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O ensino de língua portuguesa: aspectos metodológicos e lingüísticos

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

O ensino de língua portuguesa: aspectos metodológicos e lingüísticos

Rachel Pereira Lima

Mestre em Educação pela UFPR. Professor Adjunto do Dep. de Métodos e Técnicas da Educação da UFPR

O presente trabalho prentende apresentar algumas considerações gerais a respeito da ineficácia do ensino da Língua Portuguesa, utilizando-se de estudos teóricos e pesquisas realizadas, a fim de situar a complexidade dos problemas que envolvem tal ensino, focalizando, principalmente, os seus aspectos metodológicos e lingüísticos.

A insegurança na comunicação, principalmente em situações formais, demonstrada pelos escolares, a incapacidade de redação na maioria dos candidatos em concurso vestibular e a dificuldade de compreensão de textos em todos os níveis escolares constituem indicações da importância do ensino na Língua Portuguesa, cujo questionamento vem ocupando uma posição central no contexto educacional.

Essa situação faz com que os professores de Português realizem estudos e pesquisas e apresentem alternativas para melhor funcionalidade desse ensino, a partir da análise das suas deficiências.

Os profissionais da Língua Portuguesa voltam-se às ciências lingüísticas como a fonte de onde se podem inferir normas metodológicas para o ensino, que, associadas aos princípios metodológicos, permitem uma tomada de posição mais efetiva sobre o que ensinar e como fazê-lo.

Nossa interpretação é de que o fato metodológico é realmente abrangente, visto encerrar uma filosofia de educação, o pensamento de uma sociedade com peculiaridades locais em permanente e acelerada mudança, e uma teoria lingüística.

No Brasil, o ensino da língua materna tem-se desenvolvido quase somente por meio do ensino da gramática tradicional. E o pressuporto básico, nessa acepção, é de que saber a teoria gramatical equivale a saber Português.

A gramática é, portanto, colocada e vista como parte fundamental do ensino da língua. Decorrentes dessas premissa surgem as diretrizesmetodológicas: toda a teoria gramatical é sistematizada e estruturada para que o escolar a domine no processo de escolarização. Os conteúdos das oito séries de 1º grau e os das três séries do 2º grau são reunidos num conjunto compartimentado. Há, assim, onze compartimentos, cada um correspondendo a um ano letivo, complementados com exercícios dimensionados, conceitos, regras e exceções.1

Embora essa metodologia de ensino da Língua Portuguesa eivada só de gramática seja desgastante, ela é de procedimento geral em classes de 1º grau.

O posicionamento, visto assim, é fruto de uma tradição histórica, organizada numa concepção clássica do ensino da língua, trazida pelos jesuítas. Em termos concretos, essa tradição de ensino, que procurava seu aperfeiçoamento evitando qualquer alternativa, fazia com que o professor que só havia aprendido gramática, apenas gramática ensinasse, fechando assim um círculo vicioso, com poucas perspectivas de mudanças.

Esse posicionamento foi sendo reforçado e estratificado pelas principais normas legislativas. Em 1959, por exemplo, a Portaria 36, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), disciplina a adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira e recomenda seu uso no ensino programático como também em atividades que visem à verificação da aprendizagem. Nessa mesma Portaria são definidas as instruções quanto à seleção dos termos da nova nomenclatura: exatidão científica do termo; vulgarização internacional e a sua tradição na vida escolar brasileira.2 E quanto às recomendações atinentes à aplicação, destaca-se: dá-se importância a revisão da doutrina gramatical e à realização de pesquisas contínuas para detectar os erros mais comuns cometidos pela coletividade escolar, atentatórios à gramática. Se é louvável a intenção da Portaria com relação à revisão permanente da doutrina gramatical - o que nunca foi feito - e com a pesquisa dos fatos lingüísticos correntes - o que também nunca foi feito - é lamentável a concepção lingüísticasubjacente à Portaria. É uma concepção defasada da variação lingüística, vista como erros atentatórios à gramática, proveniente de um ensino monolítico, onde não se admitiam alternativas, características do ensino tradicional. Por fim, como um simples apêndice, a Portaria faz breve referência a que o ensino se subordine a um embasamento lingüístico e a uma técnica dentro da Lingüística Aplicada.

É interessante ressaltar que os únicos efeitos concretos da Portaria 36 foram a unificação da nomenclatura gramatical e o reforço da postura tradicional de reduzir o ensino de Português ao ensino da gramática tradicional. A Portaria não abre perspectivas de mudanças na orientação geral do ensino.

Apesar de a Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, ter representado um avanço em termos de legislação educacional, por dar maior descentralização ao sistema, a essência do ensino da Língua Portuguesa continuou a mesma.

A Lei 5.692/71, se bem que apresente também uma evolução do quadro da legislação, acabou por produzir uma situação extremamente paradoxal no ensino da Língua Portuguesa, quer em termos intrínsecos - contradição entre os pressupostos gerais da lei e seus desdobramentos em textos complemetares -, quer em termos extrínsecos - a contradição entre a lei e sua aplicação.

Basicamente, a legislação assume a posição de distinguir um ensino centrado no uso da língua de um ensino a respeito da língua, acrescentando que o primeiro deve preceder ao segundo. Esses dados ficam claros pela leitura do Parecer 853/71.

O artigo 5º desse Parecer afirma que nas séries iniciais, sem ultrapassar a quinta, a língua será desenvolvida sob a forma de Comunicação e Expressão, tratada predominantemente como atividade; em seguida, até o fim desse grau, sob a forma de Comunição em Língua Portuguesa, tratada predominantemente como área de estudo; no ensino do 2º grau, sob a forma de Língua Portugesa e Literatura Brasileira, tratada predominantemente como disciplina.

O artigo 4º define que nas atiivdades, a aprendizagem far-se-á principalmente mediante experiências vividas pelo próprio educando no sentido que atinja, gradativamente, a sistematização de conhecimentos (parágrafo 1º); nas áreas de estudo, formadas pela integração de conteúdos afins, as situações de experiência tenderão a equilibrar-se com os conhecimentos sistemáticos para configuração da apredizagem (§ 2º); nas disciplinas, a aprendizagem se desenvolverá predominantemente sobre conhecimentos sistemáticos (§ 3º).3

Como foi dito antes, a contradição se encontra no próprio corpo da legislação, assim como nas situações em que ela é aplicada. Quanto à legislação, a um princípio avançado - dar precedência ao ensino centrado no uso da língua - correspondeu uma aplicação tímida (facilmente percebida no art. 5º) e não coerente, como quando caracteriza os objetivos da área de Comunicação e Expressão para os alunos de 5ª a 8ª série:

Visará introduzir o aluno na simbologia lingüística, desenvolvendo suas capacidades de expressão oral e escrita, fixando as estruturas básicas da língua, conduzindo-o a uma evolução do seu pensamento reflexivo (...) permitir a expressão individual, transformando-a em linguagem organizada...

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Quanto à contradição encontrada nas situações concretas de aplicação da lei, pode-se recorrer aos estudiosos da legislação. Mesmo aos que chegam à conclusão da pertinência de tal legislação, não deixam de enfatizar que, apesar de a legislação abrir um campo para a precedência do ensino do uso sobre a sistematização da língua, muito pouco se fez, concretamente, nesse sentido.

Aryon Rodrigues, comentando a Resolução 853/71, fornece explicação dessa situação de contradição entre a realidade e a lei quando diz:

Na prática escolar até agora mais freqüente dá-se, por exemplo, que a preocupação prematura e exagerada com a função metalingüística vem a perturbar e mesmo inibir o desenvolvimento das demais funções: não só o excesso de atenção e de tempo destinados, já nas primeiras séries do 1º grau, a falar a língua restringe, senão elimina as oportunidades de cultivar qualquer outra função lingüística, mas ainda a apresentação insistente e de forma inadequada de modelos conflitantes com a competência lingüística dos alunos acarreta nestes um verdadeiro complexo de incompetência lingüística, que tende a bloquear o exercício de todas as demais funções da linguagem.

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Foram vistos, até aqui, dois fatores que dificultam avanços na metodologia do ensino da Língua Portuguesa: de um lado, a quase exclusividade do ensino de gramática - fruto da tradição trazida pelos jesuítas - e, de outro, as contradições internas e externas da legislação.

Poder-se-iam acrescentar outros fatores como a grande defasagem entre as ciências da linguagem e o ensino de Português e, por fim, a grande defasagem entre as práticas realidades decorrentes, principalmente, das transformações pedagógicas e os desafios colocados à escola pelas novas geradas na socidade brasileira pelo intenso processo de industrialização.

Dessas transformações surgiu um conjunto de problemas que constitui um desafio aos professores que buscam uma diretriz mais funcional ao ensino.

Numa sociedade conservadora, a grande responsabilidade do professor era preparar a criança para essa sociedade. O instrumental a ser usado já fora experimentado e aprovado por gerações, restando apenas adotá-lo. Era característica dessa época a apresentação de produtos feitos e acabados, assim como a memorização. Surgiram, então, as transformações sociais decorrentes da industrialização. Seus valores começaram a passar pelo crivo de uma forte e contínua crítica e muita rejeição.

Despontaram, assim, as novas formas de vida, as alternativas coexistentes, as minorias. Perdeu a existência o homem-modelo de uma sociedade conservadora e estóica. O modelo está sendo cada dia repensado. (Observe-se que se trata de uma análise de tendências e não de fatos. Os fatos estão eivados de contradições das duas tendências, o que faz com que o papel do professor sofra também essas contradições).

Nesta sociedade, cabe ao professor a tarefa de levar a criança a saber questionar, a criar novos modelos. Para essa nova função, se o professor continuar a trabalhar com o mesmo instrumental, sentir-se-á fatalmente insatisfeito, seja porque ciente das mudanças, percebe-se defasado em sua formação, seja porque, indiferente ao processo inovador, continua a visar um modelo anacrônico cujo resultado nulo tem efeito frustrador para suas aspirações profissionais.

Um dos resultados do processo peculiar de desenvolvimento da sociedade brasileira e latino-americana é a situação sócio-econômica de sua população, distribuída em uma pirâmide cujo cume se está tornando cada vez mais alto mais fino e cuja base se torna cada vez mais alargada. Uma das conseqüências dessa situação é o analfabetismo e a marginalização cultural. Sem dúvida, o analfabetismo tende a desaparecer à medida que se resolvem os problemas sócio-econômicos. No entanto, a maneira como é visto o analfabetismo tem repercussões variadas no desenrolar da questõa sócio-econômica e educacional.

Se o analfabetismo é considerado desligado da questão sócio-econômica ou causador dela (desde a simples afirmação de que pobre é fruto de sua ignorância, até a mais sofisticada, de que essas pessoas são marginalizadas e tendem a praticar desajustes sociais por falta de instrumentalização cultural), parte-se, em geral, para a aplicação da teoria compensatória (como se fez em diversos locais, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o próprio governo a adotou), julgando-se que "dando cultura" a essas populações resolver-se-iam seus graves desajustes. Essa posição é traduzida, na prática, pelo menosprezo da escola aos valores das crianças oriundas das faixas marginalizadas da população, menosprezo esse que será uma das razões de seu fracasso escolar. Críticas de ordem teórica e empírica foram levantadas contra tal posicionamento. *

Se o analfabetismo for encarado como conseqüência da situação sócio-econômica, e é assim que o entendemos, outro será o sentido e o valor do ensino de Português. Poderá desempenhar papel importante na medida em que cria condições para que as crianças possam ampliar seu universo de comunicações como perspectiva de situar-se melhor em meio aos conflitos decorrentes de sua situação sócioeconômica. A leitura ganha valor à medida que ela é caminho para novas informações, para aprendizagem de visões diferentes do mundo.

A leitura passa a ser instrumento de libertação para a pessoa interpretar, refletir, formar-se, conscientizar-se. O mais importante da leitura, nesse enfoque, é que ela nos torna pensadores, pois irá instrumentalizar o indivíduo para uma compreensão mais ampla do seu mundo e para a comunicação.

Dessa forma, a escola ganha novo sentido, o professor já não é a única fonte de informação.

Outro desafio para o ensino de Português é a extensão social dos mais variados meios de comunicação, em decorrência dos avanços tecnológicos das últimas quatro décadas. O indivíduo está cercado, por todos os lados, pela força dos meios de comunicação, força essa que motiva as diretrizes da vida, que implusiona, que faz aparecer interesses e necessidades.

E, nesse campo, os veículos de comunicação marcam presença: seja pelo número de horas absorvidas pela assistência aos programas de TV, seja pela gama infindável de opções no campo das publicações. O trabalho do professor de Português ganha realce em face dessa situação, visto o aluno precisar adaptar-se criticamente a ela, desenvolvendo a capacidade de maior compreensão dessas formas de comunicação e evitando ser um receptor passivo: ele precisa discutir a mensagem postando-se ativamente diante das situações criadas.

Um último dado a ser considerado é o fato de a língua Portuguesa ocupar posição de destaque na escola de 1º e 2º grau, isto por ser a disciplina base das outras matérias de estudo, pois é

veículo de todos os conhecimentos que a escola proporciona: fala-se e lê-se em português ao discutir sobre matemática ou estatística, sobre ciências naturais ou químicas. Tudo reconduz ao português a todo momento da vida escolar. O ensino de português é, por assim dizer, uma espécie de

educação permanente

instalada na forma de todas as disciplinas.

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Se o indivíduo não conhece bem a Língua Portuguesa, não pode aprender adequadamente aquilo que deseja. Se não aprende, não assimila e, por outro lado, torna-se incapaz de elaborar um pensamento lógico.

No entanto, tudo o que vimos discorrendo sobre ensino da Língua Portuguesa só se trornará efetivo se as suas finalidades forem reexaminadas e seus métodos revistos a partir de teorias recentes formuladas e que fornecem uma compreensão mais abrangente do fenômeno lingüístico. Dessa forma esse ensino assume, nos seus multiaspectos, importância e novas perspectivas; e, na discussão das formas que ele pode assumir, é essencial uma fundamentação científica, abandonando-se a gramática tradicional como centro de ensino.

Diante das inter-relações da língua com todos os aspectos da vida do indivíduo, fica claro que o ensino não pode restringir-se à gramática tradicional e que as alternativas deverão encontrar caminhos para a prática da abrangência. Esse caráter abrangente é decisivo na metodologia do ensino da Língua Portuguesa e resulta na necessidade de se analisar o descompasso entre a investigação teórica da linguagem e a fundamentação do ensino de Português.

Observou-se, até aqui, que no Brasil o ensino da Língua Portuguesa, apesar da sua importância e multiaspectos, tem-se conduzido quase somente por meio da gramática tradicional, sendo isso responsável por grande parte do insucesso dos alunos na aprendizagem da língua materna e da falta de segurança na comunicação.

Os próprios lingüístas nos seus estudos já não utilizam tal gramática como modelo analítico, salvo criticamente, como ponto de partida para outros modelos mais coerentes e abrangentes.

O ensino la Língua Portuguesa só pode ser desenvolvido a partir de uma reflexão sobre a própria noção de língua e pela análise da situação lingüística em que todo o indivíduo está envolvido.

Isso implica dois aspectos:

1) entender o domínio da língua não apenas como um saber sobre ela, mas primordialmente como o domínio de um conjunto de habilidades de uso da língua em cada situação;

2) aplicar princípios la Lingüística na metodologia do ensino de línguas.

Os estudos atuais procuram descartar, sobremaneira, não só o aspecto sistemático e criativo da linguagem, mas também a adequação realizada em cada momento do ato lingüístico. A tendência é a de superar reduções excessivas praticadas em momentos precedentes na investigação e integrar aspectos complementares decorrentes da justa avaliação das dimensões social e individual dos usos como centrais e determinantes.7

Paralela às teorias e procedimentos da Lingüística surge a Lingüística Aplicada, como disciplina científica, que é o ponto de convergência de uma multiplicidade de investigações de alguns setores das ciências sociais, pedagógicas e didáticas de línguas.

A aplicação da Lngüística implica uma compreensão das coordenadas e dos termos que configuram o ato verbal e do complexo de funções nele inseridas.

Compreende-se, desta forma, que o ensino da língua deve estar associado a uma ciência que é a Lingüística. Contudo, repensar o ensino de língua como fundamento na Lingüística não significa introduzir diretamente, nas escolas de 1º e 2º graus, as formulações teóricas mais recentes; nem se trata de realizar um exercício meramente mecânico de passar as conclusões teóricas para a atividade pedagógica; é, isto sim, desenvolver uma pedagogia de Português a partir de se assumir uma ou outra ou várias das diferentes teorias lingüísticas. É um trabalho indireto e, por isso, interdisciplinar.

Uma compreensão mais rica do fenômeno lingüístico - fornecida pelas formulações teóricas - será o suporte para a definição de novas diretrizes para o ensino.

A lingüística aplicada ao ensino de línguas absorverá os aspectos centrais que decorrem do conhecimento científico da natureza e funcionamento da linguagem e das línguas, da sua aquisição e domínio por parte de um falante, do papel que desempenham no seio das comunidades, e suscitará que informem a didática, constituindo-se em instrumento de configuração, de equacionamento e também de resolução de problemas que atingem esta área de atividade.

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Também não é o caso de introduzir uma terminologia nova - oriunda das teorias lingüísticas - nas gramáticas tradicionais e no ensino - como tem ocorrido com certa freqüência - e pensar que se está com isso produzindo uma mudança qualitativa no ensino de língua.

O ponto crítico do ensino de Português tem sido a ênfase unilateral ao estudo da teoria gramatical. Nossos alunos passam onze anos nas escolar e, freqüentemente, o que lhes é apresentado é apenas metalíngua - conceitos, regras, exceções.

Em estudos realizados sobre a gramática tradicional, FARACO acentua que

a língua continua a ser vista de modo cristalizado: para as gramáticas tradicionais só existe uma língua portuguesa (aquela prevista por elas); as variantes lingüísticas, em geral, são vistas como formas erradas, condenadas, não recomendáveis, uma espécie de corrupção da língua verdadeira, pura.

Tem-se a impressão que a língua é um fenômeno homogêneo e imutável no tempo: os fatos que as gramáticas apresentam são, em geral, arcaicos.9

Entre os motivos apresentados como contrários ao ensino da teoria gramatical, destacamos dois: primeiro, o fato de que é possível dominar a língua sem conhecer-lhe a teoria gramatical, como acontece na aquisição da língua pela criança; segundo, o fato de que a teoria gramatical ensina nas escolas é bastante imprecisa, defasada em relação às mudanças ocorridas na língua.

Concluímos, então, que não se pode restringir o ensino da Língua Portuguesa ao ensino da teoria gramatical.

Mas, além de ter feito pouco esforço no sentido de criar uma lingüística aplicada ao ensino de Português, com suas naturais conseqüências para a formação do professor de 1º e 2º graus (basta lembrar que as normalistas não tem nenhuma formação lingüística), há um outro problema que afeta esse ensino, a saber: a falta de descrições razoáveis da língua portuguesa nas modalidades em que ela é falada aqui no Brasil, o que dificulta a orientação do seu ensino.

RODRIGUES afirma que uma das tarefas da Lingüística no Brasil é a investigação do nosso idioma e que há necessidade de se analisar ou reanalisar a língua portuguesa de um ponto de vista puramente descritivo.10

A esse respeito ISAURA HIGA se pronuncia colocando a necessida de que

em todos os recantos de nosso país sejam feitas pesquisas lingüísticas que venham contribuir de forma prática para elaboração de uma descrição da língua nacional que servirá de ponto de partida à atualização do ensino de nossa língua materna.

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Se, de um lado, uma descrição melhor da língua nos vai fornecer um panorama mais atualizado dela - e poderemos trabalhar nas escolas com uma língua menos arcaica e mais próxima das experiências e necessidades de nosso alunos -, será também de utilidade adiantar diretrizes gerias para o ensino da língua como base na aplicação de uma teoria que nos fornceça uma noção mais abrangente dessa língua, vista não apenas como um sistema formal, mas também como um sistema de opções comportamentais.

Em relação ao ensino de línguas, dois grandes objetivos podem ser esclarecidos. Se entendermos língua como um sistema de opções comportamentais, o objetivo será desenvolver nos alunos as habilidades de expressão e compreensão de mensagens verbais: o uso ou apropriação da língua, em situações sociais concretas de intercâmbio lingüístico. Se encarada como objeto de estudo - um sistema a ser identificado e descrito - o objetivo passará a ser o conhecimento consciente do sustema lingüístico, saber a respeito da língua. A ênfase num ou noutro caracteriza um ensino prático ou mais teórico.

Deve-se ressaltar, contudo, que a ênfase dada a um deles não exclui o outro, e que no ensino de 1º grau deve predominar o desenvolvimento das habilidade de comunicação sobre a aquisição de conhecimentos a respeito da língua, uma vez que outros conhecimentos a respeito da língua só podem ser desenvolvidos nos alunos a partir de um bom domínio da mesma por parte deles.12

Um modelo lingüístico aplicável ao ensino deveria, segundo LOBATO, englobar, além dos elementos propriamente lingüísticos, principalmente outros aspectos tais como o contexto lingüístico dos falantes e as variações no uso da língua pois dominar uma língua significa dominar, além das regras de boa formação de frases, os princípios e condições de utilização adequada dessas frases num dado contexto lingüístico e numa dada situação de comunicação.13

Essa abordagem tem merecido, recentemente, especial atenção dos sociolingüístas e, nesse campo, os estudiosos têm dado maior destaque ao aspecto sócio-semântico das opções lingüísticas que caracterizam a heterogeneidade do uso da língua entre uma determinada população.

Um das linhas diretrizes desta investigação reside na tentativa de integração, na descrição lingüística, de considerações referentes aos contextos social e cultural em que tem lugar o uso. Essa posição é atualmente assumida, com particular vitalidade, por HALLIDAY, que se preocupa não apenas em propor um modelo estático das estruturas lingüísticas, mas, também, em mostrar como estão integradas no sistema lingüístico as possibilidades funcionais da língua: para ele a língua é o que é pelas funções que desempenha, Em suma, para ele não há distinção entre estrutura e uso, estando ambos interligados.

Tendo em vista os aspectos acima apresentados, a adoção da teoria lingüística de HALLIDAY parece relevante para a reformulação do ensino da Língua Portuguesa, à medida que HALLIDAY, tomando por base uma visão sociolongüística peculiar, amplia as concepções correntes de língua, passando a entendê-la como um sistema de opções comportamentais. Conseqüentemente, essa concepção possibilitará uma nova metodologia, mais dinâmica para o ensino vernáculo.

NOTAS DE REFERÊNCIA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1 FARACO, Carlos Alberto. As sete pragas do ensino de português. Construtura, Curitiba, 3(2):5-11, out. 1975.
  • 2
    BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Portaria nº 36/59. Cópia xerox.
  • 3
    CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 853/71 de 12 de nov. 1971. Fixa o núcleo comum para os currículos do ensino do 1º e 2º graus e a doutrina do currículo na Lei 5.692. In: HABILITAÇÕES profissionais no ensino de 2º grau. Brasília, Ed. Expressão e Cultura, 1972. p.71-3.
  • 4 BOYNARD, A. P. et. alii. A reforma do ensino: Lei 5.692. São Paulo, Lisa/INL, 1975, p.177.
  • 5 RODRIGUES Aryon. O ensino da língua materna: alguns objetos e alguns problemas. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, 19., Mogi das Cruzes, jun. 1978. Anais: Estudos Lingüísticos, I., Mogi das Cruzes, 1978. p.27.
  • 6 GENOUVRIER, Emile & PEYTARD, Jean. Lingüística e ensino de português Coimbra, Livraria Almedina, 1974. p. 17.
  • 7 FONSECA, Fernanda & FONSECA, Joaquim. Pragmática lingüística e ensino de português Coimbra, Livraria Almedina, 1977. p. 39-40.
  • 8 FONSECA & FONSECA, p. 23.
  • 9 FARACO, Carlos Alberto. Apontamentos sobre a gramática tradicional s.n.t. mimeo.
  • 10 RODRIGUES Aryon. Tarefas da Lingüística no Brasil. Estudos Lingüísticos, São Paulo, 1(1):6, jul. 1966.
  • 11 HIGA, Izaura. Aspectos gramaticais da expressão escrita Porto Alegre, 1976. 67 p. anexos n.p. Dissertação, Mestrado, Universidade Católica do Rio Grande do Sul. p. 1.
  • 12 SOARES, Magda. O ensino do português no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL PARA A INVESTIGAÇÃOE ENSINO DO PORTUGUÊS, 1., Lisboa, 1976. Actas Lisboa, 1977. p.18.
  • 13 LOBATO, Lúcia. Teorias lingüísticas e ensino do português como língua materna. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, (53/54):4-47, abr. set. 1978. p. 8.
  • BOYNARD, A. P. et. alii. A reforma do ensino: Lei 5.692. São Paulo, Lisa/INL, 1975.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Portaria nº 36/59. Cópia xerox.
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  • ______. As sete pragas do ensino de português. Construtura, Curitiba, 3(2):5-11, out. 1975.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1985
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