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A função educadora e a dimensão ética da natureza: indagações para uma proposta curricular

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A função educadora e a dimensão ética da natureza: indagações para uma proposta curricular

Ademar Heemann

Professor do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, Universidade Federal do Paraná

O problema

A interrogação diminui o nosso sentimento de certeza sobre como as coisas são, e aumentam o nosso conhecimento de como elas podem ser.

Russel

No exame da dimensão axiológica da natureza, pretendo dialogar com o discurso naturalístico a respeito dos valores éticos em face de sua importância na dimensão de modelos do comportamento humano. Presumo que a compreensão da problemática contida neste diálogo implica na análise tanto das recorrências naturalistas da legitimação da ética como da própria origem e desenvolvimento ontogenético do senso moral.1 1 HEEMANN, A. Natureza e ética: Dilemas e perspectivas educacionais. Curitiba: Ed. da UFPR., 1993. p.143.

Este intento está em consonância com o projeto mais abrangente da Universidade comprometida com a filosofia de atuação dos Programas Governamentais de incentivo à interdisciplinariedade no trato do ambiente e de sua apropriação.2 2 Cf. PADCT - II. Subprograma de Ciências Ambientais - CIAMB. Doc. Básico. out. 1990. Para tanto, a Universidade Federal do Paraná se propõe a implantar cursos de pós-graduação amparados em metodologias interdisciplinares, contexto onde se insere a presente proposta curricular.

Indagações

Quais os fundamentos da tese que estabelece o "século XXI como o século da mudança do paradigma econômico para o paradigma ecológico?

Qual o papel da educação no processo de reconhecimento de valores?

Sob que referencial teórico pode ser compreendido o processo contemporâneo de valorização da natureza?

Como é possível legitimar uma ética da sobrevivência?

Quais as implicações éticas do discurso naturalístico contemporâneo sobre a origem da moralidade?

Quais as recorrências contemporâneas ao conceito de natureza para a fundamentação ou justificação dos princípios éticos?

Quais os fundamentos do discurso naturalista para a transmutaçãode um valor factual (natureza) para um valor ético?

É possível o convívio emtre moralidade legal e a valorização da natureza?

Qual o referencial epstemológico e a dinâmica curricular de um novo curso que contempla a questão do meio ambiente sob uma perspectiva psicossocial?

Justificativa

Relevância operativa

Torna-se oportuna e relevante a implementação desse projeto em face das pespectivas de geração de novos conhecimentos e possibilidades de intercâmbio com instituições do país e do exterior que desenvolvem atividades congêneres.

Com relação ao aspecto teórico, o projeto acena com adições ao conhecimento, beneficiando a Instituição Universitária devida à aplicabilidade do saber adquirido, nos cursos de graduação e pós-graduação.

Relevância contemporânea

Essa investigação ajusta-se plenamente ao estado atual do problema ético-ambiental, respondendo a uma necessidade da época. Está inserida entre as prioridades dos Planos Governamentais, pois, como apregoa o Subprograma de Ciências Ambientais do PADCt - CIAMB.3 3 PADCT. p.1.

Urge buscar e implantar uma nova ordem econômica-social. Isso necessariamente, pressupõe cooperação humana fundada numa éticade sobrevivência. Esta tarefa só podera ser cumprida com a conjugação de certos fatores: consciência social, vontade política. Disponibilidade de conhecimento científico e geração de tecnologias adequadas.

Relevância Humana

A temática ambiental numa concepção mais abrangente completa o problema da saúde, da miséria, da pobreza cognitiva e fatores da injustiça. Por sua vez, a reflexão axiológica como processo emancipatório beneficiaria o homem, pois desenvolve aquelas atitudes próprias da autonomia moral em que o indivíduo reconhece valores e compreende as relações mútuas entre ele e o meio circundante.

Procedimentos metodológicos

Esquema operacional

O esquema opreracional dessa invetigação consiste dos seguintes procedimentos básicos:

- Delimitação das questões de pesquisa.

- Discussão com interlocutores e reajustes na investigação.

- Encontros de trabalho com estudiosos de temas específicos.

- Análise dos programas curriculares de outras instituições.

- Análise de documentos, relatórios e publicações representativas na atualidade.

- Análise de conteúdos.

- Elaboração de relatórios para as áreas acadêmicas (proposta curricular aos cursos de pós-graduação e outras comunicações).

Esses procedimentos se assentam no processo de construção teórica de um paradigma para compreender e explicar a questão ambiental. Os pressupostos conceptuais dessa construção e subjacentes na execução da pesquisa são comentados a seguir.

Esquema Conceptual

Tal construção tem como marcos de referência a visão da interdisciplinaridade (enfoque epistemológico) e a démarche da justificação ética a partir de proposições refutáveis que levam em conta a relatividade das circunstâncias nas quais vive o homem (enfoque filosófico).

Enfoque Epistemológico

É evidente que a complexidade dos problemas aqui propostos exigem conhecimento mais amplo. Esse conhecimento, porém, "se encontra pulverizado sob as múltiplas disciplinas que, segundo Gusdorf, brincam constantemente com a realidade humana e se recusam a considerá-la em sua integralidade, porque propõe sobre os olhos a venda de suas epistemologias particulares. Mas está ao alcance do educador uma atitude que se funda na revelação natural da unidade humana. Refiro-me à consciência interdisciplinar. Assegurado por uma epistemologia da convergência, o educador, não obstante as limitações de sua disciplina e de seu próprio conhecimento, poderá imprimir uma nova dimensão ao seu trabalho ao inseri-lo em um núcleo maior (de) compreensão da realidade. Em conseqüência, problemas não resolvidos, mas colocados sob perspectiva, permanecerão fecundos para serem retomados nas diferentes oportunidades educacionais."4 4 GUSDORF, Georges. Interdisciplinaridade. Ciências Humanas, I, 2, p. 1977; Cf. HEEMANN, op cit. p. 14.

Enfoque Filosófico

O enfoque filosófico encontra na interdisciplinaridade a base metodológica para a abordagem da démarche da justificação dos princípios éticos. A justificação teórico-pragmática de uma norma e o ato de mostrar que a um certo respeito ela é favorável ou compatível com a satisfação de um desideratum de determinada unidade social em determinada circunstância. Trata-se de uma linha referendada por Saches Vazques e Bunge que se apresenta como alternativa ao objetivismo absoluto e ao subjetivismo extremado no campo axiológico.5 5 Cf. Bunge, Mário. Ética Y ciência. Buenos Aires, Siglo Veinte, 1972. p. 64; SANCHEZ VAZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969; p. 223-27; cf. Heemann, op cit. p. 43, 54. Procuro amparar essa estrutura de legitimação nos seguintes presupostos:

- a "reciprocidade de intenções" e a universalização normativa pelo assentimento ao imperativo categórico de Kant entre todos aqueles que se decidiram pela busca de uma verdade consensual;6 6 Sobre a teoria de Habermas, cf. Siebeneichler, Flávio B. A teoria moral de UERGEN HABERMAS. Boletim de Filosofia e Ciências Sociais, v.5, p.11-19; ver também HABERMAS, Juergen. Moralbewusstsein und kommujnikatives handeln. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1991; cf. Heemann, op cit. p. 151.

- o "princípio de transmutação normativamente" proposto por Ladriere como forma de mediação para um enunciado galgar o nível axiológico;7 7 LADRIERE, Jean. La biologie neut-elle fonder une morale? Revue Reseaux, 20-21: 83-116, 1973; Cf. Moser, Alvino. Ya-t-il un fondament scientifique de étique? Louven, 1974. These, Doctorat, Université de Louven; cf. Heemann, op cit. p. 52.

- a "estrutura do diálogo' pois, nos termos de Gadamer, a compreensão revela uma estrutura de diálogo, isto é, para compreender deve-se estar disponível para que os pontos de vista e indagações se completem uma confluência de crescimento contrária às práticas persuasórias.8 8 GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und methode. Tuebingen, J.C., Mohr, 1965, p.345; cf. Heemann, op cit. p. 131.

  • BIRNBACHER, D.; HOERSTER N. Texte zur Ethik Muenchen, Deutscher Taschenunch Verlag GmbH & Co. KG.
  • BUNGE, Mário. Ética y ciência Buenos Aires: Siglo Veinte, 1972.
  • GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und methode Tuebingen, J.C.B. Mohr, 1965.
  • GUSDORF, Georges. Interdisciplinaridade. Ciências Humanas, I, 2, p. 13, 1977.
  • HABERMAS, Juergen. Moralbewusstsein und kommujnikatives handeln Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1991.
  • HEEMANN, A. Natureza e ética: Dilemas e perspectivas educacionais. Curitiba: Edit. da UFPR., 1993.
  • ______. Da biologia à ética: uma análise do discurso construtivista de Maturana. Kassel, Gesamthoschule Kassel Universitaet, Wissenschaftliches Zentrum Mensch - Umwelt - Technik, 1993. Mimeogr.
  • IBAMA. Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação. Seminários Universidade e Meio Ambiente Documentos Básicos. Brasília, 1989.
  • JONAS, Hans. Das Prinzip Verantwortung: Versuch einer Etnia fuer die tecnologische Zivilisation. Frankfurt am Main, Suhrkamp Taschenbuch Verlag, 1984.
  • LADRIERE, Jean. La biologie peut-elle fonder une morale? Revue Reseaux, 20-21: 83-116, 1973.
  • MORALITY as biological phenomenon. Berkeley, University of California Press. 1980.
  • MOSER, Alvino. Ya-t-il un fondament scientifique de étique? Louven, 1974. These, Doctorat, Universite de Louven.
  • PADCT - II. Subprograma de Ciências Ambientais - CIAMB Doc. Básico. out. 1990.
  • SANCHEZ VAZQUEZ, Adolfo. Ética Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
  • SIEBENEICHLER, Flávio B. A teoria Moral de Juergen Habermas. Boletim de Filosofia e Ciências Sociais v.5, p.11-19, 1988.
  • 1
    HEEMANN, A.
    Natureza e ética: Dilemas e perspectivas educacionais. Curitiba: Ed. da UFPR., 1993. p.143.
  • 2
    Cf. PADCT - II. Subprograma de Ciências Ambientais - CIAMB. Doc. Básico. out. 1990.
  • 3
    PADCT. p.1.
  • 4
    GUSDORF, Georges.
    Interdisciplinaridade. Ciências Humanas, I, 2, p. 1977; Cf. HEEMANN,
    op cit. p. 14.
  • 5
    Cf. Bunge, Mário. Ética Y ciência. Buenos Aires, Siglo Veinte, 1972. p. 64; SANCHEZ VAZQUEZ, Adolfo.
    Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969; p. 223-27; cf. Heemann,
    op cit. p. 43, 54.
  • 6
    Sobre a teoria de Habermas, cf. Siebeneichler, Flávio B. A teoria moral de UERGEN HABERMAS.
    Boletim de Filosofia e Ciências Sociais, v.5, p.11-19; ver também HABERMAS, Juergen.
    Moralbewusstsein und kommujnikatives handeln. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1991; cf. Heemann,
    op cit. p. 151.
  • 7
    LADRIERE, Jean. La biologie neut-elle fonder une morale?
    Revue Reseaux, 20-21: 83-116, 1973; Cf. Moser, Alvino.
    Ya-t-il un fondament scientifique de étique? Louven, 1974. These, Doctorat, Université de Louven; cf. Heemann,
    op cit. p. 52.
  • 8
    GADAMER, Hans-Georg.
    Wahrheit und methode. Tuebingen, J.C., Mohr, 1965, p.345; cf. Heemann,
    op cit. p. 131.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1994
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