SANTOS et al., 2015SANTOS, P. P.; CARVALHO, C. B. R.; SILVA, D. C. Reflexões sobre a formação de professores articuladores de atividades de educação de tempo integral na perspectiva do Programa Mais Educação na rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul. Anais do Seminário em Educação e Colóquio de Pesquisa, v. 1, n. 10, p. 56-67, 2015. Disponível em: <https://anaisonline.uems.br/index.php/semiedu/issue/current/showToc. Acesso em: 17 jun. 2018
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). Pais e alunos centram-se na satisfação e no prazer que as práticas de atividades diferenciadas trazem quanto à oportunidade de lazer para as crianças, enquanto as professoras centram-se na necessidade e carência do aluno como justificativa das ações na escola (MAURÍCIO, 2009),

Moreira (2013)MOREIRA, S. C. Desigualdades educacionais e educação integral: um exame do Programa Mais Educação a partir da Educação Crítica. Revista Pedagógica, v. 15, n. 30, jan./jun. 2013. Recuperado de <http://www.bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/1567/872. Acesso em: 10 fev. 2016.
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discute questões ideológicas do currículo escolar e aponta que a educação integral tem sido comparada a uma educação compensatória, com acréscimo de atividades extras para uma parcela pequena de estudantes, em regime de tempo integral, sob a responsabilidade direta de um professor comunitário, com pouca articulação com o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola e por professores, com reações adversas por parte do corpo docente das escolas, devido à situação de pessoas sem qualificação atuando como educadores. Santos et al. (2015) apontam a necessidade de formação continuada do professor como momento de reflexão da prática pedagógica, sendo necessárias mais pesquisas para acompanhar se as práticas de professores articuladores de atividades desses programas estão sendo revertidas em benefício do desenvolvimento integral dos alunos.

A integração de ações formais e não formais nas propostas de educação integral é discutida por Felício (2011)FELÍCIO, H. M. S. A instituição formal e não formal na construção do currículo de uma escola de tempo integral. Educação em Revista, v. 27, n. 3, p. 163-82. dez. 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-46982011000300001
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e Leite (2012)LEITE, L. H. A. Educação integral, territórios educativos e cidadania: aprendendo com as experiências de ampliação da jornada escolar em Belo Horizonte e Santarém. Educar em Revista, n. 45, p. 57-72, jul./set. 2012. https://doi.org/10.1590/S0104-40602012000300005
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. Felício analisa a construção do currículo de uma escola de educação integral em parceria com uma instituição socioeducativa, que resulta no desenvolvimento coletivo com abertura de diálogo entre as duas equipes, da educação formal e da educação não formal (FELÍCIO, 2011). A segunda analisa duas experiências de ampliação da jornada escolar que têm em comum o fato de seus projetos irem além dos muros da escola, ocupando praças, parques e até rios, entendidos como espaços sociais e de pertencimento à cidade, o que transforma a cidade em território educativo e coloca a escola como parte de uma rede social para garantir o direito a uma educação integral a crianças, jovens e adolescentes (LEITE, 2012LEITE, L. H. A. Educação integral, territórios educativos e cidadania: aprendendo com as experiências de ampliação da jornada escolar em Belo Horizonte e Santarém. Educar em Revista, n. 45, p. 57-72, jul./set. 2012. https://doi.org/10.1590/S0104-40602012000300005
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).

Recentemente, estudos de revisão da literatura produzida sobre experiências de implantação de programas de educação integral no território nacional têm sido conduzidos e vêm contribuindo para a construção de um conhecimento teórico-prático sobre essa realidade. Zucchetti e Moura (2017)ZUCCHETTI, D. T.; MOURA, E. P. G. Educação integral: uma questão de direitos humanos? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 25, n. 94, p. 257-76, jan./mar. 2017. https://doi.org/10.1590/s0104-403620170001000010
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desenvolvem pesquisas sobre o Programa Mais Educação em nível nacional e expõem as dificuldades de se buscar por impactos sobre os resultados na educação básica como decorrência da implantação desse Programa. Castanho e Mancini (2016)CASTANHO, M. I. S.; MANCINI, S. Educação integral no Brasil: potencialidades e limites em produções acadêmicas sobre análise de experiências. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 24, n. 90, p. 225-48, jan./mar. 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-40362016000100010
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apresentam como resultado do levantamento da literatura publicada sobre a implantação de programas de tempo integral no país, a variabilidade de concepções político-filosóficas, respondendo ao para quê ou finalidade dos programas da educação integral identificados pelos autores; a diversidade de modelos de funcionamento, baseados na organização dos tempos e espaços dos programas; de fundamentos político-pedagógicos, respondendo à integração das ações com os projetos políticos pedagógicos e propostas curriculares, oportunidades de aprendizagem e melhoria da qualidade de educação; e de resultados e avaliação de impactos e resultados em função das propostas e objetivos traçados pelos programas.

O presente estudo propõe uma análise da prática pedagógica em escolas de um município paulista que implantou programa de ampliação de jornada escolar por meio de terceirização das atividades no contraturno para parte dos alunos do currículo formal. A terceirização é uma das formas que alguns municípios vêm introduzindo como solução para a ampliação de tempo de permanência do aluno na escola por meio de atividades diferenciadas daquelas do currículo oficial da escola, ministradas por educadores com experiência em cultura popular, artes, esportes, música, teatro etc.1 1 No caso específico analisado o Programa implantado resultava de uma síntese de dois programas anteriores, um de recreio nas férias e outro de oficinas no contra turno e era desenvolvido por uma organização não governamental contratada por meio de licitação, funcionava por meio da oferta de oficinas no contra turno escolar, com atividades esportivas de judô, futsal, culturais de música e teatro, de informática, de linguagem e de jogos e raciocínio lógico. .

Assim, esse estudo busca contribuir para a reflexão sobre as políticas públicas que visam à melhoria da qualidade da educação, por meio da educação de tempo integral, pelo reconhecimento das diferentes modalidades e concepções de ações implantadas, em atendimento às diretrizes oficiais, no oferecimento de oportunidades e direitos às crianças.

2 Metodologia

A metodologia proposta articula dados quantitativos e qualitativos de maneira a ilustrar, descritiva e qualitativamente o fenômeno analisado (BRICEÑO-LEÓN, 2003BRICEÑO-LEON, R. Quatro modelos de integração de técnicas qualitativas e quantitativas de investigação nas Ciências Sociais. In: GOLDENBERG, P. (Org.). O clássico e o novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003. p. 157-83.). As escolas selecionadas pertencem a áreas de ponderação que possuem grande parte da população com rendimento abaixo da linha de pobreza, e com altos índices de exclusão social e todo o estudo seguiu os procedimentos éticos recomendados e aprovados em Parecer nº 441.320, de 30 de outubro de 2013. Para o presente recorte, foram analisadas as respostas de 11 professoras de classes regulares do ensino fundamental, que concordaram em participar, após assinatura dos termos de consentimento livre e esclarecido, e contribuíram com informações dadas em questionário sociodemográfico sobre dados pessoais e familiares de formação e atuação profissional. As professoras também foram entrevistadas individualmente por meio de um roteiro semiestruturado com questões a respeito de formação específica para atuarem em programas de educação integral, de articulação das práticas pedagógicas com o projeto de educação integral, de momentos de integração de ações do currículo formal com o planejamento das oficinas/atividades do programa de educação integral e de contribuições do programa junto aos alunos envolvidos e à comunidade.

Os dados foram tabulados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences – SPSS versão 20.0 e realizada a análise descritiva das informações contidas no questionário sociodemográfico para a caracterização das participantes. As entrevistas, após as transcrições, foram tratadas pelo processo de análise de conteúdo, possibilitando acesso à maneira particular como cada participante respondeu às questões da entrevista, dando informações objetivas a respeito do programa de educação integral do qual participava, bem como um posicionamento subjetivo a partir de sua vivência. O Programa Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires - Iramuteq (CAMARGO; JUSTO, 2013CAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, v. 21, n. 2, p. 513-8, dez. 2013. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
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) permitiu fazer algumas análises do corpus textual. Outras análises se basearam na técnica de análise de conteúdo, com base em Bardin (2009)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009..

3 Resultados e discussões

3.1 Caracterização das professoras participantes

As professoras participantes, todas do sexo feminino, têm idades entre 33 e 56 anos, média de 43,5 e desvio-padrão de 7,9. Dentre as participantes, 36,4% são casadas (n = 4) e a mesma porcentagem, divorciadas; 90% têm de um a dois filhos; a formação acadêmica, no ensino médio, foi, em sua maior parte (70%), de magistério e realizado principalmente em escola pública (60%). No que concerne à formação superior, todas a realizaram em instituições particulares (quatro com bolsas de estudo), sendo que sete professoras estudaram Pedagogia, duas, Letras, e uma, História.

A renda familiar da maior parte (80%) varia de 3 a 10 salários mínimos, sendo para 40% da amostra, a principal fonte de renda familiar. A escolaridade dos pais das professoras respondentes é, na sua maior parte, de ensino fundamental incompleto (70%). Quanto à profissão dos pais, 80% ocupam ou ocuparam atividades que exigem baixa qualificação e nível de estudo, tais como lavrador, pedreiro, doméstica, dona de casa.

Quanto à realização de cursos voltados para a educação integral, nenhuma das professoras participou de algum curso específico sobre a temática, porém a maior parte (70%) realizou outros cursos ao longo da carreira, de aprimoramento e especialização. O ano de conclusão do ensino superior e o ano de início da atuação no magistério podem ser visualizados na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição das professoras de acordo com o ano de conclusão do ensino superior e de início da atuação profissional na educação.

Quanto à formação no ensino superior, a maioria, ou seja, oito professoras relatam ter concluído sua formação entre os anos de 2000 e 2009, correspondendo a 72,8% das participantes. Esses dados confirmam divulgação do INEP, segundo Grazziotin, Waimann e Méndez (2010)GRAZZIOTIN,L. S. S.; WAIMANN, M.; MÉNDEZ, N. P. Trabalho e formação docente: perfil dos(as) educadores(as) no cenário pós-LDB (1996 – 2008). In: V CINFE – Congresso Internacional de Filosofia e Educação – CINFE, 5., 2010, Caxias do Sul, RS. Anais... [S.n.t.]., quanto ao percentual de docentes do Ensino Fundamental com nível superior de escolarização no Brasil, que subiu de 53% no ano de 2002 e chegou ao patamar de 70% em 2007, como decorrência das orientações sobre a formação do professor no ensino superior, após a publicação da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.).

Em relação ao tempo de exercício na profissão, três professoras (27,3%) têm entre 27 e 31 anos de experiência, tendo iniciado a atuação no magistério entre os anos de 1985 e 1989, e cinco delas (45,5%) atuam no magistério há 17 a 26 anos, ou seja, entre os anos de 1990 e 1999. O primeiro grupo e parte do segundo juntos ultrapassam ou estão próximos da aposentaria, considerando-se que o tempo médio para a aposentadoria de professores gira em torno de 25 anos. Este resultado supera o de pesquisa recente realizada por Moreira e Chamon (2015)MOREIRA, A. M.; CHAMON, E. M. Q. O. Ser professor: representação social e construção identitária. Curitiba: Appris, 2015. que encontraram na rede pública de Minas Gerais, um percentual de 31% de professores entre 16 e 23 anos de atuação na profissão e de 19,8% com tempo entre 24 e 31 anos de atuação. Destaca-se, ainda, na pesquisa citada, que a faixa etária média das professoras era de 42,39 anos, e desvio padrão igual a 8,20, um pouco inferior à encontrada no grupo deste estudo.

Quanto à formação em cursos sobre a temática da educação integral, 100% das professoras de PEB1 informaram nunca terem participado de algum curso específico, e somente uma (9,1%) relatou ter experiência em projeto de educação integral. A despeito desta informação, quando entrevistadas, algumas consideraram que sua formação permite sustentação para um trabalho diferenciado com crianças.

4 Análises e discussões

As entrevistas foram analisadas pela técnica da Classificação Hierárquica Descendente, com auxílio do software Iramuteq, que permitiu considerar as palavras como unidades, bem como em seus contextos de ocorrência e estruturação temática. Com o apoio da técnica de Análise de Conteúdo foi possível estabelecer relações entre o nível lexical e o nível representacional, possibilitando uma análise das concepções e das articulações que o grupo estudado expressou em relação aos temas abordados. Assim, as diferentes classes que emergiram do corpus do texto representam o espaço de sentido das palavras expressas e podem sugerir elementos referentes às concepções das professoras sobre o programa de educação integral das escolas em que atuam.

O corpus analisado foi composto dos conteúdos das entrevistas das 11 participantes seccionadas em 288 segmentos de texto (contexto de enunciação da palavra), 1558 palavras que ocorreram com uma frequência média de 23,00% por palavra e 45,31% por segmento de texto. Após a redução dos vocábulos às suas raízes, obtiveram-se 1039 lematizações (presença simultânea de dois ou mais itens lexicais na mesma área), que resultou em 690 palavras analisáveis e 14 palavras suplementares. O programa classificou 171 segmentos de 288 analisáveis, com aproveitamento de 59,38%.

A Figura 1 apresenta o gráfico com a categorização das classes e os valores percentuais dos segmentos de textos em relação ao total do corpus analisado.

Figura 1
Dendograma representativo das repartições em classes e percentagem de palavras em cada classe.

Constata-se que, após a concretização da Classificação Hierárquica Descendente, foram identificadas seis classes distribuídas em dois eixos: o primeiro subdividido em outros dois eixos compostos pela classe 6, com 21,6% dos segmentos de textos, e classe 4, com 15,8% dos segmentos de textos e esta classe subdividida em classe 1, com 12,3% dos segmentos de texto e classe 2, com 11,7% dos segmentos de textos. O eixo 2 foi composto pela classe 5, com 18,1% dos segmentos de textos e classe 3, com 22,5% dos segmentos de textos.

As palavras que emergiram nas classes se apresentam conforme a divisão e ordem estabelecidas pelo programa, com base em sua frequência no discurso das professoras. A Figura 2 apresenta as palavras que emergiram em cada uma das classes.

Figura 2
Representação do dendograma pelas palavras de destaque.

Comparando-se os dados das Figuras 1 e 2, constata-se que, no primeiro eixo, o destaque é para a classe 6, que corresponde a 21,64% dos segmentos de textos em relação ao total de respostas analisadas, onde aparecem com maior frequência as palavras “dia”, “semana”, “coisa”, “satisfazer”, “mostrar”, “entender”. Embora as palavras, descontextualizadas, possam não ter muito sentido, o conjunto delas remete a uma tendência a destacar objetivamente o tempo (dia e semana), a fragilidade da denominação de algo (coisa) e as ações de mostrar, entender e satisfazer, o que se poderia perguntar satisfazer a quê ou a quem?

Ainda no primeiro eixo, a classe 4 corresponde a 15,8% dos segmentos de textos, em relação ao total de respostas analisadas, tem destaque para as palavras “conseguir”, “participação”, “conhecimento”, “integral”, “dificuldade”, “falar”. Em seu conjunto, essas palavras parecem ser indicativas do esforço e da dificuldade para se conseguir participação, conhecimento no processo de educação integral, parecendo que o falar é uma ação fundamental.

A classe 1 do primeiro eixo, com 12,3% dos segmentos de textos, em relação ao total de respostas analisadas, apresenta como destaque as seguintes palavras: “saber”, “família”, “querer”, “pesquisa”, “escrever”, “preocupação”. Tais palavras instigam a curiosidade de saber de que forma a família aparece como preocupação; o saber, o querer, a pesquisa e o escrever circunscrevem uma possível ligação com o aprendizado.

Por fim, a classe 2 do primeiro eixo corresponde a 11,7% dos segmentos de textos, em relação ao total de respostas analisadas, e nela se destacam palavras como: “ligar”, “equipe”, “sentar”, “trazer”, “pai”, “gostar”. Por meio da análise qualitativa, pode-se indicar que tais palavras sugerem uma ligação entre a escola e a família, num trabalho de equipe que procura trazer o pai.

No seu conjunto, esse primeiro eixo possivelmente remete às demandas de uma proposta de educação integral que pouco se distingue do processo de educação ministrado na escola, uma vez que as preocupações são com o conhecimento, a participação, o saber, a integração da equipe entre si e com a família, na figura do pai, bem como uma alocação do processo num determinado tempo ou dia da semana.

No segundo eixo, a classe 3 corresponde a 20,5% dos segmentos de textos, em relação ao total de depoimentos analisados, com destaque para as palavras “sala”, “chegar”, “educação”, “escolher”, “criança”, “forma”, “projeto”. Sugere-se que estas referências seriam mais voltadas à forma como se dá o processo de escolha da sala, da criança, no projeto de educação integral.

A classe 5 do segundo eixo, com 18,1% dos segmentos de textos, em relação ao total de depoimentos analisados, apresenta como destaque as palavras “trabalhar”, “professor”, “melhorar”, “sentir”, aula”, “educador”. Tais resultados sugerem a parceria entre o trabalho do professor da sala de aula e o educador, mediados pelo sentimento de melhora. No seu conjunto, entende-se que o eixo 2 apresenta algumas referências ao processo educativo no interior da escola, na integração entre a educação formal e a educação integral, nas pessoas do professor e do educador.

Numa tentativa de ampliar a análise dos conteúdos ressaltados, é possível galgar um nível interpretativo pela análise de conteúdo, com base em Bardin (2009)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009., ao se proceder às leituras das entrevistas e aos três principais passos da análise: 1) leitura exaustiva das entrevistas na busca de palavras e expressões recorrentes; 2) consideração de indicadores que permitem a criação de categorias, mediante uma operação de classificação dos elementos construtivos de um conjunto, por diferenciação, similaridade ou oposição seguida por um reagrupamento baseado em analogias; 3) a análise propriamente dita por meio de inferências, procedimento que permite avançar da descrição para a interpretação. Destacam-se as categorias organizadas por esse processo de análise.

4.1 Categoria 1: contribuição da educação integral para a educação formal

Nesta categoria se agrupam palavras e expressões na combinação entre as que se destacam na Classe 6 do primeiro eixo, e as da Classe 5, do segundo eixo. Alguns segmentos de textos ilustram as respostas apresentadas pelos professores a essa questão:

A contribuição para a prática da educação formal é essa organização deles para trabalhar as regras e a socialização, às vezes, as crianças são um pouco agressivas na sala, começam a participar do projeto e acabam fazendo amizades, e ajuda (PEB 1).

Estimula o aluno a vir para a aula regular, porque a criança começa a ter uma visão de que a escola é chata, que leitura é só na escola, não entende ainda a função social dessas coisas (PEB 4).

Ele, vindo à escola, ajuda a gente na sala de aula, bastante (PEB 9).

A nossa coordenadora chama eles para que participem, levem assuntos, inclusive até se algum aluno tem algum problema de saúde. Porque quem identifica primeiro é o professor da classe (PEB 10).

As falas das professoras confirmam as observações de Maurício (2009) que aponta a carência do aluno como justificativa para as ações na escola, pois as professoras referem a necessidade de estimular o aluno por meio de ações indiretas, lúdicas e motivadoras, tendo em vista que não há uma noção da função social da aprendizagem. Além disso, a oportunidade de realizar atividades monitoradas também é apontada como uma das principais contribuições da educação integral, pois garante que os professores trabalhem para melhorar a condição de vida dessas crianças e o tipo de comportamento que trazem de seu ambiente.

4.2 Categoria 2: integração entre professores da escola e educadores do programa

Nesta categoria agrupam-se palavras e expressões presentes nas Classes 4 e 2 do primeiro eixo, com algumas da Classe 5 do segundo eixo, que exemplificam o teor das dificuldades dessa integração, conforme pode-se exemplificar com algumas narrativas:

Para produzir nosso currículo durante o ano, acho que nunca pensamos em fazer, sentar junto e casar as ideias dos dois projetos, o projeto da escola e o da educação integral, não conseguimos sentar e desenhar (PEB 1).

A única participação que eu vi foi quando ele vem falar alguma novidade “vai acontecer isso agora, vai acontecer e tal” (PEB 2).

É uma pena que não são todos os dias, seria legal se fossem todos os dias, porque hoje são só três dias na semana, mas é muito bom, muito bom, mesmo (PEB 9).

Ajuda sim, tudo contribui, o que eu sinto falta é a socialização, ainda falta socialização, falta eles estarem mais próximos de nós professores de sala de aula, está faltando um momento para fazer essa ligação (PEB 13).

Embora Felício (2011)FELÍCIO, H. M. S. A instituição formal e não formal na construção do currículo de uma escola de tempo integral. Educação em Revista, v. 27, n. 3, p. 163-82. dez. 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-46982011000300001
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tenha apontado a possibilidade de articulação dos dois projetos, o da educação formal e o da educação integral, as professoras entrevistadas neste estudo referiram a dificuldade de articulação, pois os momentos de encontro são raros e, na maioria dos casos, não há participação dos educadores da educação integral no currículo da educação formal. A comunicação acontece, principalmente em situações informais e/ou ocasionais, de acordo com as necessidades do momento. As expressões mostram as dificuldades de “casar”, “ligar” as duas equipes para que trabalhem juntas nos projetos e conteúdos integrados.

4.3 Categoria 3: participação e presença da família

Esta categoria organiza-se a partir das recorrentes alusões à importância da participação da família para que a educação das crianças se complete e tenha bons resultados. Integram-se segmentos de textos em que se destacam as palavras recorrentes das Classes 1 e 2 do primeiro eixo, que denotam a preocupação em trazer a família para perto do projeto. Alguns trechos destacados das entrevistas foram:

O que facilita ou não na vida dessas pessoas na comunidade, eu volto a falar, eu acho que é o comportamento deles que muda, eles ficam mais disciplinados, eu acredito nisso, é um exemplo (PEB 3).

É o que queremos. Essa família, consequentemente, muda de alguma forma. Com certeza, em reunião de pais, nós ouvimos muito: nossa, ele gosta muito de você, ele teve mudança. Porque a criança muda (PEB 4).

Não dá para saber porque ele deixou de fazer isso ou aquilo, eu gosto de trabalhar de uma forma parceira escola e família, isso tem dado certo, eu tenho descoberto várias coisas, vários assuntos (PEB 9).

Por exemplo, se tem uma criança que usa drogas ou a opção sexual, então a gente vê que tem aluno que sente vergonha. E a gente tem que ter um jogo de cintura, pra não deixar o aluno constrangido, valorizar a família dele. Nós vamos trabalhar em cima disso, e a gente tem notado isso. Ele sente vergonha e não quer trazer a família dele para escola. Eu tenho alunos nessa situação. Hoje nós fizemos as lembrancinhas das mães, e eu sei que tem crianças com duas mães (PEB 10).

E aí, pai e mãe trazem com a intenção de deixar aqui para não ter a obrigação de ficar mais quatro horas com a criança, ou seja, os pais não têm norte para dizer: Ah, meu filho faz essa oficina e é legal, com esse objetivo... Não, não é assim que funciona (PEB 12).

Os conteúdos evidenciam que a palavra comunidade é traduzida pelas professoras como família, e se referem aos pais das crianças. Leite (2012)LEITE, L. H. A. Educação integral, territórios educativos e cidadania: aprendendo com as experiências de ampliação da jornada escolar em Belo Horizonte e Santarém. Educar em Revista, n. 45, p. 57-72, jul./set. 2012. https://doi.org/10.1590/S0104-40602012000300005
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analisou experiências de ampliação da jornada escolar e salientou que as escolas podem ir além de seus muros, transformando a cidade em território educativo. Porém, neste estudo, as respostas obtidas junto ao grupo de professoras revelam tentativas de aproximar os pais para conhecer o contexto ao qual a criança pertence, e não houve referência a outros espaços sociais. Há uma valorização do grupo familiar reconhecido como um possível aliado na educação escolar da criança.

4.4 Categoria 4: articulação entre o Projeto Político Pedagógico da Escola e as oficinas

Esta categoria se organiza pela aproximação entre palavras em destaque das Classes 6, 4 e 2 do primeiro eixo e da Classe 5 do segundo eixo, evidenciando que transparece uma importância da articulação entre o PPP e as oficinas. Em algumas escolas essa articulação acontece e, em outras, as professoras afirmam que ainda é insatisfatória, como se destacam nos seguintes trechos das entrevistas:

Não. É uma falha, né? Porque poderíamos trabalhar no mesmo assunto com focos diferentes. A gente não consegue (PEB 1).

A única participação em que eu os vi, foi quando eles vêm falar alguma novidade. “Ah, vai acontecer isso”... igual agora, vai ter o projeto de reforço, então, “vai acontecer e vão abrir só 20 vagas e tal”. Então, a maioria do contato mesmo que a gente tem é de “oi”, “tchau” e alguma informação de planejar, de pensar no amplo, infelizmente isso não acontece (PEB 2).

O PPP da escola e as oficinas estão ligados um ao outro, mesmo do ponto de vista político, um está ligado ao outro porque a gente tem muito apoio do pessoal, não é só uma coisa assim filosófica (PEB 3).

Temos o PTA que é anual, e outro que é a cada dois anos e nós fazemos esse planejamento todo para que a escola trabalhe em cima disso, não pode deixar solto (PEB 4).

Se articulam, eu acho que é na forma que eles fazem lá das aulas na oficina, incluindo os pais também, acho que isso entra no PPP da escola (PEB 9).

As respostas indicam a relevância da articulação do PPP com as oficinas da educação integral, reconhecida pelas professoras e confirmam as observações de Felício (2011)FELÍCIO, H. M. S. A instituição formal e não formal na construção do currículo de uma escola de tempo integral. Educação em Revista, v. 27, n. 3, p. 163-82. dez. 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-46982011000300001
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que o reconhecimento das diferenças entre a educação formal e a educação integral é um passo para o estabelecimento de parceria, quando o objetivo é o desenvolvimento do educando. No entanto, algumas expressões soam mais como algo que deve estar acontecendo, sem uma ação sistematicamente planejada e acompanhada por todos.

4.5 Categoria 5: contribuição junto aos alunos

A categoria 5 organiza-se pela aproximação de algumas palavras que se destacam na Classe 6 do primeiro eixo, associadas a palavras das Classes 5 e 3 do segundo eixo, confirmando o que já se evidenciou na categoria 1, a respeito do foco dado na educação das crianças com base na concepção da carência dos alunos e no uso da motivação pelas atividades das oficinas como condicionantes da frequência às aulas.

Porque eles estão enfileirados um ao lado do outro, estão para um jogo de contato, com atividade que vai exigir que se acalme e se respeite o colega, senão ele vai sair do projeto, então ajuda a diminuir um pouco a agressividade (PEB 1).

Há alunos que não têm uma boa frequência, faltam, então nós fazemos um comunicado junto aos responsáveis pelas oficinas, pois, às vezes, o aluno é do período da manhã e falta à aula regular, mas não falta no período da tarde, que é o esporte (PEB 3).

Foi como eu falei para você, porque a gente trabalha junto, melhor porque nós chegamos a ameaçar: se não melhorar o rendimento aqui, vou falar com o professor de futsal e os campeonatos estão chegando (PEB 4).

E tem até mesmo as mães que trabalham o dia inteiro, eles ficam mais achegados aos educadores, com a professora já é mais difícil porque a gente está em sala de aula, temos nossas obrigações a cumprir (PEB 1).

Falta mais alguma coisa. Tem que melhorar. Eles têm se esforçado, a gente reconhece, mas falta melhorar. Uma integração maior. Mais tempo de aula. Um trabalho maior com os pais. Aqueles pais que se dispusessem mais a colaborar (PEB 10).

Acaba contribuindo assim: esses alunos de repente, no momento em que ficam fora da escola, ficariam na rua, tendo acesso a coisas que não seriam adequadas à idade deles e eles estão tendo acesso à cultura, a outros tipos de atividades (PEB 13).

Nota-se, na fala das professoras, uma forte associação da assiduidade do aluno no projeto como participação em uma atividade prazerosa, na qual o aluno não falta, mesmo que ela ocorra no espaço da sala de aula. Parece não ocorrer à professora que as atividades formais desenvolvidas na sala de aula também poderiam ser prazerosas, uma vez que o entendimento é de que “aqui temos obrigações a cumprir”. Além disso, as atividades nas oficinas são utilizadas para condicionar a presença do aluno na sala de aula, confirmando a observação de Moreira (2013)MOREIRA, S. C. Desigualdades educacionais e educação integral: um exame do Programa Mais Educação a partir da Educação Crítica. Revista Pedagógica, v. 15, n. 30, jan./jun. 2013. Recuperado de <http://www.bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/1567/872. Acesso em: 10 fev. 2016.
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sobre a carência do aluno como justificativa das ações na escola.

4.6 Categoria 6: articulação das atividades das oficinas com as de sala de aula

Nesta categoria agrupam-se as palavras que são indicadoras das experiências de articulação entre as duas formas de educação, a integral e a formal, destacadas em especial das Classes 1 do primeiro eixo, e Classe 3 do segundo eixo, conforme trechos a seguir:

Se tem alguma brincadeira para trabalhar na criança regras de como fazer a brincadeira, como participar, como montar um brinquedo, isso em educação física nós chegamos a fazer uma vez (PEB 2).

Então assim, no começo até março/abril nós fazemos uma sondagem com eles, então ela também começa a trabalhar isso com eles, hoje mesmo coloquei um cartaz lá na parede de unidade, dezena e centena e estou trabalhando nisso (PEB 3).

Tentamos trabalhar de várias formas de projetos e oficinas dentro da sala, assim como outras oficinas como oficinas de língua portuguesa que sempre trabalhamos para sair um pouco daquela cara de escola de giz e lousa (PEB 4).

Acho que essas aulas, que são voltadas mais para a disciplina, mesmo como judô, capoeira, deixam os alunos mais alinhados (PEB 5).

E sobre a articulação com o projeto escola o tempo todo, eles costumam dar uma devolutiva de como está sendo o desenvolvimento das crianças lá e aqui na sala. Geralmente, é positivo. Essa articulação, esse desenvolvimento é positivo. Eles acabam até usando “Se não foi bem na sala, não vai participar”, então, eu acho muito positivo (PEB 13).

Nessa categoria as professoras mostram sua disposição para se aproximar das atividades das oficinas, buscando variações para distanciar-se do modelo de aula que utiliza somente giz e lousa. As professoras reconhecem que as oficinas são motivadoras e mostram-se disponíveis para aproximar as atividades mais lúdicas da sala de aula.

5 Considerações finais

De forma geral, buscou-se com o presente estudo, identificar as formas de organização, compromisso e envolvimento das professoras com as iniciativas de implantação de jornada ampliada na escola. Quanto à formação necessária, apurou-se uma tentativa em valorizar e, ao mesmo tempo, justificar deficiências na formação e na falta de respaldos práticos necessários para dar conta de propostas educacionais atuais da ampliação da jornada escolar. Tais aspectos sobre a necessária formação do professor são essenciais e também foram apontados por Santos, Carvalho e Silva (2015).

Segundo as percepções de possibilidades de integração entre as práticas escolares, o projeto político pedagógico e os programas de educação integral, foram apontadas escassas ações efetivas e condições que garantam um trabalho integrado na visão dessas professoras. As dificuldades da integração das ações do currículo formal e não formal foram ressaltadas por grande parte das participantes, o que parece distanciá-las de experiências exitosas e que têm evidenciado o valor da integração das ações formais e não formais nas propostas de educação integral, tais como as apontadas por Felício (2011)FELÍCIO, H. M. S. A instituição formal e não formal na construção do currículo de uma escola de tempo integral. Educação em Revista, v. 27, n. 3, p. 163-82. dez. 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-46982011000300001
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e Leite (2012)LEITE, L. H. A. Educação integral, territórios educativos e cidadania: aprendendo com as experiências de ampliação da jornada escolar em Belo Horizonte e Santarém. Educar em Revista, n. 45, p. 57-72, jul./set. 2012. https://doi.org/10.1590/S0104-40602012000300005
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É importante ressaltar as percepções de valorização das atividades de jornada ampliada, calcadas na visão, de grande parte das professoras, de carência social, econômica e cultural das crianças envolvidas, mais do que nos benefícios para a aprendizagem da criança e aproximação da família. Existem várias críticas a essa visão assistencialista que se centra na necessidade e carência do aluno como justificativa das ações na escola (MAURÍCIO, 2009; MOREIRA, 2013MOREIRA, S. C. Desigualdades educacionais e educação integral: um exame do Programa Mais Educação a partir da Educação Crítica. Revista Pedagógica, v. 15, n. 30, jan./jun. 2013. Recuperado de <http://www.bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/1567/872. Acesso em: 10 fev. 2016.
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) e que pressupõe a necessidade de tais programas como uma forma de educação compensatória. Além disso, Zucchetti e Moura (2017ZUCCHETTI, D. T.; MOURA, E. P. G. Educação integral: uma questão de direitos humanos? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 25, n. 94, p. 257-76, jan./mar. 2017. https://doi.org/10.1590/s0104-403620170001000010
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, p. 262-263) discutem que esse é “um modelo de proteção que se instalou no Brasil, desde onde os direitos humanos se consubstanciam em direitos sociais, muito geralmente, enquanto ação caritativa e assistencialista na abordagem das populações ameaçadas de exclusão”. Para as autoras, “nessa perspectiva a concepção de política social fica associada à concessão de privilégios ao invés de direitos”, o que esvazia a ideia de cidadania ativa e reforça a ideia generalizada no senso comum que somente a população de baixa renda é que tem acesso aos direitos sociais.

No geral, apesar das diretrizes para implantação da jornada ampliada nas escolas, ainda há pouca articulação com o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola e professores, bem como escassa evidência a respeito da efetiva contribuição das propostas para a aprendizagem e desenvolvimento do aluno. Portanto, entende-se como essencial a realização de estudos que demonstrem a importância e, até mesmo, eficácia, dos programas propostos, tanto para a melhoria dos processos de aprendizagem, quanto como uma medida de acompanhamento das medidas propostas de auxílio escolar.

No projeto analisado, talvez como decorrência de um trabalho terceirizado dentro da escola, há evidências fortes da falta de integração entre as duas equipes. No entanto não se pode afirmar isso, mas sugerir que, em qualquer forma de solução para a implantação de propostas de educação integral, haja condições que favoreçam na prática, as integrações necessárias entre os PPP, as ações de professores e dos demais atores escolares. Dada a importância dessas experiências para o planejamento de políticas públicas, sugere-se a ampliação de pesquisas e investimentos na formação de professores para a atuação na educação integral.

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  • 1
    No caso específico analisado o Programa implantado resultava de uma síntese de dois programas anteriores, um de recreio nas férias e outro de oficinas no contra turno e era desenvolvido por uma organização não governamental contratada por meio de licitação, funcionava por meio da oferta de oficinas no contra turno escolar, com atividades esportivas de judô, futsal, culturais de música e teatro, de informática, de linguagem e de jogos e raciocínio lógico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2016
  • Aceito
    20 Fev 2018
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