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Mídia e educação: em cena, modos de existência jovem

Media and education: on the scene, ways of young existences

Resumos

Neste artigo, o propósito é articular o depoimento de jovens de 15 a 25 anos com o que deles falam os diferentes produtos da mídia, especialmente a televisão. A partir da escuta de estudantes de escolas públicas e privadas, selecionou-se um tema principal para a análise dos modos de existência jovem: a construção do "outro" nos meios de comunicação e a relação desses grupos com as diferenças sociais, econômicas, geracionais, raciais e étnicas, de gênero e de aparência física. Com apoio em Michel Foucault, particularmente nos conceitos de normalidade, anormalidade e modos de subjetivação, discutimos as formas pelas quais a sociedade do espetáculo e da imagem opera na nomeação e na construção dos "outros jovens", e como esse processo circula entre estudantes de nível médio e universitário no meio urbano de Porto Alegre, RS. Para tanto, recorremos também a autores como Jorge Larrosa e Maria Rita Kehl, com o objetivo de pensar de que forma se configura na mídia uma espécie de "normalidade jovem". Sugerimos, nas conclusões, que, a partir dos debates e da análise das produções midiáticas, haveria a possibilidade de pensar outros modos de existência para grupos juvenis em nossa cultura.

mídia; juventude; televisão; diferença; normalidade; cultura


The aim of this paper is to articulate young voices and media products addressed to the public from 15 to 25 years old. Starting from debates with students from private and public schools, I analyzed how media is constructing "the other", in terms of economical, racial and ethnic differences; also in terms of differences of gender, age and physical appearance. The theoretical references are Foucault's concepts of normality, abnormality and ways of subjectivation, in order to discuss how our society of image and spectacle nominates the "young others", and how students from Porto Alegre (Brazil), realize this process. I also used the contribution of Maria Rita Kehl and Jorge Larrosa, to think about a "young normality" in Brazilian media. At the conclusion, I suggest that debates and analysis about media, in student's company, represent a strong possibility of imagining new forms of young existences in our culture.

media; youth; television; difference; normality; culture


DOSSIÊ: MÍDIA E EDUCAÇÃO: A PRODUÇÃO DE NOVOS SUJEITOS E NOVAS PEDAGOGIAS

Mídia e educação: em cena, modos de existência jovem* * Pesquisa apoiada pelo CNPq (auxílio individual e bolsa de produtividade) 1 Observações semelhantes encontram-se em vários estudos recentes sobre juventude. Ver, a propósito, ABRAMO; FREITAS; SPOSITO (Orgs.), 2000. Ver também Abramo (2005). 2 Refiro-me à pesquisa "Mídia, juventude e reinvenção do espaço público", realizada de 2002 a 2005. Basicamente, os dados foram levantados a partir da transcrição de aproximadamente 50 horas de gravações de programas de TV destinados ao público de 15 a 25 anos ou que fazem referência explícita a esse grupo (por exemplo, a novela teen Malhação, da Rede Globo); e dados referentes a 23 encontros com seis grupos de recepção (estudantes de Ensino Médio de duas escolas públicas e uma particular e de uma escola pública de educação de jovens e adultos, além de jovens de dois cursos - Comunicação e Pedagogia - de uma Universidade Federal). (FISCHER, 2005). 3 Revista quinzenal editada pela Abril, e destinada ao público adolescente feminino. 4 Reality show conhecido por BBB, veiculado pela Rede Globo e que já teve sua quinta edição em 2005. 5 Na análise que Helena Wendel Abramo faz da pesquisa citada, do Instituto Cidadania, a socióloga ressalta que as questões de cultura e lazer, tão importantes nessa faixa etária, não aparecem nas entrevistas como um tema de direito para eles - talvez, por uma "desvalorização social geral [da cultura e do lazer] como assunto de resolução pública" (ABRAMO, 2005, p. 66). 6 Esses dados repetem conclusões de outras investigações, como a que realizei nos anos 80, com crianças e adolescentes de camadas populares do município do Rio de Janeiro (ver FISCHER, 1993). 7 Novela teen veiculada no final da tarde pela Rede Globo, no ar há dez anos. 8 Filme realizado por Andy Wachowski e Larry Wachowski (EUA), em 1999. Seguiram-se Matrix Reloaded e Matrix Revolutions (ambos de 2003). A trilogia de filmes de ficção científica parece fascinar os adolescentes, talvez por tratar da possibilidade de existência de um sistema artificial a manipular a mente das pessoas, e por confundir realidade e ficção, bem como por tocar no grande tema da liberdade. 9 Matéria veiculada no Jornal Nacional - Especial Juventude Urbana, de 19/06/2003, da Rede Globo. 10 Curso proferido em 1975 no Collège de France, em Paris. 11 Também aqui nossa pesquisa corrobora os dados de "Perfil da juventude brasileira", investigação que mostrou o quanto o item "trabalho" aparece para os jovens como algo extremamente positivo, relacionado a independência, crescimento e auto-realização (cf. ABRAMO, 2005, p. 53). 12 A minissérie Cidade dos homens, da Rede Globo de Televisão e da produtora 02 Filmes, foi exibida em três temporadas, desde 2002, e gira em torno dos personagens Acerola e Laranjinha, moradores de uma favela na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Teve origem no filme Cidade de Deus (2002), com direção de Fernando Meirelles. 13 Eles se referem ao colégio apelidado carinhosamente de "Julinho", o Colégio Estadual 25 de Julho". Ver, a propósito, a dissertação de mestrado de Eliane Dable de Mello, sobre os jovens dessa escola de Porto Alegre (MELLO, 2004). 14 Série de cinco programas da TV Globo, em que se misturam ficção, literatura e documentário. Apresentado por Regina Casé, estreou em novembro de 2003. 15 Ver, a respeito, algumas propostas sobre práticas de pesquisa e de intervenção na escola, a partir de estudos das imagens midiáticas, em FISCHER, 1996; 2002; 2003.

Media and education: on the scene, ways of young existences

Rosa Maria Bueno Fischer

Doutora em educação. Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisadora do CNPq na área temática de mídia, cultura e educação. E.mail: rosabfischer@terra.com.br

RESUMO

Neste artigo, o propósito é articular o depoimento de jovens de 15 a 25 anos com o que deles falam os diferentes produtos da mídia, especialmente a televisão. A partir da escuta de estudantes de escolas públicas e privadas, selecionou-se um tema principal para a análise dos modos de existência jovem: a construção do "outro" nos meios de comunicação e a relação desses grupos com as diferenças sociais, econômicas, geracionais, raciais e étnicas, de gênero e de aparência física. Com apoio em Michel Foucault, particularmente nos conceitos de normalidade, anormalidade e modos de subjetivação, discutimos as formas pelas quais a sociedade do espetáculo e da imagem opera na nomeação e na construção dos "outros jovens", e como esse processo circula entre estudantes de nível médio e universitário no meio urbano de Porto Alegre, RS. Para tanto, recorremos também a autores como Jorge Larrosa e Maria Rita Kehl, com o objetivo de pensar de que forma se configura na mídia uma espécie de "normalidade jovem". Sugerimos, nas conclusões, que, a partir dos debates e da análise das produções midiáticas, haveria a possibilidade de pensar outros modos de existência para grupos juvenis em nossa cultura.

Palavras-chave: mídia, juventude, televisão, diferença, normalidade, cultura.

ABSTRACT

The aim of this paper is to articulate young voices and media products addressed to the public from 15 to 25 years old. Starting from debates with students from private and public schools, I analyzed how media is constructing "the other", in terms of economical, racial and ethnic differences; also in terms of differences of gender, age and physical appearance. The theoretical references are Foucault's concepts of normality, abnormality and ways of subjectivation, in order to discuss how our society of image and spectacle nominates the "young others", and how students from Porto Alegre (Brazil), realize this process. I also used the contribution of Maria Rita Kehl and Jorge Larrosa, to think about a "young normality" in Brazilian media. At the conclusion, I suggest that debates and analysis about media, in student's company, represent a strong possibility of imagining new forms of young existences in our culture.

Key-words: media, youth, television, difference, normality, culture.

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Texto recebido em 02 mar. 2005

Texto aprovado em 11 jun. 2005

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  • SOUZA, J. A construção social da subcidadania Belo Horizonte: UFMG, 2003.
  • *
    Pesquisa apoiada pelo CNPq (auxílio individual e bolsa de produtividade)
    1 Observações semelhantes encontram-se em vários estudos recentes sobre juventude. Ver, a propósito, ABRAMO; FREITAS; SPOSITO (Orgs.), 2000. Ver também Abramo (2005).
    2 Refiro-me à pesquisa "Mídia, juventude e reinvenção do espaço público", realizada de 2002 a 2005. Basicamente, os dados foram levantados a partir da transcrição de aproximadamente 50 horas de gravações de programas de TV destinados ao público de 15 a 25 anos ou que fazem referência explícita a esse grupo (por exemplo, a novela
    teen Malhação, da Rede Globo); e dados referentes a 23 encontros com seis grupos de recepção (estudantes de Ensino Médio de duas escolas públicas e uma particular e de uma escola pública de educação de jovens e adultos, além de jovens de dois cursos - Comunicação e Pedagogia - de uma Universidade Federal). (FISCHER, 2005).
    3 Revista quinzenal editada pela Abril, e destinada ao público adolescente feminino.
    4
    Reality show conhecido por
    BBB, veiculado pela Rede Globo e que já teve sua quinta edição em 2005.
    5 Na análise que Helena Wendel Abramo faz da pesquisa citada, do Instituto Cidadania, a socióloga ressalta que as questões de cultura e lazer, tão importantes nessa faixa etária, não aparecem nas entrevistas como um tema de direito para eles - talvez, por uma "desvalorização social geral [da cultura e do lazer] como assunto de resolução pública" (ABRAMO, 2005, p. 66).
    6 Esses dados repetem conclusões de outras investigações, como a que realizei nos anos 80, com crianças e adolescentes de camadas populares do município do Rio de Janeiro (ver FISCHER, 1993).
    7 Novela
    teen veiculada no final da tarde pela Rede Globo, no ar há dez anos.
    8 Filme realizado por Andy Wachowski e Larry Wachowski (EUA), em 1999. Seguiram-se
    Matrix Reloaded e
    Matrix Revolutions (ambos de 2003). A trilogia de filmes de ficção científica parece fascinar os adolescentes, talvez por tratar da possibilidade de existência de um sistema artificial a manipular a mente das pessoas, e por confundir realidade e ficção, bem como por tocar no grande tema da liberdade.
    9 Matéria veiculada no
    Jornal Nacional - Especial Juventude Urbana, de 19/06/2003, da Rede Globo.
    10 Curso proferido em 1975 no Collège de France, em Paris.
    11 Também aqui nossa pesquisa corrobora os dados de "Perfil da juventude brasileira", investigação que mostrou o quanto o item "trabalho" aparece para os jovens como algo extremamente positivo, relacionado a independência, crescimento e auto-realização (cf. ABRAMO, 2005, p. 53).
    12 A minissérie
    Cidade dos homens, da Rede Globo de Televisão e da produtora 02 Filmes, foi exibida em três temporadas, desde 2002, e gira em torno dos personagens Acerola e Laranjinha, moradores de uma favela na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Teve origem no filme
    Cidade de Deus (2002), com direção de Fernando Meirelles.
    13 Eles se referem ao colégio apelidado carinhosamente de "Julinho", o Colégio Estadual 25 de Julho". Ver, a propósito, a dissertação de mestrado de Eliane Dable de Mello, sobre os jovens dessa escola de Porto Alegre (MELLO, 2004).
    14 Série de cinco programas da TV Globo, em que se misturam ficção, literatura e documentário. Apresentado por Regina Casé, estreou em novembro de 2003.
    15 Ver, a respeito, algumas propostas sobre práticas de pesquisa e de intervenção na escola, a partir de estudos das imagens midiáticas, em FISCHER, 1996; 2002; 2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      11 Jun 2005
    • Recebido
      02 Mar 2005
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