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Entendeu, ou quer que eu desenhe?

Did you understand, or would you like me to draw it?

Resumos

Neste ensaio, busca-se discutir os aspectos figurativos e operativos envolvidos na construção dos conceitos científicos e, mais especificamente, o papel da imagem mental como suporte figurativo para o estabelecimento das relações lógicas implicadas na construção desses conceitos. Além disso, busca-se contribuir para a discussão da formação dos conceitos científicos em alunos do ensino superior.

aspectos figurativos e operativos; imagem mental; conceito científico; teoria piagetiana


The aim of this essay is to discuss the figurative and operative aspects involved in the construction of scientific concepts and, more specifically, the role the mental image, as conceived by Jean Piaget, plays in it. Furthermore, it searches to contribute to the discussion concerning the construction of scientific concepts formation in graduate students.

figurative and operative aspects; mental image; scientific concepts; Piaget


DOSSIÊ: COGNIÇÃO, INTERAÇÃO SOCIAL E EDUCAÇÃO

Entendeu, ou quer que eu desenhe?

Did you understand, or would you like me to draw it?

Tamara da Silveira Valent

Doutora em Educação (Faculdade de Educação — Unicamp). Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação do Setor de Educação da UFPR

RESUMO

Neste ensaio, busca-se discutir os aspectos figurativos e operativos envolvidos na construção dos conceitos científicos e, mais especificamente, o papel da imagem mental como suporte figurativo para o estabelecimento das relações lógicas implicadas na construção desses conceitos. Além disso, busca-se contribuir para a discussão da formação dos conceitos científicos em alunos do ensino superior.

Palavras-chave: aspectos figurativos e operativos; imagem mental; conceito científico; teoria piagetiana.

ABSTRACT

The aim of this essay is to discuss the figurative and operative aspects involved in the construction of scientific concepts and, more specifically, the role the mental image, as conceived by Jean Piaget, plays in it. Furthermore, it searches to contribute to the discussion concerning the construction of scientific concepts formation in graduate students.

Key-words: figurative and operative aspects; mental image; scientific concepts; Piaget.

A pergunta do título caiu no gosto popular e é usada sempre que a pessoa que acabou de explicar algo fica com a impressão de que seu interlocutor não entendeu parcial ou inteiramente a mensagem dada. De um modo geral, essa expressão verbal indica uma intenção jocosa do seu autor, mas, às vezes, trata-se de uma intenção de ser realmente entendido pelo interlocutor.

Sempre que ouço alguém falar essa expressão, não posso deixar de remeter à distinção entre os aspectos figurativos e operativos do pensamento que faz Piaget em vários de seus trabalhos teóricos (1964/1978, 1978/1983, 1981/1993). Desde o início, o processo de desenvolvimento do conhecimento de uma criança envolve a relação entre os aspectos figurativos e os operativos presentes na sua estrutura para conhecer. Os aspectos figurativos são aqueles atinentes às sensações e percepções, que, submetidos a um processo de compreensão fornecido pela atividade perceptiva, geram as imagens mentais. Assim, logo que nasce, a criança busca organizar as suas experiências sensoriais e perceptivas mediante a atividade perceptiva. Ao final do segundo ano de vida, aproximadamente, ela começa a produzir imagens mentais correspondentes a essas experiências, as quais variam no grau de semelhança com o objeto da realidade.

No início, até que a criança atinja a reversibilidade em seu pensamento, as imagens sofrem deformações, resultando em pouca semelhança com o objeto da realidade, o que acontece, por exemplo, quando ela, para representar um quadrado, desenha um círculo e nos pontos correspondentes aos vértices ela traça pequenos riscos (Valente, 2001).

Uma vez atingida a reversibilidade em seu pensamento, a criança passa a estabelecer as relações espaciais entre as faces, os lados, os vértices e ângulos do quadrado, formando a imagem mental do objeto como um todo, o que constituiria o resultado de uma operação infralógica. Tendo recebido do meio social o nome do objeto e a classe à qual pertence, insere-o na classe das figuras geométricas, distinguindo-o de todas as outras figuras que fazem parte dessa classe de objetos, demonstrando uma operação lógico-matemática do seu pensamento.

Voltando à discussão do papel dos aspectos figurativos e operativos no pensamento, quando a criança atinge a etapa de nomear essas experiências, por volta do dois anos de idade, ela já dispõe de um universo de ações bastante rico. Essas ações engendrarão os quadros sensoriais que serão transformados, mediante a representação, em imagens auditivas, imagens olfativas, imagens gustativas, imagens cinestésicas (fruto da percepção dos movimentos musculares), além das imagens visuais. Percebe-se que há uma tendência de agrupar as imagens mentais como se fossem todas derivadas das imagens visuais, e é possível entender isso, pois a visão é um órgão que se mostra muito ativo no atual estágio de desenvolvimento da espécie humana. Mas é um erro supor que as imagens mentais se constituem única e exclusivamente de imagens visuais, ou seja, das imagens cujas informações são decodificadas na região do cérebro responsável pela visão. Para gerar imagens, as crianças dispõem de todo o seu aparato sensorial, constituído pelos órgãos dos sentidos, e, no início, a gustação e o olfato se mostram decisivos para o seu desenvolvimento. Os aspectos operativos, por sua vez, remetem àquilo que pertence à estrutura mental, que na criança pequena está a serviço da organização das informações captadas pelos diferentes sentidos e pela motricidade. E essa organização está a cargo da atividade perceptiva, por isso talvez seja possível dizer que a atividade perceptiva tem função operativa infralógica na criança pequena. Mas por que se diz infralógica? Para Piaget (1993, p. 470-471),

Em paralelo exato com as operações concretas de caráter lógico-aritmético [...] existem operações concretas de caráter infralógico ou espaço temporal que são precisamente constitutivas do espaço. O termo infralógico não significa, de modo algum, que essas operações são inferiores, em rigor, às operações lógico-aritméticas, mas simplesmente que elas são formadoras da noção de objeto como tal, em oposição ao conjunto de objetos [...]. Tais operações, que se apóiam não mais nos encaixes de classes, mas nos encaixes de partes de um mesmo objeto no objeto total, substituem a noção de semelhança pela de vizinhança, a noção de diferença em geral pela de diferença de ordem ou de colocação (em particular pela de deslocamento) e a noção de número pela de medida. [...] Enquanto constitutivas dos objetos como tais, tais operações infralógicas são acompanhadas de símbolos figurados (imagens mentais ou representações figuradas).

O que existe na experiência da criança pequena são experiências de tempos e espaços vividos pelo corpo, das quais a criança retira informações que serão organizadas pela atividade perceptiva. Esta, segundo Piaget, consiste em comparar, transpor e antecipar as propriedades físicas dos objetos, e leva a criança a realizar "movimentos do olhar, exploração tátil, análise imitativa, transposições ativas, etc." (Piaget, 1993, p. 25).

No subcapítulo IV do capítulo "Problemas da psicologia genética", da coleção Os Pensadores (1983), ao discutir questões relativas às práxis na criança, Piaget levanta questões a respeito da relação entre os aspectos operativos e figurativos do conhecimento. Ele está interessado em discutir as apraxias construtivas, mas retiraremos do texto somente aquilo que interessa para a presente discussão, sem desvirtuar, é claro, a intenção do autor.

Segundo ele, na criança pequena as práxis sensório-motoras constituem a base das subestruturas dos conhecimentos posteriores que se sustentarão no esquema da permanência do objeto, no esquema espacial que os geômetras chamam de "grupo dos deslocamentos", na causalidade e nas séries temporais que se desenvolvem sob as coordenações da inteligência, e resultarão nas noções ulteriores de causa, de ordem, de tempo, etc., depois de passarem pela interiorização das ações implicadas nessas práxis (Piaget, 1983). Mas o que são essas interiorizações? Como ações motoras ocorridas no plano motor e sensorial se interiorizam, ou seja, se tornam representações mentais?

Piaget (1978, 1983) diz que é a função simbólica que vai permitir que a criança interiorize, ou seja, torne mental aquele universo de ações que ela desenvolveu durante o período sensório-motor. A função simbólica, segundo ele, resulta de uma diferenciação entre os significantes e os significados. Os significantes são constituídos pelos modos de expressar, de falar de ou sobre um dado objeto, pessoa ou situação, mediante alguma linguagem, estando o objeto, a pessoa ou a situação (aquilo que é significado) efetivamente ali ou não. O significado é o objeto ou a pessoa real, ou a situação ocorrendo na atualidade, que está sendo representada pelo significante. A função simbólica, então, nesse sentido, possibilita à criança representar. Representar significa re-apresentar um dado, pessoa ou situação mediante alguma linguagem que remeta a esse objeto, pessoa ou situação, que fale deles, resultando em um processo mental, interiorizado. Ao final do quinto subestádio e durante o sexto subestádio do período sensório-motor, as ações implicadas nas imitações da criança, servindo-se dessa função simbólica, se transformam nas primeiras imagens mentais.

Durante todo o período sensório-motor, a criança desenvolve inúmeros esquemas de ação, dos quais os sentidos e a motricidade são os elementos fundamentais. Na mente da criança, esses esquemas configuram quadros sensoriais, estáticos, pouco ou nada coordenáveis entre si — talvez se possa pensar em fotografias justapostas de cenas vividas pela criança. No primeiro momento do advento da função simbólica, acontece, por hipótese, uma transformação dos esquemas de ação desenvolvidos durante os dois primeiros anos de vida da criança, aproximadamente, porque o processo de simbolização engendrou um modo (fac-símile sensível) de abstrair da ação efetivamente realizada dados motores e sensíveis da mesma natureza dos dados presentes na imagem mental. A atividade perceptiva, própria da inteligência, capta os dados motores e sensoriais das ações implicadas na miríade de problemas práticos que uma criança nessa etapa do desenvolvimento psicológico tem para resolver. Muitos desses dados são retirados do processo de imitação, até que a atividade perceptiva atinja o auge desse processo pelo engendramento, mediante a função simbólica, das primeiras imagens mentais. Mais tarde, também por hipótese, ocorre uma separação nos elementos desses quadros sensoriais, de modo que cada elemento passa a poder ser coordenado segundo a necessidade da criança em organizar as suas experiências no mundo social e físico. E, quando as imagens mentais (significante) se separarem totalmente do objeto, pessoa ou situação reais (significado) que lhes deram ensejo, elas ganham uma mobilidade tal que a criança poderá produzir tantas imagens mentais quantas forem necessárias para o seu processo de aprendizagem.

No que diz respeito ao processo de conceituação, próprio da aprendizagem, o importante a reter é que há uma abstração crescente, progressiva e continuada. Quando a criança está no período sensório-motor, construindo e coordenando ações motoras e sensoriais para realizar uma determinada tarefa, ainda não se fala em conceito; a intenção da criança é demonstrada na ação efetiva. Quando, já de posse da função simbólica, ela começa a gerar as primeiras imagens, estáticas no início, mas, logo depois, móveis, com o auxílio de modos de transformação providos pela operação, essas imagens serão coadjuvantes no engendramento dos conceitos. Aos poucos, submetida à solicitação do meio social, que passa a exigir dela maior adequação entre os termos utilizados e o significado compartilhado, e até mesmo imposto pela cultura, a criança, contando com a lógica de classes, com a lógica das relações e com a lógica dos números, recém-adquiridas, passa a corrigir as deformações até então produzidas e que geravam os pré-conceitos, e inicia o processo de conceituação propriamente dito. Esse processo exige da criança que ela submeta cada nova palavra às lógicas de classe e de relações, para só depois disso construir um novo conceito. O conceito, nesse sentido, é sempre uma síntese de várias relações na qual está implicada a inserção de classe em algum grau.

Diante do que foi exposto até aqui, interessa-nos estabelecer o que é próprio do aspecto figurativo e do aspecto operativo do pensamento representativo, pois isso nos ajudará, talvez, a compreender por que uma pessoa pergunta ao seu interlocutor se ele quer que ela desenhe, ao perceber que não foi bem entendida.

Para Piaget (1983, p. 248),

O aspecto figurativo do pensamento representativo é tudo o que se dirige às configurações como tais, em oposição às transformações. Guiado pela percepção e sustentado pela imagem mental, o aspecto figurativo da representação desempenhará um papel preponderante [...] no pensamento pré-operatório da criança de dois a sete anos, antes que se constituam as operações. [...] O aspecto operativo do pensamento é relativo às transformações e se dirige assim a tudo o que modifica o objeto, a partir da ação até as operações. Chamamos operações às ações interiorizadas (ou interiorizáveis), reversíveis e se coordenando em estruturas, ditas operatórias, que apresentam leis de composição caracterizando a estrutura em sua totalidade, como sistema.

Antes de continuar, porém, gostaria de discutir três aspectos dessa colocação. É preciso estar atento ao fato de Piaget utilizar o termo "preponderante" ao localizar o aspecto figurativo do pensamento representativo no período pré-operatório, pois vou tecer a hipótese de que ele ultrapassa esse período e tem implicações importantes nos processos de aprendizagem do adolescente. Outro aspecto refere-se à posição piagetiana de que há transformação já no período sensório-motor, dado pouco explorado nos textos piagetianos, levando o leitor a crer que somente haja transformação quando a simbolização se torna possível. Por exemplo, quando uma criança pequena percorre a distância do seu quarto até a cozinha da sua casa, ela realiza uma série de ações motoras coordenadas entre si, de modo que, para voltar ao local de partida, ela tem de realizar, em ato, o percurso inverso, e isso constitui uma transformação. No início dessa experiência, ela mostra-se perdida; aos poucos, porém, com as repetições sucessivas, esses deslocamentos são coordenados de maneira a constituir um grupo, um dos grupos dos deslocamentos que, para Piaget (1983, p. 246), é uma manifestação de que:

Existe certamente uma inteligência sensório-motora, e desde o quarto dos nossos estágios, a mobilidade e a coordenação externa dos esquemas conduzem a uma subordinação dos meios aos fins aos quais não poderíamos recusar o caráter de atos de inteligência. [...] Mas essa inteligência nada mais é do que a coordenação mesma das ações e desde as coordenações mais elementares encontramos na assimilação uma espécie de esboço ou prefiguração do julgamento.

Outro aspecto importante a abordar a partir das duas citações é que as imagens estáticas do período sensório-motor ganham mobilidade e, conseqüentemente, plasticidade, exatamente pela incidência das operações que tornam possível à criança destacar alguns elementos dos quadros sensoriais para recompô-los dos mais diversos modos. As imagens, assim móveis, vão ser coadjuvantes das palavras para a formação dos conceitos durante toda a escolarização da criança e do adolescente. Piaget acrescenta ainda que é dos esquemas sensório-motores, cujas ações vão pouco a pouco sendo coordenadas, segundo uma organização ditada pela inteligência, que as operações tiram a fonte, mesmo que para essa organização tenham participado as representações, necessárias tanto para a interiorização desses sistemas como para a sua expressão. Entendo que Piaget aqui se refere a uma relação necessária entre uma coisa e outra, ou seja, a operação só é possível porque as ações foram organizadas pela função da inteligência durante todo o período sensório-motor. Aos poucos, esse modo de organizar foi formando sistemas de conjunto, o grupo dos deslocamentos.

No período sensório-motor, as ações são organizadas em sistemas de conjunto, formando a base sobre a qual incidirá a função simbólica. Sofrendo o impacto dessa função representativa, as ações organizadas em sistema se transformarão em imagens, estáticas antes da constituição das operações lógicas, e cinéticas depois disso. Na formação do pensamento, as operações lógicas, segundo Piaget, passam por três estágios sucessivos: entre 2 e 7 ou 8 anos, no período pré-operatório, as operações são construídas pouco a pouco, mas sem atingir a mobilidade característica da reversibilidade lógica e sem que as estruturas de conjunto sejam adequadas, permanecendo dominadas pelos aspectos figurativos do pensamento. Dos 7/8 aos 11/12 anos, algumas operações, tais como classificações, seriações, correspondências, matrizes, a série dos números, as métricas espaciais e as transformações projetivas, são terminadas e se organizam em estruturas logicamente reversíveis, contribuindo para a compreensão das noções de substância, de peso, de volume, das medidas do espaço e do tempo, muito embora se mantenham limitadas ao domínio da manipulação dos objetos (portanto ainda parcialmente motoras), não comportando ainda o manejo simplesmente verbal próprio do pensamento hipotético-dedutivo. Este será atingido aproximadamente aos 11/12 anos, marcando o início das concatenações abstratas, possibilitando ao adolescente construir conceitos abstratos, ou seja, um pensamento que lhe permita produzir conceitos a partir de conceitos (Piaget, 1983).

No texto "Problemas de psicologia genética", Piaget (1983) assinala que a lógica do período operatório-concreto se dirige aos objetos mesmos e não aos enunciados verbais. A lógica das classes diz respeito à reunião de objetos com as mesmas características perceptivas, submetida a uma classificação prévia na qual a criança se fixa num aspecto somente do objeto, por exemplo, a forma (quadrada - classe dos objetos quadrados) ou a cor (vermelha - classe dos objetos vermelhos). Essa classificação acontece a partir dos sete anos, dependendo da cultura na qual a criança está inserida. A classificação implica a inclusão de uma subclasse numa classe maior, levando a criança à compreensão de que a parte é menor que o todo, e se dá por encaixes sucessivos, uma subclasse encaixada (incluída) numa maior, e assim por diante.

A lógica das relações refere-se à combinação dos objetos segundo as suas diferentes relações, por exemplo, um quadrado vermelho. Essa combinação depende de uma ordem segundo a qual a criança põe em relação os dois aspectos de um mesmo objeto, primeiro a forma e depois a cor, ou vice-versa. Esse estabelecimento de relações acontece a partir dos sete anos, dependendo da cultura na qual a criança está inserida. A lógica dos números, por sua vez, tem a ver com a compreensão da criança de que há, no número, simultaneamente, uma transformação e uma conservação. O que se conserva é a unidade e o que se transforma é a quantidade dessa unidade. Ela terá compreensão do número, por exemplo, quando entender que o numeral 4 implica 1 + 1 + 1 + 1, e assim com todos os outros números.

As lógicas de classe, de relações e de números já são lógicas no sentido de se estar diante de operações, uma vez que está presente a possibilidade de inversão e de compensação nas coordenações das operações, que formam sistemas de conjunto com leis de totalidade. Ou seja, a criança pode pensar em reunir alguns objetos quadrados de várias cores, ou em reunir vários objetos somente da cor vermelha, e estará operando segundo uma lógica das classes; quando ela combina mentalmente objetos quadrados e vermelhos ao mesmo tempo, ela estará operando de acordo com uma lógica das relações; quando se imagina contando só as unidades de quadrados ou só as unidades de objetos vermelhos ou as unidades desses quadrados vermelhos, ela estará operando com a lógica dos números; ao coordenar todos os só quadrados, ou todos os só vermelhos, ou todas as unidades de cada um, ou o conjunto de todos os quadrados vermelhos, um a um, ela estará "operando". Ainda assim, as operações não constituirão a lógica das proposições.

A lógica das proposições supõe, segundo Battro (1971), uma combinatória que liga qualquer elemento a um outro qualquer, consistindo-se, assim, numa classificação das classificações ou uma seriação das seriações e um sistema único que combina os diferentes agrupamentos que até então estavam separados; ou se tinha a identidade que implica um dado perceptivo (nada se tirou nem acrescentou), ou se tinha a reversibilidade simples dada pela inversão da transformação, ou a reversibilidade por compensação dada pela reciprocidade das relações em jogo. Esse sistema único, novo, consiste na correlatividade, já que a combinatória permite a coordenação dos agrupamentos acima, levando à mutualidade das relações. Ainda, em seu Dicionário de Termos Piagetianos, Battro (1971, p. 178), ao conceituar proposição psicológica, diz que "Para um sujeito é proposição tudo o que esse sujeito considera suscetível de ser verdadeiro ou falso" e "psicologicamente, cada proposição constitui, além disso, uma ação, coordenável e reversível, mas puramente simbólica e hipotética". Quanto à proposição lógica, ele diz que "chamaremos ‘proposições' p, q, r, etc. os enunciados categóricos, verdadeiros ou falsos, e afirmativos (positivos) ou negativos" (Battro, 1971, p. 178). Mas o que a discussão acima tem a ver com a construção de conceitos abstratos pelo aluno universitário? Para tentar responder a essa pergunta, podemos partir da resposta dada à seguinte. O que pretendemos dos nossos alunos de graduação? Que eles aprendam as teorias explicativas de tantos fenômenos quantos as teorias pretendam explicar. E o que são as teorias? São conjuntos de conceitos correlacionados entre si, formando um sistema único, novo ou não, que implica uma combinatória entre conceitos, como dito neste ensaio, centrais e subjacentes, coordenados de tal modo que leve à mutualidade das relações. Ou seja, de tal modo que a escolha (classificação) e a ordenação (seriação) dos conceitos subjacentes determinarão o conceito central, uma vez que essa organização dos conceitos considera a lógica subjacente aos enunciados, "categóricos, verdadeiros ou falsos, e afirmativos (positivos) ou negativos" (Battro, 1971, p. 178). Tudo isso num nível propositivo, de pensamento abstrato no seu grau mais elevado.

O que se verifica no ensino superior, no entanto, ao se trabalhar com a formação de conceitos científicos com adolescentes, é que esses alunos não realizam o aprendizado desses conceitos a partir de proposições de modo imediato. O que se verifica é que eles também usam os aspectos figurativos como suporte para a operação com vistas à compreensão dos conceitos. Essa constatação tem uma implicação direta com o ensino de alunos do ensino superior, porque, de um modo geral, os professores esperam que eles compreendam os conceitos ensinados imediatamente. O que se observa, comumente, é que o professor organiza o conteúdo a ser trabalhado do modo que lhe parece mais lógico, ou seja, organiza os conceitos expondo todas as relações implicadas no novo conceito e acredita que isso é suficiente para que seu aluno compreenda os conceitos científicos da sua área de saber. Por hipótese, o que parece acontecer na realidade é um distanciamento entre a lógica do professor e a lógica do aluno. A dificuldade talvez se instale porque o aluno deverá fazer, ele mesmo, a construção lógica necessária para estabelecer as relações que levem à compreensão do conceito exposto pelo professor.

Quando no enunciado de uma questão numa prova escrita, por exemplo, o professor pede ao aluno que explicite tal conceito e o aluno descreve o exemplo dado em sala de aula pelo professor, o aluno está mostrando que não construiu para si a explicação para aquele conceito. Ele mostra que permanece contando com o apoio figurativo imanente ao exemplo dado pelo professor, indicando que sua capacidade para operar com conceitos subjacentes está aquém do necessário para que possa compreender o conceito central. Uma característica do conceito é não oscilar: ele está "enfiado" numa classe, ele é o que significa e o resto pode ser tudo o que ele não é. Pode-se inferir do procedimento do aluno que ele ainda não conseguiu estabelecer as relações necessárias entre os conceitos, ou seja, ainda não conseguiu inserir tal conceito na sua estrutura mental, indicando que precisa estabelecer novas relações que certamente o levarão a enriquecer o seu universo conceitual para aquele campo do saber.

Talvez a teoria de Piaget possa ajudar a compreender que, quando o aluno repete o exemplo dado pelo professor em sala de aula sempre que solicitado a explicitar um conceito trabalhado, prática bastante comum nas avaliações de conhecimento acadêmico, ele está nos mostrando que precisa ainda dos aspectos figurativos do conhecimento para sobre eles operar. Ou, dizendo de outro modo, ele nos mostra que precisa das imagens para tecer com elas todas as relações implicadas, ou seja, ele precisa estabelecer as relações entre cada parte e as precedentes e as consecutivas dentro de cada transformação e as relações implicadas em todas as transformações, com vistas à construção do conceito. Talvez se possa dizer que, para construir conceitos para entender ou formular teorias, é preciso um ir e vir incessante do pensamento, que classifica, ordena, compara, transpõe conceitos hipotéticos, seguindo uma lógica na qual o sujeito que pensa determina um conceito como ponto de referência e experimenta tantos quantos possa explicar até concluir por aquele ou aqueles que façam sentido diante de um sistema teórico.

Em Valente (2001), vimos que Piaget considera dois modos de operações intelectuais: as operações lógico-matemáticas, que consistem em ligar os objetos entre si sob a forma de classes, relações e números, conforme os grupamentos ou grupos ligados a elas, e as operações infralógicas ou espaço-temporais, que consistem em ligar não os objetos, mas os elementos constitutivos desses objetos totais. Ao estabelecimento de relações entre as classes nas operações lógico-matemáticas corresponde a divisão ou o estabelecimento de relações entre as partes do objeto nas operações infralógicas. Assim, os esquemas infralógicos são relativos aos objetos em si e não aos seus conjuntos. E as imagens, quando resultam somente das acomodações a esses objetos, sem que haja uma adaptação completa, são apenas símbolo do conjunto, um símbolo que ocupa o lugar do objeto significado e que, na construção de um pensamento operatório, participa como elemento auxiliar, coadjuvante da palavra. Mesmo quando a adaptação é completa, a imagem operatória gera uma intuição da forma, permanecendo a meio caminho entre o objeto significado e a abstração que leva ao conceito. "A abstração da forma difere da abstração que leva ao conceito; aquela remete à operação infralógica e este, à operação lógica" (Valente, 2001, p. 102). Ainda, acrescenta a autora, a grande diferença entre a intuição espacial representativa (imagem representativa) e a intuição espacial geométrica (imagem operatória) é que a primeira substitui o raciocínio, fazendo prevalecer o pensamento intuitivo, e a segunda acompanha o raciocínio operatório, até onde pode e lhe fica subordinada, como um suporte "concreto" para uma forma de pensar abstrata. É dessa segunda forma de intuição espacial que o aluno, ao usar os exemplos dados em aula, se serve para responder quando o professor lhe pede que explicite um conceito. Isso indica ao professor que seu aluno ainda não detém o saber a respeito de todas as relações em jogo na formação de um determinado conceito. Ele não compreende ainda o conceito, e novas operações serão necessárias para essa compreensão.

Um equívoco que pode haver relativo à discussão em pauta reside no fato de se supor que o aluno detém, no sentido de compreender, determinado conceito somente porque utiliza a linguagem escrita ao expressar-se. Embora o aluno esteja utilizando a linguagem verbal, no modo de escrita, ao responder com um exemplo anteriormente dado pelo professor, isso não prova que ele é possuidor daquele conceito. O fato de estar escrito, o que remete a modos abstratos de expressão de um pensamento, por si só não garante que houve a compreensão das relações aí implicadas.

As palavras agrupadas de modo a fazer sentido no âmbito da linguagem não garantem que houve a compreensão de tal conceito, ou seja, não garantem o sentido no âmbito da lógica. Pelo contrário, se ele optou por usar o exemplo dado para responder a uma pergunta que solicitava a explicitação de um conceito, minha hipótese é que ele não compreende na integralidade tal conceito e que, para a sua construção, o aluno se sustenta nos aspectos figurativos do pensamento. Provavelmente, com as sucessivas e necessárias acomodações operatórias em curso, a construção de um conceito esteja em andamento até que seja atingida a sua adaptação, isto é, até que o aluno construa a compreensão desse conceito. Uma vez tendo compreendido o conceito, o aluno vai empregá-lo corretamente, considerando os termos que constituem o corpo teórico que estrutura tal saber e, quando for o caso, ele não responderá mais repetindo o exemplo dado pelo professor em sala de aula. Nesse caso, as palavras não serão apenas palavras justapostas em obediência às leis da linguagem. Elas farão parte de um todo lógico cujo objetivo é explicitar um fenômeno e cuja síntese é o conceito ou grupo de conceitos.

Em suma, parece possível afirmar que, para conhecer todas as relações implicadas num dado conceito científico, o aluno precisa antes elaborá-las no nível figurativo, dependendo, para isso, das relações entre as imagens concernentes ao conceito. Quando se pede ao aluno que explicite um conceito, o que esperamos dele? Que utilize conceitos subjacentes que, reunidos de um determinado modo, expliquem o conceito central solicitado; este, por sua vez, corresponde à síntese daqueles conceitos, de tal modo determinados que, se se mudar o lugar de um dos conceitos subjacentes, mudará o conceito central. O que temos aqui? Classificação (escolha dos termos adequados dentro do corpo teórico trabalhado em aula), seriação (organização dos termos de um modo que a sucessão entre eles expresse o sentido desejado), comparação entre significados, correspondência entre as relações dadas aos elementos figurativos e as abstraídas dessas relações, etc., todas operações, para tratar apenas das mais básicas, necessárias (lógicas) para a construção de conceitos.

Por exemplo, é comum, ao trabalhar o conceito de reversibilidade, central na teoria piagetiana, o professor utilizar as provas piagetianas de conservação da substância, peso e volume para explicitar o ir e vir do pensamento, necessários para estabelecer as relações implicadas na formação de um dado conceito e introduzir os argumentos lógicos que o pré-adolescente desenvolve para pensar. Freqüentemente, numa avaliação, o professor pede que o aluno explicite o conceito de reversibilidade, considerando o corpo teórico formulado por Jean Piaget. Muitas vezes, ao responder, o aluno evoca em parte ou na totalidade o exemplo das provas piagetianas dado pelo professor. E, com isso, o que o aluno nos mostra? Ele mostra que ainda não consegue estabelecer as relações nos níveis propositivos, ou seja, nos níveis abstratos de "puro" conceito. Mostra-nos que ainda não consegue organizar os conceitos subjacentes de modo a explicar as relações implicadas no conceito central. Ele não consegue tecer as correlações conceituais implicadas na formação de dado conceito. Ao reproduzir a prova piagetiana da conservação da substância utilizada para exemplificar os processos móveis do pensamento, ele nos mostra que está, ainda, dependente das imagens. Estas, por sua vez, estão correlacionadas de determinados modos, formando configurações. O aluno parece depender dessas configurações para falar das relações aí implicadas, ainda em modo de imagens; necessárias como coadjuvantes na formação do conceito, mas ainda não conceitos "puros", no sentido de síntese de uma idéia, de uma abstração.

Diante do que se propôs discutir neste ensaio, parece que se pode formular uma explicação para o uso da expressão "Entendeu, ou quer que eu desenhe?". Talvez se possa dizer que, quando uma pessoa pergunta a seu interlocutor se ele quer que ela desenhe, essa pessoa, que percebe que seu interlocutor não compreendeu o conceito ao qual acabou de referir-se, está propondo uma assimilação revestida das possibilidades das operações representativas, sustentando-se nas imagens mentais, e mediante uma representação gráfica, o desenho. Por hipótese, acredita-se que, submetida à pressão resultante do fato de o interlocutor não compreender as relações implicadas no conceito central, todas elas necessariamente compostas de conceitos subjacentes, a pessoa utiliza-se dos aspectos figurativos para com eles operar, colocando imagens em relação umas com as outras para abstrair daí um significado, com o objetivo de que seu interlocutor compreenda, por fim, o conceito central referido na conversa.

Texto recebido em 22 jan. 2007

Texto aprovado em 18 maio 2007

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  • VALENTE, T. S. Desenho figurativo: uma representação possível do espaço. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    2007

Histórico

  • Aceito
    18 Maio 2007
  • Recebido
    22 Jan 2007
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