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Resenha

PALMER. J. P. . The heart of higher education: a call to renewal. San Francisco: Jossey Bass, 2010

A obra "The Heart of Higher Education", de Parker Palmer e Arthur Zajonc, editada por Megan Scribner, foi idealizada a partir da Conferência Internacional do Ensino Superior "Uncovering the Heart of Higher Education: Integrative Learning for Compassionate Action in an Interconnected World", realizada pelo Instituto Fetzer, na cidade de São Francisco, EUA, em fevereiro de 2007. Na conferência os autores iniciaram amplo diálogo a respeito de novos direcionamentos possíveis às práticas de ensino, visando uma abordagem educacional integrativa. Considerando a complexidade do ser humano, os autores convidam para uma conversa sobre a transformação do ambiente acadêmico em espaço de libertação e de desenvolvimento das múltiplas capacidades humanas.

As principais questões que norteiam o desenvolvimento do diálogo entre os autores dizem respeito à necessidade de redirecionarmos o olhar ao Ensino Superior, refletindo sobre quais são as nossas melhores perspectivas para a formação de nossos jovens estudantes. Que perfil de futuros líderes queremos? Intelectuais bem-sucedidos, porém individualistas e solitários ou indivíduos plenos, realizados e altruístas? Se for este o nosso desejo, se faz urgente e necessário revisar nosso ensino para que possamos passar de uma formação fragmentada e sem sentido para uma formação significativa e que contemple todas as capacidades humanas: físicas, mentais, espirituais e, principalmente, de espírito comunitário. Sendo essa a base fundamental da educação integrativa apresentada e proposta por Palmer e Zajonc.

Segundo os autores, apesar de muitos integrantes de instituições de Ensino Superior manterem viva, em seus corações, a visão de uma prática integrativa, esta mudança muitas vezes não ocorre ou é realizada de forma muito lenta. Aqui, Palmer afirma estar utilizando o termo coração em seu sentido original, sendo este não apenas o lugar das emoções, mas o lugar para o qual todas nossas capacidades convergem: intelecto, sentimentos, emoções, imaginação, intuição, vontade, espírito e alma.

Apesar de sua indiscutível pertinência, a educação integrativa recebe críticas, principalmente dos que não vislumbram a possibilidade de se incorporar a subjetividade, as emoções e a espiritualidade ao mundo exato e rigoroso da academia. As principais críticas são descritas e debatidas por Palmer nos dois primeiros capítulos. A primeira, apresentada no capítulo 1, "Toward a Philosophy of Integrative Education", refere-se à fraca fundamentação teórica da educação integrativa, sendo entendida como mero conjunto de técnicas. Palmer concorda que, até certo ponto, essa crítica é pertinente, e convida críticos e filósofos a aceitarem o desafio, promovendo o diálogo, a discussão e a ajuda mútua entre os educadores, sugerindo que as quatro orientações filosóficas: ontológica, epistemológica, pedagógica e ética, construam juntas o conceito de comunidade, não meramente como um fenômeno social, mas como uma realidade ontológica, uma necessidade epistemológica, uma propriedade pedagógica e uma ética corretiva.

No segundo capítulo, "When Philosophy is Put into Practice", Palmer discute as outras quatro principais críticas à educação integrativa. A segunda crítica sugere que a educação integrativa é muito desordenada para ser inserida no Ensino Superior. Para o autor, o modo como o Ensino Superior está organizado, de forma fragmentada, dando ênfase apenas ao conhecimento sistematizado, aprendido de forma linear e passível de validação por meio de testes padronizados, não prepara os estudantes para resolverem os problemas da vida, apresentados pela realidade. De acordo com Palmer, nossas pedagogias devem ser capazes de esclarecer algumas confusões do mundo e ajudar os estudantes a encontrar os melhores meios de resolvê-las. Muito mais que preparar nossos jovens para solucionar os problemas propostos em salas de aula, devemos prepará-los para resolver os desafios da vida real, apoiados não apenas em teorias e práticas, mas em um espírito solidário. É imprescindível que nossos jovens estejam aptos a fazer escolhas que transcendam o interesse próprio e visem o bem comunitário.

A ideia de equilíbrio entre mente e corpo, razão e emoção, discurso e prática leva à discussão sobre a terceira crítica, a qual afirma que não há lugar para emoções nas salas de aula. Segundo Palmer, não importa se pretendemos deixar as emoções de fora, as emoções nunca desaparecerão das salas de aula, uma vez que são características intrínsecas aos seres humanos. Quando reprimimos sentimentos, acreditando que prejudicam a educação, na verdade, estamos causando danos ainda maiores ao processo educacional, pois, cerceando o desenvolvimento dessas faculdades, consequentemente, comprometemos o desenvolvimento integral dos sujeitos.

Para Palmer, muitos professores resistem à ideia de trabalhar com as emoções, porque, na maioria dos casos, não se sentem capacitados para tanto, ou por afirmarem que sua função está restrita ao ensino dos conteúdos pertinentes à sua cadeira acadêmica. O autor aponta a necessidade da cultura acadêmica de aceitar o fato de que as questões cognitivas, que são o negócio do Ensino Superior, estão intimamente ligadas às questões de ordem afetivo-emocionais, não importando o quanto pensemos que as emoções não nos dizem respeito. Décadas de pesquisas vêm apontando a importância da presença das emoções nos ambientes de ensino, se desejamos mentes livres e abertas.

Esse novo olhar dos professores para o papel das emoções no desenvolvimento humano exige que suas próprias mentes estejam livres e abertas. Os professores precisam, também, buscar seu desenvolvimento de forma integrativa, o que requer, dentre outras coisas, o desenvolvimento do espírito comunitário, inclusive no que diz respeito a estar em contato com pares e compartilhar com eles suas angústias e descobertas. Porém, os professores ainda relutam em atuar de forma comunitária no ambiente acadêmico. Essa resistência é discutida por Palmer ao tratar da quarta crítica, que diz respeito à resistência à comunidade. Segundo o autor, para ofertar um trabalho de qualidade aos alunos, a comunidade acadêmica necessita de um ambiente de confiança mútua em que haja sempre o compartilhamento de ideias e a troca de experiências. Somente atuando de forma integrada, poderemos vislumbrar o desenvolvimento de práticas educativas integrativas.

A educação integrativa, defendida pelos autores, compreende, ainda, reconhecer o papel da espiritualidade no desenvolvimento humano. Mas, questões relativas à espiritualidade, além de promoverem certo desconforto entre a comunidade acadêmica, comumente, são confundidas com questões religiosas. Essas formas de pensamento são características de críticos da educação integrativa que alegam que academia e espiritualidade não podem se misturar. A definição de espiritualidade apresentada pelo autor corresponde à busca eterna do ser humano em "se conectar com algo maior que seu próprio ego" (p. 48, tradução nossa). De acordo com Palmer, o risco está nos caminhos trilhados nessa busca, que podem nos conectar a coisas do bem ou a coisas do mal. É imperativo que passemos a trabalhar racionalidade e espiritualidade de modo conjunto no Ensino Superior, convidando os estudantes a refletir sobre si mesmos e sobre as trilhas que percorrerão para a obtenção de seu diploma e, principalmente, sobre a forma e em prol de que, ou de quem, utilizarão os conhecimentos adquiridos.

São muitas as questões envolvidas na elaboração e desenvolvimento da educação integrativa. No terceiro capítulo, "Beyond the Divided Academic Life", Arthur Zajonc, buscando destacar a importância de tornar significativos à vida de nossos estudantes os conteúdos acadêmicos, relata sua própria experiência de descontentamento com o Ensino Superior. Segundo o autor, com o passar dos anos letivos, ele começou a sentir que a vida acadêmica era constituída de conteúdos sem sentido e sem relação com a sua própria vida. Chegou a pensar em abandonar a faculdade, quando teve a sorte de conversar com um professor de física, Ernst Katz, que lhe introduziu à Antroposofia de Rudolf Steiner, oportunizando-lhe olhar com outros olhos os conteúdos acadêmicos, agora sim, com significado. Desse modo, nasceram para o autor a dimensão humana das ciências, as implicações espirituais e os aspectos éticos. Além desses aspectos fundamentais, Zajonc retoma a necessidade de discutir a importância de se cultivar a imaginação no Ensino Superior. Citando Whitehead (1929), Zajonc ressalta que o propósito da universidade é promover a aquisição do conhecimento a partir da imaginação, considerando que "dados tornam-se ordenados e significativos apenas por meio do insight imaginativo" (p. 57, tradução nossa). Entretanto, os currículos do Ensino Superior continuam sendo elaborados de forma fragmentada e dicotômica, separando cognição e emoção, trabalhando com disciplinas isoladamente e com conteúdos sem significados para os nossos estudantes.

A discussão sobre a fragmentação das ciências continua no capítulo 4, "Attending to Interconnection, Living the Lesson", em que Zajonc aponta para a necessidade de buscarmos uma educação integrativa que contemple a interconexão entre conhecimento, ensino, aprendizagem e vida, baseada no senso de cuidado com o outro, uma vez que estamos todos interconectados. O universo foi e é uma totalidade, mas os métodos que escolhemos para observá-lo o fragmentam, nos levando a supor erroneamente que obtemos uma verdadeira reflexão sobre a realidade. Se estivermos interessados na totalidade e, se desenvolvermos o método adequado, então a totalidade se apresentará a nós. Somente assim poderemos chegar a uma pedagogia que veja cada um de seus estudantes como um ser total e complexo, educando com o olhar atento à realidade vivenciada por eles.

No capítulo 5, "Experience, Contemplation, and Transformation", Zajonc nos convida a pensar como a experiência, a contemplação e a transformação podem contribuir com a construção metodológica do Ensino Superior. Para o autor, faz-se necessário não negligenciar o poder de transformação que a verdadeira educação possui. É necessária uma atenção maior com o desenvolvimento intelectual, emocional e de caráter dos alunos, percebendo-os enquanto sujeitos em ativo desenvolvimento afetivo e cognitivo, resultado de intervenções pedagógicas e de formação social. Ter esse olhar integrativo em relação ao indivíduo, e não apenas um olhar de conteúdo acadêmico, permite pensar neles como pensadores transformativos, que se engajam mais intensamente e ressignificam seu mundo a partir de experiências intensas. Devemos entender, como principal papel do Ensino Superior, o desenvolvimento de uma mente consciente e crítica quanto às questões sociais, aprendendo a lidar com as contradições e estabelecendo relações e conexões dinâmicas, assumindo um ponto de vista próprio, não arraigado em um senso comum. Para tanto, o autor sugere o uso de práticas pedagógicas com enfoque na transformação, utilizando-se metodologicamente de atividades em grupo e do trabalho colaborativo, realizando estudos cross-culturais. O autor apresenta, como exemplo, o uso de excursões a outros países, projetos de extensão em escolas e/ou internatos de alunos especiais, dentre outros, que podem ser usados na prática pedagógica dos professores com o intuito de levar seus alunos a conhecerem e experenciarem realidades diferentes e a refletirem a respeito de si e do conteúdo acadêmico de modo relacional visando a transformação social.

Outro exemplo de método pedagógico é o uso da contemplação, que leva o aluno à autorreflexão. Como principal ferramenta desse método, o autor propõe o uso da arte, uma vez que essa pode levar os alunos à autodescoberta, além de propiciar uma reflexão sobre o mundo. A contemplação leva à retomada do conceito de espiritualidade, que no capítulo traz a ideia de "como estudantes dão sentido à sua educação e suas vidas, como desenvolvem um senso de propósito e os dilemas de valores e crenças que experenciam" (p. 116, tradução nossa). E, considerando que o ponto fundamental à prática pedagógica integrativa está relacionado diretamente ao senso de propósito, reforça-se a inclusão da contemplação nas práticas acadêmicas, pois para fazer a diferença no mundo é primordial o conhecimento a respeito de si e, então, acerca do mundo (p. 115).

Os elementos unificadores da educação integrativa, ressaltados ao longo do livro, são as complexas experiências humanas vividas nas inter-relações cognitiva, emocional, física, espiritual e social, que influenciam significativamente o pensamento, aprendizagem, comportamento, valores, e assim por diante. A filosofia da educação integrativa, portanto, é sobre a interconectividade da realidade e suas múltiplas dimensões, que inclui diferentes formas de conhecimento contemplativo, estético e moral, bem como "as dimensões éticas da nossa maneira de saber" (p. 122, tradução nossa).

No capítulo 6, "Transformative, Conversation on Campus", Palmer nos convida a discutir sobre a divisão em que a academia está estruturada, em eixos disciplinares, isolando o corpo docente e administrativo e, em grande parte, os alunos, e como esta divisão não é produtiva para uma educação integrativa. Há evidências significativas de que o conceito utópico de universidade como uma comunidade de estudiosos é raramente, ou nunca, percebido. O autor propõe o diálogo entre colegas como um elemento fundamental para quebrar o isolamento profissional, típico da maioria dos campus universitários. "Bons pesquisadores entendem a investigação como uma forma de estar no mundo, e as habilidades que são fundamentais para a investigação também são essenciais nas conversas transformadoras" (p. 132, tradução nossa). Palmer argumenta que o problema é não utilizar as mesmas habilidades, tão familiares aos pesquisadores em seu trabalho acadêmico, nas interações com os outros professores. Por meio desse processo, pode-se buscar conhecer e compreender as experiências e visões dos colegas professores como educadores, quais são seus objetivos e meios para desenvolver a aprendizagem de seus alunos e que tipo de alunos pretendem formar.

Para ajudar os leitores que procuram iniciar tais conversações, Palmer fornece um conjunto de ideias na busca de pessoas na academia interessadas em engajar-se na educação integrativa. Exige um trabalho árduo que leva em consideração questões profundas da vida - valores, visões e energias. Palmer propõe que iniciar conversas por meio da troca de experiências pessoais é o caminho mais eficaz para a criação de um espaço onde os colegas se sintam seguros. O autor sugere que esta abordagem leva a uma exploração da filosofia da educação integrativa, porque quando começa a partir de sua própria experiência, passa-se do "coração de um educador" para o "coração do Ensino Superior" (p. 141, tradução nossa).

Para ilustrar o papel da educação integrativa no meio acadêmico, os autores apresentam nos apêndices exemplos de programas e práticas que incorporam os princípios da educação integrativa por meio de histórias de professores, administradores. Para tanto, as seções foram divididas em três categorias: "In the Classroom"; "Beyond the Classroom"; "Administrative and Compassive Initiatives".

Vale a pena ler as experiências descritas nos apêndices, que, por conta do espaço, não serão apresentadas nesta resenha. De modo geral, o livro todo está repleto de questões e proposições que visam uma mudança de paradigma, de visão do papel do Ensino Superior. Propõe pensar em educação integrativa e transformadora que forme e transforme sujeitos em agentes de mudança e de influência na sociedade em que vivem e para si mesmos. Essa educação considera todas as faculdades humanas, incluindo intelecto, emoções e espiritualidade, a capacidade de conhecer por meios diversos, aplicando e implantando essas faculdades, enfocando as interações humanas e permitindo um espaço suficiente para o conflito criativo. Uma resposta à sociedade, que pode achar esse pensamento utópico, mas que necessita de respostas cada vez mais integrativas para todas as suas grandes questões, sejam essas de caráter social, ambiental ou econômico. Em todos os momentos os autores refletem a realidade que vivenciam e propõem "Educar nossos estudantes como pessoas inteiras, e eles trarão tudo o que são ao serem seres humanos na vida pública e privada. O presente e o futuro do bem-estar da raça humana nos cobra nada menos que isso". (p. 153, tradução nossa).

A leitura do livro permite um olhar para si mesmo, refletir a respeito de nós, nossa função social, nossos valores, nossa forma de ver o mundo e como tudo se relaciona. Além disso, nos faz refletir socialmente sobre o papel transformativo que a educação possui e que pode, e deve, ser levado em conta na formação universitária. O próprio livro traz muitas experiências em diferentes contextos e de diferentes educadores que tiveram sucesso na sua prática pedagógica.

Mais que um método, o livro propõe uma estrutura filosófica para uma educação integrativa que promova, no Ensino Superior, o diálogo entusiasmado entre professores, alunos, funcionários e comunidade, buscando o desenvolvimento das capacidades humanas em prol da compaixão e do altruísmo. Ressalta-se o importante papel da contemplação, por meio da arte, no desenvolvimento dessas múltiplas capacidades, uma vez que se trata de um excelente método para aprofundar, desfragmentar, dar significado e propósito aos conteúdos disciplinares. "The Heart of Higher Education" é leitura obrigatória a todos que aspirem por uma educação integrativa no Ensino Superior, transformando o ambiente acadêmico em espaço de desenvolvimento intelectual, físico e de espírito comunitário.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2015
  • Aceito
    09 Jun 2015
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