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A filosofia de Rudolf Steiner e a crise do pensamento contemporâneo

RESENHAS

Jonas Bach Junior

Doutorando em Educação (Universidade Federal do Paraná / Alanus Hochschule - Alemanha)

WELBURN, A. A filosofia de Rudolf Steiner e a crise do pensamento contemporâneo. São Paulo: Madras, 2005.

O filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) nunca foi moda no meio acadêmico, sua reputação está muito mais associada às atividades que se basearam sobre suas ideias, como a Pedagogia Waldorf, a agricultura biodinâmica, a medicina antroposófica e outros. Andrew Welburn assume, com este livro, a tarefa de apresentar a relevância de uma filosofia não convencional ao leitor moderno. O autor justifica a importância atual da filosofia de Steiner comparando suas contribuições com as situações aparentemente sem saída, oriundas de uma crise do pensamento contemporâneo.

Com suas ressalvas à metafísica, ao idealismo e ao empirismo, Steiner ficou à margem da academia porque foi mal compreendido e porque seus alertas de um sistema que caminhava ao colapso não fizeram eco em seus contemporâneos. Suas obras tiveram que esperar o correr das décadas para merecer o destaque que têm nas palavras de Welburn. A crise atual foi prevista por Steiner. Enquanto muitos seguiam confiantes sob o ponto cego de seus sistemas racionais, ele apontou os descaminhos da filosofia kantiana numa época de efervescência do racionalismo e do materialismo. O filósofo austríaco supera sua época e estabelece uma teoria hipercomplexa envolvendo filosofia, epistemologia e antropologia sob um enfoque audacioso. O leitor é convidado a pensar sobre uma ecologia do conhecimento como contraponto à crise do pensamento contemporâneo. O que se encontra neste livro é um panorama sobre as principais obras filosóficas de Steiner, não como um guia de leitura ou visão técnica para compreendê-la, mas sob o ponto de vista particular de Welburn, com destaques para os pontos relevantes da filosofia steineriana.

A questão do conhecimento é central no pensamento de Steiner, o espectro de suas obras está fundamentado numa epistemologia formulada sobre o método científico de Goethe. Segundo Welburn, Steiner se afastou de uma epistemologia do materialismo que sofreu distorções para sustentar postulados filosóficos que levaram a uma obsessividade pela objetividade.

Há dois tipos de leitores que podem tirar proveito dessa obra: os já familiarizados com Steiner, pois literatura relacionando questões atuais com Steiner é raro; e os não familiarizados, pelo desafio de se abrir a uma forma de pensar que foi muito rejeitada e se libertar de preconceitos arraigados no meio científico. Uma das rejeições foi a ênfase na profundidade da aparência, denominada por ele como o elemento "oculto" no conhecimento e o emprego, fora de suas obras filosóficas, de jargões mitológicos. Welburn aproveita este lado polêmico de Steiner, explora a sua importância em setores da ciência do século XX conectada com a compreensão do espiritual e adverte: fomos nós que introduzimos o nada no mundo e este é o lado ilusório da experiência.

É difícil ler Steiner com sua terminologia neokantiana para alertar seus contemporâneos sobre a artificialidade que estava montada a filosofia transcendental. Wellburn tenta, com sua linguagem própria, aproximar a essência do pensar steineriano com o leitor moderno. Há ressalvas quanto à tradução, o português está truncado em algumas passagens (o mais grave cabe aos trechos traduzidos do inglês que foram traduzidos do alemão). Porém, as opções desse tipo de literatura são quase inexistentes.

Welburn é bem sucedido quando chega com clareza e pertinência aos pontos fundamentais da teoria de Steiner, porém, perde-se em alguns momentos com um encadeamento confuso de ideias que não facilita a vida do leitor, mas tem seu mérito por vasculhar as necessidades atuais da ciência e por apontar em quais questões o pensamento de Steiner preenche as lacunas.

No livro, destaca-se a epistemologia evolutiva de Steiner, onde o foco está no conhecedor, na instância humana geradora do pensar; sua proposta é como um olho que vira do avesso para se autocontemplar: o pensar sobre o pensar, quando experiência e ação são um só fenômeno. O ato de conhecer é o ponto chave do pensamento steineriano, o pivô na relação com o mundo, o ponto fundamento para o eu em desenvolvimento, em que desdobra-se a questão sobre a liberdade.

As origens do pensamento de Steiner estão na mesma raiz da fenomenologia, ele foi aluno de Franz Brentano, que foi professor de Husserl. O conceito de intencionalidade foi um prelúdio para as concepções da filosofia espiritual que Steiner formularia mais tarde. O inusitado em Steiner foi rechaçar o misticismo, a metafísica, o espiritismo, e estruturar uma filosofia espiritual para a modernidade, com o pensamento crítico e a autoconsciência. Ele adiantou no século XIX um perfil que buscava o diálogo, pois esteve em contatos com grandes personalidades (Nietzsche, Haeckel – por exemplo), admirando-os e reconhecendo seus méritos. O intuito de Steiner era de ampliar, com outros pontos de vista, suas próprias perspectivas, e não de ser um seguidor. Assim, a partir dessas personalidades de renome, ele concebeu uma teoria da evolução espiritualizada e desconstruiu o desconstrucionismo.

A desconstrução do desconstruído é denominada por Welburn de ecologia do conhecimento. Refere-se a um tratado fenomenológico que Steiner elaborou a partir do método científico de Johann Wolfgang Goethe (1749-1832), que alia fundamentalmente a ciência à arte. Ou seja, a teoria steineriana não dicotomiza razão e emoção. O papel do conhecedor é fundamental para o conhecimento, as questões da afetividade humana estão implicadas no ato de conhecer. Assim, não há uma submissão do conhecimento à ordem inerente das coisas. O observado depende do observador, e este, inclusive em suas dimensões emotivas e afetivas, é participante do processo de criação do conhecimento. Entre as polaridades razão/emoção, ciência/arte, não se trata de submissão ou exclusão de uma em relação à outra. Pelo contrário, refere-se a uma dinamização, valorização e intensificação de ambas as dimensões.

Essa ênfase na participação ativa do ser humano pode ser resumida em: conhecer o mundo para mudá-lo e com a mudança realizada, ser transformado por ele. Sem parâmetros fixos, sem qualquer precipitação de uma conclusão idealista de que o mundo está em minha mente e sem qualquer restrição materialista, o conhecimento é colocado como relação. Nesse ponto, Welburn conecta a teoria steineriana com seus aspectos práticos e ressalta as aplicações desses princípios na educação, mais precisamente, na Pedagogia Waldorf. Os procedimentos pedagógicos de caráter afetivo-estético intensificam a relação de efeito recíproco entre a arte e a ciência, entre a emoção e a razão. A questão do conhecer não é mais restrita aos seus aspectos quantitativos. A importância real e comprometida com o papel da arte na educação Waldorf cunha o valor qualitativo do conhecimento como elemento fundamental no processo de compreensão do mundo.

O papel da afetividade, vinculado ao processo de educação e à cognição, está no embasamento e cultivo de valores de relação com o fenômeno da vida. Welburn ressalta a importância do âmbito qualitativo da existência humana, que requer um amparo por meio de uma postura de admiração e veneração pela existência das coisas. O admirar e o venerar como atos de afeto estão nos fundamentos da teoria steineriana para a educação do ser humano. São os fatores que ampliam a percepção ecológica dos indivíduos e que têm, como fonte, a dimensão afetiva.

A conexão entre a dimensão científica e a dimensão artística em Steiner também foi significativa para alicerçar as questões do eu em desenvolvimento. No primeiro aspecto, por não abandonar a objetividade das leis de evolução que um indivíduo pode encontrar por si próprio. No segundo aspecto, pelo caráter criativo, inventivo na reconstrução de si mesmo, como opção evolutiva, frente às vicissitudes da existência. Sem pressupostos absolutos ou idealistas, quem procura por prescrições nos textos de Steiner ficará frustrado. Quem espera por esvaziamentos desnorteantes a partir de tendências pós-modernas sem referenciais, tampouco ficará satisfeito. A polarização não é sugerida ou incutida a partir da perspectiva steineriana, pelo contrário, é enfatizada a responsabilidade dentro de um individualismo ético.

O livro termina com uma crítica da modernidade, evidenciando as previsões de Steiner quanto às ilusões que a humanidade fomentaria, que fundamentam a aventura malsucedida do desconstrucionismo. Nesse sentido, o contato com o pensamento de Steiner requer, por parte do leitor, uma intenção de reconstrução dos parâmetros perdidos, de redescoberta dos pontos genuinamente significativos dentre os escombros da linguagem destruída, do estruturalismo que pulverizou o indivíduo.

Um pensar não polarizado, que gera um conhecimento nem absolutista, nem relativista, que perpassa dinamicamente as perspectivas alheias e que inclui a dimensão estética e dos sentimentos, é a proposta de Steiner. Na perspectiva steineriana, o conhecimento construído tem seu valor, porque foi revelado, herdado, e assumiu uma multiplicidade de formas, conforme a condição cultural e espaço-temporal da humanidade. O conhecimento desconstruído também tem seu valor, por um posicionamento da humanidade que nega a opressão de referenciais universais baseados em quaisquer autoridades externas. Entretanto, a ênfase e a dedicação de Steiner estão no conhecimento reconstruído, a partir do pensar vivenciado, que cria e percebe-se a si próprio; corresponsabilizando cada indivíduo pelo surgimento do novo, do inusitado, na reconstrução de si mesmo e do mundo. Tudo isso, sem promessas doces, com o aviso de que o processo é árduo.

O projeto de Welburn de aliar numa mesma obra pontos distantes como a filosofia e a ampla conceituação de espiritualidade pode deixar o leitor à deriva. O método que Steiner adota para aliar os pontos fundamentais do processo de conhecer com a questão da moral e da ética é o elemento norteador que está em aberto para ser criado pelo próprio sujeito interessado. Porém, o método em si só se encontra nas obras originais: A Filosofia da Liberdade, Verdade e Ciência, O Método Cognitivo de Goethe. O livro de Welburn, adiantando a positividade dos resultados comprovados empiricamente, pode servir de introdução para o aprofundamento nas obras citadas.

Texto recebido em 19 de novembro de 2009.

Texto aprovado em 12 de janeiro de 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2010
  • Data do Fascículo
    2010
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