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Avaliação do desenvolvimento da personalidade moral

Evaluation of moral personality development

Evaluación del desarrollo de la personalidad moral

Resumo

Esse artigo avalia o Desenvolvimento da Personalidade Moral de crianças de 7 anos. Hipótese: é possível favorecer o desenvolvimento da personalidade moral. Decidimos avaliar como esse desenvolvimento acontece. Avaliamos esse processo em alunos de segundo ano que sabiam ler, em uma escola pública. Apresentamos quatro virtudes aos alunos: amizade, temperança, perseverança e justiça. O objetivo da pesquisa foi avaliar como crianças podem aprender a viver de acordo com as virtudes. A fundamentação teórica está na filosofia de Aristóteles e na teoria da personalidade de Jung. A abordagem metodológica foi o Método Sucupira Lins para pesquisa-ação com comprometimento. Construímos um material – Ethos – que é um conjunto de figuras e histórias para serem analisadas por crianças. As crianças discutiram sobre o comportamento dos personagens e debateram possibilidades de conclusões se estes tivessem respeitado as quatro virtudes. Eles gostaram do material – Ethos – e aprenderam a se comportar de acordo com as virtudes. Dados mostram que as crianças podem desenvolver a personalidade moral por meio desse material.

Personalidade Moral; Virtudes; Ethos

Abstract

This paper assesses the Development of Moral Personality of seven-year-old children. The hypothesis is that it is possible to improve the development of moral personality and we decided to evaluate how this development happens. We evaluated this process in first graders who could already read in a public school. We presented them four virtues: friendship, temperance, perseverance and justice. The objective of this research was evaluate how children can learn to live according these virtues. Theoretical foundation was the philosophy of virtues of Aristotle and the personality theory of Jung. The methodological approach was Sucupira Lins Method for action research with great commitment. We have built a material – Ethos – which is a set of pictures and stories to be analyzed by children. Childen had discussed about the behavior of characters and they debated the possibilities of the conclusions if they had respected the four virtues. They enjoyed the material – Ethos - and have learnt to behave according the virtues. Data show that children can develop moral personality through this material.

Moral Personality; Virtues; Ethos

Resumen

Hipótesis

Este artículo evalúa el Desarrollo de la Personalidad Moral de niños de 7 años. : es posible favorecer el desarrollo de la personalidad moral. Decidimos evaluar cómo ocurre este desarrollo. Evaluamos este proceso en alumnos de segundo año que sabían leer, en una escuela pública. Presentamos 4 virtudes a los alumnos: amistad, temperancia, perseverancia y justicia. El objetivo de la investigación fue evaluar cómo los niños pueden aprender a vivir de acuerdo con las virtudes. La fundamentación teórica está en la filosofía de Aristóteles y en la teoría de la personalidad de Jung. El enfoque metodológico fue el Método Sucupira Lins para investigación-acción con compromiso. Construimos un material – Ethos – que es un conjunto de figuras e historias para ser analizadas por niños. Los niños discutieron sobre el comportamiento de los personajes y debatieron posibilidades de conclusiones si éstos hubieran respetado las cuatro virtudes. A ellos les gustó el material - Ethos - y aprendieron a comportarse de acuerdo con las virtudes. Los datos muestran que niños pueden desarrollar la personalidad moral a través de ese material.

Personalidad moral; Virtudes; Ethos

1 Introdução

Avaliar o desenvolvimento da personalidade moral das crianças não é tarefa fácil, porém é imprescindível para que educadores possam auxiliá-las a se tornarem cidadãos éticos. A polissemia do termo e as múltiplas conceituações sobre a formação do indivíduo e sua mente exigem uma definição clara e objetiva quanto ao quadro teórico e procedimentos avaliativos realizados. As concepções sobre o homem delineadas pelos filósofos antigos, fisiologistas experimentais do século XIX e prática médica clínica (HALL; LINDZEY, 1973HALL, C.; LINDZEY, G. Teorias da personalidade. São Paulo: EPU, 1973.) guiaram e nortearam os primeiros estudos da personalidade, dando origem a algumas teorias.

Não vamos nos deter em uma descrição da teoria da personalidade aqui considerada, que é a Psicologia Analítica de Carl Jung (1875–1961). Em conferências proferidas em Londres, o psicanalista define a psicologia como ciência que se relaciona num primeiro plano com a consciência e em seguida com o inconsciente, de modo que “a consciência é como uma superfície ou película cobrindo a vasta área inconsciente, cuja extensão é desconhecida”. (JUNG, 1985JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985., p. 4), o que expressa uma possibilidade de relação com a ética. A consciência se constrói a partir da percepção e orientação no mundo, além de ser a relação dos fatos psíquicos com o ego. O que seria o ego? “É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória” (JUNG, 1985JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985., p. 7), o que pode ser entendido como início para a Educação Moral, na medida em que esse pensador chama a atenção para o papel da vontade que deve controlar as demais funções psicológicas do sujeito. É importante ressaltar que quando Jung fala da função sentimento (JUNG, 1985), ele a considera como uma função racional. Os sentimentos exprimem um valor e valores possuem uma função psicológica e nesta perspectiva, afirma que “Se quisermos ter uma visão profunda do mundo, é fundamental que nela consideremos o papel desempenhado pelos valores, caso contrário cairemos em dificuldades” (JUNG, 1985JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985., p. 9). Na dinâmica da personalidade desenvolvida por Jung (1985)JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985., que não acabe aqui ser comentada, pois o objetivo do artigo é a avaliação do desenvolvimento da personalidade moral, a consciência pessoal se compara a um prédio edificado sobre o inconsciente coletivo primeiramente e posteriormente sobre o inconsciente individual. O inconsciente coletivo não deve ser considerado em crianças, pois o fundamental na infância é a acomodação ao ambiente pela educação que fará emergir a consciência.

É na infância que se desenvolve a consciência e que os primeiros ensinamentos de moral (PIAGET, 1973PIAGET, J. Le Jugement moral chez l’enfant. Paris: PUF, 1973.) são incorporados à personalidade incipiente. No início da infância existem processos psíquicos, porém quase não há consciência, e estes não estão relacionados a nenhum eu. Aos poucos a consciência vai se formando a partir de agrupamento de fragmentos. A escola para Jung (1972)JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972. é um meio que tem a incumbência de apoiar, de modo apropriado, o processo de formação da consciência. Sendo a escola muitas vezes o primeiro ambiente no qual a criança se relaciona com pessoas além da própria família, Jung (1972)JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972. lembra que o professor precisa estar consciente de seu papel no que concerne ao desenvolvimento da personalidade da criança. Trata-se de uma função que extrapola o ensino de conteúdos acadêmicos. Ao professor cabe também “influir sobre as crianças, em favor de sua personalidade total” (JUNG, 1972JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972., p. 82). O autor também salienta o papel do professor ao afirmar que “O educador deve sempre ter em mente que pouco adianta falar e dar ordens; o importante é o exemplo” (JUNG, 1972JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972., p. 191).

Em suas explicações, Jung (1972)JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972. distingue três espécies de educação: pelo exemplo, coletiva consciente e individual. A educação pelo exemplo ocorre por meio do contato espontâneo ou inconsciente que acontece automaticamente ao observarmos e interagirmos com os exemplos dos outros. A educação coletiva consciente está centrada no aprendizado das regras, princípios e métodos. Espera-se que os indivíduos sejam formados a partir de parâmetros válidos e aplicáveis. Nesse sentido, observe-se o comentário:

Quanto maior for o número de indivíduos semelhantes, ou formado de modo semelhante, tanto maior será a força coercitiva do exemplo que atua inconscientemente sobre outros indivíduos que até então haviam resistido eficazmente ao método coletivo, quer tivesse razão ou não. Como o exemplo de massa exerce essa influência coercitiva por meio do contágio psíquico inconsciente, com o tempo isso forçara a extinção ou pelo menos a sujeição de todos aqueles indivíduos que possuírem a média normal de força do caráter individual. Se for sadia a qualidade dessa educação, pode-se esperar bons resultados no tocante à acomodação coletiva do educando. Mas, mesmo que se trate da formação coletiva do caráter, a mais ideal possível, ainda assim pode haver danos gravíssimos para a índole individual (JUNG, 1972JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972., p. 214).

Para Jung (1972)JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972., a criança se desenvolve lentamente, do estado inconsciente para o consciente, até o amadurecimento da personalidade. As primeiras experiências são as mais fortes e ricas em consequência, mesmo permanecendo inconscientes; no entanto, somente na consciência é possível se corrigir fatos, impressões ou acontecimentos. Nos pressupostos levantados por Jung (1972)JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972., ninguém pode educar para a personalidade, se não tiver personalidade. E esse é um empreendimento que se inicia na criança, objetivando o melhor desenvolvimento possível de sua totalidade ao longo de sua existência.

No âmbito da Educação Moral, este autor oferece uma contribuição para a avaliação dos processos subjetivos que se encontram imbricados na formação da personalidade. Sabendo-se que em geral as teorias da personalidade concordam que o “eu” se forma na infância e se fortalece na adolescência, torna-se urgente e necessário o acompanhamento avaliativo do desenvolvimento moral dos educandos. Para Jung (1972)JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972. o termo personalidade significa a expressão da totalidade do ser humano, a qual se torna o ideal do adulto por meio do processo de individuação.

Os termos ética e moral exigem um estudo para que se possa chegar a uma prática de consistência. Assim como ética e moral, a palavra virtude também é bastante referida. No entanto, apesar de se falar muito em ética, moral e virtude, o que se observa, na atualidade, é uma crise moral (MACINTYRE, 1984MACINTYRE, A. After virtue: a study in moral theory. 2nd ed. Chicago: University of Notre Dame, 1984.), que impede a vivência das virtudes e a aplicação dos princípios de ética. Na sociedade clássica da antiguidade grega não existia o termo moral, embora o que hoje consideramos como moral estivesse presente no conceito do Ethos da filosofia grega e fosse o fundamento da vida cultural do povo. Para a filosofia clássica, a ética representava a harmonia na sociedade caracterizada pela busca da felicidade que se realiza no bem comum e era aprendida pela praxis, não sendo imposta, mas fazendo parte de uma construção pessoal do ser humano inserido na polis. Observe-se que Aristóteles (século IV a.C. 1996) já afirmava que a finalidade de toda ação humana é alcançar a felicidade. A busca da eudaimonia, ou seja, a felicidade, no sentido aristotélico, é o caminho que todos percorrem no desenvolvimento psíquico e sociocultural, sempre visando o bem comum, como já foi citado.

2 Desenvolvimento da personalidade moral

Embora as discussões sobre ética estejam no centro de muitas instâncias sociais e haja pesquisas em escolas sobre o tema (SUCUPIRA LINS, 2015aSUCUPIRA LINS, M. J. C. Avaliação da aprendizagem de ética no Ensino Fundamental. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 23, n. 88, p. 763-790, 2015a. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-40362015000300010.
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), o que vemos hoje é uma ausência ou inversão de valores. Analisando as realidades vividas nas escolas, especificamente nas salas de aula, observa-se o cotidiano permeado por conflitos morais envolvendo valores. As instituições que mais sofreram desgastes (MARQUES, 2001MARQUES, R. O livro das virtudes de sempre. Porto: Landy, 2001.) com a crise moral instaurada foram a família e a escola.

Em uma profunda análise do significado de Educação, Sucupira (1980)SUCUPIRA, N. Ética e Educação. Presença Filosófica, v. 6, n. 4, p. 28-42, out./dez. 1980. chama a atenção para a complexidade da educação que deve ser plena, social e calcada em valores. O referido filósofo, ao refletir sobre a situação, afirma que toda educação para ser verdadeira deve partir de valores éticos.

2.1 O que são valores éticos?

Valores éticos são considerados importantes na vida do indivíduo e sua comunidade, pois manifestam princípios fundamentais, tanto na vida da pessoa como para toda a sociedade.

Os valores podem ser Universais ou Culturais. Valores universais estão vinculados a todos à humanidade, enquanto os culturais fazem referência a determinado grupo. Os valores universais estão relacionados a virtudes, que não são adquiridas pelo ensino, mas se desenvolvem por meio da educação e da prática. Desse modo, elas não são informações puramente cognitivas, mas são aprendidas e desenvolvidas pelo que Aristóteles (ARISTOTE, 1996ARISTOTE. Étique a Nicomaque. Paris: Flammarion, 1996.) denomina habitus, ou seja, elementos que não são naturais ao indivíduo, mas foram incorporados à sua personalidade, não como um condicionamento segundo a moderna palavra hábito, mas como uma nova natureza.

Para que um indivíduo possa se inclinar a legitimar regras e normas de forma autônoma, precisa que as entenda como parte de um projeto de felicidade (BRASIL, 1997BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais ética. Brasília, DF, 1997. (PCNs, v. 8).). Através das interações sociais estabelecidas pela pessoa (PIAGET, 1977PIAGET, J. Etudes Sociologiques. Paris: Librairie Droz, 1977.), desenvolve-se tanto a afetividade, como o raciocínio, sendo ambos, a base da moral.

Piaget (1973)PIAGET, J. Le Jugement moral chez l’enfant. Paris: PUF, 1973., por meio de exaustivas pesquisas com crianças, explica que o desenvolvimento do julgamento moral passa por fases: anomia, heteronomia e autonomia. Nesse sentido, a vida moral se inscreve não na obediência a normas e regras, mas na conscientização das mesmas. A criança começa a viver de forma confusa os princípios morais, daí a denominação “anomia” que significa sem regras. Com a ajuda das pessoas a sua volta, que lhe ensinam regras e mostram o que é certo e errado, o que caracteriza a “heteronomia”, passa a vivenciar a ética. Posteriormente, no final da adolescência, o sujeito deve ter incorporado as virtudes e princípios éticos, de modo que, a vida moral não será regida pela obediência a normas e regras, mas na sua conscientização, ou seja, identificada pela “autonomia”.

Uma educação para a moralidade deve objetivar o desenvolvimento da personalidade e das ações dos seres humanos. Um dos caminhos para o resgate das virtudes e valores, não só no ambiente educativo, mas na sociedade de modo geral, está nas vivências que proporcionam aos indivíduos, desde a mais tenra idade, experiências (conflitos cognitivos) que possam permitir a evolução das crianças pelos estágios da moral, construindo conceitos cada vez mais sólidos.

A desordem moral (MACINTYRE, 1984MACINTYRE, A. After virtue: a study in moral theory. 2nd ed. Chicago: University of Notre Dame, 1984.) é destacada como uma ausência de virtudes e valores éticos na sociedade, de modo que para um equilíbrio, o filósofo propõe o retorno à Aristóteles, com a devida adequação para a atualidade. Estudos sobre a formação de professores e a ética salientam a importância das virtudes no processo educativo. Um dos caminhos para o resgate das virtudes e valores éticos, não só no ambiente educativo, mas na sociedade de modo geral, está na vivência que é proporcionada aos indivíduos, desde a mais tenra idade de oportunidades de solução de conflitos morais. São as experiências que permitirão a evolução das crianças pelos estágios da moral, construindo conceitos cada vez mais sólidos e internalizados ética e afetivamente.

3 Educação infantil e educação moral: complementação necessária

Dentro da intencionalidade da função da escola, a Educação Infantil é o período que compreende o trabalho sistemático e intencional com crianças de zero a seis anos de idade. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (REFCNEI) conceitua o período como:

Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulado e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF, 1998., p. 12).

A proposta pedagógica defendida no REFCNEI (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF, 1998.) se encontra estruturada em princípios éticos, estéticos e políticos, objetivando:

Garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças” (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF, 1998., p. 18).

A partir das complexas funções da escola, particularmente para este segmento educativo, ressurge a Educação Moral enquanto processo formador do caráter, indispensável à construção da personalidade, que tem início nessa época. Compreender como as crianças adquirem e internalizam crenças e valores pessoais (COLES, 1998COLES, R. Inteligência moral das crianças. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1998.) é um processo necessário que ajuda a entender o pensamento moral na infância e permite ao professor um trabalho mais eficaz. Há na Educação Infantil um terreno fértil para o trabalho referente à educação moral nas escolas. A exploração do mundo, a dinâmica das relações e a construção do conhecimento propostos para essa faixa etária, explicitam uma pergunta constante que deve permear o fazer pedagógico: como agir para se propiciar o desenvolvimento da personalidade moral na criança?

No pressuposto de Coles (1998COLES, R. Inteligência moral das crianças. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1998., p. 5), “a inteligência moral não é adquirida apenas com a memorização de regras e regulamentos, por meio de discussões abstratas nas aulas ou na obediência às normas da casa”. Para esse autor, crescer moralmente implica na ação adequada diante das situações cotidianas. Com os fundamentos da psicologia do desenvolvimento, encontramos na infância a etapa da vida humana que compõe a estrutura e o alicerce de todas as fases subsequentes, nas esferas psicofisiológica e sociocultural. As experiências que são vividas nos primeiros anos organizam e compõem o que se chama de personalidade.

As escolhas éticas que o sujeito fará no futuro, só serão possíveis se a criança, ainda no desenvolvimento de seus esquemas mentais, interagiu com situações que possibilitassem a prática das virtudes morais e tenha chegado ao que se conhece por maturidade ética A maturidade ética não é garantida com a idade, mas precisa ser construída desde a infância.

4 Avaliação do desenvolvimento da personalidade moral

Para essa avaliação, foi utilizado o material didático “Ethos: vivendo as virtudes”, que é baseado na teoria de Kohlberg (1981)KOHLBERG, L. Essays on moral development. The Philosophy of moral development. San Francisco: Harper and Row, 1981. v. 1. de “dilemas morais”, o qual utilizava as histórias conflitantes para classificar o estágio predominante de julgamento moral. Esse material foi especialmente elaborado para esta pesquisa, é original e foi usado pela primeira vez nesta pesquisa, tendo sido registrado na Biblioteca Nacional. O kit de trabalho do Ethos objetiva a vivência das virtudes desde a mais tenra idade e está focado no desenvolvimento de quatro virtudes morais selecionadas: temperança, perseverança, justiça, amizade. Compondo esse kit há os seguintes recursos pedagógicos:

  • Pranchas de cenas: Moral da História (oito coleções de pranchas, com cinco pranchas em cada coleção, contendo cenas conflitivas moralmente);

  • Jogos de fantoches (um jogo de fantoches composto de dez personagens arquetípicos e mitológicos).

O grupo foi composto de 19 alunos na turma, todos autorizados pelos responsáveis para participar da pesquisa. As histórias trabalhadas faziam referência às virtudes selecionadas de Amizade e Temperança, Justiça e Perseverança. Os materiais foram colhidos por meio das Fichas e na expressão das respostas por desenhos e/ou textos. Segundo Bardin (2011)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011., a análise de conteúdo é feita mediante palavras indutoras que posteriormente são classificadas em categorias de análise. Foram usadas imagens indutoras como ferramentas de comunicação e representação. Os desenhos expressos nas fichas de pesquisa permitem que se entendam as respostas tanto descritiva, quanto analiticamente. As falas das crianças revelam importantes informações que enriquecem a análise da pesquisa. A análise das comunicações gráficas conflui em direção às falas das crianças presentes nas discussões feitas por todo o grupo.

O preenchimento da “Fichas Investigativas de Virtudes” foi proposto depois da história ser contada e da discussão coletiva da mesma. As respostas criadas para as “Fichas Investigativas de Virtudes” e as “Fichas de Cenas Conflitivas” permitiram avaliar o processo.

A história que precedeu o preenchimento da “Ficha Investigativa” da virtude Amizade foi “Deveres de Escola”, na qual as discussões versavam sobre o conflito entre duas ações: ajudar o colega a fazer dever ou ir brincar no recreio. O aluno AB entendeu que ajudar não seria fazer para o amigo e o aluno TH completou que ajudar é ensinar. A expressão do aluno JG “não se deve deixar um amigo para trás” foi bastante significativa, pois sintetizou as reflexões da turma sobre a cena final da história. Os desenhos e/ou frases retrataram a proposta feita aos alunos: expressar o que achavam que significava a virtude em questão.

Analisando esses dados, observa-se que das crianças presentes no encontro, 38% fizeram registros que estavam relacionados à ideia de que amizade é ajudar os amigos, representando a maioria das opiniões. A virtude amizade também foi conceituada como “amar ao próximo” por 14,3% dos investigados e a mesma porcentagem para as respostas “gostar do amigo”, aglutinadas e totalizando seis crianças. A resposta “não ignorar o outro” também foi encontrada em 14,3% das Fichas, ou seja, pode-se dizer que para os três alunos que entenderam a virtude desse modo, amizade também é gostar, o inverso da indiferença proveniente de quem ignora algo. Conceituaram a virtude amizade como “não bater no amigo” 9,5% crianças .

A virtude da amizade para Aristóteles (1996 século IV a.C.) é necessária e nobre. Observa-se nos comentários das crianças que, de certo modo, todas as respostas sobre o conceito da virtude fizeram referência à amizade de excelência, pois não se fundamentaram no utilitarismo nem no interesse, mas sim no bem dedicado ao próximo. “Ajudar o amigo”, a resposta que representou a maioria, remete à nobreza de atitude e solidariedade. As respostas “amar/gostar do amigo” e “não ignorar ao amigo” reportam atitudes de cuidado, afeição e consideração próprias do homem virtuoso que são próximas das respostas “ajudar”. Do mesmo modo, a resposta “não bater no amigo” corresponde ao respeito para com os demais.

A Ficha seguinte é de grande importância para a pesquisa, pois representa a construção moral da criança depois do trabalho pedagógico desenvolvido. Ao visualizar a cena final da história e se deparar com o conflito moral, as crianças expressaram em suas produções duas rotas de opiniões: 1. Ressignificar a cena do conflito, modificando o final positivamente; 2. Manter o conflito apresentado.

Todas as crianças, ou seja, 100% das produções, manifestaram mudança positiva no conflito final. Na história, “Deveres de Escola”, as crianças desenharam cenas em que o personagem principal foi ajudado pelos colegas de sala. As representações gráficas dos alunos apresentaram situações em que o conflito final foi resolvido de acordo com as premissas da virtude amizade, como se pode observar nas falas: “Os amigos ajudando o João” (aluno REB), “Eles estão brincando” (aluno IS) e “Eles fizeram uma amizade” (aluno LC).

A segunda história trabalhada sobre a virtude amizade foi “Brincando Juntas” na qual o conflito final confronta as crianças a se posicionarem sobre a atitude da personagem principal: brincar com todos os coleguinhas ou brincar somente com uma colega. Todas as crianças ressignificaram a cena do conflito desenhando os personagens de mãos dadas ou brincando juntos. As discussões que permearam o tema abordado nesta história foram de grande importância para o desenvolvimento moral da turma, pois apareceram alguns desentendimentos reais entre as crianças que, depois das reflexões em grupo, indicaram mudança positiva no comportamento dos mesmos. Observa-se em algumas falas como “A REB não está sendo minha amiga” (sic aluno AB) e “Eu fico triste com a AB porque ela quer mandar nos outros” (aluno BT) que existia um conflito entre os alunos, o que requisitava reflexão ética. A solução, para as divergências apontadas pela turma, aparece nas falas “Elas devem conversar e falar o que não gostam” (aluno IS) e “Elas podiam conversar de serem amigas” (aluno IG). A conclusão da turma foi que a amizade seria possível mesmo quando há desentendimentos.

Quanto às Fichas que abordaram a virtude Temperança, na “Ficha Investigativa de Virtudes” observe-se as respostas referentes ao questionamento “O que é a virtude Temperança”? Respostas: “se controlar”, “não exagerar”, “comer pouco”. As respostas relativas à controle e exagero foram aglutinadas. Apenas uma criança entendeu que temperança é “comer pouco”. Esta interpretação sugere que o aluno ficou preso ao enredo da história trabalhada antes do preenchimento da Ficha. A história “A caixa de bombom” aborda o conflito de se comer muito e passar mal. Prosseguindo, “saber se controlar” foi a resposta de 12,5%, fazendo referência a comportamentos equilibrados e por último a resposta “não exagerar” totalizou 81,25%, a maioria das respostas. Observa-se que esses dois últimos grupos compõem na realidade um só tipo de resposta, assim foram aglutinadas por entendermos que o controle está relacionado ao não exagero, representando 15 dos alunos pesquisados. Para as crianças, a expressão “não exagerar” manifesta condutas em que é possível aproveitar variadas situações prazerosas na justa medida (ARISTOTE, 1996ARISTOTE. Étique a Nicomaque. Paris: Flammarion, 1996.) (século IV a.C.), sem que se faça algo demais ou de menos. Os desenhos revelaram criativamente que, na opinião das crianças, há exagero na “comida”, “na maquiagem”, “jogando bola demais”, “ficando na janela o tempo todo”, “no penteado”, ‘na brincadeira”, “no motor”, que significa “excesso de velocidade”, “no computador”, “com as roupas”.

Todas as crianças ressignificaram positivamente a cena final da história, em que o menino passa mal por ter comido bombom demais. Os desenhos indicavam respostas que modificavam o conflito, de modo que o personagem principal pudesse dividir os bombons com outras pessoas, guardar e comer aos poucos, comer menos e não comer. As crianças fizeram referência às situações vividas por elas próprios, amigos e parentes, nas quais de alguma forma, exageraram. Foi interessante entender a partir das expressões gráficas o excesso que se pode praticar de diversas formas contrapondo-se à conduta temperante. Isto já mostra como as discussões sobre moral são pedagógicas, ricas e motivam respostas. Nesse encontro, todas as crianças aprenderam, durante a discussão, a virtude da temperança e ressignificaram positivamente o conflito final.

Outra cena demonstra uma menina que dorme na aula depois de ter visto TV até tarde da noite. Os desenhos dos alunos expressaram que a personagem principal da história poderia ver o desenho outro dia em que não houvesse aula, ver pouco e depois dormir, gravar o desenho e ver depois, ver no carro ou assistir o desenho no recreio da escola. As crianças além de compreenderem a atitude intemperante da personagem, ofereceram variadas soluções para que o conflito fosse resolvido.

Em seguida, as crianças trabalharam as “Fichas” concernentes à virtude da Justiça. 47,36% definiram justiça como “fazer o que é correto”. Estas respostas são extremamente significativas, pois se direcionam ao real conceito da virtude aristotélica. Para Aristóteles (ARISTOTE, 1996ARISTOTE. Étique a Nicomaque. Paris: Flammarion, 1996.), (século IV a.C.), ser justo é realizar gestos justos. A vida na polis, para esse filósofo, exige do bom cidadão a habilidade de governar e ser governado nos diferentes papéis que exerce, respeitando e obedecendo regras e leis. As reflexões da maior parte do grupo sobre o conceito da virtude justiça refletem um entendimento sobre a aplicação da mesma.

21,05% das crianças disseram que justiça é “punição”. Nessas respostas, para que a ação justa se concretize, é necessário punir. Essas respostas são condizentes à faixa etária dessas crianças, na qual a moral heterônoma (PIAGET, 1973PIAGET, J. Le Jugement moral chez l’enfant. Paris: PUF, 1973.) é o estágio dominante. As explicações das “Fichas” que correspondem a “ensinar/impedir o erro” totalizam 15,78% das respostas, cujos desenhos e frases expressaram a ideia de impedir o outro de praticar algo errado e leva-lo a conversar sobre as regras. As respostas “defender o outro”, “vingança” e “dividir”, correspondem a 5,26% cada uma.

Avaliando que algumas crianças não entenderam o real significado da virtude justiça, objetivou-se retomar as discussões sobre a mesma. De acordo com o Método Sucupira Lins de Pesquisa com maior comprometimento (SUCUPIRA LINS, 2015bSUCUPIRA LINS, M. J. C. Método de pesquisa-ação com maior comprometimento. Revista Eletrônica Pesquiseduca, v. 7, n. 13, p. 52-74, jan./jun. 2015b.), a responsabilidade ética do pesquisador permite que sejam feitas as intervenções necessárias com o objetivo de favorecer o processo educativo. Na apresentação de ambas as histórias: “Parque de Diversão” e “Fazendo Compras”, depois das observações da professora e da pesquisadora, todas as crianças mostraram entendimento sobre o significado da virtude. Mais uma vez se pode afirmar o quão importante é o processo formativo presente na intencionalidade educativa. É possível entender esse resultado nas respostas dadas à “Ficha de Cenas Conflitivas”.

O conflito final apresentado na história “Parque de Diversão” mostra uma menina que faz pirraça para os avós, por não querer ir embora do parque. O gráfico revela, mais uma vez, que todos os participantes ressignificaram a cena final da história de forma positiva. Os desenhos expressam que a atitude justa da neta, a personagem central, corresponderia a ir embora do parque, feliz e satisfeita, depois de ter brincado e se divertido bastante com os avós. As crianças sugeriram que a personagem voltasse outro dia ao parque, mas que naquele momento obedecer era a justa conduta.

A discussão da turma a respeito dessa história foi significativa para a construção do conceito da virtude. As crianças associaram a ação “pirraça” da narração a atitudes que também têm em sua família, como se pode perceber na fala “Eu fiz a mesma coisa quando tive que sair da piscina” (aluno AB). Ao avaliar a cena da pirraça como expectadores, os alunos além de avaliar a conduta de outrem, mesmo que fictício, identificaram internamente quais aspectos do conflito se encaixavam em suas ações. Entenderam que a atitude da personagem não era justa, principalmente pelo fato dos avós serem mais velhos. Respeito, não só por eles serem mais velhos, mas se deve a todos como forma de justiça. Também fizeram referência a profissionais como advogado e juiz, o que se observa nas falas “Chamar o advogado, tirar uma foto do carro e chamar o juiz” (EMN), e a heróis que salvam o mundo das injustiças, como citado por JG “A Liga da Justiça”.

Observe-se as respostas contidas na “Ficha de Cenas Conflitivas” sobre a história “Fazendo Compras”. Todos ressignificaram o conflito segundo a virtude apresentada. A cena final desta história mostra a mãe dando bala para ambos os filhos, o que fez bagunça no mercado e o que se comportou bem. Há dois conflitos a serem analisados pelas crianças: o fato da mãe colocar um filho no carrinho e o outro não; e dar bala para ambos os filhos, independente do comportamento deles. Sobre o primeiro conflito, três crianças se manifestaram do seguinte modo: o irmão mais velho era grande demais para ir no carrinho; a mãe não deveria ter colocado o filho menor no carrinho temático; a mãe poderia ter dividido o tempo dos irmãos no carrinho.

O segundo conflito é o principal e corresponde à cena final. Os alunos acharam que a justiça seria feita se a mãe oferecesse a bala apenas para o filho mais velho, que não havia feito bagunça no mercado, ficando o filho mais novo punido por seu mau comportamento. Esse pensamento é típico da idade das crianças que estão no período intuitivo, caracterizado pela rigidez de pensamento (PIAGET, 1973PIAGET, J. Le Jugement moral chez l’enfant. Paris: PUF, 1973.). As crianças sugeriram que a mãe e o irmão mais velho deveriam ter ajudado o personagem menor a se comportar melhor. As considerações dos alunos confluem rumo ao conceito de justiça distributiva e corretiva (ARISTOTE, 1996ARISTOTE. Étique a Nicomaque. Paris: Flammarion, 1996.) (século IV a.C.), nas quais o justo é proporcional, merecido e a igualdade deve ser restabelecida.

A virtude justiça foi, sem dúvida, a mais difícil para ser trabalhada. Das quatro virtudes selecionadas, justiça foi a única para a qual foi necessário retomar as considerações equivocadas dos alunos, mesmo depois das reflexões em grupo. Aristóteles (ARISTOTE, 1996ARISTOTE. Étique a Nicomaque. Paris: Flammarion, 1996.) (século IV a.C.) afirma que na justiça todas as demais virtudes se resumem. Para Macintyre (1984)MACINTYRE, A. After virtue: a study in moral theory. 2nd ed. Chicago: University of Notre Dame, 1984., a justiça é uma virtude central, pois necessita de todas as outras para que seja praticada. Nesta peculiaridade se situa toda a complexidade do processo educativo referente à virtude justiça. Avaliando as situações conflitivas, os alunos deveriam recorrer a outras virtudes para que pudessem escolher o final mais justo para os conflitos apresentados. As respostas apresentadas pelas crianças nas “Fichas” indicam que o direcionamento pedagógico das discussões possibilitou a reconceituação da virtude justiça. Os alunos aplicaram soluções que englobavam variados tipos de justiça, corretiva ou distributiva, de modo que pudessem se posicionar, depois do processo avaliativo, de acordo com a virtude.

Por fim, observe-se que para a virtude Perseverança, 60% dos alunos responderam que perseverar é “não desistir”; 33,33% das crianças entenderam que perseverança é tentar até conseguir e 6,66%, expressaram que perseverar é “pedir ajuda e conseguir”. De certo modo os três tipos de repostas estão interligados e fazem referência ao conceito real da virtude em questão: persistir naquilo que é difícil, no caminho do bem e da excelência. Os desenhos expressos nas Fichas mostraram imagens de crianças que alcançam seus objetivos, mesmo diante de dificuldades. As cenas desenhadas mostraram vitória e alegria em variadas atividades como pescar, andar de skate, tirar leite da vaca, andar de bicicleta, cuidar das flores, dançar, escalar uma árvore, nadar. Não houve respostas que fizessem alusão à desistência. Ao contrário, as crianças falaram de força, luta e sonho. De certo modo, podemos inferir que a participação da família, na formação dessas crianças, contribuiu positivamente para a formação inicial da identidade das mesmas e no desenvolvimento da personalidade moral. Nos alunos da pesquisa, ainda em formação psíquica, fica evidenciada a participação das famílias na educação e desenvolvimento.

A primeira história trabalhada, “a Bike”, abordou o tema de um menino que não conseguia andar de bicicleta sem rodinhas e depois de tentativas sem sucesso, desiste de aprender. 94,9% das crianças ressignificaram o conflito final positivamente. Porém, pela primeira vez em toda a investigação, um aluno manteve o conflito apresentado nesta e na história seguinte.

A história “Pontinha do Pé” mostra uma menina que dança balé, mas como não consegue ficar na ponta dos pés, desiste de se apresentar no espetáculo. Apenas um aluno manteve o conflito apresentado na cena final. É importante ressaltar que é o mesmo aluno (MN) que não conseguiu ressignificar as duas cenas apresentadas da mesma virtude, embora tenha expressado de forma adequada o conceito da perseverança: “Perseverança é uma pessoa conseguir fazer” (MN). A professora da turma relatou à pesquisadora que o aluno em questão apresenta dificuldades no processo de ensino-aprendizagem, uma postura introspectiva e triste. O aluno já está sendo acompanhado pela docente, pela psicóloga da escola e já haviam sido feitas reuniões com a família.

As demais crianças, em ambas as histórias, demostraram atitudes positivas diante dos desafios e dificuldades de modo a ressignificar o conflito apresentado como vemos na fala “Eu quero alcançar meus sonhos. Tomar coragem e enfrentar os meus medos” (JL). Os alunos relataram situações nas quais tiveram dificuldade para aprender e executar algo como patinar no gelo, andar de patins ou mesmo andar de bicicleta. O aluno LC associou a perseverança à virtude coragem, pois ela ajuda a não desistir. O aluno JG concluiu que a repetição da ação permite a realização do sonho, pois se há perseverança, não há desistência.

5 Conclusões

Esta avaliação realizada sobre o desenvolvimento da personalidade moral na criança, e agora apresentada para discussão da comunidade acadêmica, oferece elementos da maior importância para os professores. Certamente, o caminho foi apenas iniciado, pois a personalidade como um todo (ERIKSON, 1968ERIKSON, E. Identity: youth and crisis. New York: W. W. Norton, 1968.) somente estará formada no final da adolescência. É importante lembrar, que só haverá a concretização de uma personalidade, e no caso específico dessa pesquisa, da personalidade moral, na idade do jovem adulto se a construção tiver sido iniciada na infância.

É imprescindível que se tenha o conteúdo avaliado em mente para a continuidade da prática pedagógica com esse objetivo, especificamente em se tratando de questões de aprendizagem de ética, a avaliação é formativa. Todos os exercícios feitos com as crianças permitiram avaliar o progresso que faziam quanto à compreensão das virtudes. As atividades realizadas marcaram o começo do desenvolvimento da personalidade moral. Não nos esqueçamos, entretanto, das necessidades ainda apresentadas, sejam de maior concentração neste aspecto ou da própria compreensão mais precisa das virtudes, pois nessa idade isso é impossível para as crianças. Uma das conclusões fundamentais que essa pesquisa é como o professor pode efetuar as intervenções necessárias. O papel do professor no desenvolvimento da personalidade moral foi evidenciado em todos os procedimentos da presente pesquisa.

Avaliar a formação ética exige uma reflexão bem fundamenta que se impõe e para a qual essa pesquisa foi direcionada e cujos resultados estão aqui apresentados. Analisando as práticas experienciadas pelas crianças nessa pesquisa, especificamente na sala de aula, observou-se o interesse, a motivação e o empenho das crianças quanto à aquisição das virtudes propostas. O desempenho das crianças foi coerente com suas capacidades cognitivas e afetivas e mostrou que há um encaminhamento positivo para o desenvolvimento da personalidade moral.

O trabalho de avaliação do desenvolvimento da personalidade moral na criança teve como eixo principal a questão das virtudes na educação analisada por meio do material ETHOS. Esta foi a proposta das autoras, pois, é principalmente na infância que se consolidam as bases da personalidade moral. A avaliação aqui relatada mostra que é possível ao professor colaborar na formação da personalidade moral das crianças. Encontramos na infância terreno fértil para o trabalho de Educação pelas virtudes nas escolas objetivando a estruturação da personalidade moral.

O material didático ETHOS, proposto para as atividades das crianças, possibilitou uma avaliação rica do desenvolvimento dos primórdios da personalidade moral na criança principalmente pelo método de pesquisa-ação com maior comprometimento que oferece condições de conhecimento do aluno e exige a intervenção do professor como corresponsável por este desenvolvimento.

Avaliar o desenvolvimento da personalidade moral, tal como foi apresentado nesse artigo, é um pressuposto para todo educador. Na medida em que se acompanha esse processo, o que vem a se constituir uma avaliação formativa, é possível evitar cristalizações de erros e se encaminhar a criança para a consciência moral necessária à sua personalidade como um todo, incluindo nessa a moralidade.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2017
  • Aceito
    08 Jun 2018
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