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Desenvolvimento metalinguístico: questões contemporâneas

RESENHAS

Luciana Ribeiro Pinheiro; Viviane do Rocio Barbosa

Doutorandas em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, Brasil

MOTA, M. da. (Org.) Desenvolvimento metalinguístico: questões contemporâneas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009

Nos últimos anos, tem havido uma crescente conscientização da necessidade de estudar o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas, de entender a linguagem como objeto de reflexão, disponibilizando tais conhecimentos em favor dos processos educacionais. Tendo a vertente teórica da Metalinguagem como seu viés, a pesquisadora Márcia Mota organiza um importante referencial no livro intitulado "Desenvolvimento metalinguístico: questões contemporâneas", publicado pela Casa do Psicólogo em 2009, que vem ao encontro das necessidades de muitos estudiosos da área, pois se trata de um compêndio que retrata o panorama atual das pesquisas neste campo das habilidades metalinguísticas, bem como demonstra algumas das inúmeras demandas empíricas que essas pesquisas ainda indicam, ampliando possibilidades para estudos futuros.

A edição aqui resenhada é produto de uma vasta revisão de literatura, realizada por cinco autores especialistas nas diferentes habilidades que contemplam o arcabouço delineador dos processos metalinguísticos. Sendo eles os pesquisadores: Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla, Fernando César Capovilla, Jane Correa, Alina Galvão Spinillo e Márcia Mota. O livro divide-se em quatro capítulos e apresenta um panorama atual revelando os principais resultados de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior, bem como as tendências teórico-metodológicas que alcançaram destaques nesse campo.

A contribuição da obra para estudantes e pesquisadores que atuam ou pretendem atuar na área é inquestionável. A partir deste livro pode-se ter uma visão geral a respeito de investigações sobre os aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos da língua, numa abordagem que visa o conhecimento sobre a manipulação intencional desta enquanto objeto de reflexão.

No primeiro segmento do livro, Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla e Fernando César Capovilla abordam sobre a importância do desenvolvimento da consciência fonológica para a aquisição da linguagem escrita. Eles indicam que a fala pode ser segmentada e que suas partes podem ser manipuladas conscientemente pelo indivíduo, e, isso favorece a aquisição da linguagem escrita pelo mesmo. Os autores tecem uma retrospectiva teórica do largo campo investigativo sobre a relação do desenvolvimento da consciência fonológica e o aprendizado da leitura e da escrita, ilustrando que Liberman et al. (1974) foram os primeiros psicólogos a pesquisarem sobre o tema com crianças e que atualmente são inúmeros os estudos sobre a referida questão.

A partir da apresentação de estudos desenvolvidos nos últimos trinta anos sobre a temática, os autores indicam que as intervenções do professor em sala de aula no processo de desenvolvimento da consciência fonológica são fundamentais e que o treino dessa habilidade pode favorecer aspectos referentes ao domínio da fala e da escrita. É possível acompanhar o ímpeto reformador da alfabetização, proposta nas entrelinhas pelos autores, a partir da devida valorização da consciência fonológica como um tipo de consciência metalinguística fundamental em tal processo. Os estudos apresentados evidenciam que essa habilidade, por ser mais complexa, não se desenvolve espontaneamente, requerendo experiências específicas que vão além da mera exposição.

Para além dos impasses e fracassos educacionais referentes à alfabetização, os autores deixam transparecer que a educação precisa levar em consideração as pesquisas realizadas nesse campo. Afinal, há um possível comprometimento da aquisição da língua escrita quando, no processo de alfabetização, essa habilidade é negligenciada. Percebe-se, a partir da leitura do capítulo, que a consciência fonológica foi bastante investigada e que novas possibilidades de estudos devem ser bastante cautelosas e ao mesmo tempo audaciosas, na medida em que se pode colocar em cheque algo já pesquisado e que pode ser refutado.

Dando continuidade ao compêndio de informações pertinentes ao desenvolvimento metalinguístico, Márcia da Mota indaga a respeito da consciência morfológica enquanto conceito unitário ou não. Para refletir sobre essa questão, ela propõe uma discussão sobre as recentes pesquisas voltadas à reflexão intencional sobre os morfemas e retoma sua definição enquanto as menores unidades linguísticas que possuem significado próprio (podendo ser derivacionais ou flexionais). A relação entre a consciência morfológica e a escrita, segundo Mota, parte da possível combinação de dois princípios: o princípio fonográfico e o semiográfico. Partindo desse ponto de vista, a autora demonstra, ao longo do texto, que é inviabilizada a conceituação unitária para essa habilidade.

Mota também trata da consciência morfológica enquanto habilidade consciente do indivíduo que se associa ao desempenho na leitura e na escrita, demonstrando através de um panorama internacional investigativo (estudos feitos no inglês, português e francês) a reflexão sobre como a criança manipula a estrutura dos vocábulos e como isso interfere na aquisição e aperfeiçoamento da linguagem escrita. Ao final de seu texto, Márcia Mota indica a necessidade de se desenvolverem outros estudos na área, pois ainda não se pode concluir que a consciência morfológica seja um conceito unitário, na medida em que se percebem inúmeras indagações a respeito de aspectos que se remetem à diferenciação da morfologia derivacional e flexional, bem como ainda não se tem bem definido qual a relação entre o desempenho na escrita e o desenvolvimento da consciência morfológica, por falta de dados empíricos. Essa parte do livro abre as portas para inúmeros questionamentos e nos remete a inúmeras possibilidades investigativas.

Prosseguindo à exposição de pesquisas e teorias propostas no livro, Jane Correa discorre, no capítulo três, denominado "Habilidades metalinguísticas relacionadas à sintaxe e à morfologia", sobre as pesquisas referentes à sintaxe e à morfologia. A autora propõe uma reflexão sobre a condição educacional de tornar a linguagem um objeto de reflexão, em detrimento ao modelo educacional que a restringe a um instrumento de comunicação. Habilidades relacionadas à consciência metalinguística parecem contribuir com o aprendizado da língua escrita, o que gera uma necessidade de direcionar as crianças à reflexão deliberada sobre a linguagem, empregando de forma consciente os conhecimentos acerca da língua. Os argumentos aqui defendidos por ela são reforçados com pesquisas empíricas que apontam delineamentos de como essas habilidades poderão ser trabalhadas pedagogicamente.

A autora reflete sobre algumas tarefas que buscam mensurar o nível de interferência no aprendizado do indivíduo em relação aos aspectos estruturais e sintáticos da linguagem. O capítulo proporciona ao leitor perceber a importância de estudos sobre as habilidades metalinguísticas atreladas à sintaxe e à morfologia e abre espaço para o olhar voltado ao constructo que atrela essas habilidades presentes nos atos da linguagem e que têm aspectos que podem ser associados em um único termo discutido por Sautchuck (2004), que é a consciência morfossintática. Isso não nos remete a pensar que uma habilidade seria mais relevante que a outra, mas nos leva a identificar que a interdependência é possível. Assim, fica evidente que temos mais um espaço produtivo para novas investigações e que há muito por se desvendar sobre as relações entre a consciência sintática e a leitura (indo além da memória de trabalho e consciência fonológica), bem como sobre aspectos morfológicos que perpassam pela morfologia derivacional e flexional, favorecendo a escrita ortográfica.

No capítulo final do livro, tem-se, na abordagem de Alina Galvão Spinillo, a caracterização do que se estudou - em âmbito nacional e internacional - até o momento sobre a temática que engloba aspectos da consciência metatextual, a qual compreende o texto enquanto objeto de reflexão e não só leva em consideração seu caráter comunicativo. A autora indica a necessidade de se perceber a estrutura do texto, suas partes, convenções linguísticas e seus marcadores, de modo a levar o indivíduo a comportamentos metalinguísticos, superando os aspectos epilinguísticos que independem de intervenção pontual e que podem ser fruto da interação social com suportes textuais. Neste segmento do livro, a autora faz menção a dois tipos de enfoques dados na pesquisa sobre a consciência metatextual: o primeiro coloca essa habilidade como coadjuvante em detrimento a outras habilidades linguísticas; o segundo, mais raro, tem como objeto investigativo a própria consciência metatextual. O que se percebe ao ler este capítulo é que, pela escassez de trabalhos com o olhar focado especificamente na consciência metatextual, fica pouco evidente como ocorre o percurso do desenvolvimento da referida habilidade, além de não se ter explicitamente como o processo pode ser favorecido. A autora ressalta a importância de se promover intervenções explícitas na escola, lembrando que neste espaço o texto é também objeto de ensino-aprendizagem e isso não restringir sua característica socio-comunicativa num âmbito maior. A finalização de Spinillo é bastante provocativa, pois ela argumenta que no Brasil esse tema é pouco conhecido e que mesmo internacionalmente ainda foi pouco explorado empiricamente.

Enfim, no âmbito do debate acadêmico, o livro cumpre um importante papel, não apenas por contextualizar o leitor sobre a temática que se propõe - Desenvolvimento Metalinguístico -, revisitando estudos empíricos que foram desenvolvidos nacional e internacionalmente que alcançam o estado da arte nesse campo de conhecimento, mas também por permitir reflexões mais aprofundadas, germinando novas possibilidades de pesquisas. A partir dos estudos apresentados, é possível identificar linhas de interpretações sobre os processos metalinguísticos que elucidam antigos enigmas da aprendizagem, como também estimulam igualmente um debate científico mais detalhado acerca da cognição humana.

Texto recebido em 27 de maio de 2010.

Texto aprovado em 6 de julho de 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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