Acessibilidade / Reportar erro

"De la alfabetización a la educación para todos: el decénio crítico (1990-1999)"

RESENHAS

Resenha bibliográfica: "De la alfabetización a la educación para todos: el decénio crítico (1990-1999)"

Rejane de Medeiros Cervi

Professora Titular do Departamento de Planejamento e Administração Escolar e Doutora em Educação Comparada pela Universidade de Barcelona

O volume mundial - um bilhão de seres em situação de total desescolarização -, e os múltiplos aspectos do analfabetismo, fizeram, deste tema, um desafio político de máxima envergadura. Tal é, que, a ONU, no desempenho de seu papel de agente articulador universal, acolheu, em dezembro de 1987, a pauta anual apresentada por sua filial institucional educacional - a UNESCO, adotando, para 1990, a chamada "Ano Internacional da Alfabetização" (AIA).

A definição do AIA abriu espaço para empenhos e abordagens de origens variadas, que, na pluralidade alcançada, favoreceram o avanço de sua compreensão comparativa, ora particularizando, ora universalizando, muitas das questões.

O desafio que foi assumido em escala mundial pelos Estados-Membros da UNESCO, de maximização de esforços para a erradicação do analfabetismo, está sendo enfrentado, neste ano, com reuniões específicas (a de Fontiem, na Tailândia, a 42ª Sessão da Conferência Internacional de Educação, a Jornada Internacional da Alfabetização, entre outras), com aplicação de recursos financeiros, prêmios e outras iniciativas destinadas a consolidar e atualizar o saber teórico e prático sobre o tema.

Integrando essas iniciativas, a Revista Perspectiva, da UNESCO, publicou um "dossier" sobre a alfabetização e a educação para todos, enquadrando-o no contexto do "decênio crítico" que ora se instala (1990-1999).

A dezena de Artigos ali veinculada situa o sentido da alfabetização no quadro de uma estratégia política, culturalmente plural e de iniciativa não exclusivamente governamental. Esta diversificação das contribuições propicia uma exploração temática bastante útil porque rica, crítica e oportuna.

Há razões fortes, pois, para uma revisão intensiva da literatura disponível, donde se quer justificar a leitura dos Artigos que integram aquele "dossier": "La alfabetización de adultos: de los conceptos a la aplicación", de H. S. BHOLA; ?La alfabetización para qué? Pluralidad de enfoques culturales", de H. P. GERHARDT; "Políticas y práticas en materia de alfabetización", de H. HInZEN; "La alfabetización de la muier: en busca de justicia", de L RAMDAS; ?Quién se beneficia del analfabetismo?, de Y. KASSAM; "El coste social y económico del analfabetismo", de A. M. THOMAS; "Las campañas de alfabetización: balance y consecuencias", de J. C. CAIRNS; "El reto de la educación básica para todos", de M. AHMED e G. CARRON e "Alfabetización: el papel de las organizaciones no gubernamentales", de B. L. HALL (In Perspectivas. Paris, UNESCO, Vol. XIX, nº4, 1989 (72), 515-626).

Nos Autores em foco, a questão da açfabetização está particularmente voltada aos adultos e à exploração de seu sentido político. E, neste ângulo, é visível a atuação da UNESCO, matriciando as definições programáticas em todos os países. A verdade, que não pode ser esquecida ou refutada, põe em relevo a ação progressista do período pós-guerra das políticas internacionais ocidentais, de um lado, e, de outro, o esforço de adaptação e desdobramento conceitual do Terceiro Mundo, no combate ao analfabetismo.

Ao considerar as circustâncias específicas, regidas por valores também específicos, o "expert" indiano HARBANS S. BHOLA faz menção ao talento particular das nações independentes frente às intenções (não necessariamente conspiratórias) da UNESCO, de submeter o mundo a um processo de desanalfabetização.

Para ele, o desenvolvimento da educação é permeado pelo filtro da política educacional, entendida, esta, como expressão de critérios de distribuição dos bens culturais.

Assim, tais critérios seriam diferenciados por cinco tipos de intenções: intenção de alcançar universalidade e continuidade, de alcançar um mínimo indispensável, de realizar um pluralismo estrutural, de ter utilidade e/ou de corresponder ao interesse popular. Ou seja, respectivamente: (1) a educação deve ser alcançar todos os aspectos de vida e todos e cada membro das distintas sociedades que integram a comunidade mundial; (2) deve-se perseguir uma educação necessária para a concretização de uma existência humana decente; (3) deve haver liberdade das estruturas e formas de educação e do direito de ensinar e aprender; (4) deve-se garantir uma absorção prática das aquisições no contexto imediato da vida e do trabalho; e, por fim, (5) a educação deve promover o atendimento de interesses que sejam individuais, sejam coletivos, da população. A identificação e a interpretação das difrenças de critérios dão oportunidade a uma lição comparada indiscutivelmente interessante.

Por outro lado, se bem que os critérios que regem as políticas de alfabetização estejam submetidos a inteções e valores distintos em cada realidade, reconhece-se que podem não ser contraditórios. Aliás, mais do que isso, eles podem convergir para pontos mutuamente compatíveis e até complementares. Por aí o caráter frutífero de um estado comparado que racionalize um processo de aprendizagem e aproveitamento da experiência alheia.

Uma análise mais adequadadas intenções e critérios políticos, em sua expressão cíclica, sugere a associação crítica de três componentes ou categoria conceituais: os valores objetivos da alfabetização do indivíduo, os imperativos da organização geral da sociedade e a sua reprodução ao longo da história. Dentro desta compreensão, HEINZ PETER GERHARDT, Professor fa Universidade J. W. Goethe, em Francfurt, utiliza o modelo histórico da ONG (1971, 1982) para dar visibilidade à relação existente entre (a) as competências e os conceitos cuja aquisição acompanha a alfabetização e (b) as regras práticas concretas da leitura e da escrita tal como ocorrem em distintas sociedades e que foram levadas por STREET (1984). Afinal, GERHARDT quer subsidiar a questão que lhe parece mais essencial: "para que serve aprender a ler e escrever?"

A resposta, para GERHARDT, deve ser tomada em cada contexto cultura e em relação aos segmentos dos analfabetos e dos funcionários ou responsáveis, de um lado, em relação à ótica das organizações internacionais, de outro. Em suas conclusões, o Autor acaba por recomendar cuidado particular às investigações empíricas sobre a alfabetização com vistas à identificação mais exata possível do caráter específico dos interesses e necessidades que permeam ou poderão permear os programas de alfabetização para o melhor ajustamento às expectativas tanto de eficácia quanto de satisfação dos grupos envolvidos nesse processo.

As considerações introduzidas pelos Artigos de BHOLA e GERHARDT têm ligação íntima com as demais reflexões integrantes do "dossier". Assim, HERIBERT HINZEN, Sub-Diretor do Departamento de Cooperação Internacional da Associação Alemã de Educação de Adultos, baseado na argumentação da existência de um "continuum" de modos de comunicação (interação e integração estreitas entre o escrito e o oral na civilização contemporânea) e convencido de que "ninguém tem a informação e os conhecimentos necessários para tratar com a devida profundidade e competência todos os problemas relacionados com a alfabetização e a oralidade de milhares de grupos étnicos e lingüísticos, nem com seus contextos sociais e culturais", resolve questionar definições, estatísticas e o próprio significado da linguagem bélica utilizada contra o analfabetismo, a função causal da alfabetização, as esperanças e promessas dos alfabetizandos, as necessidades, o entorno e o respeito ao educando.

A importância da contribuição de HINZEN está imediatamente relacionada ao caráter experiencial de suas reflexões, às distinções que identifica e analisa e às indicações que dirige às estratégias de cooperação internacional no campo da alfabetização.

Na seqüência o "dossier" traz a abordagem de LALITA RAMDAS, Diretora de projeto de Alfabetização organizado pela Sociedade para Alternativas em Educação (ANKUR) e o Ministério de Educação da Índia. Aqui ela trata da inserção problemática que a igualdade de direitos e oportunidades suscita em relação à mulher.

RADMAS revê a posição da mulhes nas estatísticas mundiais da população analfabeta, o que faz construir uma investigação-reivindicatória de justiça social para esta categoria. Retoma, a questão do patriarcado e do feudalismo remanescentes em muitas sociedades e outros dispositivos estruturais que oprimem e subjulgam a mulher. A Autora trata, sobretudo, de estabelecer uma relação entre as definições de alfabetização e as definições de justiça (pergunta-se: "acaso a exigência de justiça da mulher é distinta da do homem?") e a possível reciprocidade entre alfabetização/não alfabetização com a emancipação/submissão femininas.

Nesta linha de destaques e diferenciações das funções da alfabetização, outro Autor, YUSUF KASSAM, oriundo da Tanzânia e Diretor de Programa junto ao Conselho Internacional de Adultos (Toronto), incrementa a discussão buscando explicitar a relação da alfabetização com o desenvolvimento. KASSAM conduz o seu raciocínio sob a premissa de que a alfabetização é um objetivo realizável e de que seus benefícios para o indivíduo e a sociedade são garantíveis, o que leva a indagar sobre "o que impede que cada adulto seja alfabetizado?"; Afinal, questiona: "de que problema se trata: de recursos ou de um problema político?".

KASSAM encaminha suas respostas dentro do entendimento de que "o efeito mais ptofundo, amplo e importante da alfabetização na vida do ser humano é sua capacidade de conferir poder. Saber ler e escrever", diz ele, "significa libertar-se das cadeias da dependência...". Por isso, o problema da alfabetização é um problema essencialmente político. E, neste enfoque, a questão cultural é secundária, pois considera desejável a generalização da alfabetização para mudar as relações existentes de poder a partir da superação das estruturas existentes, com a redistribuição das riquezas e dos recursos, seja em escala internacional, nacional ou local.

Integrando o rol dos destaques políticos do "dossier" sobre a alfabetização, está a contribuição da canadense AUDREY M. THAMAS, Membro do Comitê Consultivo de Alfabetização do Ministério de Educação Superior e de Formação de Pesssoal da Colombia Britânica. Esta Conselheira direciona seus argumentos sobre a dimensão econômica dos custos do analfabetismo e de suas políticas de superação. Situa, para tanto, a questão do analfabetismo nos países industrializados e sua (apenas aparente) desimportância. Sua argumentação parte do enunciado de que "a alfabetização capacita, enquanto o analfabetismo paralisa". Para ela, o impacto do analfabetismo interpretação dos custos não só econômicos mas humanos do analfabetismo. Em decorrência de suas descobertas, a Autora abre duas vertentes para a política de alfabetização sob o ângulo econômico esboçado - uma preventiva e outra corretiva, decidindo-se partidária da ação preventiva, a menos custosa em todos os sentidos e em termos futuros.

Os três últimos Artigos apresentados no "dossier" em pauta, de autoria de JOHN C. CAIRNS, Consultor sobre o Desenvolvimento de Recursos Humanos junto à Agência Canadense de Desenvolvimento Industrial, MANZOOR AHMED e GABRIEL CARRON, de Bangladesh, Representante da UNICEF na República Popular da China, o primeiro, e belga integrante do Instituto Internacional de Planejamento da Educação da UNESCO, o segundo, e BUDD L. HALL, canadense que responde pela Secretaria Geral do Conselho Internacional de Educação de Adultos, dirigem-se a uma dissertação prospectiva da alfabetização, partindo de um balanço do passado e de suas conseqüências para o futuro, até chegar a uma proposta articulada do que vai ser chamado de "uma educação básica para todos".

CAIRNS reconhece que o exercício de levantamento e julgamento do passado não está isento de riscos apenas em razão da limitação dos dados, estudos e avaliações disponíveis, mas principalmente pelas limitações e diferenças adstritas à própria definição de alfabetização. Contudo, acredita na viabilidade de um balanço em função da abundância das experiências neste campo.

Em sua volta analítica ao passado, o Autor retoma os determinantes das grandes campanhas de alfabetização do século XX, situando-as, em grande escala, enquanto expressão da época pós-colonial. Identifica os objetivos de afirmação nacional em todas as campanhas de alfabetização. Entre as aproximadamente cinqüenta campanhas levadas a efeito entre 1950 e 1970, destaca as da China, de Cuba e do Vietnam, as quais considera como efetivamente exitosas. E, ao interpretar, genericamente, os fracassos alcançados pelas demais campanhas, chama a atenção pata a dicotomia bastante freqüente entre os objetivos nacionais gerais e as necessidades e motivações individuais dos adultos-alvo das intervenções.

Mas, se no âmbito nacional as campanhas têm esse corolário de afirmação política, na esfera internacional CAIRNS põe em relevo a referência de validação do conceito de alfabetização como "elemento fundamental do desenvolvimento sócio-econômico", absorvido a partir de 1965, por ocasião do Congresso de Teheran, pelo Programa Experimental Mundial de Alfabetização (PEMA).

Esse marco conceitual serve à seleção das experiências que CAIRNS relata em seu Artigo: a aplicação do PEMA na Tanzânia, na Nicarágua e na Etiópia. Desta revisão recolhe "lições" de valor universal, sem deixar de mencionar, complementarmente, o MOBRAL (Brasil), programa que impressionou o mundo todo por sua escala (e, cá entre nós, sugeriu um orulho discutível pela mesma razão) e estrutura.

AHMED e CARRON repassam a atuação das organizações internacionais, que, reconhecem, tem sido sistemática e nada condescendente com relação ao analfabetismo. Dirigem sua reflexão ao propósito de "uma educação para todos", acrescentando ponderações ao sentido dessa batalha deflegrada pela UNESCO, UNICEF, BANCO MUNDIAL e PNUD, inclusive motivo principal de uma Conferência Mundial em 1990.

É preciso considerar, alertam esses Autores, que o mundo vive um período de recessão e de ajustes econômicos que fatalmente incidem sobre aspectos humanos do desenvolvimento. Por tal razão, segmentos sociais desfavorecidos vão merecer medidas especiais de proteção. Porém, a educação básica universal, ao mesmo tempo que atende a todos os segmentos, constitui requisito indiscutível e indispensável para um processo de desenvolvimento eficaz e eqüitativo.

Para os Autores, entretanto, ainda resta uma pergunta: "em que forma pode se dar significação e conteúdos práticos ao objetivo geral e de certo modo abstrato de alcançar uma educação básica para todos antes do fim do século?". Na busca de cosistência para uma constetação plausível, AHMED e CARRON revêem a amplitude do conceito de educação básica para todos, comprometida a critérios qualitativos de rendimento e de redução da desigualdade, classificam as estratégias de execução da educação básica universal em duas vertentes - a do ensino primário, destinado às crianças, e a dos programas de alfabetização de adultos, ressaltando, por fim, a exigência da mobilização de recursos consideráveis.

O fechamento do "dossier" com o Artigo de HALL, oportuniza, após um ligeiro julgamento sobre a evolução dos empenhos voltados à alfabetização, a visão do perfil da criase atual - econômica e financeira - existente tanto nos países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos. Reconhece uma relação entre as limitações governamentais e a emergência e ascensão das organizações não governamentais (ONG). E, considerando as características destas últimas (prioridades próprias, vinculação a movimentos populares, etc.) vislumbra a pertinência de um novo coneito de relações que incluam a possiblidade dos governos, dos organismos voluntários de desenvolvimento e das estruturas de educação popular, de superarem as inúmeras características que as diferenciam para que se possa por em prática programas de objetivos comuns, isto é, voltados a proporcionar a alfabetização para todos.

O "dossier" resenhado constitui um manancial de questões geradoras de novas investigações, porquanto as colocações feitas não esgotam a problemática da alfabetização, nem no que se refere à sua conceituação. Basicamente, restou da revisão do tema: a necessidade de conceituar "alfabetização" e "oralidade"; a necessidade do enquadramento cultural do problema da alfabetização e o tratamento político que lhe é inerente; a necessidade de reconhecer a oposição não necessariamente maléfica da ação fomentadora internacional e da resolução local com autonomia, no que se refere à alfabetização. Ou, em menos palavras: os mitos, sobre a alfabetização, devem ser analisados e transcedidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1989
Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: educar@ufpr.br