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Aproximações entre capital humano e qualidade total na educação

Approximations between human stock and total quality in education

Resumos

Neste artigo analisa-se como a educação, a partir da década de sessenta, passa a ser vista enquanto um investimento, um fator de produção, como incremento de capital, só que humano. A educação pública (enquanto direito) reveste-se de posturas próprias da lógica do capital. Essa passagem, ocorrida no capitalismo monopolista dos países centrais, tem influenciado não somente o tecnicismo das reformas educacionais brasileiras na relação entre educação e produtividade, mas também tem adquirido novas fisionomias nas reformas dos anos noventa com a idéia da qualidade total medida pela eficiência/produtividade. É com a finalidade de caracterizar essas novas fisionomias, e não simplesmente repetir as críticas anteriores, que se estuda a teoria do capital humano no âmbito das políticas públicas para as universidades oficiais, na perspectiva do pensamento neoliberal.

educação; teoria do capital humano; neoliberalismo


The aim of this article is to analyse how education, since the 1 960s, has been viewed as an investiment, a factor of production, an increase in capital, which is, nevertheless, human capital. Public education (viewed as a human right) is characterized by attitudes and points of view that come, in fact, from the ones concerned with capital. This transition, which took place in the monopolist capitalism of developed countries, has influenced not only the technicism of Brasilian educational reform concemig the relationship between education and productivity, but it has also acquired new facets ín the 90's reform, due to the idea of total qualíty measured by efficiency/productivity. Therefore, the theory of human capital related to public policies for federal universities is studied, from the perspective of neoliberal thinking, and having as an aim the definition and characterization of those new facets, and not only the repetition of criticism which has already been expressed.

education; human capital theory; neoliberalism


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Aproximações entre capital humano e qualidade total na educação

Approximations between human stock and total quality in education

Cesar Candiotto

Professor do Departamento de Filosofia da PUC/PR, Mestre em Educação e Doutorando em Filosofia pela PUC/SP. ccandi@rla01.puc.pr.br

RESUMO

Neste artigo analisa-se como a educação, a partir da década de sessenta, passa a ser vista enquanto um investimento, um fator de produção, como incremento de capital, só que humano. A educação pública (enquanto direito) reveste-se de posturas próprias da lógica do capital. Essa passagem, ocorrida no capitalismo monopolista dos países centrais, tem influenciado não somente o tecnicismo das reformas educacionais brasileiras na relação entre educação e produtividade, mas também tem adquirido novas fisionomias nas reformas dos anos noventa com a idéia da qualidade total medida pela eficiência/produtividade. É com a finalidade de caracterizar essas novas fisionomias, e não simplesmente repetir as críticas anteriores, que se estuda a teoria do capital humano no âmbito das políticas públicas para as universidades oficiais, na perspectiva do pensamento neoliberal.

Palavras-chave: educação, teoria do capital humano, neoliberalismo.

ABSTRACT

The aim of this article is to analyse how education, since the 1 960s, has been viewed as an investiment, a factor of production, an increase in capital, which is, nevertheless, human capital. Public education (viewed as a human right) is characterized by attitudes and points of view that come, in fact, from the ones concerned with capital. This transition, which took place in the monopolist capitalism of developed countries, has influenced not only the technicism of Brasilian educational reform concemig the relationship between education and productivity, but it has also acquired new facets ín the 90's reform, due to the idea of total qualíty measured by efficiency/productivity. Therefore, the theory of human capital related to public policies for federal universities is studied, from the perspective of neoliberal thinking, and having as an aim the definition and characterization of those new facets, and not only the repetition of criticism which has already been expressed.

Key-words: education, human capital theory, neoliberalism.

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Full text available only in PDF format.

Texto recebido em 22 out. 2001

Texto aprovado em 26 dez. 2001

1 FRIGOTTO (1984) nega esta linearidade no sentido de que a relação entre prática educativa e produção social da existência não é imediata, mas mediata. Esta mediação é contraditória: não é da natureza da escola ser capitalista, mas como o modo de produção social da existência é predominantemente capitalista, tende a mediar os interesses do capital. Mas, por outro lado, por não ser somente capitalista, a prática educativa pode articular os interesses da classe trabalhadora contra o capital.

2 Essa postura desenvolvimentista esteve amplamente presente no chamado milagre brasileiro durante a ditadura militar (1964-1985). Trata-se de uma tentativa ideológica de identificar o bem individual com o bem social, o trabalho com o capital. RODRIGUES (1987, p. 127) resume esse pensamento desenvolvimentista: "o bem individual é conseqüência do bem social: primeiro o social, depois o individual. Primeiro, portanto, o crescimento econômico, o progresso nacional, como conseqüência, esse crescimento será desfrutado por todos. Os interesses da Nação são similares ao crescimento de uma árvore. É necessário fazê-la crescer, encorpar-se. A partir de então, poder-se-á usufruir sua sombra. [...] E a escola é o lugar do encontro das possibilidades de todos. É o lugar da realização do sonho democrático, porque nela se democratizam as oportunidades".

3 Essa foi uma das problemáticas na teorização da relação entre educação e desenvolvimento no Programa de Metas de Juscelino Kubitschek de 1956. Segundo BAÍA HORTA (19[-], p. 216), "Esta teorização ia desde a afirmação de que o desenvolvimento econômico deveria ser buscado primeiramente, pois traria como conseqüência necessária o desenvolvimento educacional, até a afirmação contrária de que a educação era pré-condição essencial para o desenvolvimento econômico, só havendo desenvolvimento econômico se houvesse antes desenvolvimento educacional". Não se percebia, entretanto, que o problema era o método de análise linear positivista. Segundo VIEIRA PINTO apud BAÍA HORTA, [19-], p. 218, "a educação não precede o processo de desenvolvimento, acompanha-o contemporaneamente. Entre ambos existe uma tensão dialética que os condiciona mutuamente".

4 Segundo ENGUITA (1993, p. 289-290), "Esta ideologia meritocrática é visível em quase todas as esferas da vida social, mas especialmente na vida econômica e na escola. Para sermos exatos, tem sua origem na economia, no mercado, mas alcança seu ápice na escola. Mercado e escola individualizam o que são relações ou diferenças de classes, convertem os problemas sociais em problemas individuais. Na escola como no mercado, só parecem existir diferenças quantitativas, nunca qualitativas; a desigualdade, na medida em que vem à tona, aparece como distribuída ao longo de um continuum, não como cisão. [...] Assim como o mercado oculta atrás de si o mundo da produção, a escola oculta as diferenças sociais. Ambos apresentam um nível de igualdade: o mercado, na medida em que na esfera da circulação não há outra coisa que intercâmbio de equivalentes, embora atrás desses valores iguais possam estar o capitalista que monopoliza os meios de produção e o operário que tem que vender sua força de trabalho; a escola, na medida em que se aproxima de ser ou parecer uma escola única ou unificada, embora esteja dando um tratamento igual a posições de partida diferentes - e, portanto, reforçando a desigualdade".

5 Cf. RODRIGUES, 1987, p. 153-154.

6 Esta terminologia é utilizada por HARVEY como uma hipótese, e não como uma determinação econômica. Para HARVEY (1994, p. 119): "Não está claro se os novos sistemas de produção e de marketing, caracterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo garantem ou não o título de um novo regime de acumulação nem se o renascimento do empreendimento e do neoconservadorismo, associado com a virada cultural para o pós-modernismo, garante ou não o título de um novo modo de regulamentação [...] Mas os contrastes entre as práticas político-econômicas da atualidade e as do período de expansão do pós-guerra são suficientemente significativos para tornar a hipótese de uma passagem do fordismo para o que poderia ser chamado regime de acumulação" flexível 'uma reveladora maneira de caracterizar a história recente.' Por isso, embora o presente estudo se utilize de tal nomenclatura, o mesmo também reveste-se da qualidade de hipótese.

7 Segundo CHAUÍ (1999, p. 218), ""A prática contemporânea da administração parte de dois pressupostos: o de que toda dimensão da realidade social é equivalente a qualquer outra e por esse motivo é administrável de fato e de direito, e o de que os princípios administrativos são os mesmos em toda parte porque todas as manifestações sociais, sendo equivalentes, são regidas pelas mesmas regras [...] É isso que se costuma batizar de "tecnocracia", isto é, aquela prática que julga ser possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios com que se administra uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados" [grifos nossos].

8 A lógica meritocrática é tipicamente neoliberal. Baseia-se na idéia de que o sucesso, o êxito (na educação) depende unicamente das capacidades individuais. Ao exacerbar o indivíduo isolado de suas relações sociais, tal posicionamento ignora a desigualdade de oportunidades própria da sociedade capitalista (FRIGOTTO, 1984, p. 9).

  • CHAUÍ, M. A universidade em ruínas. In: TRINDADE, H. (Org.). Universidade em ruínas: na república dos professores. Petrópolis: Vozes, 1999b.
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  • FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva São Paulo: Cortez, 1984. (Educação contemporânea).
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  • GENTILI, P. A. A. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis: Vozes, 1998.
  • GRAMSCI, A. Concepção dialética da história Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
  • HARVEY, D. Condição pós-moderna. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1992.
  • HORTA, J. S. B. O caso brasileiro [S.l.: s.n., 19-]. Texto em folhas avulsas.
  • KOSIK, K. Dialética do concreto Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
  • RODRIGUES, N. Estado, educação e desenvolvimento econômico 2. ed. São Paulo: Cortez, 1987. (Educação contemporânea).
  • SAVIANI, D. Neo-liberalismo ou pós-modernismo? educação pública, crise do Estado e democracia na América Latina. In: ESTADO e Educação São Paulo: Cedes, 1992. (Coletânea CDE).
  • SCHWARTZ, G. Do consumidor ao cliente. Folha de São Paulo, 27 fev. 2000. Caderno Mais, p. 9-10.
  • SCHULTZ, T. O capital humano Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 2002

Histórico

  • Aceito
    26 Dez 2001
  • Recebido
    22 Out 2001
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