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Ensino de óptica para alunos cegos: possibilidades

RESENHA

Camargo, E. P. de. Ensino de óptica para alunos cegos: possibilidades. Curitiba: CRV, 2011

Maria da Conceição de Almeida Barbosa-Lima

Doutora em Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Física Armando Dias Tavares. E-mail: mcablima@uol.com.br

(B) É como se tivesse uma janela, aí de um lado eu colocava um papel e a lapiseira em pé e do outro lado eu colocasse um outro papel e a lapiseira de pé, porque o espelho não deixa passar, só que, imagine uma janela, e colocasse um papel na frente do vidro com uma lapiseira de pé, e do outro lado da janela colocasse uma folha sulfite com uma lapiseira de pé também, ia ser a mesma distância, é como se tivesse no espelho.

(A-v3) Só que o que está do lado de lá do espelho não existe.

Em vários cursos de Licenciatura em Física, já estão sendo realizados investimentos na formação de professores inclusivos, não só por força de Leis, mas, principalmente, porque pessoas com necessidades especiais de aprendizado estão chegando ao ensino médio e precisam contar com profissionais gabaritados para atendê-las.

Uma das dificuldades com que trabalhamos na formação de professores para este novo público de nossas escolas regulares é a carência de uma bibliografia de referência farta. Existem, sem dúvida, artigos em periódicos nacionais e internacionais que vêm nos facilitar o trabalho, mas, mesmo assim, a lacuna persiste... Ou persistia, já que começa, mesmo que timidamente, a ser preenchida.

Quando iniciamos uma disciplina de formação de professores para ministrarem Física a pessoas com deficiência visual ocorre, em geral, um fato bastante interessante: os estudantes acatam a proposta do desenvolvimento de atividades em mecânica, em eletricidade, em magnetismo, mas... quando falamos em óptica... tocamos no tendão de Aquiles. No proibido. Como ensinar óptica a quem não enxerga? É a pergunta que vem rápida, sem crítica de quem vive num mundo do ver. Onde para conhecer é preciso e algumas vezes fundamental ver. O nosso mundo! (p.114)

A exatamente esta questão nos responde Camargo em sua recente publicação.

Trata-se de um generoso e crítico relatório da pesquisa que foi realizada com um grupo de seis licenciandos em Física da UNESP-Bauru e dois rapazes com deficiência visual total, sendo um deles cego de nascimento e que contava, na época, com 15 anos de idade e o outro tendo ficado cego aos 24 anos e que contava, quando da pesquisa, com 34 anos de idade. O aluno de 15 anos foi chamado de A e o outro, de B.

O livro relata quatro episódios de ensino tanto do lado teórico quanto experimental de maneira muito detalhada, dando uma ênfase especial à maneira de participação de A e de B, assim como as suas interações com os licenciandos e demais alunos do experimento. Chama-nos atenção sempre para a linguagem e seu papel de estimulante ao pensamento e à criação, ao mesmo tempo em que o falar do professor pode dificultar de maneira relevante a compreensão de algum conceito ou fenômeno.

Uma questão recorrente no texto de Camargo é a importância da utilização de maquetes tanto para o cego A, que nunca enxergou e, portanto, não tinha qualquer memória ou referência visual, quanto para B, que, por ter enxergado até a juventude, ainda guardava alguma informação visual. É interessante ressaltar que as maquetes, em algumas ocasiões, também foram utilizadas para apoiar explicações para os demais alunos.

Camargo em seu texto coloca várias perguntas, instigando o leitor a realizar novas abordagens e chama a atenção reiteradas vezes para o fato de que o cego vive em uma sociedade e, como ser social, tem acesso a várias informações que podem e devem ser utilizadas em seu ensino, seja ele de óptica ou qualquer outro tópico ou mesmo qualquer outra ciência ou assunto.

Durante a pesquisa relatada, toda a óptica geométrica é visitada por uma turma que se desejava inclusiva. Ou seja, A e B deveriam participar em pé de igualdade com os demais alunos de todas as atividades, mas o que acabou não acontecendo por opção dos licenciandos, que insistiram em oferecer explicações particulares em paralelo às aulas para os alunos com deficiência. A maioria dos episódios foi mais segregacionista do que tudo. Apenas em um episódio o aluno B foi realmente incluído, o que permitiu que ele chegasse a conclusões em outras ocasiões e construísse analogias para explicar seu pensamento, como podemos ler na epígrafe desta resenha.

Para quem tem por objetivo formar professores inclusivos, as recomendações de Camargo não podem ser negligenciadas e seu texto torna-se leitura obrigatória.

Texto recebido em 25 de novembro de 2011.

Texto aprovado em 20 de dezembro de 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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