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Fragmentação sindical

Trade Union fragmentation

Resumos

O Brasil chama a atenção pelo número de entidades sindicais de trabalhadores. Uma pesquisa feita pelo IBGE em 2001 resultou em 13.203 sindicatos, dos quais 9.186 tinham registro no Ministério do Trabalho e Emprego. Onze anos mais tarde, em 2012, este mesmo Ministério registra 9.954 instituições com certificado ativo, aproximadamente 8% a mais de sindicatos em onze anos. Qual o significado da ampliação do número de sindicatos? Está-se diante de processos de saudáveis organizações de novas bases sindicais ou se trata de fragmentação de forças? O artigo discute esta questão e também mostra a heterogeneidade da estrutura sindical, que apresenta um grande número de organizações dadas as práticas constitutivas requeridas por lei. Opera-se com a hipótese de que boa parte da divisão organizativa, processo que se observa no interior dos sindicatos de trabalhadores, corresponde a uma fragmentação em decorrência de lutas por espaços políticos, por verbas do imposto sindical, por divisão territorial e por puro corporativismo, o que não implica em elevar a capacidade de luta da estrutura como um todo. A primeira parte do artigo analisa o princípio da liberdade sindical e sua implementação pela Constituição de 1988. A segunda procede a um estudo mais circunstanciado ao sindicalismo no setor da educação, especialmente a educação superior. O vertiginoso surgimento de centrais sindicais após o ano 2000 fornece força cabal ao argumento da fragmentação.

sindicato em educação; unicidade sindical; liberdade sindical; heterogeneidade; fragmentação


Brazil has a large number of labor unions. A union survey made by IBGE in 2001 resulted in 13.203 unions, of which 9.186 were certified by the Labor and Employment Ministry. Eleven years later, in 2012, the same Ministry registers 9.954 institutions with active certificate, an increase of approximately 8% in eleven years. What does it mean this union growth in Brazil? Is it the effect of a healthy process of organization of new union bases or does it represent fragmentation of forces? The paper discusses those questions and shows that the union structure is composed heterogeneously what demands a large number of organizations due to the complex practices adopted by law. The hypothesis is that a great part of the organizational division that operates inside labor unions corresponds to a process of fragmentation by struggles for better political spaces, for access to union contributions, territorial division and sheer corporativism, factors that do not contribute to strengthen the struggling capacity of workers. The first part of the paper analyses the introduction of the principle of freedom in union organizations by the 1988 Constitutional Act. The second provides a deeper study on unionism about the educational sector, specially higher education. The fast growth in number of union central associations after 2000 provides a forceful argument in favor of growing fragmentation of labor unions.

unions in education; trade unions unity; trade unions freedom; heterogeneity; fragmentation


DOSSIÊ

SINDICALISMO DOCENTE: EXPERIÊNCIAS, LIMITES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Fragmentação sindical1 1 O autor agradece o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a pesquisa que deu base a este artigo.

Trade Union fragmentation

Sadi Dal Rosso

Ph.D., University of Texas at Austin. Professor titular da Universidade de Brasília. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Brasil. E-mail: sadi@unb.br

RESUMO

O Brasil chama a atenção pelo número de entidades sindicais de trabalhadores. Uma pesquisa feita pelo IBGE em 2001 resultou em 13.203 sindicatos, dos quais 9.186 tinham registro no Ministério do Trabalho e Emprego. Onze anos mais tarde, em 2012, este mesmo Ministério registra 9.954 instituições com certificado ativo, aproximadamente 8% a mais de sindicatos em onze anos. Qual o significado da ampliação do número de sindicatos? Está-se diante de processos de saudáveis organizações de novas bases sindicais ou se trata de fragmentação de forças? O artigo discute esta questão e também mostra a heterogeneidade da estrutura sindical, que apresenta um grande número de organizações dadas as práticas constitutivas requeridas por lei. Opera-se com a hipótese de que boa parte da divisão organizativa, processo que se observa no interior dos sindicatos de trabalhadores, corresponde a uma fragmentação em decorrência de lutas por espaços políticos, por verbas do imposto sindical, por divisão territorial e por puro corporativismo, o que não implica em elevar a capacidade de luta da estrutura como um todo. A primeira parte do artigo analisa o princípio da liberdade sindical e sua implementação pela Constituição de 1988. A segunda procede a um estudo mais circunstanciado ao sindicalismo no setor da educação, especialmente a educação superior. O vertiginoso surgimento de centrais sindicais após o ano 2000 fornece força cabal ao argumento da fragmentação.

Palavras-chave: sindicato em educação; unicidade sindical; liberdade sindical; heterogeneidade; fragmentação.

ABSTRACT

Brazil has a large number of labor unions. A union survey made by IBGE in 2001 resulted in 13.203 unions, of which 9.186 were certified by the Labor and Employment Ministry. Eleven years later, in 2012, the same Ministry registers 9.954 institutions with active certificate, an increase of approximately 8% in eleven years. What does it mean this union growth in Brazil? Is it the effect of a healthy process of organization of new union bases or does it represent fragmentation of forces? The paper discusses those questions and shows that the union structure is composed heterogeneously what demands a large number of organizations due to the complex practices adopted by law. The hypothesis is that a great part of the organizational division that operates inside labor unions corresponds to a process of fragmentation by struggles for better political spaces, for access to union contributions, territorial division and sheer corporativism, factors that do not contribute to strengthen the struggling capacity of workers. The first part of the paper analyses the introduction of the principle of freedom in union organizations by the 1988 Constitutional Act. The second provides a deeper study on unionism about the educational sector, specially higher education. The fast growth in number of union central associations after 2000 provides a forceful argument in favor of growing fragmentation of labor unions.

Keywords: unions in education; trade unions unity; trade unions freedom; heterogeneity; fragmentation.

Introdução

O desenvolvimento do sindicalismo na atualidade suscita debates apaixonados. Uma das teses mais fortes que ganharam força no Brasil no período de auge do neoliberalismo, a saber dos anos 1990 para cá, refere-se ao futuro do sindicalismo (RODRIGUES, 1999), e seu inexorável declínio ante a força da globalização, da inovação tecnológica e fatores vários em ação no interior do capitalismo mundial. O sindicalismo seria uma instituição da era do capitalismo fordista keynesiano, marcado de morte pelas inúmeras formas de flexibilização das relações de trabalho da atualidade.

A despeito das avaliações catastróficas, o sindicalismo continua ativo pela simples razão de que, até o momento, é a instituição que tem capacidade de representação e organização dos trabalhadores e goza de legitimidade para tal. Esta maneira de considerar a organização sindical permite suscitar um rol de problemas internos a ela. Este artigo dedica-se a estudar a introdução do princípio da liberdade nas relações sindicais pela Constituição de 1988 e examina impactos sobre o desenvolvimento posterior do sindicato. Vários outros processos sociais e políticos que afetam o sindicato entraram em ação após a Constituição de 1988, entre eles aquele denominado de fragmentação ou pulverização e que foi estimulado pela inconclusa reforma sindical de 2005, particularmente por intermédio do acesso das centrais sindicais a verbas do imposto sindical. O artigo confina boa parte de sua análise ao campo do sindicalismo em educação, dado que parte da instituição sindical brasileira é um setor em forte expansão em decorrência da alta mobilização especialmente da esfera pública bem como do crescimento do emprego nesse setor. O artigo faz ainda uma incursão ao problema da heterogeneidade da estrutura sindical, buscando captar a racionalidade das divisões vigentes, que frequentemente são explicadas pela possibilidade de extensão do poder sobre determinados espaços sociais.

As informações empregadas no artigo provêm de duas fontes oficiais. A pesquisa sindical de 2011 levada a efeito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística continua sendo o levantamento empírico mais abrangente sobre organização sindical no país. Persistem dúvidas quanto à qualidade de alguns aspectos do levantamento, além de os dados estarem defasados em mais de 10 anos e, como se trata da primeira enquete geral, a análise de tendências fica inviabilizada. Ainda assim é uma preciosa fonte de dados. O artigo faz uso também de informações fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego a respeito das organizações sindicais "com registro ativo" ou "sem registro ativo", eufemismo para designar a certificação sindical pelo Estado. Há diferenças muito grandes entre as duas fontes, com destaque para o fato de que o IBGE é uma instituição de pesquisa, com legitimidade decorrente de uma histórica e secular forma de produção de informações públicas. O Ministério do Trabalho e Emprego desempenha a função de aparato do Estado brasileiro para regular o funcionamento da instituição sindical. Seus dados são extremamente atualizados, especialmente em relação à certificação de centrais sindicais, e por esta razão serão utilizados. O artigo vale-se ainda de experiência e de prática acumuladas durante anos de exercício da atividade sindical e do magistério em educação.

A Constituição de 1988: a liberdade sindical e a proliferação de entidades sindicais

A Constituição de 1988, que ocorreu num momento de fortíssima reação à ordem sociopolítica estabelecida pela ditadura militar e pelos sistemas que a ela antecederam, enuncia o princípio da liberdade sindical com os termos "É livre a associação profissional ou sindical" (BRASIL, 1988, art. 8º, caput). Se permanecesse apenas nas cinco palavras que a compõem, esta frase teria promovido uma revolução na organização sindical. Entretanto, a liberdade sindical é bandeira só de parte do movimento sindical e de atores políticos. O inciso II do art. 8º da Constituição 1988 dá voz, pois, a outra corrente que defende a permanência da unidade sindical:

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados não podendo ser inferior à área de um Município (BRASIL, 1988, art. 8º, II).

O caput e o inciso II do art. 8º condensam a disputa entre os princípios da liberdade e da unicidade sindical. A solução para o problema da liberdade e da unidade sindical (VIANNA, 1976; ROZICKI, 2010; LIMA, 2009) foi mal arquitetada e resolvida pelos constituintes de 1988 ao tentar uma composição intermediária entre ambos. Emolduram o caput do art. 8º com o princípio da liberdade ("é livre a organização sindical") e castram sua vitalidade com o inciso II, lavrado sob a batuta da unicidade ("é vedada a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial"). É possível entender a unidade como decorrência da vontade dos trabalhadores que livremente escolhem esse tipo de organização sindical. Entretanto, como pode ser livre o sindicato ao qual é vedado, por força de lei, criar mais de uma organização sindical na mesma base?

A Constituição de 1988 produziu efeitos sobre o sindicalismo, primeiramente, por ampliar acesso à organização sindical a grupos sociais dela excluídos. Arejou a vida organizativa permitindo a expansão de sindicatos para terrenos antes proibidos, entre os quais servidores públicos, e facultando a organização a grupos sociais especiais, como aposentados, pensionistas e idosos. Em decorrência desse efeito, aumentou o número de sindicatos e de pessoas filiadas a sindicatos. A Tabela 1, a seguir, mostra, em 2012, a existência de 1.470 sindicatos de servidores públicos cadastrados nos "registros ativos" do Ministério do Trabalho e Emprego e que estes sindicatos perfazem 14,77% dos 9.954 sindicatos de trabalhadores no Brasil. Pode-se supor que os sindicatos de servidores públicos sejam em bom número, especialmente nas novas unidades federativas surgidas após 1988. Também é certo afirmar que muitas grandes categorias organizativas no setor da educação já existiam sob a forma de associação antes daquela data. Vários desses sindicatos preservam em seu nome as marcas de associações, formato organizativo no qual foram criados. Apenas como dois exemplos temos: o chamado ANDES - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior e a APEOESP - Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, que preservam a sigla de associação até os dias de hoje. Boa parte da expansão sindical entre servidores públicos corresponde a esse processo de crescimento da vida organizativa. Novos sindicatos surgiram porque novas bases sindicais foram formadas.

A expansão sindical pode representar, entretanto, outras forças em ação, a exemplo do crescimento do corporativismo. O serviço público é perpassado por gigantescas diferenças salariais na atualidade. Os salários mais altos chegam a alcançar proporções cinquenta vezes superiores ao salário mais baixo, fato que será móvel para repetidas greves futuras. Para categorias de altos salários, diferenciar-se e organizar-se em corpos mais restritos numericamente corresponde a uma atitude racional mas ao mesmo tempo corporativa. Racional porque permite que a categoria reproduza e amplie os altos salários sem risco para as contas públicas, dado o reduzido impacto global nas contas nacionais. Corporativa porque rompe com a unidade organizativa dos servidores públicos e dos trabalhadores em geral em decorrência do objetivo de preservar vantagens específicas para uma categoria apenas.

A disputa entre liberdade e unicidade sindical transparece, entre outros elementos, no grau de interferência do Estado sobre a organização sindical que decorre de 1988. Assim, nos primeiros anos após a Constituição, o Estado jamais podia exigir qualquer forma de certificação sindical, nos termos do Inciso I do art. 8º - "A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical" (BRASIL, 1988). Os sindicatos faziam depósito de seus registros em cartórios, bem como no Ministério do Trabalho e Emprego. Desde a última década, entretanto, a ação do Estado ampliou-se não apenas sobre registros, como também passou a arvorar-se o poder de dirimir disputas entre partes litigantes e a emitir certificados de reconhecimento de organização sindical, conforme o jargão burocrático de "registro ativo", como aparece nas estatísticas oficiais.

Estão em andamento ainda na rede sindical brasileira outros processos de fragmentação e que não se restringem ao setor da educação. Há um fator de divisão sindical que acompanha a criação de novos municípios. Desses processos de redivisão administrativa decorrem minúsculos sindicatos muitas vezes em combinações mistas com o conjunto dos servidores públicos. Tais instituições apresentam, salvo exceções, baixíssima capacidade de organização, representação e intervenção na realidade.

Outro processo em curso pode ser identificado por grupos de trabalhadores que não se sentem adequadamente representados pela estrutura sindical vigente. A motivação para o desmembramento provém da crítica pelo descaso e pelo abandono de grupos de trabalhadores cujas reivindicações não são levadas à frente por parte dos sindicatos. Em consequência, a divisão e criação de novos sindicatos se apresenta como alternativa. O processo de fragmentação pela criação de organizações menores, entretanto, por melhores que sejam as justificativas, também reduz a força sindical por diminuir o tamanho da base laboral.

Há ainda um processo vinculado à inovação tecnológica, que resulta em fragmentação sindical. A inovação tecnológica incide sobre a atividade laboral, sendo criadas novas categorias de trabalhadores. Efeitos da inovação tecnológica no campo da educação são professores e monitores que atuam no ensino a distância, atividade que ganha espaço a cada dia que passa junto a universidades públicas e especialmente particulares. Se os sindicatos existentes desenvolvem estratégias de organização e representação desses novos grupos de trabalhadores da educação, a fragmentação sindical encontra dificuldade em se implantar. Mas a identidade laboral dos novos trabalhadores em novas ocupações permite elaborar um argumento no sentido de maior divisão sindical, a não ser que a consciência da importância da unidade prevaleça.

A complexidade do sistema de relações de trabalho

Deste ponto em diante, passa-se para a análise da estrutura sindical em educação. A educação no Brasil está organizada de acordo com a estrutura administrativa do país. A união responsabiliza-se pela oferta de ensino de terceiro grau e pela formação mais avançada de docentes e pesquisadores. Os estados têm a seu encargo a formação de nível intermediário e uma parcela da formação inicial. Os municípios responsabilizam-se, após a descentralização operada pela vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pela Constituição de 1988, pelas etapas iniciais da formação dos cidadãos. A estrutura tripartite administrativa divide-se conforme o sistema educacional seja público, privado ou de outra ordem, formando uma matriz de três colunas e três linhas conforme descrito no exemplo a seguir:

O quadro acima demonstra o grau de complexidade das relações de trabalho em educação no Brasil. A seguir serão dados exemplos das modalidades de contrato de trabalho vigentes nas instituições públicas e privadas de terceiro grau e seus impactos sobre a estrutura sindical.

Precarização do trabalho no Serviço Público

Por restrição de espaço, serão tecidas considerações apenas sobre a célula A. A união financia universidades, institutos federais e centros de formação tecnológica de segundo grau. Nas universidades trabalham docentes e servidores técnico-administrativos.

O contrato de trabalho dos docentes é primordialmente constituído de relações de assalariamento. Os e as docentes são majoritariamente assalariados permanentes do governo federal. Entretanto, existem contratos temporários e provisórios de professores substitutos para suprir vagas de docentes em estágio de formação. Nas universidades federais, os contratos dos docentes são regidos pelo Estatuto do Funcionalismo Público, definido nos termos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. O ingresso no Estatuto do Funcionalismo Público foi conquista do movimento docente do ensino superior público da União e do movimento dos servidores técnico-administrativos. Até então, a União dispunha de dois tipos de contratos. Para aqueles que pertenciam às autarquias federais os contratos de trabalho eram sob a forma do Estatuto. Os docentes, no entanto, que pertenciam às 16 fundações federais, eram regidos pela legislação relativa à Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Entre a publicação da Constituição de 1988 e os dias de hoje forte pressão sindical provocou mudança profunda no sistema de contratação, passando os docentes das fundações federais a serem também regidos pelo Estatuto do Servidor Público.

Anteriormente ao Estatuto, os docentes das 16 fundações federais podiam ser divididos em dois grandes grupos: os docentes do quadro e os professores colaboradores. Os professores colaboradores constituíam a grande força de trabalho que conduzia as atividades de pesquisa, de docência e de extensão das universidades. Os professores do quadro representavam um número bem menor de pessoas. O ingresso ao quadro era realizado por um fino processo de filtragem, em que o desempenho acadêmico e a produção científica estavam presentes, não sendo infrequentes os ingressos por razões exclusivamente políticas ou por interesses corporativos. O controle do ingresso representava um instrumento de comando sobre os professores substitutos, relativamente ao desempenho acadêmico e ao envolvimento político.

Uma análise pormenorizada da figura do contemporâneo professor substituto mostra também que ela foi introduzida nos planos de cargos e salários em substituição aos antigos professores colaboradores. Os colaboradores eram docentes contratados ano a ano, ficando sua recontratação sujeita à avaliação anual feita, no caso da Universidade de Brasília, pela Mesa do Reitor, uma instância pretensamente deliberativa extremamente concentrada e completamente dependente do humor da Reitoria em exercício. Os professores colaboradores eram instáveis nos seus empregos. A vigência de seus contratos era anual, para cuja renovação eram avaliados os relatórios das atividades desenvolvidas. Com relação às atividades, os professores colaboradores desenvolviam as mesmas atribuições que os professores do quadro. Ainda assim, seu contrato terminava a cada ano. Já o contrato dos professores do quadro era permanente. A clivagem punha-se de acordo com a vigência anual ou permanente do contrato.

Os professores colaboradores dispunham de uma pré-carreira profissional, de acordo com a numeração 1, 2, 3 e 4. Na posição de professor colaborador 1, estavam os docentes com titulação apenas de graduação. Os professores com titulação de mestrado eram colaboradores 2. Os professores colaboradores 3 e 4 deviam ser doutores. Existia, pois, uma forma de mobilidade ascensional restrita, diminuta. Os professores colaboradores podiam ascender até a posição de colaborador 4, quando ou ingressavam no quadro ou ficavam permanentemente nesta posição 4. O dilema dos professores que ingressavam nas universidades com titulação de doutorado consistia ou em ascender para posições do quadro ou permanecer indefinidamente na posição de colabores 3 ou 4, como soía com a maioria dos docentes.

A carreira profissional constituiu um móvel relevante, junto com o salário, para o surgimento de organizações sindicais, para movimentos de greve e para movimentos de repúdio à estrutura profissional que operava com critérios políticos. O processo de organização do Andes-Sindicato Nacional é um exemplo em que os movimentos em repúdio à forma da carreira, bem como em relação à luta contra a ditatura militar, confluíram no sentido de criação de uma entidade sindical de abrangência nacional.

Não era distinta a situação dos servidores técnico-administrativos quanto às relações contratuais nas universidades públicas federais desde o regime militar e até hoje. As atividades-meio das universidades federais são efetuadas atualmente por agentes sociais de diversas naturezas, classificados a seguir. Em primeiro lugar, situam-se os servidores técnico-administrativos que ocuparam seus postos por meio de concursos e pertencem ao quadro da universidade e são regidos pelo Estatuto do Servidor Público, da mesma maneira que os docentes. Não representam sequer 50% do conjunto de pessoas que trabalham nas atividades de técnico-administrativos. São assalariados com estabilidade nos cargos. É comum nos departamentos das universidades públicas ter apenas um ou mesmo nenhum servidor técnico-administrativo, classificado neste grupo dos concursados e estatutários.

Se os concursados são estáveis e permanentes, existe um grupo de servidores técnico-administrativos flexibilizados. O primeiro grupo dos servidores flexibilizados é composto dos chamados contratados por meio de empresas prestadores de serviços. Os contratos com as empresas são regulares. Os servidores possuem carteira de trabalho assinada, mas seus salários são reduzidos e as vantagens pequenas. Está nesta condição de contratos legais todo o pessoal de limpeza.

O segundo grupo de flexibilizados é composto pelos prestadores de serviço. A figura do prestador de serviço foi inventada durante os anos 1990, quando foi realizada a reforma do Estado no Brasil. Como a intenção era diminuir o número de concursados e estatutários, uma proposta consistia em contratar prestadores de serviço que operassem como se pessoas jurídicas fossem. Neste caso, a universidade contrataria e demitiria o prestador de serviços a seu bel prazer, sem qualquer intervenção da legislação trabalhista, dado que a intenção era configurar uma relação de trabalho entre portadores de natureza jurídica semelhantes. Tanto a universidade como o prestador de serviço seriam pessoas jurídicas de natureza supostamente idêntica, habilitados a realizar contrato entre si. Não demorou para que este embuste ao direito fosse desmascarado. Prestadores de serviços trabalham nas universidades há quinze anos, pelo menos. Não têm carreira profissional, não gozam de vantagens como FGTS e férias.

As classificações docentes e de servidores técnico-administrativos nas universidades federais indicam a heterogeneidade das relações de trabalho em educação. As informações demonstram ainda como o sistema de relações de trabalho é complexo na Educação brasileira. Depende de inúmeras circunstâncias, de infinitas conjunturas: se o indivíduo pertence ao escalão federal, estadual ou municipal; se é professor ou servidor; se é permanente ou temporário; se é do setor público, privado ou de outra forma institucional; se é governado pelo Estatuto do Servidor Público ou pela Consolidação das Leis do Trabalho; se regido pela CLT, qual é a forma em que é contratado; e assim seguem as minúcias. A literatura do campo está longe de descrever uma visão minimamente aceitável da heterogeneidade das relações de trabalho no sistema educacional brasileiro. Inexistem dois professores das universidades federais que recebem os mesmos salários, tão grandes são as especificidades e as particularidades. As relações de trabalho exercem papel de divisão para docentes e servidores administrativos. As relações de trabalho no setor público federal contêm inapelavelmente formas de precarização. A precarização se manifesta por meio de insuficiente remuneração, privação de direitos e negação de benefícios e vantagens. O Estado brasileiro nega a seus servidores a regularidade das condições que exige das empresas. O Estado é promotor ativo de desigualdades e precarização.

O sindicato em processo de crescente fragmentação

A primeira questão a ser alçada consiste na dúvida se o sindicato se organiza de acordo com o esquema de relações de trabalho apresentado no Quadro 1. Existem alguns pontos e algumas linhas que aproximam a organização do sindicalismo brasileiro a este esquema abstrato delineado. É o caso da estruturação vertical das organizações sindicais em sindicatos de base e de cúpula. Esta estrutura segue um modelo antiquado e não é capaz de representar o conjunto do sindicalismo brasileiro. Compreende apenas uma fração dele. Mas não dá conta de atender os anseios de sindicatos mais modernos que se estruturam com base em outros esquemas construídos a partir da crítica elaborada sobre o princípio concentrador de poder que o modelo confederações-federações-sindicatos incorpora. A verticalidade sindical favorece a reprodutibilidade das direções sindicais, uma praga que se perpetua nas organizações dos trabalhadores por meio da figura do sindicalista profissional. Organizações sindicais do setor da educação, entre as quais a FASUBRA - Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, a CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - e a ANDES-SINDICATO NACIONAL romperam, em primeiro lugar, com a estrutura verticalizada do sindicalismo brasileiro. O modelo de organização vertical é formulado em toda sua extensão, em todos os seus detalhes pela Consolidação das Leis do Trabalho. A CLT gasta não menos de 100 artigos, do artigo 511 ao 610, para regulamentar a estrutura sindical (CLT, Título V, Capítulos I, II e III). A análise do discurso empregado pela CLT revela elementos insuspeitos. No artigo 511 da CLT, o Estado brasileiro afirma que


É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos interesses econômicos ou profissionais de todos os que como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas (OLIVEIRA, 1994, p. 136).

O Estado Brasileiro reconhece a licitude da associação de trabalhadores, apenas. A CLT não assegura que os cidadãos possuam o direito de organizar-se livremente em associações sindicais, com base no direito de todo o ser humano de defender, democraticamente os interesses de sua classe. Apenas declara publicamente a licitude desta ação, desde que realizada de acordo com os outros 99 artigos em conexão aos quais estimulo os leitores a conferirem para avaliarem o grau de intervenção que o Estado brasileiro mantém sobre a organização sindical. O Estado permite a organização sindical, mas a controla com punho de ferro. Nessa função, a organização vertical do sindicalismo brasileiro facilita enormemente o controle, como também reduz o espaço de democracia que a associação de trabalhadores deve ter.

As associações centrais de trabalhadores, também chamadas de "centrais sindicais", representam uma forma organizacional não prevista pela CLT que surgiu no curso da história recente como modo de construir a associação e representação geral do conjunto dos trabalhadores, independentemente de profissão e de atividade. Apenas trabalhadores, não importa a profissão ou o setor de atividade. Trabalhadores. Nada mais. As entidades centrais podem também desempenhar outros papéis menos nobres, entre os quais a ocupação de espaços políticos, o corporativismo e a simples reprodução tendo por base a contribuição sindical obrigatória.

A Central Única dos Trabalhadores foi a primeira entidade deste gênero. Ainda nas décadas de 1980 e 1990 vieram a Central Geral dos Trabalhadores e a Força Sindical (Tabela 2). Após 2005, quando o governo começou a acenar com o reconhecimento de um papel negocial para as centrais sindicais, o que se efetivou por meio da Lei 11.648 de 31/03/2008, permitindo que elas tivessem acesso aos recursos da conta Emprego e Salário na proporção de 10% da contribuição sindical, o número saltou de três para doze entidades. Ninguém pode estabelecer que este número de doze não possa ser ultrapassado. Pode e certamente será, dada a força do acesso aos recursos da contribuição sindical e a despeito do requisito de 5% de representatividade em todo o território nacional.

O número de doze entidades associativas centrais que disputam entre si reunir os trabalhadores, representá-los e conduzi-los constitui a principal prova da crescente divisão da classe, da fragmentação. No nível geral e no nível de base procede o fracionamento dos trabalhadores em organizações cada vez menores. O fracionamento implica em perda de capacidade de luta.

A luta pelo reconhecimento do Estado que mantém as chaves do cofre permitiu que aflorassem formas eticamente inaceitáveis de atuação sindical. O Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais denunciou em 2011 que fora arrolado como filiado a uma determinada central o que não era verdade por se tratar de um sindicato não filiado a nenhuma central sindical. Fraudes deste gênero passam a operar rotineiramente no espaço sindical. Outra força propulsora de mudanças consiste no atendimento do requisito de representatividade de 5% para ter acesso aos recursos da contribuição sindical. Recentemente, em março de 2012, a CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil e a CBDT - Central do Brasil Democrática de Trabalhadores anunciaram fusão, senão por outros motivos pelo menos para ter acesso ao imposto sindical.

Nesse processo de crescente fragmentação, a criação de centrais sindicais pode acontecer para ocupar espaço para um ou mais partidos políticos. As centrais sindicais convertem-se em braços sindicais de partidos. Dessa forma, os partidos têm uma força sindical a seu alcance. Raras são as centrais, hoje, se há por acaso alguma que não se vincula a um partido. Entre docentes do ensino superior, a organização sindical que seguia, em alguma medida, a estrutura do campo educacional, hoje começa a partir-se por força da vinculação entre sindicato e partido. Assim, o ANDES-SINDICATO NACIONAL disputa espaço hoje com o PROIFES - Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior, por motivos de clivagem político-partidária. Tem-se ainda informação do surgimento de uma outra força, o MDIA - Movimento Docente Independente e Autônomo, um movimento que se diz livre e que planta a raiz de uma outra organização sindical no ensino superior docente.

É também importante registrar o surgimento da primeira associação central de trabalhadores que pretende unificar o campo das lutas sociais, incluindo trabalhadores e outros movimentos sociais de moradores, de estudantes etc. Nesse sentido deixa de ser uma associação central de trabalhadores, exclusivamente, para tornar-se uma associação central de movimentos sociais, entre os quais o dos trabalhadores.

O sindicato fragmenta-se. Essa função é própria do sindicalismo não apenas no Brasil, como também nos demais países do mundo. Raramente é capaz de unificar os trabalhadores, e frequentemente os divide. Por essa razão o sindicalismo não tem capacidade de direção dos trabalhadores a não ser na luta defensiva (WEBB, S.; WEBB, B., 1920). Não tem como apresentar uma direção conjunta. A classe não se define pelos critérios particularistas de profissão, ocupação, setor de atividade etc. e sim pelo critério da generalidade. Todos são trabalhadores. Esses elementos reforçam a tese de que o sindicato não tem condições de superar, pelo seu caráter competitivo e de controle de espaços de representação e de poder político e acesso a recursos, a divisão particularista salvo em situações extremas e provocadas externamente.

Texto recebido em 25 de setembro de 2012.

Texto aprovado em 10 de outubro de 2012.

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    O autor agradece o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a pesquisa que deu base a este artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Set 2012
    • Aceito
      10 Out 2012
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