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Apresentação

DOSSIÊ: EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DAS POLÍTICAS ÀS PRÁTICAS EDUCACIONAIS

Professora da graduação e da pós-graduação do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Coordenadora de Estudos e Pesquisas Inovadoras na Graduação (CEPIGRAD) - Pró-Reitoria de Graduação e Educação Profissional (PROGRAD). Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Brasil. E-mail: lauracm@ufpr.br

Uma educação fundamentada na concepção dos direitos humanos, conjugando igualdade, diferença e diversidade, tem sido um dos grandes desafios enfrentados para construção da inclusão educacional; para tanto ações concretas no âmbito legal, político, social e pedagógico necessitam ser incorporadas aos sistemas de ensino.

A chamada perspectiva inclusiva na educação, sobretudo a partir da década de 1990, tem desencadeado avanços e impasses, que diante da efetivação de legislações e ações começaram a interferir mais diretamente no cotidiano das instituições educacionais e no planejamento educacional de um número cada vez maior de países.

Contextualizar essa realidade e apresentar estudos que visem à busca de caminhos e perspectivas para a inclusão educacional é uma contribuição necessária para demonstrar possibilidades contrárias à lógica da exclusão que marcou, e ainda marca, a educação dos alunos com necessidades educacionais especiais. É diante deste cenário que nos propomos a contribuir com reflexões e pesquisas organizadas por pesquisadores brasileiros, espanhóis e portugueses por meio do dossiê: EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DAS POLÍTICAS ÀS PRÁTICAS EDUCACIONAIS.

Os textos apresentados neste dossiê evidenciam possibilidades de se avaliar no âmbito das políticas educacionais e das práticas educacionais como a perspectiva da educação inclusiva vem se configurando da educação básica à superior. Demonstram as possibilidades e as dificuldades para a concretização de uma educação que ofereça oportunidades de qualidade, diante das inúmeras diferenças sociais postas na sociedade.

A abertura da coletânea é feita pelo artigo Integración curricular: respuesta al reto de educar en y desde la diversidad, da autoria dos pesquisadores espanhóis Nuria Illán Romeu e Jesus Molina Saorín. Na primeira parte do estudo os autores apresentam o desenvolvimento e avaliação do modelo de Unidades Didáticas Integradas (UDIs), desenvolvido por um grupo de pesquisadores espanhóis, do qual passam a fazer parte, e que se constituiu na década de 1990. Relatam que, por meio de pesquisas ocorridas inicialmente em quatro centros de educação primária na região de Murcia (Espanha), as Unidades Didáticas Integradas passam a ser investigadas também na educação secundária. Etapa de ensino que constitui objeto deste artigo. De igual forma, os autores apresentam as potencialidades das Unidades Didáticas Integradas para a construção de um currículo que vise à integração curricular e uma escola que respeite a diversidade, como aspecto fundamental para o estudo. Para tanto, são apresentadas as características e as quatro fases da Unidade Didática Integrada, que são: formação e trabalho colaborativo do professor em torno do desenho da Unidade Didática Integrada; apresentação da Unidade Didática Integrada aos alunos e o desenho definitivo da UDI; o projeto de trabalho: análises, sínteses e transferência de conhecimentos e a evolução frente à aprendizagem.

Os autores apontam como um dos grandes fatores para a integração curricular na escola o papel dos professores e a importância de não limitarem sua prática às propostas prontas. Sendo assim, a contextualização do currículo prescrito e a realização de intervenções ativas no desenho e organização por parte do corpo docente é fator fundamental para que a diversidade na escola seja vivenciada.

O segundo artigo, de autoria dos professores portugueses David Rodrigues e Luzia Lima-Rodrigues, intitulado: Formação de professores e inclusão: como se reformam os reformadores?, discute a educação inclusiva enquanto uma reforma educacional ampla e profunda que se traduz em diferentes níveis de mudanças, muito além do acesso de alunos em condições de deficiência no sistema educativo. O estudo aponta para a importância da ação e participação dos gestores e da comunidade escolar e indica o papel fundamental dos professores na educação inclusiva. Para tanto os autores realizam um estudo empírico sobre a formação de um grupo de trinta e cinco estudantes recém-formados em um curso de especialização em Educação Especial realizado em Portugal no intuito de apresentar aspectos importantes para o desenvolvimento de políticas adequadas à formação de professores especializados em educação especial. A pesquisa abarca as seguintes dimensões de análise: avaliação dos conteúdos ministrados durante o curso, estratégias de ensino-aprendizagem, relação teoria-prática e impacto do curso nas atitudes e práticas.

Dentre as conclusões e encaminhamentos apontados pelos autores, destacamos a efetiva responsabilidade daqueles Estados que concebem a educação inclusiva em seus programas governamentais implantarem uma reforma séria nos programas de formação de professores em geral e de Educação Especial. Para tanto afirmam que os sistemas de formação devem proporcionar uma "atitude investigativa" na formação docente, pois a reflexão conjunta é estratégia indispensável para a melhoria do ensino.

O artigo Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional, de Mônica de Carvalho Magalhães Kassar, da Universidade Federal do Mato Grosso, no primeiro momento faz uma análise da educação especial dentro da atual política de educação inclusiva do Governo Federal. Para tanto, apresenta um breve histórico da educação especial no Brasil ressaltando a importância de se analisar a política de educação inclusiva, a partir do contexto complexo das políticas sociais nas sociedades capitalistas.

Na sequência, a autora apresenta um estudo de caso que foi realizado em uma escola pública municipal, que pertence a um município-polo do Programa Educação Inclusiva: Direto à Diversidade e que tem aderido integralmente às propostas do Governo Federal através de editais e convênios. Esta escola foi escolhida de forma proposital, já que é considerada como representativa de sucesso. O estudo de caso é de um aluno cego, que frequenta o 3° ano do ensino fundametal em um período e recebe apoio especializado em sala de recurso em outro turno. O aluno em estudo não apresenta problema de interação, é bem acolhido pela turma e considerado bastante inteligente por seus professores (da sala comum e da sala de recursos). Os professores desse aluno possuem anos de experiência e cursos de especialização voltados à educaçao inclusiva. Entretanto, o relato de pesquisa pontua dificuldades concretas que o aluno tem enfrentado na escola, que demonstram o quanto sua inclusão de fato está comprometida. Por fim, a autora enfatiza que a nova direção adotada pelo Governo Federal estabelece um único caminho, ou seja, a matrícula em classe comum e o apoio de atendimento educacional especializado para complementar ou suplementar a escolaridade e o estabelecimento da garantia de direitos sociais. Contexto este que, sem dúvida, suscita impasses sobre a materialização da política proposta.

O quarto artigo, de autoria das professoras Eniceia Gonçalves Mendes, Maria Amélia Almeida e Cristina Yoshie Toyoda, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), intitulado: Inclusão escolar pela via da colaboração entre educação especial e educação regular, discorre sobre o programa de consultoria colaborativa iniciado em 2004, que envolve as autoras, estudantes de graduação e pós-graduação e professores do ensino comum que têm alunos com necessidades especiais em suas salas de aula.

As autoras demonstram o quanto a colaboração entre profissionais da educação especial e regular pode ser uma alternativa para enfrentar os desafios de uma escola mais inclusiva e destacam o quanto os estudos sobre a inclusão escolar apontam para a importância dos professores não trabalharem sozinhos, mas em equipes que possuam objetivos mútuos.

A trajetória de pesquisa de seis anos relatada pelas autoras revela que o trabalho colaborativo oferece grandes vantagens que não estão disponíveis em ambientes de aprendizagem mais tradicionais, uma vez que permite um grau mais significativo de aprendizagem e reflexão do que qualquer indivíduo poderia fazer de forma isolada. Estas constatações se evidenciam nos resultados que foram demonstrados na sala de aula, nos relatórios de alunos e apontados pelos professores regulares envolvidos no projeto. Além disso, o estudo ressalta que a oportunidade real de experiências de trabalho em escolas públicas é fundamental para formação de nossos futuros professores.

O artigo Políticas e práticas inclusivas no ensino fundamental: das implicações nacionais às locais, de Denise Meyrelles de Jesus e Alexandro Braga Vieira, tem como ponto de partida a análise das normatizações legais mais recentes, que se deram no Brasil após a promulgação da Constituição Federativa do Brasil de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, no que se refere ao direito que os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação têm de frequentarem as escolas de ensino comum, recebendo atendimento educacional especializado.

Os autores enfatizam os inúmeros movimentos que vêm sendo instituídos, em âmbito nacional e local, para que estados e municípios organizem políticas públicas, tanto para a formação de professores quanto para a reorganização das estruturas das unidades de ensino, dos currículos escolares e dos processos de avaliação, no sentido de assegurarem a esse alunado acesso, permanência e ensino nas escolas de educação básica. Na sequência, o texto problematiza como vêm sendo instituídas as políticas públicas de Educação Especial/Inclusão Escolar, a partir das diretrizes legais pelos setenta e oito municípios do Estado do Espírito Santo. Sendo assim, o presente texto buscou, segundo os autores, não só cartografar os movimentos, mas também instituir novas/outras possibilidades de ações possíveis em escolas com propostas inclusivas.

Encaminhamentos pedagógicos com alunos com Altas Habilidades/Superdotação na Educação Básica: o cenário brasileiro é o artigo das professoras Susana Graciela Pérez Barrera Pérez (Conselho Brasileiro de Superdotação/ ConBraSD) e Soraia Napoleão Freitas, da Universidade Federal de Santa Maria. Nele as autoras discorrem sobre a invisibilidade dos alunos com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD). No texto este termo é utilizado para demonstrar que essa demanda, mesmo constituindo população-alvo da Educação Especial, em muitas publicações, inclusive em documentos governamentais, não é considerada como tal, apesar de toda a legislação educacional brasileira garantir seus direitos na condição de alunos com necessidades educacionais especiais, desde a Lei 5692/71. Pérez e Freitas afirmam que esta situação reflete a desinformação, a falta de formação acadêmica e docente nessa área e uma representação cultural acerca dessa população, que é altamente influenciada por mitos e crenças populares.

As autoras analisam aspectos que consideram prejudiciais para a concretização do atendimento educacional especializado dos alunos com altas habilidades/superdotação, que versam sobre: a desinformação; representação cultural e a falta de formação acadêmica e docente acerca desses alunos; a invisibilidade estatística desses alunos nos dados do Censo Escolar; a invisibilidade sobre o atendimento desses alunos nas ações e programas de educação inclusiva e nos cursos de formação docente. Ao final as autoras chamam atenção para a importância de conhecimentos sobre as pessoas com altas habilidades/superdotação na sociedade em geral, mas principalmente na formação docente, indicando com um dos caminhos que poderá trazer a visibilidade desses alunos.

Já o artigo Ingresso e permanência na Universidade: alunos com deficiências em foco, de autoria das pesquisadoras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Laura Ceretta Moreira, Maria Augusta Bolsanello e Rosangela Gehrke Seger, aborda na primeira parte do estudo como vêm se estabelecendo as políticas chamadas inclusivas de ingresso e permanência de alunos com necessidades educacionais especiais na educação básica, mas principalmente no ensino superior. Na sequência o estudo chama atenção para os desdobramentos que os principais dispositivos legais e ações institucionais acerca da inclusão do aluno com deficiência têm ocorrido na Universidade Federal do Paraná.

Na segunda parte do artigo, com o objetivo de conhecer a trajetória dos alunos com deficiência na universidade e relação com as ações e encaminhamentos institucionais, é apresentada a pesquisa realizada com sete alunos (três com cegueira, dois com deficiência física, um com deficiência múltipla e um com surdez), em sete cursos da UFPR. Após análise qualitativa dos dados, as autoras evidenciam que foram extraídos os seguintes eixos de análise: perfil dos alunos, ingresso e permanência na universidade e políticas inclusivas na universidade. Dos dados coletados e analisados, o estudo destaca a importância da implementação de políticas efetivas para garantir a inclusão desse alunado e o papel fundamental da universidade na defesa dos direitos dos alunos com deficiência. Por fim, o estudo demonstra que o grande desafio imposto é a constante avaliação desse processo, para tanto, a participação e o engajamento dos alunos com deficiência é crucial para assegurar seus direitos e o atendimento às suas necessidades.

O Dossiê encerra-se com a resenha do livro La increible y triste historia de la sordera, de Carlos Sánchez, que é apresentada pela professora Sueli Fernandes, da Universidade Federal do Paraná. O autor do livro, Carlos M. Sánchez García é médico, Doutor em Medicina, com especializações nas áreas de Pediatria, Psiquiatria Infantil e Educación mención Lectura. Mesmo com sua formação clínica, Sánchez tem um importante destaque na educação de surdos e um posicionamento consistente no sentido de romper com as práticas clínicas nesta área. Embora se trate de um clássico na área de educação de surdos, a obra, composta de doze capítulos, ainda não foi traduzida para o português.

Fernandes chama atenção que, mesmo não sendo um linguista, Sanchez apresenta consistentes e aprofundados conhecimentos na área da linguagem com contribuições de seus mais renomados representantes, como Chomsky (linguística gerativa) e Labov (sociolinguística), desmistificando as narrativas que historicamente defenderam que a língua de sinais traria prejuízos ao desenvolvimento das crianças surdas, caso fosse aprendida em oposição à oralidade. É fundamental destacar que o autor oferece ao leitor subsídios teóricos importantes à sustentação da necessidade de se planejar uma proposta de bilinguismo para surdos, na qual a língua de sinais funcionaria como primeira língua. Por fim, a autora aponta que a obra de Sánchez se constitui em denúncia e superação da opressão ideológica que foi operada pelo Oralismo/Ouvintismo e que sacrificou os surdos ao longo da história social e educacional.

Ao final da leitura do presente Dossiê, não encontraremos respostas acabadas, mas nossa expectativa é de que o leitor encontre nos artigos apresentados reflexões e encaminhamentos teóricos e metodológicos que possam colaborar com inquietudes acerca de educação em geral e da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.

Agradecemos à Pró-Reitoria de Graduação e Educação Profissional pelo apoio financeiro, bem como aos autores que compõem este Dossiê - que prontamente aceitaram nosso convite, mesmo diante da sobrecarga de trabalho que vivenciamos na vida acadêmica.

Boa leitura a todos!

  • Apresentação

    Prof. Dra. Laura Ceretta Moreira
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
    Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
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