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Compreendendo a aprendizagem da linguagem científica na formação de professores de ciências

Understanding the learning about scientific language in the science teachers formation

Resumos

Após a contextualização da reforma curricular das ciências no ensino básico em Portugal, apresenta-se uma proposta de trabalho, no campo da Didática, para os professores de ciências aplicarem em sala de aula, que se pretende inovadora, investigação com base no planeamento - "design-based research (DBR)". Com a descrição desta abordagem pretende-se dar resposta a problemas que se colocam a professores e a investigadores, como seja a implementação de práticas de ensino baseadas em resultados da investigação de modo a diminuir o fosso existente entre a investigação educacional e as práticas dos professores. O ensino da linguagem científica, base da literacia e da cultura científica, é aqui tratado nessa perspectiva e integrada na abordagem apresentada. A formação de professores, como resposta ao desafio que estes problemas colocam, constitui-se como campo privilegiado de análise.

investigação com base no planeamento; design-based research; reforma curricular em Portugal; Didática do ensino das ciências; linguagem científica; formação de professores de ciências


After the contextualization of the Portuguese curricular basic school science reform, an innovative didactic work proposal was presented to be applied in the classroom by science teachers - "design-based research (DBR)". With this approach we intend to solve teachers and researchers problems like the implementation of research-oriented practice and to decrease the gap between educational research and teacher practice. The above-mentioned approach integrates the scientific language teaching, crucial for scientific literacy and scientific culture. The teachers' training, as a challenge to solve those problems is a privileged field for analysis.

design-based research; curricular reform in Portugal; Didactics of science teaching; scientific language; training of science teachers


DOSSIÊ: A LINGUAGEM NA PRODUÇÃO DO ENSINO UNIVERSITÁRIO: ESTUDOS COM FOCO NAS DISCIPLINAS

Teresa Oliveira; Ana Freire; Carolina Carvalho; Mário Azevedo; Sofia Freire; Mónica Baptista

Todos os autores são partícipes do Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - Portugal. Teresa Oliveira: mto@fc.ul.pt Ana Freire: afreire@fc.ul.pt

RESUMO

Após a contextualização da reforma curricular das ciências no ensino básico em Portugal, apresenta-se uma proposta de trabalho, no campo da Didática, para os professores de ciências aplicarem em sala de aula, que se pretende inovadora, investigação com base no planeamento - "design-based research (DBR)". Com a descrição desta abordagem pretende-se dar resposta a problemas que se colocam a professores e a investigadores, como seja a implementação de práticas de ensino baseadas em resultados da investigação de modo a diminuir o fosso existente entre a investigação educacional e as práticas dos professores. O ensino da linguagem científica, base da literacia e da cultura científica, é aqui tratado nessa perspectiva e integrada na abordagem apresentada. A formação de professores, como resposta ao desafio que estes problemas colocam, constitui-se como campo privilegiado de análise.

Palavras-chave: investigação com base no planeamento; design-based research; reforma curricular em Portugal; Didática do ensino das ciências; linguagem científica; formação de professores de ciências.

ABSTRACT

After the contextualization of the Portuguese curricular basic school science reform, an innovative didactic work proposal was presented to be applied in the classroom by science teachers - "design-based research (DBR)". With this approach we intend to solve teachers and researchers problems like the implementation of research-oriented practice and to decrease the gap between educational research and teacher practice. The above-mentioned approach integrates the scientific language teaching, crucial for scientific literacy and scientific culture. The teachers' training, as a challenge to solve those problems is a privileged field for analysis.

Keywords: design-based research; curricular reform in Portugal; Didactics of science teaching; scientific language; training of science teachers.

O contexto português

Nas últimas décadas do século passado assistiu-se ao surgimento de movimentos, baseados na investigação educacional, apelando para um maior equilíbrio entre conhecimentos e processos científicos, destinados a todos os alunos promovendo a literacia científica (MILLAR; OSBORNE, 1998; MARTINS, 2003). Toda a reflexão e discussão que daí advieram, levam a repensar os currículos de ciências. Assim, foi necessário conceber um novo currículo, articulando saberes das diferentes áreas científicas. Em Portugal, a reorganização curricular, ocorrida em 2001, para o ensino básico (1.º ao 9.º ano escolaridade) e a proposta da disciplina Ciências Físicas e Naturais (CFN), que engloba as Ciências Físico/Químicas e as Ciências Naturais, constitui uma resposta à necessidade de mudança sentida. As Orientações Curriculares (OC) para as CFN propõem como meta o desenvolvimento de um conjunto de competências tais como conhecimento (substantivo, processual ou metodológico, epistemológico), raciocínio, comunicação e atitudes (GALVÃO, et al., 2002). A definição abrangente de competência baseia-se no conceito de Perrenoud (2003), correspondendo ao processo de ativação de recursos (conhecimentos, capacidades, estratégias) em contextos variados, nomeadamente em situações complexas. As OC, ao preconizarem uma mudança de ênfase no ensino e aprendizagem das ciências, requerem que se invista na formação de professores e que se comecem a criar condições para que o professor se constitua como parceiro no processo de investigação e avaliação curricular, investigando a sua prática.

A investigação e as práticas

Verifica-se, hoje, alguma contestação à investigação educacional no que se refere à sua aplicação e impacto nas práticas de sala de aula (JUUTI; LAVONEN, 2007). A formação de professores, realizada nas universidades por investigadores, constitui-se como um processo mediador entre a investigação e as práticas continuando-se, contudo, a verificar um fosso entre a investigação educacional e a prática letiva. Os investigadores podem oferecer uma melhor compreensão das práticas de ensino, mas nem sempre têm uma visão correta do mundo real. Os professores, por sua vez, nem sempre utilizam ou não utilizam corretamente os resultados da investigação (HARGREAVES, 1997, HALLAM, 2000; COSTA et al., 2003). Tendo em conta a complexidade da Educação em Ciência é, pois, importante promover a interacção através da comunicação entre os professores de ciências e os investigadores (COSTA et al., 2003; MONK; OSBORNE, 2000).

Num estudo realizado em Portugal (IPEC, 2005-2008) verificou-se que um dos constrangimentos que tanto investigadores como professores referenciaram como obstáculo era a linguagem, nomeadamente: o ensino da linguagem científica aos alunos; a dificuldade de compreensão do jargão proveniente da investigação (o discurso teórico); a dificuldade de leitura de textos, quer curriculares, quer provenientes da investigação. Outro referido constrangimento relacionava-se com a formação de professores: a natureza da formação - ligação teoria/prática; a falta da aplicabilidade e/ou disseminação dos resultados da investigação; as estratégias formativas baseadas em transmissão de conhecimentos ou no treino de competências técnicas que não conseguem vencer as representações prévias e as resistências a um ensino inovador (LOUREIRO et al., 2005, 2007). Estes constrangimentos levam-nos a repensar a formação de professores de ciências e a dar mais relevância ao papel da linguagem nessa formação.

O que é que os professores de ciências necessitam saber sobre linguagem e o ensino das ciências?

A aprendizagem ocorre quase exclusivamente através da linguagem verbal, quer esta se apresente na forma escrita, quer na forma oral. A linguagem é, essencial para clarificar, inferir, comparar, testar, observar, prever, diferenciar, etc. É, também, uma forma de adquirir uma educação científica pela compreensão do mundo da Ciência e da comunicação existente nesse mesmo mundo.

A linguagem científica tem particularidades específicas e merece, em Educação em Ciência, uma particular atenção pois interfere na compreensão de conceitos científicos. Linguagem e Ciência estão, por conseguinte, intimamente ligadas, tal como afirmava Lavoisier em 1789. Parte-se do pressuposto teórico que a linguagem científica desenvolve o pensamento científico e com a complexificação deste desenvolve-se essa mesma linguagem científica. O domínio da linguagem pelo aluno transforma-se, assim, num valioso instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos e orienta a construção do próprio conhecimento.

Constata-se que a exploração didática da linguagem pelos professores nas aulas de ciências é um assunto pouco considerado na literatura sobre Educação Científica. Na realidade, uma enorme complexidade envolve a exploração didática da linguagem científica já que a mesma obriga à mobilização de muitos saberes multidisciplinares. Para combater o hermetismo característico da linguagem científica a que Lemke (1990, p. 134) chama "a mística da Ciência", a função dos professores de ciências no que diz respeita à linguagem é ajudar os alunos na aprendizagem dos conceitos e modelos científicos, na aquisição da competência linguística cientifica através de saber ler, escrever e interpretar a linguagem científica, no saber apreciar a ciência e o pensamento científico e no envolvimento na cultura científica. As implicações destas funções para a formação de professores podem ser analisadas segundo 4 vertentes:

Aspectos e implicações da linguagem científica

A linguagem da Ciência tem a sua própria estrutura, regras e exceções. Muitas das dificuldades com a linguagem científica na escola advêm desta ser, usualmente, oposta aos da experiência e aos da linguagem vulgar. Este tipo de linguagem usa uma terminologia, possui uma estrutura semântica e gramatical e um significado conceitual diferenciado da linguagem vulgar o que a afasta do uso coloquial. A linguagem usada pelos professores e pelos manuais escolares faz, frequentemente, da aprendizagem científica uma experiência incompreensível para os alunos. Para se compreender a Ciência é necessário um conhecimento da linguagem científica, não só no que respeita ao seu vocabulário, mas também ao seu processo de pensamento. Conhecer e usar a linguagem científica ajuda a compreender os conceitos científicos essenciais do conhecimento na sociedade em que vivemos.

A linguagem de ensino pela sua simplificação e subjetividade inerente pode transformar-se num obstáculo epistemológico, determinando fatores que afetam o conhecimento científico desviando-o das teorias e dos seus conteúdos racionais. Como exemplo, uma teoria pode requerer um certo número de conceitos e a linguagem usada, por exemplo, numa perspectiva explicativa só sugerir um desses conceitos.

É necessário ter uma atitude crítica e reflexiva perante a linguagem científica, estando consciente que o seu uso pode alterar as atitudes perante (e o conteúdo de) uma ideia. A compreensão da linguagem científica contribui para a literacia científica, base de uma cultura científica crucial para a participação ativa de cada cidadão no atual mundo científico e tecnológico.

Os problemas específicos de aprendizagem da linguagem científica

Sabe-se que existem problemas que a maioria dos alunos têm de enfrentar no uso da linguagem científica nas aulas de ciências, tais como: interpretar textos para compreender exatamente o que é a tarefa; saber escolher a informação principal; saber escrever o que a tarefa impõe; explicar a utilidade do que estão a fazer; desconhecer a nomenclatura; não compreender o discurso científico, nem o pensamento subjacente; não saber expor ideias sistematicamente e organizadamente (OLIVEIRA, 1991).

Um dos aspectos problemáticos para a aprendizagem da linguagem científica relaciona-se com a familiarização da nomenclatura normalmente utilizada em Ciência. Com o extraordinário aumento do conhecimento científico a terminologia em Ciência aumentou, também, extraordinariamente e o problema da aprendizagem da linguagem científica tem-se tornado cada vez mais relevante. A linguagem científica, tal como toda a linguagem, não é estática. Quando se torna necessário aumentar o léxico em Ciência uma das maneiras mais usadas é inventar palavras novas geralmente derivadas do grego ou do latim ou ainda selecioná-las, normalmente por analogia, do vocabulário vulgar dando-lhe um significado novo e preciso. O desenvolvimento da linguagem em Ciência envolve, assim, mudança no significado dos nomes. Em Ciência, e na aprendizagem da Ciência, certas palavras não podem ganhar significado tão facilmente como as palavras do quotidiano, porque têm significado específico que não pode ser resultado da observação ou da experiência pessoal.

Outra dificuldade importante na aprendizagem da Ciência, ligada ao significado das frases científicas, referida por Maskill (1998), está relacionada com as implicações causais que podem ser interpretadas pelos alunos como discurso vulgar devido à ocorrência de erros de lógica num contexto desconhecido, e.g. a frase "todos os metais são condutores da eletricidade" pode também ser interpretada da seguinte forma: "se uma substância é condutora da eletricidade então deve ser um metal". Se o contexto fosse conhecido tal erro de lógica já não ocorreria, por exemplo, na frase "todos os jogadores profissionais de futebol são bons atletas" ninguém interpretaria que "todos os bons atletas são jogadores profissionais de futebol". Uma segunda dificuldade do mesmo tipo verifica-se quando os alunos interpretam uma relação causal quando esta não existe, e.g. na frase "o diamante é uma estrutura cristalina embora não seja iónica" pode ser interpretada como "o diamante é cristalino porque é iónico".

Outra dificuldade está relacionada com a existência de nomes técnicos, que não o parecem ser, e cujo reconhecimento é difícil de se fazer. Havendo várias possibilidades: (i) nomes vulgares que têm outro significado no contexto científico, e.g. "vida", "fruto", "sal", etc.; (ii) nomes científicos divulgados e popularizados, tornando-se de emprego vulgar, e.g. "ambiente", "trombose", "órbita", etc.; (iii) nomes científicos usados em linguagem vulgar com significado diferente do científico, e.g. "atomístico", "osmose", "espectro", "alergia ao trabalho", "espetáculo elétrico", "a química das relações pessoais", etc.

No estudo da linguagem é útil distinguir os aspectos denotativo de uma palavra (como esta se define) e o conotativo (as suas múltiplas associações de sentido). Este último aspecto é, na linguagem vulgar, o que faz escolher uma palavra em vez de outra, e o que faz diferir a linguagem de uma pessoa para outra pessoa. Em Ciência pretende-se retirar a ênfase no aspecto conotativo da linguagem e centrá-la na linguagem no seu aspecto denotativo com a finalidade de atingir a objetividade com um mínimo de ambiguidade. Ao explorar apenas o aspecto denotativo da linguagem científica o professor corre o risco dos seus alunos estarem defasados da globalidade do contexto. A importância em separar o aspecto denotativo do conotativo, com a preocupação da obtenção da objetividade, levou a uma escrita científica despersonalizada e estereotipada, característica dos relatórios científicos. Na aprendizagem formal em Ciência esta preocupação traduziu-se numa quebra de criatividade e de espontaneidade, escondendo do aluno todo o processo de expressão própria para que só apareçam os resultados e os fatos observados.

As estratégias de ensino para colmatar esses problemas e desenvolver competências de leitura e escrita

A precisão científica da linguagem é um objetivo importante em toda a aprendizagem científica. Contudo, esta precisão não pode ser atingida sem que o aluno compreenda, para si próprio, o significado das palavras, pense nesse significado e no que a ele está associado. Se se centrar o ensino da Ciência nos termos e na nomenclatura nova, os alunos podem ter a cabeça "cheia" de novos nomes, mas não estarem certos do que esses nomes querem dizer ou de onde vêm.

É necessário, por um lado, permitir aos alunos a reorganização conceitual da informação para alterar as suas categorias pré-existentes. Por outro lado, proporcionar-lhes ocasiões de encontrarem o seu modo de pensar e raciocinar desenvolvendo estruturas organizacionais e criativas que, juntamente com a memória, vão desenvolver competências científicas afetando a aprendizagem e orientando significativamente a construção do conhecimento.

Um estudo desenvolvido por Sutton (1992) mostrou que os professores de ciências, de vários níveis de ensino, é que detinham o maior tempo de utilização da linguagem na sala de aula utilizando-a para diversas funções, nomeadamente para controle, supervisão, informação, apoio individual, discussão, leitura e escrita. Este tempo aumentava ao longo dos anos de escolaridade. O tempo dedicado pelo professor à transmissão da informação ia aumentando assim como o tempo dedicado ao apoio individual ao aluno ia diminuindo. O tempo dispendido à linguagem dos alunos era usado para ouvir, observar, chamar o professor, fazer atividades, discutir com o professor e com colegas, escrever e ler. A atividade de ouvir era,, sem sombra de dúvida, aquela que ocupava o maior tempo dos alunos na sala de aula, indo ainda este tempo aumentando com os anos de escolaridade. Os professores utilizavam o diálogo orientado, mas faziam mais questões que os alunos. Estas questões eram sobretudo de natureza factual. É, pois, de esperar que o ensino das ciências, desenvolvido desta forma, não promova capacidades cognitivas requeridas para o desenvolvimento da linguagem, nem para uma educação científica adequada.

Para se potencializar a compreensão e utilização da linguagem científica na aprendizagem esta deve ser explorada ativamente em atividades práticas didáticas. Levar os alunos a classificar a terminologia, segundo diferentes critérios, pode ajudar a aprendizagem da linguagem científica: (i) constituindo partes do discurso (substantivos, etc.); (ii) analisando a derivação e a relação com diferentes assuntos; (iii) fazendo o reconhecimento de palavras vulgares com significado técnico ou de palavras técnicas com significado vulgar.

A leitura e comparação de textos é outra possibilidade de estratégia didática a utilizar para a aprendizagem da linguagem científica. Outras possibilidades serão: (i) fazer com que os alunos explorem o discurso oralmente de diferentes formas (entrevistas, testes associativos, inquéritos, mapas semânticos, jogos de palavras); (ii) utilizar diverso material escrito (manuais de vários autores, livros de referência, biografias de cientistas, enciclopédias, dicionários de especialidade, guias de trabalhos práticos, livros, revistas de divulgação, fotografias, desenhos, diagramas, jornais, revistas profissionais de Ciência); (iii) fazer com que os alunos escrevam e utilizar a própria investigação dos alunos (registos gravados por diferentes alunos e diferentes professores, diferentes documentos escritos pelos alunos, partilha do que se leu ou ouviu); (iv) utilizar materiais audiovisuais e computacionais; (v) ou utilizar todas estas atividades articuladas conforme a situação didática (GALVÃO et al., 2006, OLIVEIRA, 1999).

É essencial, pois, que os professores se perguntem: (i) até que ponto é que a minha linguagem/linguagem científica precisa de ser "traduzida" para ser compreendida?; (ii) até que ponto a estruturação da linguagem utilizada facilita/inibe a aprendizagem da Ciência?; (iii) até que ponto é que a linguagem científica utilizada está desenvolvendo o pensamento e as atitudes científicas?; (iv) que atividades práticas devo implementar numa didática da linguagem científica?; (v) estarão as situações de aprendizagem que eu organizo contribuindo para a literacia e a cultura científica dos meus alunos? (OLIVEIRA, 1999).

A linguagem da investigação

Pensa-se ser relevante a análise do papel desempenhado pela linguagem na construção do conhecimento científico pelos cientistas para um enquadramento teórico e uma melhor compreensão da construção do conhecimento científico em meio escolar. A relação entre a natureza da Ciência e a linguagem utilizada em Ciência tem gerado controvérsias relativamente no desenvolvimento do conhecimento ao nível da educação e da divulgação científica e da própria aceitação das teorias entre a comunidade científica, já que cada cientista tem o seu estilo próprio e o seu próprio sistema linguístico. Muitos autores são contra a linguagem próxima do uso corrente quando usada numa teoria científica, com base no argumento de que esta deve ser um assunto exclusivamente lógico e racional. Assim sendo, qualquer boa teoria em Ciência deve ser rigorosa, precisa e expressa em linguagem literal. As teorias devem evitar as vulgaridades, as ambiguidades e os contextos vagos. Deve imperar o discurso da verdade, que é o de estrita objetividade, excluindo e até reprimindo as intervenções da fantasia, da imaginação, as preferências e os gostos, visando criar representações universalmente válidas. O significado dos termos teóricos deve ser traduzido só por definições literais e operacionais para permitir que as teorias possam ser testadas. Estas ideias são consistentes com o objetivo atribuído à Ciência como forma de obter dados de uma forma conscienciosa e rigorosa. Esta perspectiva advém, em última análise, das posições positivistas para as quais a Ciência consiste, exclusivamente, em explicações lógicas, leis e relações dedutivas entre conceitos e observações. Hoje verifica-se uma nova compreensão da lógica da construção do conhecimento científico, resultante das controvérsias epistemológicas sobre a transitoriedade e flexibilidade, a incerteza e a indeterminação do conhecimento, a estrutura das teorias, a relação destas com a evidência e a verdade, o papel da observação e da experimentação, o modo de trabalho em Ciência e os processos pelos quais a Ciência se desenvolve e o conhecimento muda e progride. Contemporaneamente, os filósofos da Ciência têm dado contribuições importantes para esta nova visão da construção do conhecimento científico. Assim, a linguagem em Ciência tem-se modificado dando lugar a uma linguagem mais flexível, perto da linguagem vulgar, apresentando, também, um carácter descritivo, explicativo e ilustrativo tornando-se a divulgação científica uma preocupação dos cientistas.

A linguagem em investigação em Ciência tem sido usada para conquistar, selecionar e nomear o desconhecido. A linguagem dá poder discursivo ao conhecimento científico, dando uma nova visão do não observável, gerando investigação científica, providenciando formas de argumentação, tornando assim possível a comunicação científica e consequentemente o desenvolvimento da Ciência. É, pois, essencial que os professores e os investigadores criem canais de comunicação de modo a construir pontes entre a investigação e as práticas letivas.

O professor deveria ser sujeito da formação, segundo as vertentes mencionadas, aproximando a linguagem da investigação com os problemas da prática, de modo a poder compreender os resultados da investigação e utilizar conscientemente a linguagem científica como instrumento de ensino e de aprendizagem promovendo a literacia e a cultura científica dos alunos. Esta perspectiva encontra-se referenciada em Borko et al (2008) ao fazer uma recensão dos métodos mais utilizados em investigação educacional. Assim, segundo aqueles autores, a investigação interpretativa tem sido a mais utilizada com o objetivo de analisar a sociedade para a compreender e propor reformas. Inclui, por exemplo, a investigação etnográfica, a interacionista, a narrativa, a fenomenológica, a análise discursiva, etc. A investigação interpretativa tem produzido avanços no conhecimento e no pensamento educacionais e servido de base a reformas. Contudo, apresenta limitações. A mais importante limitação é não ter conseguido quadros teóricos globais com implicações na inovação e na mudança das práticas em sala de aula. Uma outra perspectiva é definida, pelos mesmos autores, como investigação na prática. Esta é conduzida por aqueles que estão trabalhando no terreno. Os resultados obtidos podem conduzir à mudança e inovação das práticas. Algumas limitações são apresentadas relacionadas com a validade da investigação como a recolha das evidências, a interpretação dos resultados e as conclusões obtidas. A eficácia e a aplicabilidade do conhecimento obtido são outras limitações. A DBR1 1 . Por não haver ainda tradução para "Design-Based Research - DBR", os autores optaram por "Investigação Baseada no Planeamento". é a mais recente perspectiva de investigação educacional. Apareceu em reação aos métodos laboratoriais experimentais comumente usados em Psicologia. Os investigadores educacionais envolvem-se em contextos da vida real criando colaborativamente com os práticos inovações e estudando sistematicamente as aprendizagens resultantes. A colaboração entre investigadores e práticos, com base em diferentes tipos de conhecimento e de linguagem, promove quadros conceituais globais, úteis para o trabalho dos investigadores e para os práticos, diminui o fosso entre teoria e prática (IPEC, 2005-2008) e permite a construção de uma espiral contínua de evolução do conhecimento e de inovação.

A investigação baseada no planeamento (Design-Based Research - DBR)

A investigação educacional que emerge a partir de planeamento conjunto, entre professores e investigadores, de estratégias educacionais ou de ferramentas tecnológicas que podem ser usadas na sala de aula, para promover a aprendizagem, tem sido enfatizada por aqueles que se preocupam com a necessidade de ligar a teoria e a prática na formação de professores. Assim, a investigação baseada no planeamento (DBR) representa um novo paradigma de investigação no aprender a ensinar (DBR Collective, 2003). Constitui, também, uma estratégia metodológica sistemática e flexível que tem por finalidade melhorar as práticas dos professores através da reflexão interativa (WANG; HANNAFIN, 2004), uma estratégia de investigação inovadora que envolve a construção de uma teoria inspirada num plano que é testado em contexto natural (BARAB, ARICI; JACKSON, 2005), uma estratégia metodológica de caráter qualitativo e quantitativo que tem implicações no desenvolvimento de novas teorias de ensino e aprendizagem (DEDE, 2005), uma estratégia que permite o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas, do currículo e de teorias que podem ser usadas para a compreensão de como os alunos aprendem (BARAB; SQUIRE, 2004).

DBR tem as suas raízes em modelos de investigação, como os usados em Aeronáutica ou Inteligência Artificial, que partem de planos, de ferramentas tecnológicas, de desenhos que vão ser postos em ação e cujos resultados permitem refazer o plano para responder aos problemas que se colocam na prática. Assim, DBR caracteriza-se pela relação entre a teoria e a prática, concebendo ferramentas tecnológicas ou planos estratégicos que vão ser postos em ação em contextos naturais para se estudar, sistematicamente, como funcionam na prática. Esta preocupação em ligar a teoria e a prática, de modo a contribuir para uma melhoria da prática e para estudar como inovações curriculares podem ser implementadas de modo a promover aprendizagens, levou a que educadores e investigadores educacionais se interessassem por esta estratégia de investigação e formação no processo de aprender a ensinar.

Na aprendizagem do ensino, DBR pressupõe a colaboração entre professores e investigadores no campo da Didática de modo a levar os primeiros a implementar propostas didáticas fundamentadas teoricamente e a refletir sobre as consequências que tais propostas têm a nível da motivação e aprendizagem de ciências dos seus alunos e a estudar, quer as dificuldades que os professores enfrentam quando pretendem pôr em ação estratégias de ensino inovadoras, quer as aprendizagens que realizam quando são envolvidos em processos de investigação na prática.

Neste processo existem três partes envolvidas que podem variar de funções conforme as situações didáticas: investigador; professor; artefato (uma planificação, um guia para o professor, um texto científico, uma ferramenta tecnológica, um recurso didático). Esta abordagem centra-se não só na aprendizagem pelos alunos ou nas propriedades de um artefato, mas também nos conhecimentos do professor (eg. sobre linguagem científica, sobre o uso de investigações, sobre as TIC) num contexto autêntico de sala aula (JUTTI; LAVONEN, 2006), na vontade deliberada de romperem com as suas rotinas de sala de aula e de correr o risco de implementarem estratégias diferentes daquelas que põem em ação habitualmente (LOUGHRAN, BERRY; UMLHALL, 2006). Esta estratégia de formação aproxima, por um lado, a investigação educacional da prática pedagógica e, por outro lado, permite a construção de conhecimento educacional a partir da prática.

Essa abordagem de investigação e formação teve a sua origem nos trabalhos desenvolvidos por Ann Brown e Alan Collins. Com efeito, Brown (1992) e Collins (1992) utilizaram o termo design experiments para enfatizar a necessidade de ligar os problemas que os professores enfrentam na prática quando implementam estratégias inovadoras com resultados da investigação educacional de modo a diminuir o hiato entre teoria e prática. Trata-se, de acordo com esses autores, de um paradigma emergente para o estudo da aprendizagem e das estratégias de ensino, a partir de um plano, fundamentado teoricamente e concebido colaborativamente entre professores e investigadores.

DBR apresenta-se com potencialidade de poder contribuir para a mudança de práticas de professores. Por um lado, permite que os professores fundamentem as suas estratégias de ensino, usando os resultados da investigação educacional, através de ações comunicativas (HABERMAS, 1990) com investigadores. Por outro lado, possibilita a recolha de dados sobre como decorre a aprendizagem das ciências e sobre como os professores aprendem a ensinar, correndo riscos, vencendo dilemas ao pôr em ação atividades inovadoras e distintas daquelas usadas, permitindo a construção de conhecimento profissional, teorizando a prática. Com efeito, as inovações a serem implementadas, tipicamente envolvem múltiplos elementos como tarefas ou problemas a serem resolvidos, recursos didáticos que suportam a aprendizagem, normas de participação, têm em atenção o contexto social e podem conduzir a mudanças nas práticas, validando propostas curriculares (BORKO et al, 2008) que pressupõem ajudar aos alunos a desenvolver competências de conhecimento (substantivo, processual e epistemológico), de raciocínio e de comunicação.

Conclusão

DBR parece constituir uma componente essencial para a formação de professores que poderá responder aos problemas da aprendizagem da linguagem científica, do uso de investigações e de TIC, respondendo conjuntamente aos desafios da mudança de paradigma do ensino das ciências preconizada pela recente reforma curricular, agora em vigor em Portugal. Não existe apenas uma perspectiva sobre o significado de investigação com base no planeamento. Alguns autores consideram-na uma metodologia de investigação, outros, uma forma de investigação ou ainda um paradigma de investigação. Todavia, os diferentes autores concordam que a investigação baseada no planeamento (DBR) responde a algumas limitações que se verificam em outros tipos de investigação educacional. Tem como finalidade, ao propor um trabalho colaborativo entre investigadores e professores, aumentar o conhecimento da investigação educacional sobre como os alunos aprendem e simultaneamente contribuir para a inovação e melhoria das práticas e para o desenvolvimento profissional dos professores (ANDRIESSEN, 2007; REINKING; BRADLEY, 2008).

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  • Compreendendo a aprendizagem da linguagem científica na formação de professores de ciências

    Understanding the learning about scientific language in the science teachers formation
  • 1
    . Por não haver ainda tradução para "Design-Based Research - DBR", os autores optaram por "Investigação Baseada no Planeamento".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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