Acessibilidade / Reportar erro

História da educação na América Latina: ensinar & escrever

RESENHAS

Gondra, José Gonçalves; SILVA, José Cláudio Sooma (Orgs.). História da educação na América Latina: ensinar & escrever. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

Aline de Morais Limeira

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). R. São Francisco Xavier, nº 524. Maracanã, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. CEP: 20550-013

Integrando um conjunto de importantes investimentos, embora ainda tímidos, que se evidencia a partir das parcerias entre instituições ou pesquisadores, dos estudos que tem circulado em livros, revistas ou nos eventos da área, e que tem propiciado o início de debates acerca da historiografia educacional na América Latina, o livro, que é resultado da organização de José Claudio Sooma, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e José Gonçalves Gondra, da UERJ, chegou ao público em 2011 para estabelecer uma reflexão acerca da constituição do campo, das condições e encaminhamentos do ensino e produções na área em países como Brasil, Argentina, México, Uruguai, Chile e Venezuela. Com isso, promove um deslocamento do olhar, há muito avezado aos arquivos europeus.

Quinze é o número de pesquisadores que integram História da Educação na América Latina: Ensinar e Escrever, sendo dez brasileiros e cinco de outras nacionalidades. Com as parcerias estabelecidas entre eles, ficou o livro constituído por duzentas e oitenta e quatro páginas, doze capítulos e uma apresentação, que se soma aos comentários da orelha e contracapa – estas duas últimas escritas por Alberto Martínez Boom, da Universidade Pedagógica Nacional da Colômbia, e Luciano Mendes de Faria Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), respectivamente. Na apresentação feita em parceria por um dos organizadores, José Claudio Sooma, e pela professora da UERJ Maria de Lourdes Silva, cuja mostra dos artigos não segue a ordem em que estes estão dispostos no livro, há cuidadosas interrogações, diálogos e remissões que nos colocam diante da complexidade da prática historiográfica.

Neste caso, trata-se de um produto coletivo, escrito por muitas mãos e que, portanto, tem como marca a diversidade, tanto nos temas privilegiados, nas análises, quanto na forma de narrar, de tornar esta História inteligível. Por conseguinte, as implicações deste fato na tarefa que ora proponho de deixar evidenciada uma leitura particular – tarefa sempre arbitrária e provisória, porque perspectivada, contingenciada – são diversas. Foi preciso definir previamente uma orientação para dar cabo deste investimento. Menos que tornar cada trabalho uma síntese, apontar algumas chaves de leitura, salientar a materialidade do livro. Ao mesmo tempo, dar a ver a dual condição da obra, a de ser muitas e única. Há neste projeto uma diversidade de temas que se inscreve em um objetivo comum: pensar a configuração de um campo do saber, a escrita e o ensino da História de um fenômeno tão antigo que se insinua natural, a Educação.

O primeiro artigo, com vinte e três páginas e intitulado Espiritualismo pedagógico, antipositivismo e historiografia en los manuales de História de la Educación, é de autoria de um professor da Universidade Nacional de Rosário na Argentina. Adrián Ascolani investiga as condições de produção, circulação e conteúdo de cinco manuais de História da Educação publicados entre 1940 e 1960. Destes, que eram destinados à formação de professores em nível secundário, deteve-se à análise das orientações políticas e ideológicas aos quais estavam submetidos, e às estratégias historiográficas que articulavam.

Em seguida, o artigo de Ana Waleska Mendonça, Reconstruindo uma trajetória, traz, em suas quinze páginas, histórias a partir das quais evidencia aspectos importantes da própria constituição do campo no Brasil. A professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) dá a ver em sua escrita alguns vínculos estabelecidos desde o final da década de 1960, destacando o papel das universidades com seus programas de pós-graduação e grupos de pesquisa, das agências de fomento, dos congressos e de alguns pesquisadores no processo de desenvolvimento e consolidação da área.

Educação e instrução na Província de São Paulo: no contraponto das vozes, três tendências e um desvão é o terceiro capítulo, com vinte e oito páginas, escrito por dois professores da Universidade de São Paulo (USP). Bruno Bontempi Junior e Maria Lucia Spedo Hilsdorf esquadrinham na historiografia educacional brasileira as produções cujo tema de pesquisa é a Província de São Paulo. A partir da proposta de um afastamento dos tradicionais balanços, procuram observar o volume e a distribuição destas produções ao longo do tempo e espaços e, no exercício, conjeturam os procedimentos de escrita e os representantes de algumas tendências às quais pertencem esses estudos.

Carlos Eduardo Vieira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), dá a ver, nas trinta e uma páginas de seu estudo, aspectos relacionados às condições de produção de manuais de História da Educação em A escrita da História da Educação no Brasil: formando professores através das noções de história. Apresentando seis categorias em que se enquadram os tipos distintos de narrativa, o autor tenciona investigar quais são aquelas presentes em dois destes manuais destinados à formação de professores no século XX e, na tarefa, evidencia sua materialidade, o pertencimento de seus autores e os diálogos que estabelecem com estudos contemporâneos.

Em Francisco Larroyo y la enseñanza de la Historia de la Educacion en México Carlos Escalante Fernández, do Colegio Mexiquense, procura refletir acerca das condições de produção, materialidade, autor, conteúdo e circulação de uma obra destinada à formação de professores do ensino normal e do curso de pedagogia. Suas elucubrações nas dezoito páginas do texto residem no fato de ser um livro de 1947, que conta com 20 edições até os dias atuais, inobstante ter sido revista e criticada por conta de seus limites pela historiografia mexicana recente.

Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Clarice Nunes evidencia seu envolvimento de longa data com o tema abordado em Tensões entre o ensino e a pesquisa em História da Educação: notas para discussão. Nas treze páginas que compõem o artigo, empenha-se na discussão do impacto das práticas de ensino e pesquisa na formação dos professores e, destacando a responsabilidade social inerente a essas práticas, ressalta aspectos como legislação, estrutura do ensino e da universidade e o perfil de estudantes.

Em defesa da imagem do Brasil no exterior: Frederico José Santa-Anna Nery e a escrita da História da Educação é o sétimo artigo do livro de Gondra e Sooma. Escrito pela professora da USP, Diana Gonçalves Vidal, o texto de vinte páginas arrazoa as produções em História da Educação do século XIX, destacando uma entre um conjunto de iniciativas. Ao refletir acerca da estrutura, conteúdo, temas e condições de publicação na Revue Pédagogique do estudo de Santa-Anna Nery, intitulado L'Instruction publique au Brésil, discorre acerca dos procedimentos e abordagens deste autor.

Emma Martínez, professora da Escola de Educação da Universidad Central de Venezuela, inquire acerca da oferta, organização e estrutura das disciplinas de História da Educação e História das Ideias Pedagógicas nesta instituição desde os anos de 1980. Neste caso, a partir das vinte e nove páginas do artigo De la práctica cotidiana a la reflexión necesaria em Historia de la Educación, ela torna possível ao leitor acompanhar sua experiência e dos seus pares no enfrentamento crítico dos impactos causados pela "corrientes reduccionistas y simplificadores" (p. 192) da política neoliberal na universidade.

Em Historia de la Educación Nacional – su historiografia y su enseñanza em Uruguay, de vinte páginas, o professor da Universidad de la República Jorge Bralich estabelece um debate bastante fértil acerca do (des)prestígio da História da Educação no seu país. Investigando aspectos dos espaços de produção, ensino, pesquisa e divulgação cultural relacionados à área, o autor diagnostica, sugere e problematiza questões ligadas diretamente à compreensão da história do processo de escolarização.

Os organizadores do livro escrevem aquele que é o seu décimo artigo. Intitulado Escritas da história: um estudo da produção de Afrânio Peixoto (1916-1947) e contando com vinte e seis páginas, o estudo atesta ser inesgotável a reflexão acerca da operação historiográfica. Excogitando três entre as demais obras de Afrânio Peixoto, produzidas entre 1916 e 1940, cujo conteúdo refere-se à história do Brasil e das Américas, dão a ver tanto as questões relacionadas ao conteúdo, estrutura narrativa e condições de produção dessas obras, quanto as filiações e inserções públicas desse autor, inclusive no campo da educação.

Miriam Jorge Warde, professora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), apresenta alguns resultados de seus investimentos reflexivos em Pesquisa e ensino de História da Educação: algumas críticas. No artigo de onze páginas, ela abre suas inquirições dando visibilidade a uma problemática que permite pensar a constituição do campo, qual seja, os liames entre História e História da Educação. A consistência de suas conjecturas resulta da operação metodológica que realiza, permitindo diagnosticar e refletir as razões da fartura de estudos cujo objeto é a pesquisa em detrimento da escassez dos que tencionam pensar o ensino.

Por fim, em La escritura de dos historias de la educación chilena em el proceso de constituición de um campo de conocimento. José María Muñoz Hermosilla y Amanda Labarca (1918-1939), o professor da Universidad Alberto Hurtado esmerila em dez páginas as primeiras iniciativas da historiografia em seu país, datadas do início do século XX, dando destaque a dois manuais destinados à formação de professores. Interrogando acerca da estrutura, das condições de produção, das filiações teórico-metodológicas e dos autores – cujos nomes comparecem no título de seu artigo – Pablo Toro Blanco dá a ver os usos dessas produções e seus efeitos no processo de constituição da História da Educação como campo de conhecimento no Chile.

Cabe interrogar neste ponto os efeitos de conjunto que promoveram estes investimentos. Foram muitos os objetos selecionados pelos pesquisadores para dar a ver alguns aspectos relacionados à constituição, organização e desenvolvimento do campo da História da Educação em alguns países da América Latina entre o século XIX e XX.

Destarte evidenciada a abrangência de temas, é possível notar algumas lacunas. Há ainda muitos caminhos que devem ser percorridos no intuito de tornar mais densa a discussão acerca da produção, circulação e institucionalização do campo, do ensino e pesquisas em História da Educação, mormente no que se refere às adesões operadas nesse livro que pretende pensar a América Latina, um bloco político e geográfico formado por cerca de vinte países. Neste caso, é possível salientar a ausência de alguns de seus representantes, como Colômbia, Cuba, Bolívia, Equador, Paraguai, Peru etc.

Sem dúvida, um dos maiores méritos da iniciativa, como já salientado, constitui-se no descolamento do olhar de observação dos historiadores da educação, que com maior frequência é direcionado à Europa. Este investimento contribui para causar os desgastes necessários à tradição forjada há muito que nos faz acreditar numa maior ou exclusiva proximidade política e cultural com os do lado de lá do Atlântico, em detrimento do que aponta a geografia do continente americano – afinal, o Brasil tem mais de quinze mil quilômetros de fronteira com pelo menos dez de seus países.

Um dos efeitos mais esperados desta leitura é que esse projeto torne-se estímulo aos nossos pares na busca por pesquisas com alcances cada vez mais expressivos e abrangentes. Quiçá, investimentos em territórios que integram o que conhecemos como o outro lado do mundo, de acordo com a secular e rígida fronteira que nos reparte em Ocidente e Oriente.

Texto recebido em 10 de janeiro de 2012.

Texto aprovado em 09 de abril de 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: educar@ufpr.br