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Universidades federais na pandemia da Covid-19: acesso discente à internet e ensino remoto emergencial * * In Memorian: Dedicamos este texto à nossa co-autora, Daniela Lima Ramos, falecida durante o processo da presente publicação.

Brazilian federal universities in the Covid-19 pandemic: student internet access and emergency remote Teaching

Universidades federales en la pandemia de Covid-19: acceso a internet para estudiantes y Educación remota de emergencia

Resumo

Discute-se a paralisação das atividades de Ensino nas universidades federais brasileiras quando da eclosão da pandemia da Covid-19 e em que medida a falta de acesso à internet interditaria a retomada dessas atividades de forma remota. Abordam-se estratégias político-educacionais de enfrentamento à pandemia confluentes às recomendações da OMS. Analisam-se as respostas imediatas das universidades quando as atividades presenciais precisaram ser suspensas. Apresentam-se dados da Pnad-Contínua, do IBGE, que dimensionam o tamanho do problema de acesso à internet entre estudantes da Educação Superior. Dado que 98% estão conectados, urge viabilizar internet e letramento digital aos 2% sem acesso. Não transparecem, todavia, justificativas consistentes para prolongar a interrupção das atividades de Ensino-aprendizagem. O Ensino remoto emergencial surge como caminho imediato em meio à pandemia, mas são as metodologias de Ensino híbrido que tendem a se consolidar no mundo pós-pandemia – o que, cedo ou tarde, exigirá das universidades federais brasileiras novas atitudes e estratégias.

Educação Superior; Acesso à Internet; Ensino Híbrido; Covid-19

Abstract

This article discusses the interruption of Teaching and learning activities at Brazilian federal universities at the time the Covid-19 pandemic broke out, as well as the extent to which the lack of access to the internet would prohibit remote resumption of those activities. Political-educational strategies for tackling the pandemic that are in line with WHO recommendations are addressed. Then the universities’ immediate responses to the necessary suspension of face-to-face activities are discussed. Finally, official data are reported measuring the size of the problem of internet access among higher education students. Given that 98% are connected, there is an urgent need to enable internet and digital literacy for 2% without access. However, there are no consistent justifications for prolonging the interruption of Teaching and learning activities. Emergency remote Education emerges as an immediate path in the midst of the pandemic, but it is blended learning methodologies that tend to consolidate in the post-pandemic world – which, sooner or later, will require new attitudes and strategies from Brazilian federal universities.

Higher Education; Access to the Internet; Blended Learning; Covid-19

Resumen

La interrupción de las actividades docentes en las universidades federales brasileñas se discute en el momento del estallido de la pandemia Covid-19 y hasta qué punto la falta de acceso a internet prohibiría la reanudación de estas actividades de forma remota. Se discuten estrategias políticas y educativas para hacer frente a la pandemia, de acuerdo con las recomendaciones de la OMS. Se analizan las respuestas inmediatas de las universidades cuando es necesario suspender las actividades presenciales. Se presentan datos de Pnad-Contínua, del IBGE, que miden el tamaño del problema de acceso a internet entre los estudiantes de Educación Superior. Dado que el 98% está conectado, existe una necesidad urgente de habilitar internet y la alfabetización digital al 2% sin acceso. Sin embargo, no existen justificaciones consistentes para prolongar la interrupción de las actividades de Enseñanza y aprendizaje. La Educación remota de emergencia surge como un camino inmediato en medio de la pandemia, pero son las metodologías de Enseñanza híbridas las que tienden a consolidarse en el mundo pospandémico, lo que, tarde o temprano, requerirá nuevas actitudes y estrategias de las universidades federales brasileñas.

Universidades; Acceso a Internet; Aprendizaje Combinado; Covid-19

1 Introdução

A partir de março de 2020, com a declaração do estado de pandemia em relação à Covid-19 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), gradativamente os estados brasileiros iniciaram interdição das atividades de circulação de pessoas e indicação de isolamento social. As atividades educacionais dos distintos níveis e modalidades foram suspensas em meados daquele mês, assim que os estados começaram a publicar seus decretos locais. Passadas algumas semanas, as instituições privadas, tanto da Educação Básica como da Educação Superior, a partir das orientações do Conselho Nacional e dos Conselhos Estaduais de Educação, colocaram em ação plataformas de aprendizagem nos moldes que já utilizavam na Educação a Distância (EaD). O mesmo ocorreu com as Secretarias de Educação Estaduais e Municipais em distintos graus de adesão, e em relativa diferença em relação ao setor privado.

Entre as universidades públicas, as estaduais paulistas não paralisaram as atividades. Segundo o Portal de acompanhamento da Covid-19, do Ministério de Educação – MEC, em 15 de julho de 2020, dentre as 69 Universidades Federais, 53 haviam interrompido as aulas de Graduação, 10 delas estavam realizando atividades remotas e fazendo uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e outras 6 realizavam atividades parciais ( BRASIL, 2020aBRASIL. Ministério da Educação. Coronavírus: monitoramento nas instituições de ensino. Brasília, DF: MEC, 2020a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/coronavirus/ . Acesso em: 14 jun. 2020.
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). Com relação às aulas na Pós-Graduação, 29 de tais instituições estavam com atividades suspensas, 23 com atividades mediadas por TIC, 16 com atividades parciais e 1 relatava atividades normais.

Considerando que o ano letivo já havia começado na maioria delas, o argumento prioritário de tais universidades para a suspensão das atividades de Ensino foi de que nem todos os estudantes teriam acesso à internet, nem equipamentos ou letramento digital necessário, que possibilitassem a realização de atividades remotas ( ANDIFES, 2020ANDIFES. Reitores fazem relatos sobre as experiências de ensino remoto em seminário da Andifes. Brasília, DF: Portal ANDIFES. Disponível em: https://bit.ly/2RfGfFG . Acesso em: 3 ago. 2020 2020.
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). Diferentemente do que se passou nos EUA e na Europa, onde muitas universidades migraram do Ensino presencial para o Ensino remoto em poucas semanas, as universidades federais justificaram que a limitação do acesso à tecnologia e a falta de formação docente e discente não permitiria transpor as disciplinas do Ensino presencial para o Ensino remoto. Com exceção de universidades mais concentradas em determinadas áreas do conhecimento – como as mineiras, Lavras, Alfenas e Itajubá e outras sete ( BRASIL, 2020aBRASIL. Ministério da Educação. Coronavírus: monitoramento nas instituições de ensino. Brasília, DF: MEC, 2020a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/coronavirus/ . Acesso em: 14 jun. 2020.
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) –, as demais, praticamente, suspenderam as atividades de ensino, negociando a retomada na modalidade remota a partir de agosto de 2020; ou seja, por volta de 150 dias após a suspensão e, mesmo assim, algumas delas com atividades suplementares ao calendário acadêmico originalmente planejado.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 165 países foram afetados pela pandemia da Covid-19, contabilizando 1,5 bilhão de crianças e jovens – 87% da população mundial de estudantes ( BURNS, 2020BURNS, T. A helping hand: education responding to the coronavirus pandemic. OECD: Education and Skills Today. 18 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3iw3abG . Acesso em: 8 mai 2020.
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; UNESCO, 2020aUNESCO. Covid-19: educational disruption and response. Beirut, 24 mar 2020a. Disponível em: https://en.unesco.org/news/covid-19-educational-disruption-and-response . Acesso em: 8 mar. 2020.
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). Para enfrentar esse desafio, a Unesco lançou a campanha Learning Never Stops , com a organização de um portal com a disponibilização das soluções que os países estão adotando para o enfrentamento da situação ( UNESCO, 2020bUNESCO. National learning platforms and tools. Paris, 2020b. Disponível em: https://bit.ly/2FiaTfk . Acesso em: 8 maio 2020.
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), permitindo que tais dados fossem utilizados por pesquisadores e também por formuladores de políticas educacionais nos diversos países.

No Brasil, as universidades públicas se viram em presença de dois dilemas. Em primeiro lugar, a rejeição histórica da modalidade a distância, sua baixa utilização entre elas e sua associação negativa à oferta massiva do setor privado, cuja modalidade superou, em 2019, pela primeira vez na história, a matrícula presencial dos ingressantes ( INEP, 2020INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Sinopse estatística do censo da educação superior: edição 2019. Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3chZI4g . Acesso em: 25 out. 2020.
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). Em segundo lugar, um conhecimento precário sobre as condições sociais de seus alunos, associado à dificuldade de fazer com eles contato individual. Tal situação pautou a realização de esforços durante vários meses, desde a realização de pesquisas tipo survey sobre o uso de computadores e os desafios reais sobre acesso à internet entre estudantes e docentes até o lançamento de editais e outras convocatórias para a compra de pacotes de dados e equipamentos e para cadastro de estudantes interessados na doação.

No caso da educação superior, seria realmente o acesso à tecnologia uma justificativa preponderante para a interrupção das atividades acadêmicas, sendo que desde 2019 a maior parte dos ingressantes já utilizava a modalidade a distância? Uma das possíveis explicações pode estar na baixa atenção dada a esta modalidade pelas universidades federais, mesmo tendo sido contempladas com a criação da Universidade Aberta do Brasil – UAB, por meio do Decreto nº 5.800/2006 ( BRASIL, 2006BRASIL. Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 jun. 2006. ). A despeito da implantação nacional da UAB, e mesmo do reconhecimento legal da modalidade e da criação de vasto arcabouço jurídico sobre o tema, a matrícula da modalidade a distância tem majoritariamente apresentado viés de queda na década de 2010 entre as instituições federais de educação superior – Ifes. No período desde a conclusão de importante expansão da educação superior federal, por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – Reuni, findo em 2013, as matrículas na EaD tiveram comportamento errático nesse segmento. O pico observado em 2017, quando chegaram a 101.395 ( INEP, 2018INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Censo da educação superior: notas estatísticas 2017. Brasília, DF, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3hToJlT . Acesso em: 8 jul. 2020.
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), reverteu, com um crescimento de quase 40% naquele ano em relação ao anterior, tendência de queda que vinha sendo observada. Depois disso, porém, caíram 8% em 2018 ( INEP, 2019INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Sinopse estatística do censo da educação superior: edição 2018. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3olw4xi . Acesso em: 30 jun. 2020.
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) e outros 12% em 2019 ( INEP, 2020INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Sinopse estatística do censo da educação superior: edição 2019. Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3chZI4g . Acesso em: 25 out. 2020.
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), ano em que houve 81.119 matrículas na EaD nas federais. Já no setor privado as matrículas na EaD cresceram sistematicamente ao longo da década, chegando a 2019 com um número três vezes maior do que o registrado em 2010.

O objetivo deste texto é o de questionar, a partir de um olhar sobre as universidades federais brasileiras, que concentram 95% da produção da pesquisa no país ( CROSS; THOMSON; SINCLAIR, 2020CROSS, D.; THOMSON, S.; SINCLAIR, A. Research in Brazil: a report for Capes by Clarivate Analytics. Brasília, DF: Capes, 2018. Disponível em: https://bitlyli.com/ibJuX . Acesso em: 30 abr. 2020.
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) e quase 1,5 milhão de alunos, se o acesso à internet pode ser considerado como um limitador para a continuidade da oferta de Educação na modalidade remota, nos moldes em que foi emergencialmente implantada por ocasião da pandemia da Covid-19.

Este texto está dividido em três partes, além desta introdução e das considerações finais. A primeira traça um panorama das principais estratégias adotadas na Educação a partir das recomendações da OMS, quanto às políticas de isolamento social, assim como aborda como a Educação, que já vinha apresentando processos de ampliação no uso da modalidade de EaD, acelerou a oferta de Educação Remota por meio de e-learning e outras metodologias. Na segunda parte, apresenta-se um panorama das respostas das universidades federais, que assumiram como dificuldade para a continuidade do calendário o perfil socioeconômico dos estudantes e a sua dificuldade de acesso à internet e a equipamentos necessários para a sua utilização. Na terceira parte, o texto faz uso de uma fonte de dados primária, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a Pnad-Contínua, para analisar o grau de acesso domiciliar à internet entre quem cursa uma Graduação e em que medida esse componente (ou a falta dele) inviabilizaria participação em atividades remotas de ensino-aprendizagem – pelas informações apuradas, não existem justificativas consistentes para a interrupção das atividades nos moldes do que foi verificado. Por fim, oferecemos algumas alternativas para a formulação de políticas públicas a partir da estimativa de como poderia ocorrer uma política de suporte aos que, necessariamente, estão interditados do acesso à internet, visando a continuidade das atividades de ensino. Tais considerações finais apontam para questões de futuro na medida em que a pandemia demarcará uma nova fase na oferta educativa da Educação Superior em todo o mundo. A principal delas será o uso persistente do blended learning, ou Ensino híbrido.

2 Estratégias político-educacionais de enfrentamento à pandemia da Covid-19

A OMS mantém atualizada uma timeline com as suas atividades relativas ao acompanhamento da pandemia da Covid-19; apresenta também um panorama de como a instituição foi criando protocolos de comunicação, orientação, prevenção e tantas outras ações, que foram sendo adaptadas por cada país. Vários grupos foram criados na OMS a partir de janeiro de 2020, com a finalidade de elaborar protocolos e padrões de conduta de enfrentamento à Covid-19.

A OMS também publicou documentos-guias relativos ao gerenciamento da nova doença, como: controle e prevenção da infecção, testes laboratoriais, ferramenta de revisão da capacidade nacional, comunicação de risco e engajamento social, orientação para viagens, gerenciamento clínico da doença, definições sobre vigilância de casos, até lista de produtos a serem adquiridos para a prevenção, testagem e cuidado ( WHO, 2020WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. Timeline of WHO’s response to Covid-19. Disponível em: https://bityli.com/vyIjw . Acesso em: 14 jul. 2020.
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). No período, havia uma preocupação da OMS em tornar o setor da Educação seguro para a comunidade escolar.

Em 11 de março de 2020, a OMS reconheceu que a Covid-19 havia alcançado a condição de pandemia, modificando seus protocolos de orientação. A preocupação com a saúde e as condições de prevenção, propagação, cuidado e cura, esteve sempre vinculada às condições sociais nacionais, e o seu discurso se intensificou com relação a que os governos locais assumissem a condução das políticas públicas necessárias para minimizar os efeitos da pandemia. O isolamento social, a testagem em massa e o aumento de leitos – incluindo profissionais, instalações e equipamentos – se tornaram preocupação central da OMS, além da investigação sobre origem, tratamento e vacina, com o aconselhamento também da suspensão de muitas atividades, incluindo a Educação.

Atingindo países em níveis diferentes de desenvolvimento da pandemia, tais recomendações foram seguidas de diferentes formas. No Brasil, esta variação de respostas quanto às políticas educacionais reflete as características de nossa República Federativa, que estabelece o regime de colaboração com os entes subnacionais. Gradativamente, as instituições públicas e privadas da Educação Básica e da Educação Superior também foram assumindo protocolos diversos de suspensão de atividades, em prol do isolamento social, respondendo também às decisões político-administrativas locais.

Diversos protocolos foram criados nos países, em relação à condução das políticas educacionais. A esse respeito, vale destacar um dos estudos elaborados sobre o tema pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de autoria de Reimers e Schleicher (2020)REIMERS, F.; SCHLEICHER, A. A framework to guide education response to the Covid-19 pandemic of 2020. Paris: OECD. 2020. Disponível em: https://www.hm.ee/sites/default/files/framework_guide_v1_002_harward.pdf . Acesso em: 14 jul. 2020.
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, que propõe grupos de categorias para a construção de padrões e índices para se entender mundialmente as respostas nacionais relativas, principalmente, à Educação, assim como pensar o monitoramento e as investigações futuras.

Tal estudo sugere, como primeiro grupo de categorias, relacionar as respostas imediatas das políticas educacionais em relação às políticas de saúde, investigar as parcerias locais, assim como as mudanças político-administrativas realizadas para lastrear as mudanças necessárias quanto ao período inicial de suspensão de aulas e de outras atividades.

Outro grupo de categorias a ser criado seria relativo à definição local de novos conceitos jurídicos e administrativos para respaldar as ações políticas, principalmente em relação à regulamentação do trabalho remoto e das condições para a realização do Ensino Remoto Emergencial (ERE).

Um terceiro grupo de categorias seria construído com as respostas relativas às mudanças nas questões didático-pedagógicas, de currículo, de formação de professores e, principalmente, de construção de ferramentas para a Educação Remota adequadas ao período de isolamento social e paulatina volta às atividades presenciais. Aqui também seriam categorizadas as respostas locais sobre as formas de prover acesso, equipamentos, assessoria e formação para a EaD a docentes, funcionários e discentes.

No quarto grupo, seriam categorizadas as diversas formas que os países utilizaram para a criação de redes de comunicação oficial, assim como de escuta das experiências locais e, num quinto grupo, seriam relacionados os tipos de acompanhamento, monitoramento e avaliação permanente dos processos criados ( REIMERS; SCHLEICHER, 2020REIMERS, F.; SCHLEICHER, A. A framework to guide education response to the Covid-19 pandemic of 2020. Paris: OECD. 2020. Disponível em: https://www.hm.ee/sites/default/files/framework_guide_v1_002_harward.pdf . Acesso em: 14 jul. 2020.
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).

Considerando o objetivo do presente artigo, priorizamos os conceitos presentes no terceiro grupo, descrito como bases para a discussão sobre as respostas das universidades brasileiras relativas aos primeiros meses de enfrentamento da pandemia da Covid-19.

A Educação Remota, realizada de diversas formas em conjunto com a utilização intensa das tecnologias que permitem a EaD ( ROVAI; JORDAN, 2004ROVAI, A. P.; JORDAN, H. Blended learning and sense of community: a comparative analysis with traditional and fully online graduate courses. The International Review of Research in Open and Distributed Learning, [s. l.], v. 5, n. 2, p. 1-13, Aug. 2004. https://doi.org/10.19173/irrodl.v5i2.192
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), tem se tornado uma opção adequada para o momento histórico de isolamento social como política pública de saúde adotada por diversos países do mundo.

As formas de produção e de gestão de conhecimento realizadas pela Educação Superior sofreram grandes rupturas desde o final do século passado e as questões relativas às novas formas de aprendizagem mais centradas no sujeito que aprende, assim como as metodologias ativas de ensino, que voltam com novas roupagens para ajudar a pensar as necessidades contemporâneas da Educação Superior ( TEODORO; VASCONCELOS, 2005TEODORO, A.; VASCONCELOS, M. L. Ensinar e aprender no ensino superior: por uma epistemologia da curiosidade na formação universitária. São Paulo: Cortez/Mackienze, 2005. ). No século XXI, as questões que envolvem a blended learning , ou Educação Mista ou Híbrida, estão relacionadas ao conceito de lifelong learning , ou aprendizagem ao longo da vida, e buscam superar, na Educação Superior, o lecture-based paradigm , paradigma baseado em conferências e em aulas expositivas.

Os desafios que advêm do enfrentamento da pandemia da Covid-19 obrigaram as instituições educacionais a repensarem suas atividades e a sua relação com as diversas tecnologias de informação e de comunicação, a formação para uma nova cidadania digital e as suas próprias estratégias de governança.

As universidades também se viram obrigadas a repensar suas atividades: suspendendo ações, numa primeira fase, revendo sua relação com as suas múltiplas atividades e a Educação Presencial, num segundo momento; viram a demanda pelo uso e pelo suporte da Educação Não Presencial aumentar de forma para a qual não estavam preparadas ( HODGES et al., 2020HODGES, C. et al. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educase Review, Boulder, 27 mar. 2020. ). As instituições que responderam mais rapidamente e que conseguiram instituir, de forma massiva, práticas teórico-metodológicas de e-learning , de Ensino remoto – nos níveis de Graduação e Pós-Graduação – foram as que já haviam, anteriormente, instituído tais práticas.

Para alguns autores, os conceitos de ERE e de Avaliação Remota Emergencial são mais adequados para descrever as práticas decorrentes da primeira fase de enfrentamento da pandemia, pois não se tratou, de imediato, de rever a EaD nas instituições, mas de construir respostas emergenciais para a suspensão presencial de diversas atividades. Universidades que já haviam construído ações como uso de banco de aulas virtuais, ou que já haviam incorporado o uso de dispositivos móveis às atividades de ensino, puderam repensar novos desenhos instrucionais e novas possibilidades de construção de conhecimento mais rapidamente ( HODGES et al., 2020HODGES, C. et al. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educase Review, Boulder, 27 mar. 2020. ). No entanto, as dificuldades advindas de tais mudanças também promoveram o acirramento ou fizeram aflorar problemas já latentes, exigindo a criação de novos protocolos para as questões de acesso e de permanência, como o abandono ou a evasão dos cursos ( DONOSO-DIAZ; ITURRIETA; TRAVERSO, 2018DONOSO-DÍAZ, S.; ITURRIETA, T. N.; TRAVERSO, G. D. Sistemas de alerta temprana para estudiantes en riesgo de abandono de la educación superior. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 26, n. 100, p. 944-967, jul.-set. 2018. https://doi.org/10.1590/S0104-40362018002601494
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).

A paulatina volta às atividades presenciais também se tornou uma preocupação e um objeto de investigação, pois as experiências de ações virtuais, voltadas ao ensino, estão trazendo bons resultados em muitos casos e não deverão ser esquecidas, pelo que uma das propostas em foco em todo o mundo é o do Ensino híbrido, que está mesclando, a partir de diferentes propostas, as experiências aprendidas com a primeira fase de enfrentamento da pandemia da Covid-19, às modificações no Ensino presencial.

3 Como as universidades brasileiras reagiram à pandemia da Covid-19

No Brasil, a EaD apresenta uma história que remonta ao começo do século XX, com o registro de cursos profissionalizantes por correspondência, que foram evoluindo em concomitância com a criação de novos meios de comunicação. O Ensino por rádio e por televisão inovaram a EaD, mas foram o crescimento e a popularização da internet que deram escala às atividades remotas de Ensino-aprendizagem e ampliaram as possibilidades envolvendo essa modalidade.

Amplamente investigada em todo o mundo, as questões relativas à EaD envolvem a relação da formação docente com as questões didático-pedagógicas de sua utilização. Valente e Almeida (2020)VALENTE, J. A.; ALMEIDA, M. E. B. Políticas de tecnologia na educação no Brasil: visão histórica e lições aprendidas. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, [s. l.], v. 28, n. 94, p. 1-31, jun. 2020. https://doi.org/10.14507/epaa.28.4295
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fizeram uma reconstituição das iniciativas no âmbito do MEC sobre o uso das tecnologias na Educação no Brasil e demonstraram a abrangência que tais iniciativas tiveram, tanto no sistema federal como nos entes subnacionais, envolvendo desde metodologias à distribuição de equipamentos. Embora as experiências oriundas de 30 anos de ações contínuas não tenham sido tão animadoras, demonstraram os autores que, no momento da eclosão da pandemia da Covid-19, o Brasil sustentava trajetória consistente de uso de tecnologias na Educação, embora fossem críticos da sua orientação top-down , negligenciando o papel dos professores em sala de aula. A pandemia deu sentido, em alguns contextos, a tecnologias que já estavam superadas no âmbito das atividades de Ensino-aprendizagem, como televisão, rádio e até material por correspondência.

Em 17 de março, por meio da Portaria nº 343, o MEC autorizou por 30 dias a substituição das aulas presenciais por aulas que utilizassem meios e tecnologias de informação e de comunicação. A esta Portaria, sucederam-se outras duas: a de nº 345, de 19 de março de 2020, e a de nº 473, de 12 de maio de 2020, sempre prorrogando por mais 30 dias. Por meio da Portaria nº 544, de 16 de junho de 2020, o MEC autorizou o uso das plataformas de aprendizagem até o final de 2020, excetuando-se os cursos que necessariamente demandassem atividades presenciais. O Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio do Parecer CNE/CP nº 5/2020, aprovado em 28 de abril de 2020 e homologado pelo MEC em 1º de junho, já havia flexibilizado o calendário acadêmico, desobrigando o cumprimento dos 200 dias letivos, o que também ficou assegurado na Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020, aprovada pelo Congresso Nacional e convertida na Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020.

Do ponto de vista legal, as universidades tiveram total respaldo para a migração das suas atividades, porém, com exceção de algumas universidades, o que se observou foi a decretação pelos Conselhos Superiores das distintas instituições, a partir de meados de março, da suspensão total das atividades de Ensino de Graduação e de Pós-Graduação.

Após período com as atividades de Ensino paralisadas, a maioria das universidades federais iniciou pesquisas para investigar a situação social dos seus alunos e docentes durante a pandemia. Nesse período, a criação de diversos comitês voltados à Covid-19, nas suas várias dimensões, foram instalados pelas universidades para estabelecer medidas de segurança e protocolos para um possível retorno, comitês para acolhimento de estudantes que manifestassem necessidades de assistência, comitês para o desenvolvimento de projetos de combate à pandemia e até de doação de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), além da abertura de editais para convocação de interessados em receber computadores e pacote de dados para o acompanhamento das aulas, que começaram a ser programadas para meados de agosto.

Um dos argumentos para a não retomada das atividades de Ensino residiu na realização de pesquisas para saber a real condição social dos estudantes e dos docentes. Essas consultas tipo survey investigaram a sua familiaridade com a tecnologia, seus usos e frequência de acesso e pretendiam abarcar toda a comunidade acadêmica. Porém, o índice de respostas não foi tão expressivo, abaixo de 50% no caso dos estudantes, e entre 60% a 80% entre os docentes das universidades que divulgaram seus dados, a exemplo da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ, 2020UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ. Pesquisa revela percentual de estudantes com acesso à internet. Disponível em: https://bit.ly/3tb0qGx . Acesso em: 15 jul. 2020.
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), da Universidade Federal Fluminense ( UFF, 2020UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF. Pesquisa de condições socioeconômicas e acesso a recursos remotos de estudantes de graduação presencial da UFF. Disponível em: https://bit.ly/39L4GVy . Acesso em: 23 jul. 2020.
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) e da Universidade de Brasília ( UnB, 2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB. Pesquisa traça perfil socioeconômico inédito da comunidade universitária. Disponível em: https://bit.ly/3qTilQi . Acesso em: 15 jul. 2020.
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).

No caso dos estudantes, o cadastro que cada universidade federal mantém dos seus beneficiários do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) já seria um ponto de partida mais fidedigno para mapear estudantes que demandariam suporte para viabilizar o acesso às atividades remotas de Ensino-aprendizagem. Ademais, os recursos programados para o Pnaes (R$ 1,038 bilhão no Orçamento Geral da União para 2020), segundo Siga Brasil, ( BRASIL, 2020bBRASIL. Senado Federal. Siga Brasil - Sistema de Informações sobre Orçamento Público Federal. Brasília, DF, 2020b Disponível em: https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil . Acesso em: 15 jul. 2020.
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) podem ser utilizados para inclusão digital, conforme o § 1º do art. 3º do Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa. Em julho de 2020, já passados, portanto, quatro meses da eclosão da pandemia, o MEC anunciou contratação emergencial, por meio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), de pacote de dados móveis para alunos em condição de vulnerabilidade socioeconômica ( RNP, 2020REDE NACIONAL DE ENSINO E PESQUISA – RNP. Termo de referência: contratação emergencial de pacote de dados móveis do Serviço Móvel Pessoal, para alunos em condição de vulnerabilidade socioeconômica de universidades públicas federais (Ifes) e de instituições da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica (RFEPCT) – ADC/9523/2020. Brasília, DF, 2020. ). Essa iniciativa envolveu as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), além dos Institutos Federais, dos Cefets e do Colégio Pedro II, desonerando, consequentemente, o próprio Pnaes desse encargo.

Com as atividades suspensas na maioria das universidades federais, foi sendo autorizado o retorno às atividades após longas discussões nos Conselhos de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe), em jornadas de debates que atravessaram longas horas e onde foi sendo consagrado o conceito de ERE, embora sua definição não constasse nas orientações oficiais do MEC e nem do CNE (vide pareceres CNE/CP nº 5/2020 e sua atualização por meio do CNE/CP nº 11/2020).

Uma das questões presentes nos debates dos Conselhos Superiores das universidades foi o lema: “não deixar ninguém para trás”, invocado pelos estudantes e incorporado no discurso dos dirigentes das universidades. Entretanto, em que pese a necessidade de dar condições a todos terem acesso aos meios para continuar acompanhando as aulas, as bases que sustentam a afirmação de que os estudantes das universidades públicas têm mais dificuldade de acesso ao ERE em relação aos estudantes das instituições privadas de Educação Superior, que concentram a maior parte das matrículas, parece não se sustentar pelos dados que oferecemos a seguir.

4 O acesso à internet entre estudantes da Educação Superior: estimativas a partir de dados do IBGE

Desde 2016, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aplica, no quarto trimestre de cada ano, um questionário suplementar de TIC aos domicílios visitados pela Pnad-Contínua, sua principal pesquisa amostral. Os microdados, disponíveis para download em IBGE (2000) 1 1 O download dos microdados utilizados neste trabalho é feito a partir do link , devendo ser abertas, na sequência, as pastas “Anual”, “Microdados”, “Trimestre”, para então encontrar o arquivo.zip relacionado ao quarto trimestre na pasta “Trimestre_4”. Os microdados foram importados para o software Stata 16, onde as análises foram feitas. , permitem filtrar as respostas de quem frequentava curso de Graduação no momento da pesquisa. É possível, inclusive, analisar em separado as respostas de quem frequentava Graduação em instituições de Educação Superior – IES públicas e privadas 2 2 Não é possível, contudo, separar por tipo de IES pública (federal, estadual ou municipal) e por tipo de IES privada (com ou sem fins lucrativos) – apenas entre os segmentos público e privado. . No momento em que eclodiu a crise decorrente da pandemia da Covid-19, que levou universidades federais a suspender semestres, os dados mais recentes divulgados desse questionário referiam-se a 2018.

O questionário suplementar de TIC da Pnad-Contínua de 2018 traz informações sobre 554.211 pessoas, sendo que parte das perguntas foi direcionada a pessoas de 10 anos de idade ou mais – o que reduz a amostra total, para essas perguntas, a 481.386 pessoas. Destas, 19.429 declaravam frequentar um curso de Graduação naquele ano – amostra que interessa ao presente estudo. Aplicando os pesos amostrais disponibilizados pelo próprio IBGE aos microdados divulgados, pode-se, por exemplo, chegar à proporção de estudantes e da população em geral que, no último trimestre de 2018, acessava internet em algum local (mesmo que não fosse no domicílio) e que tinha celular próprio, bem como a proporção de domicílios (e, por extensão, de seus moradores) que dispunha de conexão à internet, que tipo de conexão era essa e se havia algum serviço de rede móvel de celular, cujo sinal pudesse ser captado para telefonia ou internet dentro do domicílio. Também permitem averiguar a distribuição dessas variáveis por diversos recortes, a exemplo de gênero, cor/raça, tipo de IES, região de moradia, situação do domicílio (urbano ou rural) ou faixas de renda domiciliar per capita .

Dois fatos destacam-se de imediato quando tais dados foram analisados. Primeiro, a proporção com acesso à internet é maior entre estudantes de Graduação (99,3%) do que na média da população com 10 ou mais anos de idade (74,7%). Segundo, não há diferença significativa nesse quesito entre estudantes de IES públicas (99,0%) e estudantes de IES privadas (99,4%).

Por “acesso à internet” deve ser entendida a proporção de indivíduos que, nos três meses anteriores à aplicação do questionário, utilizou a internet em algum local (domicílio, local de trabalho, escola, centro de acesso gratuito ou pago, domicílio de outras pessoas ou qualquer outro local) por meio de microcomputador, tablet , telefone móvel celular, televisão ou outro equipamento. Em um cenário de pandemia, para além de acesso “em algum local” (que pode se tornar inviável sob imposições de distanciamento social), as atividades de Ensino-aprendizagem devem pressupor acesso, em casa, a uma conexão de internet em banda larga ou, ao menos, por sinal de rede móvel celular 3G ou 4G. Para fins de política pública, portanto, cabe mapear e descrever – da forma mais detalhada possível – a parcela de estudantes sem acesso domiciliar à tecnologia necessária para atividades remotas de Ensino-aprendizagem, inescapáveis em tempos de pandemia e, possivelmente, de recorrente uso, mesmo depois de controlada a Covid-19. Os dados do IBGE permitem fazer isso, sendo as informações sobre acesso domiciliar às TIC mais apropriadas para fins do presente estudo do que os dados sobre acesso a partir de qualquer lugar.

A Tabela 1 traz as quantidades de estudantes de Graduação sem acesso domiciliar à internet, estimadas a partir dos microdados do questionário suplementar de TIC da Pnad-Contínua 2018. Apresentam-se as estimativas para variados recortes por quatro grupos: mulheres negras ou indígenas; mulheres brancas ou amarelas; homens negros ou indígenas; e homens brancos ou amarelos. Traz as estimativas dos totais dessas pessoas da Educação Superior, destacando, em seguida, quantas delas estariam, em 2018, impossibilitadas de acompanhar atividades remotas de Ensino-aprendizagem por não terem acesso domiciliar à internet com qualidade mínima para acessar, sem maiores interrupções, conteúdos educacionais que incluam vídeos e chamadas. Incluíram-se nessa categoria tanto os estudantes de Graduação que habitavam domicílios sem acesso algum à internet quanto os que dispunham de acesso apenas por conexão discada por linha telefônica.

Tabela 1
– Perfil dos discentes de Graduação sem acesso domiciliar à internet em banda larga ou 3G/4G – Brasil 2018, por cor/raça, tipo de instituição, localização do domicílio do estudante e renda

Para se chegar aos números reportados na Tabela 1 , tabularam-se as quantidades de pessoas que frequentavam a Graduação por grupo de gênero e cor/raça, cruzando essas informações com as de tipo de IES (pública ou privada), região de localização do domicílio (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul ou Centro-Oeste), situação do domicílio (urbano ou rural) e vulnerabilidade econômica (assumiu-se como baixa a renda domiciliar per capita de até 1,5 salário mínimo, patamar mais usual para caracterizar baixa renda nos programas do MEC). Como a amostra da Pnad-Contínua é representativa para o Brasil, é possível estimar, a partir dela, o número de estudantes para cada recorte apresentado na Tabela 1 .

Necessário ressaltar, contudo, que o total de indivíduos (7,9 milhões) não coincide com o total de matrículas registradas no mesmo ano pelo Censo da Educação Superior – CES (8,4 milhões). Isto se deve a dois motivos principais. Primeiro, porque a Pnad-Contínua refere-se a indivíduos e domicílios. Um mesmo indivíduo pode ter múltiplas matrículas. Segundo, porque os números levantados a partir da Pnad-Contínua 2018 e reportados na Tabela 1 são estimativas. Não são uma contagem efetiva de estudantes. Como estimativas que são, devem ser tomadas como aproximações da realidade.

Optou-se por reportar quantidades (e não proporções) por ser intuito deste trabalho estimar número de estudantes de Educação Superior sem acesso à internet em casa para atividades remotas de Ensino-aprendizagem. Embora o trabalho busque discutir desafios para viabilizar acesso de todo o corpo discente das universidades federais em uma eventual retomada dos semestres interrompidos por conta da pandemia do novo Coronavírus, a Tabela 1 é relevante por fornecer um quadro geral do acesso à internet em casa entre estudantes de Graduação como um todo.

Vê-se, no quadro geral delineado pela Tabela 1 , que, em termos absolutos, em 2018, 155 mil estudantes de Graduação (aproximadamente 95 mil em IES privadas e 60 mil em IES públicas) não tinham acesso domiciliar à internet em banda larga ou por sinal de rede móvel celular 3G ou 4G. A exclusão digital tem cor e renda bem pronunciadas: cerca de dois terços desses estudantes eram pessoas negras ou indígenas, como também eram cerca de dois terços as que tinham renda domiciliar per capita de até um salário mínimo (SM). A “regra dos dois terços” aparece também quanto à situação do domicílio: é essa a proporção que residia em áreas urbanas. Na distribuição por regiões geográficas, a maior parte dos estudantes de Graduação sem acesso de qualidade à internet morava na região Nordeste (cerca de 40%), embora estivesse na região Norte a proporção maior de graduandos sem acesso domiciliar à internet em banda larga ou por sinal de rede móvel celular 3G ou 4G (2,0%, contra 1,1% no Nordeste, 0,6% no Centro-Oeste, 0,4% no Sudeste e 0,2% no Sul).

Conquanto sejam relativamente poucos os estudantes de Graduação sem acesso domiciliar à internet, a exclusão digital reflete e reforça desigualdades. Os estudantes mais afetados são aqueles que já se encontram em desvantagens de oportunidades em razão de condições econômicas e sociais piores do que as de alunos com acesso ao Ensino remoto. Frise-se, ainda, que a quantidade de estudantes sem acesso pode ser maior durante a pandemia do novo Coronavírus do que em 2018, momento da prospecção dos dados aqui reportados. Afinal, há quem migre para estudar, sendo de se esperar que alguns tenham regressados a seus domicílios de origem - que podem não ter as mesmas condições de acesso à internet. A dificuldade em estudar durante o período da pandemia pode ser uma fonte de ampliação da desigualdade no futuro.

Schwartzman (2020)SCHWARTZMAN, S. Acesso à internet dos estudantes de nível superior. Site e blog do Simon Schwarztman. 15 maio 2020. Disponível em: https://bit.ly/3k7yvlG . Acesso em: 8 set. 2020.
https://bit.ly/3k7yvlG...
coloca como questão central proporcionar ERE para a maioria que tem meios para acessá-lo, cabendo um trabalho adicional de suporte aos que não dispõem (por exemplo, distribuindo tablets com chips de dados). Nascimento et al. (2020) mostram que a solução assim resolveria o problema para mais de 60% dos estudantes de Graduação sem acesso domiciliar à internet. Os demais, entretanto, ainda precisariam de um local com disponibilidade de sinal de internet, pois em seus domicílios sequer chega sinal de rede móvel celular, requisito para o acesso à internet por chip de dados. Mesmo essa não seria uma dificuldade que justifique a não-retomada das atividades de Ensino-aprendizagem nas Ifes: os dados do CES apontam para uma quase universalização da cobertura de internet nos campi dessas instituições. O acesso à tecnologia – em casa ou no campus , nesse caso de maneira escalonada e ordenada para evitar aglomerações – mostra-se, assim, a questão de mais fácil remediação. A resolução completa do problema passa, outrossim, por desafios pedagógicos e gerenciais, como também por estratégias para desenvolver nos estudantes, docentes e técnicos administrativos, que necessitem, o letramento digital indispensável ao ERE.

5 Considerações finais

Adotar o ERE está configurando as respostas institucionais assumidas pelas universidades públicas brasileiras à semelhança de várias outras instituições similares em todo o mundo, em resposta aos desafios e às necessidades impostas pela pandemia da Covid-19. As questões relativas à criação de soluções para o desenvolvimento do ERE dependem do acesso dos sujeitos à internet em suas moradias, onde estão convivendo com as dificuldades individuais e familiares, laborais e culturais relativas às diversas políticas de isolamento social.

Do ponto de vista da instituição, a garantia de acesso à internet e aos equipamentos necessários aos técnicos e docentes, bem como a formação docente e discente; questões de criação, suporte e manutenção de ambientes virtuais, a gestão do conhecimento, do monitoramento e da avaliação das ações de Ensino-aprendizagem; a criação de informações novas sobre os novos processos; o gerenciamento das questões jurídico-administrativas que possibilitem e legitimem o uso do ERE; todas tornam-se questões essenciais para a sobrevivência institucional. Do ponto de vista dos sujeitos, a abertura e a disponibilidade para mergulhar em novos aprendizados, novo ritmo de trabalho e cultura organizacional, assim como o reconhecimento dos próprios limites relativos ao aprendizado de tantas novas questões, envolvendo todas as dimensões da própria vida, tornam a relação com o ERE mais difícil.

O problema de acesso à internet entre estudantes da Educação Superior é relativamente reduzido e localizado. Segundo as estimativas apresentadas neste artigo, atinge apenas cerca de 2% do universo de estudantes de cursos superiores. Recorrendo aos mesmos dados, Nascimento et al. (2020)NASCIMENTO, P. M. et al. Acesso domiciliar à internet e ensino remoto durante a pandemia. Brasília: Ipea, 2020 (Nota Técnica Disoc n. 88/2020). mostram que haveria 10% do total de estudantes do Ensino Médio, 16% do Ensino Fundamental e 14% a 15% da Pré-Escola sem acesso domiciliar à internet. Em todos os casos, enfrentar esse problema é promover equidade, pois ele atinge, sobretudo, estudantes de baixa renda, de minorias étnicas e domiciliados em regiões mais pobres do país. Assim, distribuir chips de dados e equipamentos para estudantes da Educação Superior mostra-se importante política que pode ser complementada com a abertura dos campi em horários específicos e pré-agendados para quem não consegue acesso, mesmo mediante fornecimento dos equipamentos necessários – Nascimento et al. (2020)NASCIMENTO, P. M. et al. Acesso domiciliar à internet e ensino remoto durante a pandemia. Brasília: Ipea, 2020 (Nota Técnica Disoc n. 88/2020). mostram que nem todos os domicílios dispõem de infraestrutura para acesso à internet, pois sequer captam sinal de celular.

Conhecer melhor os sujeitos que fazem parte da comunidade acadêmica e suas condições de acompanhar as propostas de ERE tornou-se uma prioridade. Saber quantos docentes e discentes necessitam de apoio institucional para ter acesso à internet, construir os ambientes virtuais e suas possibilidades de aprendizagem, possibilitar a utilização de equipamentos para sua inclusão imediata, com certeza são desafios inesperados; no entanto, estão obrigando as universidades a conhecerem melhor suas capacidades e necessidades para cumprir melhor suas missões.

Utilizar de forma mais eficiente os dados que já estão sendo construídos sobre os sujeitos que fazem parte das universidades e suas relações com a sociedade torna-se uma necessidade cada vez mais premente. Ter um melhor conhecimento sobre as condições socioeconômicas dos sujeitos é essencial para estabelecer parâmetros que auxiliem no planejamento da implantação do ERE.

As questões didático-metodológicas envolvidas em tal turbilhão de mudanças também assumem um peso central na configuração das respostas atuais aos desafios institucionais: além de assumir as vicissitudes do ERE, há que se pensar, institucionalmente, no passo histórico seguinte, pois as esperanças mundiais estão voltadas para a resolução do processo da pandemia, com a volta às atividades sociais e a mitigação do isolamento social; com a volta das atividades presenciais para os vários níveis da Educação nos países.

As questões que conduzirão as políticas educacionais para a Educação Superior tendem a incorporar o aprendizado de tudo o que foi criado no enfrentamento à pandemia da Covid-19 e nos aguardam novas investigações sobre como o Ensino presencial não prescindirá de tudo o que foi aprendido na fase do ERE, na construção de novas metodologias e práticas voltadas para o Ensino híbrido, tendo como central a figura do discente como sujeito ativo do processo de Ensino-aprendizagem.

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    Não é possível, contudo, separar por tipo de IES pública (federal, estadual ou municipal) e por tipo de IES privada (com ou sem fins lucrativos) – apenas entre os segmentos público e privado.
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    In Memorian: Dedicamos este texto à nossa co-autora, Daniela Lima Ramos, falecida durante o processo da presente publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2020
  • Aceito
    21 Jan 2021
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