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A experimentação nas pesquisas sobre o ensino de Física: fundamentos epistemológicos e pedagógicos

Experimental activities in research in science teaching: epistemological and pedagogical fundamentals

Resumos

Considerando a necessidade de analisar a fundamentação teórica que embasa as atividades experimentais escolares na ultima década, desenvolveu-se uma investigação tomando como objeto as pesquisas publicadas sobre essa temática em um importante periódico da área. Toma-se como referência a concepção de que a experimentação está inserida em um contexto epistemológico e pedagógico, pois envolve concepções de realidade, de conhecimento, de conhecimento científico, de método científico, enfim, uma concepção de ciência e também concepções de aprendizagem, de posicionamento dos conhecimentos prévios dos alunos, de relações entre conteúdo e método, enfim, uma concepção de currículo. Desenvolvendo uma análise epistemológico-pedagógica dos artigos, foi observado que metodologicamente são adotadas diferentes abordagens para desenvolver as atividades experimentais: algumas mais demonstrativas, priorizando a observação, outras mais de atuação por parte do estudante, priorizando a investigação. As pesquisas tomam como pressuposto básico favorecer a aprendizagem ou a interação. A aprendizagem se refere à compreensão da atividade científica, ou de conhecimentos teóricos e práticos. A interação pode ser tanto do aluno com a atividade quanto social, ou ainda entre disciplinas.

experimentação; Física; pressupostos epistemológicos; abordagens pedagógicas; pesquisas em ensino


An analysis of articles published during the last decade (2002-2011) in an important Brazilian Physics teaching journal, which focused on experimental activities in the classroom, was presented, within the consideration of necessary reflections on the theoretical approach that sustains experimental activities in Physics teaching. It is thought that these kind of activities are immersed in an epistemological and pedagogical context, as they involve conceptions of reality, knowledge, scientific method (i.e. conceptions of science) and learning, student's alternative conceptions, and the relationship between contents and method (i.e. conception of curriculum). Analyzing the published articles, it was observed that in terms of methodology, different approaches in developing the experimental activities are emphasized: some of them are demonstrative, focusing on the observation; and some prioritize the students' participation in the activities, focusing on the investigation. The research has as the basic principle the emphasis on Learning or Interaction. While learning refers to understanding the scientific activities and the relationship between theoretical and practical knowledge, interaction emphasizes the relationship between the student and the activity, in social interaction, or even between disciplines.

experimental activities; Physics; epistemological assumptions; pedagogical approaches; research in teaching


DOSSIÊ EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: PERSPECTIVAS EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS

A experimentação nas pesquisas sobre o ensino de Física: fundamentos epistemológicos e pedagógicos

Experimental activities in research in science teaching: epistemological and pedagogical fundamentals

Ivanilda HigaI; Odisséa Boaventura de OliveiraII

IDoutora em Educação. Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, Brasil. E-mail: ivanilda@ufpr.br

IIDoutora em Educação. Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, Brasil. E-mail: odissea@terra.com.br

RESUMO

Considerando a necessidade de analisar a fundamentação teórica que embasa as atividades experimentais escolares na ultima década, desenvolveu-se uma investigação tomando como objeto as pesquisas publicadas sobre essa temática em um importante periódico da área. Toma-se como referência a concepção de que a experimentação está inserida em um contexto epistemológico e pedagógico, pois envolve concepções de realidade, de conhecimento, de conhecimento científico, de método científico, enfim, uma concepção de ciência e também concepções de aprendizagem, de posicionamento dos conhecimentos prévios dos alunos, de relações entre conteúdo e método, enfim, uma concepção de currículo. Desenvolvendo uma análise epistemológico-pedagógica dos artigos, foi observado que metodologicamente são adotadas diferentes abordagens para desenvolver as atividades experimentais: algumas mais demonstrativas, priorizando a observação, outras mais de atuação por parte do estudante, priorizando a investigação. As pesquisas tomam como pressuposto básico favorecer a aprendizagem ou a interação. A aprendizagem se refere à compreensão da atividade científica, ou de conhecimentos teóricos e práticos. A interação pode ser tanto do aluno com a atividade quanto social, ou ainda entre disciplinas.

Palavras-chave: experimentação; Física; pressupostos epistemológicos; abordagens pedagógicas; pesquisas em ensino.

ABSTRACT

An analysis of articles published during the last decade (2002-2011) in an important Brazilian Physics teaching journal, which focused on experimental activities in the classroom, was presented, within the consideration of necessary reflections on the theoretical approach that sustains experimental activities in Physics teaching. It is thought that these kind of activities are immersed in an epistemological and pedagogical context, as they involve conceptions of reality, knowledge, scientific method (i.e. conceptions of science) and learning, student's alternative conceptions, and the relationship between contents and method (i.e. conception of curriculum). Analyzing the published articles, it was observed that in terms of methodology, different approaches in developing the experimental activities are emphasized: some of them are demonstrative, focusing on the observation; and some prioritize the students' participation in the activities, focusing on the investigation. The research has as the basic principle the emphasis on Learning or Interaction. While learning refers to understanding the scientific activities and the relationship between theoretical and practical knowledge, interaction emphasizes the relationship between the student and the activity, in social interaction, or even between disciplines.

Keywords: experimental activities; Physics; epistemological assumptions; pedagogical approaches; research in teaching.

Situando a experimentação no contexto escolar

A experimentação enquanto estratégia de ensino-aprendizagem tem sido defendida no ensino de Física há algumas décadas. Em especial nos anos 60-70 do século passado, a defesa por tal estratégia se intensificou, por meio da incorporação dos projetos de ensino nacionais ou internacionais nas escolas brasileiras. Desde então, tal incorporação tem ocorrido sob diferentes concepções de ciência, de ensino e de aprendizagem, por conta de que também tem sido objeto de pesquisas na área, sob diferentes referenciais teóricos.

Podem-se citar algumas diferentes concepções de atividades experimentais, que envolvem diferentes concepções de aprendizagem, pressupondo assim diferentes papéis ao estudante, ao professor, ao conhecimento e à atividade experimental. Por exemplo, atividade experimental considerada ilustração da teoria, ou como estratégia de descoberta individual, ou ainda para introduzir os alunos nos processos da ciência (FERREIRA, 1978).

No primeiro caso, o modelo de aprendizagem é o da transmissão-recepção de conhecimentos já elaborados, com aulas teóricas separadas das aulas práticas. Nessas aulas práticas, os estudantes são concebidos como sujeitos passivos, receptores dos conhecimentos que o professor possui. Procuram-se verificar leis e teorias, que não são questionáveis. A teoria, o livro didático e o docente são autoridades e tomados como critério de verdade.

O segundo caso, a experimentação concebida como estratégia de descoberta, se apoia no modelo de aprendizagem que toma o estudante como um indivíduo capaz de reconstruir o conhecimento científico de forma individual e autônoma, através da interação com o meio. O conhecimento é fruto da elaboração individual baseada no senso comum, fruto de um processo indutivo.

Já o terceiro caso, em que a experimentação é a base para a introdução do estudante nos processos da ciência, tem como objetivo desenvolver no aluno a habilidade do "fazer ciência". Aulas teóricas são destinadas a transmitir os conteúdos, enquanto as atividades práticas são destinadas a introduzir os alunos nos "métodos da ciência". Supõe-se a existência de um "método científico", baseado num conjunto de etapas ou regras de procedimentos, um algoritmo do qual é possível se abstrair o conteúdo conceitual.

Muitos estudos e críticas já foram e têm sido feitos sobre essas concepções e sobre a forma como a experimentação vem sendo incorporada nas propostas pedagógicas, o que tem trazido diversas reflexões acerca das concepções de ensino e aprendizagem da ciência física.

Dentro dessa linha, o presente estudo analisa a fundamentação teórica que ampara as pesquisas envolvendo as atividades experimentais no ensino de Física, a partir dos fundamentos epistemológicos e pedagógicos que embasam esses trabalhos, objetivando propor uma reflexão sobre o papel desempenhado por essas atividades no ensino de ciências.

A experimentação e o processo ensino-aprendizagem: fundamentos pedagógicos e epistemológicos

Ao longo das quatro últimas décadas, as atividades experimentais têm ocupado diferentes lugares nas aulas de Física, condizentes com as tendências pedagógicas da época. Com diferentes visões de laboratórios didáticos e tipos de atividades, são desenvolvidas pesquisas com referenciais pressupondo diferentes paradigmas de aprendizagem.

Ferreira (1978), por exemplo, já na década de 70 do século passado, examina diferentes abordagens em relação ao laboratório, identificando um continuum que teria, em um dos extremos, a atividade totalmente centrada no professor e, no outro extremo, um tipo de laboratório em que objetivos, instrumental, técnicas e conclusões estariam a cargo do aluno.

Salinas de Sandoval e Colombo de Cudmani (1992) consideram os papéis atribuídos aos trabalhos práticos no ensino universitário, ressaltando os correspondentes modelos de aprendizagem de ciências e as concepções epistemológicas sobre o caráter do trabalho e do conhecimento científico. São cinco concepções sobre o papel do laboratório descritas pelas autoras, as quais apresentamos resumidamente no Quadro 1.


Embora as autoras discutam os trabalhos práticos de laboratório no ensino de Física no nível universitário, consideramos a discussão bastante pertinente às práticas de laboratório na Educação Básica. Ressaltam-se assim os diferentes enfoques pedagógicos e epistemológicos sob os quais as atividades práticas podem estar sendo adotadas em sala de aula.

É possível associar uma linha temporal vertical crescente para baixo em relação às concepções apresentadas no Quadro 1, no sentido de que as concepções das atividades práticas na sala de aula explicitadas nas linhas mais altas do quadro seriam anteriores às concepções nas linhas mais baixas. Entretanto, o aparecimento das visões mais recentes (nas últimas linhas) não implica que as primeiras visões (nas linhas iniciais) tenham desaparecido das aulas de Física. Há que se observar, num sentido positivo, as novas compreensões sobre os modelos pedagógico e epistemológico da atividade prática na aprendizagem da Física na escola, que, se não implicaram em abandono das visões iniciais, contribuíram para a problematização destas visões.

Além dos estudos de Salinas de Sandoval e Colombo de Cudmani (1992), no presente trabalho tomam-se como base as ideias de Amaral (1997) de que as atividades experimentais estão inseridas em um contexto epistemológico-pedagógico. Para ele (AMARAL, 1997, p. 10) a experimentação "se apropria artificialmente de fenômenos do ambiente, lidando com eles, trabalhando-os segundo determinados objetivos cognitivos. E estes objetivos certamente de alguma forma estão balizados no conhecimento formalmente constituído".

Amaral (1997) aponta que as atividades experimentais estão inseridas em um contexto epistemológico-pedagógico. Epistemológico, porque envolve concepções de realidade, de conhecimento, de conhecimento científico, de relações entre diferentes formas de conhecimento, de método científico, enfim, de uma concepção de ciência. Pedagógico, por envolver concepções de aprendizagem, de posicionamento dos conhecimentos prévios dos alunos, de relações entre conteúdo e método, enfim uma concepção de currículo.

Assim, este autor coloca a atividade experimental, o contexto epistemológico e o contexto pedagógico nos quais se inserem tais atividades como três vértices de um mesmo triângulo.

Diante desse polo, Amaral (1997) também destaca que é preciso ter clareza do significado e do papel da experimentação, tanto no processo científico quanto no processo pedagógico, para que se possa definir o que priorizar numa situação de ensino, se é a experimentação em si, o fenômeno que ela envolve ou o conhecimento formal. Não há dúvida de que tal priorização tem íntima relação com o modelo de educação científica que se pretende.

O autor aponta que uma forma de conceber esta atividade é a de ela funcionar como estratégia de obtenção de conhecimento formal, em que a realidade é problematizada de tal forma que o estudante percebe a relação entre a manifestação natural e a artificial do fenômeno estudado. Dada a convivência com as imprecisões metodológicas e a incerteza dos resultados obtidos, favorece o desenvolvimento do espírito investigativo no estudante, além de perceber o caráter provisório, não pronto, nem acabado do conhecimento formalizado. No entanto, Amaral (1997) destaca ainda limites dessa concepção, propondo que a atividade experimental deva atender às seguintes demandas:

[...] a interdisciplinaridade, a postura de desmistificação da ciência moderna; o respeito às características do pensamento do aluno e às suas concepções prévias; o oferecimento de condições para que o aluno elabore o seu próprio conhecimento; a adoção de critérios baseados na relevância não só científica, mas também social e cultural, na seleção e na exploração dos conteúdos programáticos; flexibilidade curricular; educação ambiental (p. 13).

Dentro dessa perspectiva, para o autor, a experimentação não pode ser simplesmente considerada a estratégia metodológica principal do ensino, mas desempenharia, juntamente com outras, o papel de contribuir para o desenvolvimento do pensamento científico. Por exemplo:

[...] ajudar a compreender as possibilidades e os limites do raciocínio e procedimento científico, bem como suas relações com outras formas de conhecimento; criar situações que agucem os conflitos cognitivos no aluno, colocando em questão suas formas prévias de compreensão dos fenômenos estudados; representar, sempre que possível, uma extensão dos estudos ambientais quando se mostrarem esgotadas as possibilidades de compreensão de um fenômeno em suas manifestações naturais, constituindo-se em uma ponte entre o estudo ambiental e o conhecimento formal. (AMARAL, 1997, p. 14).

Para atingir essa função, o autor aponta algumas características que as atividades experimentais deveriam ter, como: formatos múltiplos (caráter aberto, demonstrativo, com alguns passos delineados); reflexão sobre o teor de verdade do conhecimento obtido, sobre a não padronização das etapas do procedimento científico, da influência de fatores externos; respeitar os procedimentos escolhidos e resultados obtidos pelos alunos; surgir como decorrência da problematização de aspectos teóricos estudados ou do conhecimento prévio do aluno.

Inspirados em Amaral, analisaremos as concepções de construção do conhecimento científico e conhecimento escolar que permeiam esses artigos, o que denominamos de pressuposto epistemológico-pedagógico ao conhecimento científico objetivado na utilização da atividade experimental e à estratégia metodológica adotada.

Procedimentos metodológicos

Analisamos artigos de pesquisa publicados no Caderno Brasileiro de Ensino de Física, um periódico de grande circulação no contexto nacional, de acesso livre na internet, além de ser bastante antigo (o seu primeiro número foi publicado em 1984), mantendo sempre uma regularidade de publicação.

Como o objetivo é analisar os aspectos epistemológico-pedagógicos adotados pelas pesquisas recentes sobre experimentação no ensino de Física, foram selecionados artigos divulgados nos últimos dez anos (2002-2011) que trouxessem uma proposta de atividade prática, inserida no contexto de uma pesquisa, trazendo reflexões sobre o desenvolvimento da atividade proposta numa situação de ensino.

A seleção foi realizada a partir do título do artigo, do resumo e das palavras-chave. Caso houvesse dúvidas, era realizada uma leitura mais completa do texto. Não foram selecionados para análise aqueles que enfocavam exclusivamente a montagem de equipamentos ou propostas de atividades práticas sem apresentar uma reflexão sobre o desenvolvimento da atividade em uma situação de ensino.

Com esses critérios, foram selecionados 14 artigos, que foram ordenados aleatoriamente. A análise foi realizada buscando o objetivo principal dos autores no desenvolvimento de atividades experimentais e a metodologia empregada. A partir desses aspectos, traçamos o que estamos denominando de pressupostos epistemológicos e pedagógicos que fundamentam os artigos analisados.

Atividades experimentais: o que dizem as pesquisas?

Analisando os 14 artigos selecionados, observamos que, em um nível epistemológico-pedagógico, são propostas diferentes abordagens.

Em relação ao nível de ensino no qual as atividades práticas foram desenvolvidas, as investigações concentram-se principalmente no Ensino Médio, com nove artigos. Quatro referem-se ao Ensino Fundamental (sendo dois desenvolvidos nas séries iniciais e dois nas séries finais) e quatro são desenvolvidos no contexto do Ensino Superior.

Metodologicamente, algumas são mais demonstrativas, priorizando, sobretudo, a observação, e outras são mais de atuação por parte do estudante, priorizando a investigação. Conforme se pode observar no Quadro acima, três artigos tratam de atividades do tipo demonstrativas, sendo que seus autores enfatizam a importância das interações sociais no seu desenvolvimento, e quatro enfocam as atividades como situações investigativas. Alguns envolvem uso de computador para registro de dados ou acontecem apenas em forma de resolução de problemas nos textos-roteiros e há atividades que são desencadeadas a partir da aplicação de um questionário para levantar as concepções prévias dos estudantes. Tais abordagens são derivadas do referencial teórico adotados pelos autores. Há aqueles que se amparam em uma perspectiva sociointeracionista, como Vygotsky e seus seguidores, alguns poucos em uma vertente mais construtivista cognitivista, como Piaget, ou ainda mais cultural, como Paulo Freire e também numa perspectiva psicanalítica.

Percebe-se que as pesquisas contemplam duas grandes abordagens: uma que valoriza a aprendizagem e outra que valoriza a interação.

Dentre a abordagem que valoriza aprendizagem, encontramos os seguintes enfoques em promover atividades experimentais: para compreender a atividade científica e para articular conhecimentos teóricos aos práticos.

Dentre a abordagem que visa à interação, as atividades experimentais são importantes quando promovem a participação do aluno na execução da atividade, a relação entre os participantes e a interdisciplinaridade.

Atividades experimentais com foco na aprendizagem

A maioria dos artigos investigados, ou seja, oito, contempla o fato de as atividades experimentais possibilitarem a aprendizagem em duas diferentes vertentes.

Uma vertente valoriza a compreensão da atividadecientífica, que pode se dar de diferentes modos, por exemplo, o aluno aprender sobre a importância da teoria na produção do conhecimento, a vivência científica na resolução de um problema ou o papel da imaginação na ciência.

Seguem na sequência alguns fragmentos de textos que exemplificam essa abordagem:

[...] o estudante precisa desenvolver um entendimento de como os cientistas produzem novas teorias e conhecimentos, precisa também compreender como os dados e evidências que suportam teorias específicas foram gerados, pois não se trata apenas de realizar observações ou fazer medidas, e precisa principalmente, compreender o papel das teorias e da atividade experimental na ciência. (art. 1)

O recorte citado enfatiza a importância da teoria e da atividade experimental na produção do conhecimento científico, destacando a ciência como processo, por isso não basta apenas desenvolver o experimento, mas levar o aluno a entender sobre a ciência.

Com o objetivo de verificar se a teoria incorporada pelos alunos do 8.º ano do Ensino fundamental e do 2.º ano do Ensino Médio interferia no controle de variáveis, os autores propuseram atividades com desenhos e esquemas experimentais que contemplavam problemas a serem resolvidos. Observaram que estudantes mais velhos e com maior escolaridade apresentaram um domínio maior de uma estratégia adequada de controle de variáveis, reconhecendo melhor a importância da utilização de testes adequados e consistentes.

Na mesma direção, outra pesquisa

[...] defende a adoção de uma ampla gama de atividades prático- -experimentais - não necessariamente dirigidas como os tradicionais roteiros experimentais - e uma mudança de foco no trabalho no laboratório, com o objetivo de deslocar o núcleo das atividades dos estudantes da exclusiva manipulação de equipamentos, preparação de montagens e realização de medidas para outras atividades que se aproximam mais do fazer ciência. Essas atividades mais envolvem a manipulação de interpretações e ideias sobre observações e fenômenos que objetos, com o propósito de produzir conhecimento. Entre elas: a análise e a interpretação dos resultados, a reflexão sobre as implicações destes e a avaliação da qualidade das evidências que suportam as conclusões obtidas. (art. 13)

Para isso, o autor propõe estruturar as atividades de laboratório como investigações ou problemas práticos mais abertos, que os alunos devem resolver sem a direção imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruções verbais do professor.

Em continuidade a esse propósito, o artigo elaborado por um grupo de autores espanhóis aponta que:

[...] una práctica de laboratorio que pretenda aproximarse a una investigación ha de dejar de ser un trabajo puramente experimental e integrar muchos otros aspectos de la actividad científica. (art. 5)

Para isso, propõem alguns passos a serem seguidos para tal abordagem: a) partir de situações problemáticas abertas, visando transformá-las em problemas que despertem o interesse do estudante; b) incluir as possíveis implicações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA); c) potencializar a análise qualitativa, fornecendo perguntas e hipóteses que orientem o tratamento das preconcepções dos estudantes, de tal modo que possam planejar a atividade experimental envolvendo a dimensão tecnológica correspondente ao processo investigativo; d) articular a análise dos resultados à luz dos conhecimentos disponíveis, das hipóteses levantadas e dos resultados dos outros estudantes; e) considerar diferentes perspectivas do estudo, apontando outros níveis de complexidade, problemas derivados e as implicações CTSA; f) considerar a importância do estudo realizado como um corpo coerente de conhecimento e as possíveis implicações em outros campos de conhecimento; g) elaborar memórias científicas, ressaltando o papel da comunicação no debate científico; h) potencializar a dimensão coletiva do trabalho científico, favorecendo integração entre os grupos de estudantes.

Numa dimensão diferenciada, encontramos um artigo em que alunos do Ensino Médio foram estimulados a analisar e seguir roteiros de atividades experimentais presentes em livros didáticos de Física que eram inadequados aos resultados pretendidos. Os autores apontam que essa atividade

[...] pode estimular o aluno a engajar-se no conteúdo que está sendo abordado, favorecendo a aprendizagem dos métodos e conceitos próprios da ciência. [...] Há também uma série de habilidades e competências - como refletir e analisar criticamente, interagir socialmente, propor e verificar hipóteses, planejar e fazer experimentos, argumentar e debater ideias, realizar e registrar medidas e observações, elaborar relatórios, selecionar variáveis, estabelecer relações, entre outras. (art. 10)

Compreendemos que os autores objetivam ir além da aprendizagem dos conceitos, propondo tarefas que levem os alunos a desenvolver competências relacionadas ao "fazer" da ciência.

Em outro artigo, encontramos o fator imaginação como ponto de destaque do fazer ciência, conforme o fragmento a seguir:

Os modelos criados para explicar diversos fenômenos da realidade são representações que vão muito além do que poderíamos esperar de uma percepção sensorial da mesma. Isso implica admitir que os processos de abstração se desenvolvem por diversos caminhos, muitas vezes com a criação do objeto ou fenômeno a ser explicado, e não como decorrente da aplicação de um raciocínio limitado a uma lógica (indutiva ou dedutiva) clara ou evidente. (art. 12)

Dessa forma, o autor enfatiza a importância de se abordar a respeito da imaginação criadora nas discussões sobre produção do conhecimento científico, pois, em suas palavras: "Isso faz com que a imaginação tenha um papel importante na ciência: ela é, por definição, a maneira com a qual o pensamento conceitual busca, criativamente, estabelecer regras organizadoras para a realidade" (art. 12).

A proposta do autor é que os alunos investiguem uma situação misteriosa, para a qual devem "criar" o objeto a ser investigado, e então analisa se o pensamento utilizado pelos alunos incorpora os processos da criação cientifica.

Outra vertente destaca a aprendizagem de conhecimentos teóricos e práticos. Em um dos artigos investigados aponta-se que:

As atividades experimentais, utilizando esse equipamento [o

quincunx

], podem ser empregadas didaticamente para favorecer a articulação entre teoria e prática e introduzir conceitos estatísticos em todos os níveis de ensino. (art. 8)

Os autores do referido artigo comentam sobre a relação entre a história da Estatística e o desenvolvimento cognitivo dos adolescentes e jovens por eles investigados, fato que aponta para mais uma possibilidade de explorar o histórico de uma teoria em função de uma prática experimental.

Os autores desenvolveram a mesma atividade demonstrativa com alunos da licenciatura, do Ensino Médio e do Ensino Fundamental, sendo que inicialmente foi solicitado que respondessem a um questionário para levantar as estimativas deles sobre o que aconteceria nos experimentos. Após os experimentos, os alunos foram estimulados a comparar as suas estimativas com os dados encontrados. Isso permitiu que os estudantes formulassem modelos explicativos e os testassem confrontando suas concepções espontâneas com a realidade.

Outro artigo também defende a articulação dos conhecimentos teóricos e práticos, mas com uma visão diferente da citada acima, uma vez que esta não é concebida intrinsecamente. Os autores indicam que:

A função básica dessas atividades é ilustrar tópicos trabalhados em sala de aula. Além disso, servem para complementar conteúdos tratados em aulas teóricas, facilitar a compreensão, tornar o conteúdo agradável e interessante, auxiliar o aluno a desenvolver habilidades de observação e reflexão e apresentar fenômenos físicos. [...] Não se trata, pois, de contrapor o ensino experimental ao teórico, mas de encontrar formas que evitem essa fragmentação. (art. 11)

O foco das atividades experimentais em ambos os artigos está na possibilidade que elas oferecem de abordagem da teoria concomitantemente e, ainda que o art. 11 aponte que elas "ilustrem", "complementem" os conteúdos, há uma defesa na "não fragmentação" entre teoria e prática. Em ambos (arts. 8 e 11) as atividades desenvolvidas foram demonstrativas.

Alguns autores enfatizam a dificuldade da aprendizagem de alguns conceitos e, por conta disso, propõem o desenvolvimento de atividades experimentais concomitantemente ao ensino teórico:

O conceito de capacitância é um assunto de Física do Ensino Médio que tem sido ensinado, em muitos casos, via aplicação direta de equações na solução de problemas teóricos. A elaboração matemática que envolve seu uso não é complicada, mas a apropriação da fenomenologia correspondente passa pela experimentação, frequentemente inexistente. Por esse motivo é importante que as escolas ofereçam oportunidades de aprendizagem baseadas em atividades experimentais. [...] É possível sincronizar experimentação com conhecimentos teóricos sobre capacitância utilizando materiais de baixo custo (art. 3)

Os autores deste artigo estudaram a construção de um equipamento (capacitor) com material de baixo custo e com isso conseguiram observar o desenvolvimento de raciocínio lógico nos estudantes na aprendizagem do referido conceito, contribuição primordial da atividade experimental, segundo eles.

Atividades experimentais com foco na interação

Dentro dessa abordagem, destacam-se artigos com três diferentes enfoques para a interação que as atividades experimentais devem proporcionar:

Dois artigos são centrados na interação do aluno com a atividade, justificando que:

Se a atividade não oferecer diferentes possibilidades de interação entre os alunos e o objeto do conhecimento, eles não terão evidências para construir argumentos e/ou refutações sobre o fenômeno estudado. (art. 2)

[...] as etapas principais na realização de um experimento em sala de aula são a montagem e a análise dos dados e resultados. O aluno precisa compreender o objetivo da realização de determinada atividade experimental, assim como participar ativamente da sua montagem. (art. 6)

Em ambos os artigos, os autores enfatizam a função do experimento em relação ao desenvolvimento cognitivo do aluno; no entanto, para que esse possa acontecer é necessário organizar atividades que priorizem a atuação do estudante. No art. 2, os autores analisaram se estudantes das séries iniciais do Ensino Fundamental estabelecem relações entre força e movimento ao manusear um experimento, no qual deveriam discutir com os pares e argumentar sobre seus posicionamentos. No art. 6, os alunos deveriam refletir inicialmente sobre situações do cotidiano relativas ao conceito estudado. Posteriormente, os grupos de alunos coletaram dados por meio de sensores adequados e os analisaram em calculadoras gráficas. Na discussão dos resultados obtidos pelos grupos, novas situações cotidianas foram relacionadas e, por último, foi divulgado na web um texto contendo os gráficos e as discussões realizadas.

Observamos nesses trabalhos que o essencial no desenvolvimento de atividades experimentais é a problematização do conhecimento dos estudantes, suas explicações e relações estabelecidas.

Alguns artigos investigados enfatizaram na experimentação a interação social, como apontam os fragmentos a seguir:

[...] a utilização de atividades experimentais de demonstração como desencadeadoras de interações sociais a partir das quais o pesquisador aqui desempenhando o papel de professor ou parceiro mais capaz pode apresentar algumas ideias iniciais. (art. 4)

Nessa pesquisa, os autores destacam o papel do professor como mediador durante as aulas, proporcionando questionamentos para incentivar a interação entre os alunos do ensino médio. Inicialmente, foi aplicado um questionário aos estudantes para conhecer suas concepções prévias e, após o término das aulas, novo questionário com outras perguntas para observar se ocorreu evolução conceitual.

Outros autores estudaram a interação social no ensino superior, tais como as autoras do art. 7, que pretendiam investigar as relações que permeiam as situações de ensino com intervenções denominadas convites docentes, subsidiadas no referencial teórico psicanalítico.

Convites docentes equivaleriam às estratégias intencionais colocadas em ação pelos professores que, ao entrarem em ressonância com as demandas dos aprendizes, sustentam, explícita e implicitamente, o envolvimento, a persistência, a ousadia e a mudança em seus processos de aprendizagem. (art. 7)

As atividades aconteceram na disciplina que tinha como perspectiva introduzir os alunos aos métodos da ciência, no sentido de trabalhar um conjunto de instrumentos e técnicas experimentais generalizáveis e transferíveis aos diferentes domínios da Física. Assim, foram privilegiados os conceitos sobre tratamento estatístico de dados em detrimento dos conteúdos. Numa das aulas, os alunos realizaram um experimento cujo objetivo era verificar a equação que descrevia o movimento de queda de objetos em meio viscoso. A verificação da equação passava pela determinação dos parâmetros que a tornariam um bom resultado ou um bom modelo para descrever aquela situação.

Outros autores partiram da demonstração e da pergunta "o que faz um ímã girar?" para desencadear outras perguntas e nortear interações professor-alunos e aluno-aluno. Eles apontam a existência de

[...] três constructos teóricos que podem ser entendidos como condições pedagógicas a serem satisfeitas para que se estabeleça uma interação social mais profícua. São eles: a definição de situação, ou seja, a forma como cada um dos participantes entende a tarefa que, dentro do contexto da interação, deve ser a mesma; a intersubjetividade, ação entre os sujeitos participantes da interação com o objetivo de estabelecer ou redefinir a situação ou a tarefa proposta; a mediação semiótica, formas adequadas de linguagem, no sentido amplo do termo, que tornam possíveis a intersubjetividade. (art. 9)

Apenas um artigo tinha como objetivo central a interdisciplinaridade entre conhecimento físico, químico e biológico. Para isso, foi construído um higrômetro com uma vagem de determinado vegetal para que os alunos do 4.º ano do Ensino Fundamental estudassem a respeito da evaporação e umidade do ar. Outras atividades práticas foram implementadas para que observassem as diferentes variáveis que interferiam nesse fenômeno e sua influência na vida dos vegetais.

Os autores destacam que

[...] trabalhos como a construção do higrômetro não sejam encarados como apenas mais uma das tantas possibilidades de execução de uma aula prática descontextualizada mas, como foi aqui ilustrado, estejam integrados a projetos abrangentes e ricos em situações interdisciplinares. Foram as questões pertinentes ao projeto "Um gole de informação", alcançando uma amplitude política e eco-social, que oportunizaram a construção do higrômetro e dos conceitos de Física, Química e Biologia a ela relacionados. (art. 14)

Dessa forma, defendem a atividade prático-experimental como importante para promover a articulação de diferentes conhecimentos.

Considerações finais

A análise realizada permitiu delinear um panorama dos enfoques epistemológico e pedagógico que predominam nas investigações publicadas na última década, ainda que tenha sido priorizado um único periódico.

Três dos artigos analisados se utilizam de atividades do tipo demonstrativas e quatro de atividades que envolvem elementos investigativos. Em uma profunda e extensa análise realizada por Araújo e Abib (2003) considerando artigos publicados em três periódicos no período de 1992 a 2001, os autores perceberam que os procedimentos metodológicos das atividades demonstrativas eram de dois tipos: atividades demonstrativas fechadas ou abertas. Por evidenciarem discussões e reflexões críticas, estas últimas foram consideradas pelos autores como atividades do tipo investigativas.

Em nossa análise, ressaltamos que em todos os artigos que propuseram as atividades demonstrativas são enfatizadas a importância da interação social e os questionamentos dos professores na condução da atividade em sala de aula. Assim sendo, estão mais na linha das atividades abertas, incluindo elementos investigativos, de forma que consideramos que, do total de 14 artigos analisados, sete enfatizam elementos investigativos no desenvolvimento das atividades práticas.

Em relação às abordagens das atividades experimentais, observamos a predominância de dois enfoques: um que valoriza a aprendizagem e outro que valoriza a interação. Dentre o que valoriza aprendizagem, encontramos as seguintes vertentes: compreender a atividade científica (cinco artigos) e articular conhecimentos teóricos aos práticos (três artigos). Dentre a abordagem que visa à interação, as atividades experimentais são importantes quando promovem a participação do aluno na execução da atividade (dois artigos), a relação entre os participantes (três artigos) e a interdisciplinaridade (um artigo).

Chama a atenção o fato de que a abordagem com maior número de artigos contempla a importância de desenvolver a experimentação para promover a compreensão da atividade científica, que, se somada à vertente que valoriza a participação do aluno na execução da atividade, leva-nos a dizer que a prioridade tem sido a aprendizagem dos processos de construção do conhecimento científico na escola, uma vez que todos investigam tais atividades no Ensino Médio ou Fundamental.

Duas vertentes que visam articular conhecimentos teóricos aos práticos e articular diferentes conhecimentos por meio de interdisciplinaridade remetem para a valorização da aprendizagem de conceitos, ou seja, a ênfase recai no conhecimento ensinado na sala de aula. Já a vertente que prioriza a interação social entre os participantes está, a nosso ver, enfatizando a relação professor-aluno, não importando tanto a estratégia metodológica adotada, que, no caso, foi a atividade experimental, diferentemente das demais vertentes em que esta atividade é o cerne do estudo.

Esse trabalho tomou como material empírico os artigos publicados num importante periódico de ensino de Física; portanto, pelo menos no âmbito da pesquisa em ensino, as atividades experimentais já não são, predominantemente, puramente demonstrativas e totalmente centradas no professor. Observamos que; mesmo que ao contemplar objetivos diferentes, a ênfase está em atividades com elementos investigativos. Para uma continuidade, ressaltamos a importância de um estudo que tome os enfoques presentes nas salas de aula considerando aquilo que está sendo efetivamente realizado pelos professores nas escolas, para que se possa ter uma visão do conhecimento físico apropriado pelo aluno.

Texto recebido em 15 de novembro de 2011.

Texto aprovado em 08 de dezembro de 2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2011
  • Aceito
    08 Dez 2011
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