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Alfabetização e letramento nas políticas públicas: convergências e divergências com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)* * O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Literacy in public policies: convergences and divergences with the Common National Base Curriculum (BNCC)

Alfabetización e instrucción en las políticas públicas: convergencias y divergencias con la Base Nacional Común Curricular (BNCC)

Resumo

Este artigo se construiu no campo das políticas públicas educacionais, que são referência para o processo de alfabetização e letramento no primeiro ciclo do Ensino Fundamental da Educação Básica – os primeiros três anos do Ensino Fundamental, no intento de localizar, se existentes, os pontos convergentes e divergentes que normatizam a práxis educativa, bem como tencionar a definição e os conceitos que esses documentos declaram sobre a alfabetização e o letramento. Realizou-se uma análise de conteúdo e documental comparativa sobre as convergências e divergências das indicações e conceitos para o processo de alfabetização e letramento existentes nas leis que regem o Ensino Fundamental, incluindo o documento preliminar da BNCC. Com os resultados obtidos na pesquisa é possível demonstrar que não existe uma afinidade entre os documentos que normatizam a educação brasileira, quando o assunto é alfabetização e letramento.

Políticas públicas educacionais; Alfabetização; Letramento; Base Nacional Comum Curricular

Abstract

This article has been constructed in the field of educational public policies, which are a reference for the literacy process in the first cycle of Basic Education - the first three years of Elementary Education, in an attempt to locate, if convergent and divergent points that normalize the educational praxis, as well as to the definition and concepts that these documents declare on literacy. A comparative content and documentary analysis was carried out on the convergences and divergences of the instructions for the literacy and literacy process in the Laws governing Primary Education, including the preliminary document of the BNCC. With the results obtained in the research it is possible to demonstrate that there is no affinity between the documents that normalize the Brazilian education, when the subject is literacy.

Public educational policies; Literature; National Common Base Curriculum

Resumen

Este artículo se construyó en el campo de las políticas públicas educativas, que son referencia para el proceso de alfabetización e instrucción en el primer ciclo de la Enseñanza Fundamental de la Educación Básica - los primeros tres años de la Enseñanza Fundamental, en el intento de localizar, si existen, puntos convergentes y divergentes que normalizan la praxis educativa, así como la intención de definir la definición y los conceptos que estos documentos declaran sobre la alfabetización y la instrucción. Se realizó un análisis de contenido y documental comparativo sobre las convergencias y divergencias de las instrucciones para el proceso de alfabetización e instrucción existentes en las Leyes que rigen la Enseñanza Fundamental, incluyendo el documento preliminar de la BNCC. Con los resultados obtenidos en la investigación es posible demostrar que no existe una afinidad entre los documentos que reglan la educación brasileña, cuando el asunto es alfabetización e instrucción.

Políticas públicas educativas; Alfabetización; Instrucción; Base Nacional Común Curricular

1 Introdução

A demanda de uma educação brasileira mais democrática e de acesso a todos os cidadãos vem sendo abordada com mais ênfase desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 (CURY, 2005CURY, C. R. J.. Lei de diretrizes e bases da educação: lei 9.394/96. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2005.), momento em que o assunto aparece nas mídias e passa a envolver professores, pais, educandos, setor econômico e sociedade em geral, mobilizando também setor público e responsáveis pela gestão da Educação. Desde então, políticas públicas educacionais, propostas curriculares e programas vem sendo criados e incorporados ao ambiente escolar com a intenção de qualificar e universalizar a educação brasileira. Percebe-se, no entanto, nas últimas décadas, que o país mantém uma cultura cíclica nos seus documentos educacionais, criando uma “[...] tradição burocrática e famosa por seu exagerado número de leis e afins, além de serem tradicionalmente volúveis [...]” (FREIRE, 2006FREIRE, P. A educação na cidade. 7. ed. São Paulo, SP: Cortez, 2006., p. 29). Essa descontinuidade das políticas educacionais demonstra a necessidade de um pensar mais atento por todos os envolvidos em favor da educação. A responsabilidade pela educação democrática e de qualidade vem ressurgindo com mais ênfase nas discussões em vários âmbitos sociais e ela precisa estar contemplada também pelas políticas educacionais.

Observando o cenário de políticas descontinuadas na educação brasileira, resultado de intensos movimentos histórico-sociais, é que se desenvolveu a pesquisa apresentada com o intento de buscar pontos convergentes e divergentes1 1 Conforme Houaiss (2009) entende-se por convergência a aproximação e o encontro de pontos em comum dos conceitos nos documentos, enquanto divergência trate do afastamento e diferenças de opinião entre eles. sobre o conceito de alfabetização e letramento nos documentos que dizem respeito à educação nacional. Tencionou-se os registros de documentos oficiais que normatizam a educação com a proposta de uma base nacional curricular através de documentos divulgados entre o período de sua anunciação e aprovação, para a Base Nacional Comum Curricular (a partir daqui, referenciada somente como BNCC).

O problema apresentado é resultado de uma inquietação pertinente com a vivência em sala de aula e a necessidade de se compreender e melhorar a prática docente, sendo que outras indagações se fazem complementares: a) O que cada documento selecionado para a análise normatiza sobre o processo de alfabetização? b) Encontramos nesses documentos pontos favoráveis para uma alfabetização na perspectiva do letramento, da formação crítica e reflexiva do educando?

A espinha dorsal que mobiliza os conceitos sobre alfabetização e letramento, dando suporte referencial para a pesquisa, é a Pedagogia Freiriana (FREIRE, 1986FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 17. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1986.; 2011) e também os conceitos de Soares (1998SOARES, M. Letramento: em tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 1998.; 2015; 2016), autores que defendem a alfabetização como processo importante na formação do sujeito e de sua capacidade, através do diálogo e da curiosidade, compreendendo o mundo e a sua realidade, sendo capaz de propor e atuar em favor de mudanças. Os autores defendem ainda que esse processo pode ser alienante ou libertador, o que implica na ação e reflexão do ser humano e na alfabetização como ato político de criação e não de memorização. Soares (1998SOARES, M. Letramento: em tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 1998.; 2015; 2016) ainda propõe o conceito de letramento como agregado ao processo de aprendizagem, um não deve acontecer sem o outro na sala de aula: um completa o outro.

2 Metodologia

Este trabalho é uma pesquisa documental que se caracteriza por “[...] uma operação ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar, num estado ulterior, a sua consulta e referenciação [...]” (BARDIN, 2009BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70, 2009., p. 45). Necessita que o observador tenha o máximo de informações (aspecto quantitativo), com o máximo de pertinência (aspecto qualitativo). Isso justifica o esforço da pesquisadora em participar dos eventos que aconteceram no decorrer da pesquisa sobre o processo de desenvolvimento e construção da BNCC. No quadro apresentamos os passos sequenciais da pesquisa:

Sobre a análise do conteúdo realizada com os documentos oficiais que regulamentam o Ensino Fundamental do país, destacamos com Moraes (1999MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999., p. 2) que essa “[...] constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda a classe de documentos e textos.” Com essa análise buscou-se conduzir através dos quadros individuais de cada documento as “[...] descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas [...]” para que essas pudessem ajudar “[...] a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum”.

Franco (2005FRANCO, M. Análise de conteúdo. 2. ed. Brasília, DF: Liber, 2005., p. 16) também colabora com a compreensão da análise de conteúdo, destacando que “[...] a análise de conteúdo requer que as descobertas tenham relevância teórica. [...] Um dado sobre o conteúdo de uma mensagem deve, necessariamente, estar relacionado, no mínimo, a outro dado.” Nesse sentido buscamos teorizar os conceitos de alfabetização e letramento com Paulo Freire e Magda Soares.

Como o objetivo principal da pesquisa caminhou lado a lado com o conceito de alfabetização e letramento, a seleção dos documentos para a análise respeitou a ideia de que seriam selecionados os documentos referentes aos três primeiros anos do Ensino Fundamental, espaço de tempo educacional responsável pelo processo de alfabetização e letramento. Portanto, a leitura se concentrou no campo das políticas educacionais direcionadas para os primeiros três anos do Ensino Fundamental, reconhecidos como o espaço ideal para se efetivar a alfabetização das crianças e fazendo um comparativo entre as informações encontradas em cada documento, a fim de buscar as convergências e divergências entre eles; e, descrever os resultados encontrados a partir de uma análise crítico-reflexiva via um quadro sinótico.

Um quadro com unidades de registro serviu para mapearmos os principais pontos relacionados com o processo de alfabetização e letramento. Após esse mapeamento, seguiu-se com a leitura e análise de cada documento, destacando os pontos de referência individual de cada um em tabelas distintas. Essas tabelas foram criadas para mapear os fragmentos de cada documento que se referenciavam diretamente ao processo de alfabetização e letramento. Para organizar esses fragmentos, os mesmos foram cruzados e uma nova tabela foi construída, agora com as informações mais relevantes de cada documento. Algumas palavras-chave2 2 As palavras-chave foram escolhidas após a primeira leitura dos documentos. Para essa escolha, levou-se em consideração a teorização que embasa os conceitos de alfabetização e letramento defendidos nesta pesquisa. As palavras escolhidas, designadas como unidades de registro, foram quantificadas em cada documento, essas palavras são: alfabetização, letramento, conscientização, diálogo, práxis/prática, educador/educando, ensino/aprendizagem. Um quadro demonstrativo, quantificando tais palavras em cada documento também foi construído durante a pesquisa e serviu de base para a construção do quadro sinótico presente nesse artigo. Os resultados encontrados foram descritos de forma individual em cada documento, e articulados de maneira que se tornou impssível apresentá-los em forma de grade, mas num quadro síntese geral. foram selecionadas para se tornar as unidades de registro das tabelas, ou seja, palavras que iriam nortear nossa busca pelos documentos.

Nessa última tabela, em que os documentos foram aproximados, foi possível perceber a inexistência de algumas unidades de registro em alguns dos documentos. Por esse motivo, nossa pesquisa foi redirecionada a uma leitura mais detalhada nos documentos, analisando os fragmentos em que se encontravam as unidades de registro e também trechos que se posicionavam sobre a alfabetização e o letramento, mesmo que indiretamente.

A pesquisa não teve como intenção a busca de um engessamento nas práxis educativas, através de um sistema operante que se articule entre as instituições de ensino e os documentos normativos. A preocupação foi de analisar os documentos com base numa compreensão de alfabetização e letramento para que, além de aprender a técnica do ler e escrever (codificar e decodificar), os estudantes tenham a autonomia de aprofundar sua leitura e seu conhecimento da realidade, utilizando-se da linguagem oral e escrita para construir suas próprias conclusões, sendo capacitados para pensar e vislumbrar possíveis transformações da realidade, sempre condizentes com o respeito à humanidade e à cidadania, ou seja, capazes de utilizar essa leitura e essa escrita no seu cotidiano social, podendo refletir sobre sua realidade, desenvolvendo sua opinião e propondo mudanças possíveis e necessárias.

A escolha dos documentos e leis foi um processo de procura, com leituras e buscas preliminares, tendo como critério de escolha os que se referenciavam diretamente à parte da educação a qual se pretendia pesquisar: o Ensino Fundamental – Séries Iniciais, que atendem as crianças de seis a oito anos de idade. Na sequência, uma leitura flutuante direcionou para uma busca ao processo de criação e elaboração desses documentos (BARDIN, 2009BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70, 2009.; FRANCO, 2005FRANCO, M. Análise de conteúdo. 2. ed. Brasília, DF: Liber, 2005.). O foco dessa análise inicial foi encontrar os documentos que estavam relacionados à etapa da alfabetização e do letramento, conforme objetivo da pesquisa, sendo assim, o processo de seleção elencou os seguintes documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN); Plano Nacional de Educação (PNE); Base Nacional Comum Curricular (BNCC), segunda e terceira versões.

3 A leitura dos documentos e o seu entorno

Para compreender os encaminhamentos, designados ou não, nos documentos selecionados para a pesquisa, necessitamos em um primeiro momento compreender o entorno que possibilitou a construção e a efetiva aprovação de tais documentos.

Portanto, compreendemos que necessitamos, primeiramente, considerar os processos históricos que foram responsáveis ou tiveram participação importante na construção e elaboração dos documentos normatizadores que encontramos vigentes hoje para a educação nacional. Nesse processo, tornou-se necessário estabelecer alguns nexos entre as políticas educacionais da realidade e as suas características históricas, bem como, o cenário ao qual foram gestadas. A legislação brasileira sobre a educação é uma das áreas que mais possui normas jurídicas no país, considerando a sua contemporaneidade. Falamos de uma legislação criada próximo do século XXI, mas com ideais que a compreendem e que foram discutidos antes mesmo do século XIX (SAVIANI, 2008SAVIANI, D. Desafios da construção de um sistema nacional articulado de educação. In: Conferência Nacional de Educação Básica, 1, 2008, Rio de Janeiro. Documento Final... Brasília, DF: MEC, 2008.).

Desse modo, no início da pesquisa foi estudado como historicamente se constituíram as políticas educacionais com a intenção de aprofundar os conhecimentos sobre o objeto pesquisado, sendo que nas leituras destacadas encontramos personagens importantes da década de 1980 do século XX, que colaboraram para essa compreensão. Brasileiros comprometidos pensando melhorias para a educação do país, partindo da realidade, e não buscando soluções internacionais que estavam dando certo em outras realidades (SAVIANI, 2011SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas do Brasil. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.).

Além dos destaques com os pensadores da década de 1980, considerada a época mais fecunda da educação brasileira, reconhecemos, também, os conceitos encontrados já em 1930 com muitos revolucionários e otimistas pela Educação, quando nos referimos ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e seus filiados com o pensamento escolanovista, que se opunha ao modelo pedagógico tradicional existente. Esse período marcado por nomes que foram importantes para educação brasileira, como é o caso de Anísio Teixeira (1900-1981), que também teve sua participação na Política educacional, Alceu Amoroso Lima (1893-1983), Florestan Fernandes (1920-1995), defensor da escola pública (AZEVEDO et al, 2010).

Em meados de 1980, percebeu-se uma transformação de ideias, consciências e utopias. Razão pela qual decidimos por trazer alguns desses autores que se dedicaram e se mantiveram atentos à educação desse período. Esse movimento, intensamente ligado aos movimentos sociais que aconteceram na época contra a ditadura militar, também foi antecessor da educação atual, bem como reflexo da educação pensada em meados de 1930, que também deixa características e ideologias marcantes, segundo nos mostra Saviani (2011SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas do Brasil. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2011., p. 402):

Uma particularidade da década de 1980 foi precisamente a busca de teorias que não apenas se constituíssem como alternativas à oficial, mas que a ela se contrapusessem. Eis o problema que emergiu naquele momento: a necessidade de se construírem pedagogias contra-hegemônicas, isto é, que em lugar de servir aos interesses dominantes se articulassem aos interesses dominados.

A apropriação de muitos ideais pensados ainda nesse período foi contribuinte para a educação que partiu da década de 1980 do século XX, vindo a transformarem-se em leis, projetos e programas. Assim, segundo Saviani (2011SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas do Brasil. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2011., p. 407):

[...] se trata de tentativas que, em seus resultados positivos, ajudam os educadores a encaminhar formas de política educacional superadoras das desigualdades; e, em seus efeitos negativos, acautela quanto às estratégias e táticas que devem ser acionadas para superar os obstáculos aos avanços preconizados.

4 O conceito de alfabetização e letramento considerado e seu espaço na educação

Assim como conhecer os processos históricos, que se fizeram presente na construção dos documentos, foi um momento necessário para compreender o entorno da presente pesquisa, também concordamos que deixar claro para o leitor qual alfabetização e letramento foi considerada como norteadora da pesquisa e também um elemento necessário, sendo que o estudo está embasado nas práticas e teorias de Freire (1986FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 17. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1986.; 2011) e Soares (1998SOARES, M. Letramento: em tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 1998.; 2015; 2016).

Já afirmava Brandão (1985BRANDÃO, C. R. O que é educação. 14. ed. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985., grifos nossos): ninguém escapa da educação. Não conseguiremos encontrar uma única forma ou modelo de educação, bem como um único lugar que ela possa acontecer, ela acontece na escola, na família, na rua. A educação é moldada pela sociedade e molda a sociedade também, ela participa na construção de um modelo de homem e é construída por esse homem. Sendo uma fração do modo de vida, a educação acontece nos grupos sociais e nestes ajuda a consolidar as transformações. Ela acontece nos mais variados lugares, não é só nas escolas, sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor. O autor ainda complementa com a preocupação de que a educação não é neutra, assim como pode melhorar as pessoas e o mundo também pode realizar o processo contrário, tudo depende da forma como é utilizada, por quem é utilizada e para quem será indicada.

Mencionando Freire (2001)FREIRE, P. Política e educação. 6. ed. São Paulo, SP: Cortez, 2001., a educação não é um processo neutro, sendo assim não pode ser desligada do processo político, ela precisa ser comprometida com a sua própria qualidade, com a qualidade de vida das pessoas, ser semeadora de igualdade, respeito e, para ser uma educação democrática, precisa respeitar a voz dos seus envolvidos na sociedade, descentralizando as decisões, democratizando o poder.

Um desafio que se apresenta nesse contexto é que a construção de uma base nacional, no que diz respeito aos anos iniciais, é que ela pode se constituir como uma perspectiva emancipatória e formadora de sujeitos críticos ou um mero instrumento de homogeneização curricular, padronizando a ação educativa dos professores em vista da preparação para o mercado de trabalho, embora todo o esforço nessa direção não deva ser rechaçada ou abandonada (ALFERES; MAINARDES, 2014ALFERES, M. A.; MAINARDES, J. Um currículo nacional para os anos iniciais? Análise preliminar do documento “Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental”. Currículo Sem Fronteiras, v. 14, n. 1, p. 243-59, jan./abr. 2014.), haja vista que consideramos a aprendizagem da leitura e da escrita uma ferramenta para a emancipação do sujeito e um elemento importantíssimo para a sobrevivência em uma sociedade letrada, torna-se fundamental para o que vem se chamando de letramento dos estudantes na escola (ROCHA; FONTES-MARTINS, 2014ROCHA, G.; FONTES-MARTINS, R. A apropriação de habilidades de leitura e escrita na alfabetização: estudo exploratório de dados de uma avaliação externa. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 85, p. 977-1000, out./dez. 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-40362014000400006
https://doi.org/10.1590/S0104-4036201400...
).

Dessa forma, não se pode mais falar em qualidade da educação, sem pensar em qualidade no processo de alfabetização e letramento. É pela leitura de mundo que o sujeito aprende a leitura da palavra, e utiliza-se desta para realizar releituras do seu mundo, sendo capaz de pensar e de realizar transformações. A leitura que permite a releitura do mundo precisa ser crítica e reflexiva, só assim, o sujeito terá capacidade de dizer a sua palavra e, dessa forma, se utilizar da linguagem oral e escrita para se pronunciar ativamente no seu contexto social como sujeito de direitos, autônomo, opinativo, transformador e construtivo (FREIRE, 2004FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2004.).

Com o processo de alfabetização, a partir dos seis anos de idade, definido pela Resolução CNE/CEB nº 7/2010 (BRASIL, 2010BRASIL. Ministério da Educação – MEC. Parecer CNE/CEB Nº 7/2010, de 7 de abril de 2010. Diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica. Diário Oficial da União, 9 jul. 2010.)3 3 A Resolução CNE/CEB nº 7/2010 fixou as diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos, a serem observadas na organização curricular dos sistemas de ensino no Brasil e aplicam-se a todas as modalidades de ensino previstas na LDB. vieram também as diferenças de informações nesse período, “tem que ensinar a ler no primeiro ano”, “o primeiro ano é a sequência da educação infantil, não se pode alfabetizar ainda”; esse processo, que apesar de ter-se iniciado ainda em 2004, concretizou-se em 2010, com a definição do Ensino Fundamental de nove anos, demorou para ficar claro entre os professores. Embora ainda não se tenha uma perspectiva coerente entre todo o território nacional, apesar de ser um processo que já estava previsto na Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (LDB)4 4 A LDB estabelece as diretrizes e bases da educação nacional brasileira, abrangendo, entre outros tópicos: princípios e fins, organização, níveis e modalidades, Educação Profissional, Educação Superior, Educação Especial, os profissionais e os recursos financeiros. e, sendo uma das metas do PNE (2001-2011), que objetiva que todas as crianças de seis anos, sem distinção de classe, fossem matriculadas na escola no Ensino Fundamental.

Em 2013, com a adesão ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)5 5 O PNAIC é um compromisso assumido entre Governo Federal, Estados e Municípios com o intuito de assegurar a todas as crianças a alfabetização até os oito anos de idade, ao final do terceiro ano do Ensino Fundamental. pelos municípios é que os professores começaram a compreender o processo de Alfabetização e Letramento, nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Algumas mudanças estavam e continuam ocorrendo no território da educação brasileira decorrentes, em grande parte, das mudanças que acometem as políticas e programas. Acompanhar essas mudanças acaba sendo uma rotina ausente nas escolas nacionais. Percebe-se também a cultura que se concretiza no terreno das Políticas Brasileiras: “[...] que, por pressões da sociedade civil, se possa chegar à aprovação de leis de interesse da população sem que [...], tais leis ganhem plena vigência [...]” (SAVIANI, 1987SAVIANI, D. Política e educação no Brasil: o papel do congresso nacional na legislação do ensino. Campinas, SP: Autores Associados, 1987., p. 3).

As mudanças já mencionadas no Ensino Fundamental deram uma nova visão para a fase de alfabetização das crianças, que passou a ser defendida em um ciclo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Para aproximar os professores alfabetizadores dessa nova normativa, o Ministério da Educação (MEC) criou um programa de alfabetização na Idade Certa, o PNAIC, ou Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, acordado entre Estado, estados e municípios.

A partir desse novo olhar sobre o tempo de alfabetização da criança, novos conceitos sobre ensino e aprendizagem foram sendo apresentados aos professores alfabetizadores, alguns foram reinventados, outros descartados. Os principais que irão acompanhar o nosso diálogo é o conceito de Alfabetização e Letramento. Faremos um breve descrito sobre ambos para ficar clara a proposta que defendemos, dialogando com o processo de ensino e aprendizagem propostos pelos documentos já citados, que normatizam a educação do nosso País.

Referenciamo-nos a Soares (1998)SOARES, M. Letramento: em tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 1998. para fazer a descrição desses dois elementos: quando nos referimos à alfabetização estamos indicando a aprendizagem e o domínio do código alfabético, ou seja, o estudante aprendeu a decodificar o código, e, com ele, a tecnologia da escrita, possui domínio sobre a escrita alfabética e habilidades para utilizá-la na leitura e na escrita. Já para o termo letramento, designamos a capacidade e competência de, além da tecnologia escrita, que o sujeito seja capaz de fazer inferências, relacionamentos com a sua realidade, através da leitura e escrita. Diz-se do sujeito capaz de ler, interpretar, produzir, opinar, argumentar e utilizar a leitura e escrita em seu convívio social. Ainda segundo Soares (1998SOARES, M. Letramento: em tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 1998., p. 47): “[...] alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita.”

Para Freire (1986)FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 17. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1986., essa relação já se fazia presente e era importante na alfabetização de adultos por ele criada, pois encontramos sua preocupação em alfabetizar para a liberdade, através de uma prática respeitosa com o alfabetizando, que respeite o seu espaço e o seu conhecimento, demonstrando a preocupação em utilizar desse princípio para promover a aprendizagem, sempre em busca da autonomia e da construção da consciência do indivíduo, do lugar que ocupa e do seu papel nessa sociedade, enquanto ser capaz de transformar.

5 Os documentos analisados

O processo de seleção elegeu três documentos da educação nacional que possuem a função de regulamentar e normatizar a educação e que se referem ao Ensino Fundamental: A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996); as Diretrizes Nacionais da Educação Básica (2010) e o Plano Nacional de Educação (2014). O momento da escolha foi propício para acrescentarmos à pesquisa os documentos que foram sendo apresentados no decorrer do caminho para se tornar um normatizador do currículo nacional. Nesse viés, analisamos também o documento preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), posteriormente quando apresentada a segunda versão e a versão final. Lembramos que a BNCC se credenciou como o mais atual regramento da educação brasileira, sendo sua terceira versão o resultado de profunda disputa política e que se encontra ainda em fase de aprovação da parte referente ao Ensino Médio (FERRETI; SILVA, 2017FERRETI, C. J.; SILVA, M. R. Reforma do ensino médio no contexto da medida provisória nº 746/2016: estado, currículo e disputa por hegemonia. Educação e Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 385-404, abr./jun. 2017. https://doi.org/10.1590/es0101-73302017176607
https://doi.org/10.1590/es0101-733020171...
), mas que prevê a regulamentação de um currículo-base para todo o território nacional, e que estava, durante a realização da pesquisa, em processo de elaboração, verificação e conclusão o que justifica a análise de mais de documento.

A BNCC, como documento mais recente, sendo apresentada para nortear o currículo educacional nacional, encontrava-se em processo de elaboração e aprovação durante a pesquisa, com poucas produções acadêmicas sobre ela (TRICHES; ARANDA, 2017). Esse processo de construção permite verificar várias posições sobre o mesmo, em alguns discursos a ditam como algo inédito, inovador e totalmente atual. Porém, não é difícil encontrar na história da educação raízes dessa concepção. Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova já mencionava a transformação em uma:

[...] ‘escola única’ se entenderá, entre nós, não como uma ‘conscrição precoce’, arrolando, da escola infantil a universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vistas de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos. [...] a unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. (AZEVEDO et al., 2010AZEVEDO, F. et al. Manifesto dos pioneiros da educação nova (1932) e dos educadores (1959). Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco, 2010. (Coleção Educadores MEC)., p. 44, 47).

A primeira proposta da BNCC, no início da pesquisa, encontrava-se disponível para consulta, análise, contribuição e participação pública. O movimento foi até o dia 15 de março de 2016 e tinha previsão de ser aprovada em junho de 2016, o que não ocorreu até o momento da conclusão da pesquisa. A necessidade de se formular uma BNCC com a participação social está sinalizada no PNE (Lei n. 13.005/2014 [BRASIL, 2014BRASIL. Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o plano nacional de educação. anexo metas e estratégias. Diário Oficial da União, 26 jun. 2014.)), em sua meta nº 7.1, e também no art. 26 da LDB (Lei n. 9.394 de 1996 [BRASIL, 1996BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.]), além de sua presença na Constituição Federal de 1988 (SENADO FEDERAL, 1988SENADO FEDERAL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.), em seu Artigo 210: “[...] serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.”.

6 Resultados alcançados na pesquisa

Os resultados alcançados através da leitura de cada documento se destacam na construção de um quadro síntese – que segue abaixo intitulado Quadro 2, onde buscamos tencionar as informações de cada documento, buscando aproximar ou distanciar cada conceito trazido sobre a alfabetização e o letramento, inclusive no que se refere à prática pedagógica. Apresentamos, a seguir, o quadro no qual buscamos sintetizar os conceitos encontrados nos documentos analisados. A através desse exercício, encontramos as possíveis convergências e as divergências dos documentos.

Quadro 2
Síntese comparativa da análise dos documentos e leis.

A análise e a discussão do texto partem do princípio de averiguar as possíveis concordâncias entre os documentos normativos nacionais no que se referem ao processo de alfabetização e letramento, dessa forma, nossa análise não poderia deixar de direcionar um olhar crítico para o cenário político em que se encontrava a pesquisa, considerando o momento de discussão e construção (2016/2017) de um dos principais documentos normativos do currículo nacional brasileiro. Lembrando que essa construção se deu em momentos distintos da política nacional, passando da participação popular, na primeira versão, e se fechando para uma versão restrita a universidades e profissionais indicados, na última versão

A partir desse quadro síntese, e após a análise individual de cada documento, foi possível destacar as seguintes convergências e divergências entre eles:

Convergências:

  • BNCC (versão final) e Diretrizes Nacionais percebem a leitura e a escrita como elementos técnicos que auxiliam a descoberta do mundo através dos conteúdos, focados, portanto, no aprendizado da leitura e escrita da palavra como elemento constitutivo da escolarização, independentemente de sua conexão com o contexto, muito menos com a intencionalidade de transformar o mundo de vivência dos alfabetizandos;

  • O tempo necessário para a alfabetização nas Diretrizes Nacionais, no PNE e na BNCC (segunda versão) é de três anos (três primeiros anos do Ensino Fundamental);

  • BNCC segunda versão e BNCC versão final concordam com o processo de interdisciplinaridade para a alfabetização e também enfatizam a aprendizagem das normas ortográficas.

Divergências:

  • Não encontramos consenso entre os documentos sobre o conceito de alfabetização, cada um deles parece estar embasado em teorias pedagógicas distintas;

  • A intencionalidade, a finalidade, e a importância do termo alfabetização não estão dialogando entre os documentos, falam de coisas distintas, a partir do mesmo termo, às vezes com proximidade e outras se distanciando;

  • O termo letramento, além de não aparecer em todos os documentos, os que o citam não acordam entre si sobre o conceito e a sua intencionalidade;

  • Conceito de leitura e escrita aparecem com diferentes expectativas e entendimento, muito aquém do que se espera para uma leitura do mundo, além da palavra, da escrita da própria história;

  • BNCC (versão final) considera até o segundo ano do Ensino Fundamental como tempo suficiente para o processo de alfabetização, enquanto os outros documentos sinalizam até o terceiro ano do Ensino Fundamental, sinalização que apareceu inclusive até a segunda versão da BNCC.

7 Considerações finais

Analisando os tópicos apresentados, pode-se dizer que as principais convergências entre os documentos são: i) a versão final da BNCC e as DCN percebem a leitura e a escrita pelo viés do aprendizado da técnica; ii) tanto as DCN, o PNE e a BNCC entendem que são necessários os três primeiros anos do Ensino Fundamental para a alfabetização; iii) a segunda e a terceira versão da BNCC convergem para a interdisciplinaridade do processo de alfabetização, mas com diferentes intensidades.

Nesse sentido, a questão de alfabetizar nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, não problematiza a diversidade e a percepção de que algumas crianças aprendem mais devagar e outras mais rápido, sendo que esse regramento devia ser um indicativo e não uma lei geral, aplicável em qualquer realidade do país.

Quanto às divergências entre os documentos, a análise ressalta: i) não há consenso sobre o conceito de alfabetização; ii) não há diálogo entre a intenção, a finalidade e a importância da alfabetização; iii) o letramento não aparece em todos os documentos e, quando aparece, não há identidade conceitual e de intencionalidade; iv) leitura e escrita aparecem com expectativas diferentes; v) a terceira versão da BNCC considera o segundo ano como tempo ideal e suficiente para a alfabetização dos estudantes.

Sobre o conceito de alfabetização, ou os elaboradores dos documentos não se preocuparam com essa questão ou, ainda, são resultado da divergência e multiplicidade teórico-políticas presente na elaboração dos documentos nacionais. O mesmo acontece com a intencionalidade, a finalidade e a importância que dão ao termo alfabetização, parecendo falar de algo distinto a partir do mesmo termo. Pode-se considerar o mesmo sobre o letramento, que não aparece em todos os documentos, possivelmente, por ser um termo mais novo, menos usual e elaborado.

A leitura e a escrita também precisam ser ampliadas, possibilitando com esse aprendizado a autonomia e o protagonismo dos alfabetizandos, dentro de uma concepção crítica, de inserção na sociedade em vista da sua transformação.

Percebe-se que a alfabetização não ganha seu devido destaque na BNCC, que prevê nortear, inclusive, a organização curricular nacional, embora seja reconhecida como elemento que tem função formativa e sua importância se estende para as demandas sociais e democráticas. O documento, que pretende planejar a educação nacional, recebe a missão de ser responsável por construir uma identidade na educação brasileira por aquele que define as diretrizes educacionais, embora esta identidade não fique clara, nem como ele vai garantir os direitos de aprendizagens. Ora despercebida, ora sendo responsável pelo processo, ora sendo responsável pela formação do sujeito e, em momento algum, vista como uma importante chave na solução dos graves problemas educacionais que abalam o Brasil. O mesmo acontece com o termo letramento, que ainda é um processo a ser construído, consenso de entendimento, pois as muitas compreensões nos documentos denunciam ainda a falta de concordâncias sobre o significado real desse elemento.

Nesse sentido, considerando a concepção de alfabetização e letramento enquanto processo carregado de conceitos e intencionalidade, de sentido e significado com o real (JARDINI, 2018JARDINI, R. S. R. Fonema ou gesto articulatório: quem, de fato, alfabetiza? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 13, n. 2, p. 839-54, abr./jun. 2018. https://doi.org/10.21723/riaee.v13.n2.2018.9496
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), enquanto elemento precursor no desenvolvimento da capacidade crítica do sujeito ativo e reflexivo, da dialogicidade e na competência de firmar a democratização, a socialização do saber, e a igualdade de seu acesso, percebe-se que o conceito, a importância, a finalidade e a intencionalidade da alfabetização acabam se perdendo pelos vieses de documentos normativos.

Fica-nos clara, ainda, a presença de uma história nacional de educação bastante conflituosa, porém, é possível observar o quanto ela já avançou e o quanto ainda podemos melhorar quando do horizonte de uma educação plena, democrática e de direitos para todos os cidadãos e cidadãs. O vislumbre dessa educação já encobria as perspectivas dos principais educadores que pensavam a educação do Brasil desde o Séc. XIX. Não é difícil localizar o papel e a influência das políticas públicas nesse processo, bem como as ideologias que perpassaram por esse processo de construção de uma base educacional comum no Brasil.

Compreendemos que a formação inicial dos educandos no ciclo da alfabetização e letramento, com uma base sólida, preocupada com a formação do sujeito, e baseada em conceitos teóricos consistentes é importante para a continuidade de sua formação na Educação Básica e para o Ensino Superior. A alfabetização é, portanto, fundamental para uma construção social justa, igualitária e com base na cidadania; e é um pré-requisito para o avanço da aprendizagem, pois possibilita que a compreensão da realidade seja concretizada, em outras palavras, quanto maior a capacidade de leitura da palavra, maior a condição de conhecer o mundo e intervir, para além de ser somente resultados numéricos de testes nacionais e internacionais (OLIVEIRA; SILVA, 2011OLIVEIRA, J. B. A.; SILVA, L. C. F. Para que servem os testes de alfabetização? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 827-40, out./dez. 2011. https://doi.org/10.1590/S0104-40362011000500006
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).

Tendo em vista que a BNCC já é um documento oficial normativo, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, aponta-se para uma multiplicidade ainda muito grande de novos estudos sobre eles, sendo nossa pesquisa uma aproximação com o documento, mas ainda existem diversas possibilidades de reflexão sobre o tema, inclusive, dado a nova configuração político-administrativa do país, que sinaliza mudanças de direção significativa das políticas educacionais que vão impactar diretamente os processos educativos nas escolas e na formação dos professores, sendo uma SEARA rica para novas investigações científicas.

Quadro 1
Passos metodológicos da pesquisa.

Referências

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  • ROCHA, G.; FONTES-MARTINS, R. A apropriação de habilidades de leitura e escrita na alfabetização: estudo exploratório de dados de uma avaliação externa. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 85, p. 977-1000, out./dez. 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-40362014000400006
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  • 1
    Conforme Houaiss (2009)HOUAISS, A et al. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2009. entende-se por convergência a aproximação e o encontro de pontos em comum dos conceitos nos documentos, enquanto divergência trate do afastamento e diferenças de opinião entre eles.
  • 2
    As palavras-chave foram escolhidas após a primeira leitura dos documentos. Para essa escolha, levou-se em consideração a teorização que embasa os conceitos de alfabetização e letramento defendidos nesta pesquisa. As palavras escolhidas, designadas como unidades de registro, foram quantificadas em cada documento, essas palavras são: alfabetização, letramento, conscientização, diálogo, práxis/prática, educador/educando, ensino/aprendizagem. Um quadro demonstrativo, quantificando tais palavras em cada documento também foi construído durante a pesquisa e serviu de base para a construção do quadro sinótico presente nesse artigo. Os resultados encontrados foram descritos de forma individual em cada documento, e articulados de maneira que se tornou impssível apresentá-los em forma de grade, mas num quadro síntese geral.
  • 3
    A Resolução CNE/CEB nº 7/2010 fixou as diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos, a serem observadas na organização curricular dos sistemas de ensino no Brasil e aplicam-se a todas as modalidades de ensino previstas na LDB.
  • 4
    A LDB estabelece as diretrizes e bases da educação nacional brasileira, abrangendo, entre outros tópicos: princípios e fins, organização, níveis e modalidades, Educação Profissional, Educação Superior, Educação Especial, os profissionais e os recursos financeiros.
  • 5
    O PNAIC é um compromisso assumido entre Governo Federal, Estados e Municípios com o intuito de assegurar a todas as crianças a alfabetização até os oito anos de idade, ao final do terceiro ano do Ensino Fundamental.
  • *
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2017
  • Aceito
    05 Fev 2019
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