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O desenho e o diálogo: alfabetização do aluno no ateliê de projeto arquitetônico

The drawing and the dialogue: student literacy in an architectural project studio

Resumo:

Este texto defende a premissa de que o desenho, como instrumento para pensar a Arquitetura, promove a capacidade ordenadora, que estrutura e molda o próprio pensamento e que o expõe para o desenvolvimento das ideias, favorecendo o diálogo entre professor e aluno e, por conseguinte, o processo de "alfabetização em projeto arquitetônico", constitutivo da identidade profissional do futuro arquiteto. Utilizando a metodologia de estudo de caso do tipo etnográfico, foram observadas as aulas de uma turma do segundo ano de um curso de Arquitetura e Urbanismo, de uma universidade pública, durante o período de atividade de um exercício de projeto, no decurso de três meses. Os dados foram analisados a partir de duas categorias: a) alunos que se autoavaliaram com dificuldades de se expressar por meio de desenhos; e b) alunos que se autoavaliaram com facilidades de se expressar por meio de desenhos. A partir dos dados observou-se que as atividades propostas pelos professores, durante a disciplina de Arquitetura no ateliê de projeto, favoreceram parte de um grupo de alunos e desfavoreceram outra. Sendo assim, pode-se afirmar que a prática pedagógica dos professores, mediante o desenho, a participação e a efetivação do diálogo, intervém no processo de construção do conhecimento do aluno.

Palavras-chave:
pedagogia universitária; desenho; alfabetização em projeto arquitetônico; prática pedagógica do projeto no ateliê

Abstract:

This text defends the premise that the drawing, as an instrument to think of Architecture, promotes the arrangement capacity that structures and shapes the thought itself and that exposes it to the development of ideas, encouraging the dialogue between teachers and students and, as a result, "literacy in architectural projects", which constitutes the future architect professional identity. Using the ethnographic case study methodology, lessons from the Architecture and Urbanism second grade class were observed, in a public University, during a project activity time for three months. The data were analyzed based on two categories: a) the students that made a self-evaluation with difficulties of expressing themselves through drawings; and b) the students that made a self-evaluation by expressing themselves easily through drawings. On the basis of data, it was observed that the activities proposed by the teachers, during the Architecture subject development in the project studio, benefitted part of a group of students and disadvantaged others. Therefore, it may be asserted that the teachers' pedagogical practice, by the aid of drawing, the participation and the dialogue which was carried out, intervene in student knowledge construction.

Keywords:
university pedagogy; drawing; literacy in architectural projects; project pedagogical practice in studios

Introdução

O curso de Arquitetura e Urbanismo pretende, entre outros objetivos, formar profissionais que tenham competências e habilidades para resolver os problemas de organização espacial das atividades humanas. As soluções de organização para esses problemas é o que se denomina projeto arquitetônico. São nessas disciplinas de projeto arquitetônico que os alunos exercitam a profissão no desenvolvimento de uma atividade prática de simulação de um problema arquitetônico. Tal ensino, tradicionalmente, ocorre no ambiente do ateliê de projeto.

Essas disciplinas, consideradas centrais, são também conhecidas como "disciplinas troncos" ou "espinha dorsal" do curso de Arquitetura e Urbanismo, pois exigem dos alunos o exercício da conciliação de todos os conhecimentos adquiridos nas outras disciplinas para a realização dos seus projetos. Como fundamenta Martínez (1998MARTÍNEZ, A. C. Ensayo sobre el Proyecto. Argentina: Kliczkowski Publisher, 1998.):

Esta disciplina é o "tronco do currículo" porque os arquitetos desenham edifícios e o ateliê de projeto é o local onde se aprende a desenhá-los: é a formação mais específica. Porém, esta "disciplina" não contém uma doutrina explícita, é um "aprender fazendo", em um duplo sentido: primeiro, se aprende a projetar objetos projetando objetos; segundo, se aprende sobre "algo" no próprio exercício deste algo. O decisivo, então, não é possuir conhecimentos, mas sim exercitá-los e exibi-los implicitamente nos resultados. Supõe-se que o exercício de projeto realizado está respaldado por esse conhecimento sobre a arquitetura e sobre o projetar, mas não de forma explícita.

Não é um conhecimento discursivo, mas um conhecimento que prova sua validade na prática (na figuração de uma prática). (Martínez, 1998MARTÍNEZ, A. C. Ensayo sobre el Proyecto. Argentina: Kliczkowski Publisher, 1998., p. 59, tradução nossa).

Historicamente o ensino de Arquitetura no ateliê1 1 O ensino de projetar, no ateliê, segue sendo uma derivação da École de Beaux Arts de Paris, do início do século XIX, onde o aluno - aprendiz - desenhando em sua prancheta fica à espera da supervisão do professor - mestre. (Martinez, 2000, p. 04). de projeto parte da premissa fundamental: se aprende a fazer Arquitetura fazendo Arquitetura. Fazer projetos é uma atividade calcada eminentemente na ação, mas a ação exercida, como descreve Schön (2000SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul, 2000.), pela reflexão. Fazer projetos, portanto, é uma atividade prática e sem ela seria improvável aprender. Entretanto, esta prática está alicerçada em conteúdos teóricos adquiridos no conjunto de disciplinas do curso, na própria disciplina, bem como nas atividades extrassala de aula.

Sendo assim, ensinar a projetar, no ateliê de projeto, tem uma função precípua, isto é: a partir das diferentes concepções teórico-práticas da Arquitetura e Urbanismo, criar condições necessárias e suficientes para que o aluno exercite, no projetar, tanto a técnica de concepção de projeto quanto, concomitante e fundamentalmente, o pensar arquitetônico como tal. Esse pensar, como ponto de chegada é, em nosso entendimento, constitutivo da identidade profissional do arquiteto-urbanista.

Mas, para que tal quadro seja possível o trabalho de ensino de projeto, no ateliê, deve-se fundamentar entre dois eixos: o da concepção e o da comunicação. Tanto um como outro se enunciam na representação gráfica, no desenho. A atividade projetual, assim, implica uma mediação entre a concepção do objeto e a sua representação. Em um sentido, como descreve o arquiteto Alvar Alto (1970) apud Fleig (2010FLEIG, K. Sobre la relación de las artes ligadas a la materia. In: PALLASMAA, J. Conversaciones con Alvar Alto. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2010.), de que:

A imaginação e a intuição também são absolutamente necessárias para obter os elementos frequentemente contraditórios (material, social e econômico) que influenciam para que a arquitetura esteja em harmonia. Por outro lado, instinto e imaginação não criam mais do que ideias; embora, na prática, a primeira ideia é quase sempre bem-sucedida, o assunto [objeto] vai exigir um estudo aprofundado. Somente a execução das ideias faz com que estas se tornem mais reais. A ideia não se faz real até que não seja plasmada [desenhada] sobre o papel; esta é a segunda etapa inevitável no caminho em direção à arquitetura construída. (Alto, 1970, apud Fleig, 2010FLEIG, K. Sobre la relación de las artes ligadas a la materia. In: PALLASMAA, J. Conversaciones con Alvar Alto. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2010., p. 32, tradução nossa).

O desenho, dessa forma, abre o projeto, ou talvez melhor, as ideias referentes ao projeto para o debate crítico. Por esta razão, as atividades no ateliê de projeto podem ser descritas da seguinte forma: os alunos ficam em suas pranchetas trabalhando e os professores circulam pela sala e param nas pranchetas, geralmente, quando solicitados para uma assessoria, mas, eventualmente, ao perceberem a necessidade/possibilidade de intervenção, sentam ao lado do aluno para iniciar um diálogo mediado pelo desenho.

De qualquer modo, esse diálogo, que se inicia a partir daí, é gerado e mantido pela análise dos desenhos, muito mais do que por palavras faladas ou escritas. Assim, a produção de um desenho constitui sempre uma ação e reação que fornece ao aluno um caminho necessário no complexo processo de antecipar uma imagem do edifício imaginado e, consequentemente, desenho após desenho, chegar à solução desejada, ou possível para o momento.

Assim, todo o processo de ensino de projeto arquitetônico se embasa nesse desenhar contínuo, no qual o encontro entre professor e aluno visa, precisamente, possibilitar uma troca de conhecimentos, favoráveis ao desempenho dessa atividade e obviamente à promoção do aluno.

Em virtude disso, se entende que as atividades no ateliê de projeto, propostas pelos professores, devem propiciar o desenvolvimento desse método de trabalho a fim de se atingir o objetivo da alfabetização do aluno para o projeto arquitetônico, tornando-os, pois, sujeitos desenhadores - sujeitos que possuem o domínio de pensar e se expressar, em Arquitetura, por meio de desenhos. Afinal, alfabetizar é muito mais que apenas ensinar a codificar e decodificar. Alfabetizar envolve também o letramento que, como explica Soares (2004SOARES, M. Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2013.
http://www.acervodigital.unesp.br/bitstr...
) é:

[...] palavra e conceito recentes, introduzidos na linguagem da educação e das ciências lingüísticas há pouco mais de duas décadas; seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da língua escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de alfabetização. Esses comportamentos e práticas sociais de leitura e de escrita foram adquirindo visibilidade e importância à medida que a vida social e as atividades profissionais foram se tornando cada vez mais centradas na e dependentes da língua escrita, revelando a insuficiência de apenas alfabetizar - no sentido tradicional - a criança ou o adulto. (Soares, 2004SOARES, M. Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2013.
http://www.acervodigital.unesp.br/bitstr...
, p. 96).

Por analogia, a alfabetização em projeto arquitetônico consiste mais do que a leitura, interpretação e compreensão dos símbolos gráficos necessários para o desenho, consiste também, e a um só tempo, na habilitação do sujeito para o pensamento e a produção arquitetônica, mediante a elaboração de projeto.

Trata-se, pois, da capacidade de visualizar, quer dizer, o sujeito é capaz de formar imagens mentais, e da capacidade de expressar essas imagens mentais em imagens gráfico-visuais, mais especificamente, como se defende neste texto, por desenhos.

Essa relação pedagógica visando à alfabetização em projeto aponta, obviamente, para uma preocupação latente com a didática do ensino de arquitetura e, consequentemente, com a aprendizagem de projetar em Arquitetura em uma visão integrada, multidisciplinar, a partir da ação do desenhar, no sentido de melhorar o que hoje se apresenta nas práticas pedagógicas do ateliê de projeto nos cursos de Arquitetura e Urbanismo.

É nesse sentido que Pozo (2002POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre, RS: Artmed, 2002.) reforça que é importante que o educador se movimente de um modelo provedor, treinador, de modelo, cujo ensino está baseado na teoria da cópia, para outro modelo de orientador, em que o conhecimento prévio do aluno vai auxiliá-lo a apropriar-se de novos saberes "[...] O orientador cede parte da responsabilidade e do controle da aprendizagem ao próprio aprendiz [...]". (Pozo, 2002, p. 263).

Por essa razão, o pensar sobre o ensino se faz dentro das preocupações da atualidade que, como explica Engers e Morosini (2007ENGERS, M. E. A., MOROSINI, M. C. (Orgs.). Pedagogia universitária e aprendizagem. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 2007.):

[...] passamos da idéia do professor que apenas transmite conhecimento para a compreensão de que o ser humano é capaz de construir seu próprio saber e, para tanto, o educador precisa proporcionar aos estudantes, condições de aprendizagem, comprometendo-se também com o seu próprio aprendizado [...]. (Engers e Morosini, 2007ENGERS, M. E. A., MOROSINI, M. C. (Orgs.). Pedagogia universitária e aprendizagem. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 2007., p. 26).

Os caminhos percorridos na pesquisa

A fim de observar como a alfabetização dos alunos em projeto arquitetônico, a partir dos diálogos mediados pelo desenho, se efetivava na prática pedagógica, foi realizada uma pesquisa do tipo etnográfico, mais especificamente o estudo de caso em uma turma do segundo ano de um curso de Arquitetura e Urbanismo de uma universidade pública. Esta opção metodológica favorece a possibilidade de um contato direto com a realidade estudada, suscitando tanto uma compreensão dos processos que nela ocorrem, como iluminando processos até então considerados invisíveis. Mas, talvez, como esclarece André (1995ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.), a maior vantagem deste método de pesquisa seja porque:

[...] são valorizados pela sua capacidade heurística, isto é, por oferecer insights e conhecimentos que clarificam ao leitor os vários sentidos do fenômeno estudado, levando-o a descobrir novas significações, a estabelecer novas relações, ampliando suas experiências. Esses insights podem vir a se tornar hipóteses que sirvam para estruturar futuras pesquisas, o que torna o estudo de caso especialmente relevante na construção de novas teorias e no avanço do conhecimento na área. (André, 1995ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995., p. 53).

Para o desenvolvimento deste trabalho, o pesquisador se orientou como participante, ou seja, aquele que "[...] 'participante como observador' não oculta totalmente suas atividades, mas revela apenas parte do que pretende [...]. A preocupação é não deixar totalmente claro o que pretende, para não provocar muitas alterações no comportamento do grupo observado [...]". (Junker, apud Lüdke e André, 1986LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986., p. 29).

A disciplina, de natureza obrigatória, observada nesta pesquisa, é a primeira disciplina que trabalha especificamente o projeto arquitetônico que o aluno participa durante seu curso. Esta disciplina possui um caráter notadamente introdutório e, por isso, foi a opção de estudo, pois a intenção era a de observar o que aqui se denomina como sendo a alfabetização do aluno no exercício do projeto arquitetônico e seus corolários para a constituição do pensar arquitetonicamente, habilitando-o a, efetivamente, projetar.

Para essa disciplina são designados dois professores - intitulados aqui como professor A e professor B -, uma vez que as Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação (MEC), para o curso de Arquitetura e Urbanismo, recomendam, para as aulas práticas, um professor para cada quinze (15) alunos2 2 Para padronizar a estrutura do trabalho foram intitulados de professores e alunos, de acordo com a norma da língua portuguesa, todos os participantes deste estudo para indicar as categorias que inclui tanto o gênero masculino quanto o feminino. .

Para determinar os alunos que seriam observados, bem como para complementar os dados de observação, foi proposto um questionário, que foi aplicado, no final da primeira aula, aos vinte e sete (27) alunos que compareceram3 3 A disciplina tinha quarenta e três (43) alunos matriculados, conforme dados obtidos na Secretaria do curso. . A seleção obedeceu ao seguinte critério: a primeira pergunta do questionário tratava-se de uma autoavaliação (de 0 a 10) quanto às suas habilidades de desenhar4 4 A fim de se atingir este objetivo, o pesquisador informou aos alunos que o questionário tinha fins específicos de uma pesquisa que se prolongaria durante as atividades da disciplina que eles estavam cursando e que, por isso, diferentemente do padrão dos questionários de pesquisas, neste eles teriam que se identificar. Desta forma, os que não quisessem responder não precisariam, mas os que sim deveriam aceitar as condições. Todos os vinte e sete (27) alunos que compareceram responderam o questionário. . Em decorrência das respostas, foram identificados dois grupos distintos de alunos: (1) os que se autoavaliaram como sabendo desenhar, de acordo com hierarquização variando entre notas iguais ou abaixo de cinco (5,0), caracterizando-os, assim, como alunos com dificuldades de se expressar por meio de desenhos; e (2) os que se autoavaliaram com notas iguais ou superiores a sete (7,0) - considerando que a nota máxima aqui atribuída por dois alunos atingiu oito pontos (8,0) -, caracterizando-os como alunos que se expressam muito bem por meio de desenhos. Uma vez que foram três (3) os alunos que se autoavaliaram com notas iguais ou inferiores a cinco (5,0), mais três alunos foram selecionados para compor a amostra do estudo. O critério estabelecido foi aleatório, de acordo com a ordem de solicitação de assessoria, a partir da primeira aula destinada para tal atividade. Este número de seis (6) alunos foi considerado suficiente para se fazer a amostragem, dado, também, o fator tempo da aula com o tempo destinado às orientações individuais - média de dez (10) minutos - e a divisão entre os professores - uma vez que os professores orientavam os alunos separadamente.

Assim, os alunos do primeiro grupo foram intitulados como 1, 2 e 3, enquanto os de números 4, 5 e 6 correspondem ao segundo grupo.

Para a coleta de dados foram observados os encontros que envolviam diretamente os sujeitos selecionados durante uma parte do exercício proposto. Foi identificada e estudada, assim, uma situação específica: entre os professores A e B e os alunos selecionados no momento das atividades de orientações individuais, mediante o uso dos desenhos realizados no e para o ateliê de projeto.

Os procedimentos para o registro dos dados observados foram: registro fotográfico dos desenhos produzidos no e para o ateliê e anotações durante os diálogos entre professores e alunos nas orientações individuais.

As anotações foram registradas em uma planilha (Diário de Campo), realizada pelo pesquisador, a partir de palavras-chave para, posteriormente, efetuar a reconstrução dos acontecimentos. Esse trabalho requer, por parte do pesquisador, um grande esforço de atenção, concentração e observação, uma vez que "[...] recorre às 'tipificações' para interpretar, em termos mais familiares e econômicos, o que foi observado e escutado em qualquer situação [...]". (Rockwell, 1987ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnográfico (1982-85). Mexico: Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987., p. 17, tradução nossa).

Essa orientação foi importante para a construção dos registros de campo desta pesquisa, pois a utilização de palavras-chave permitiu ter mais tempo para olhar com mais atenção para as ações e o fluxo dos diálogos dos sujeitos, entre tantos outros aspectos relevantes. Contudo, como defende Rockwell (1987ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnográfico (1982-85). Mexico: Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987.), com a experiência em campo e o foco de observação mais definido o pesquisador pouco a pouco aprende a agregar mais textos às anotações.

Outro passo importante é a ampliação das notas de campo como forma de garantir a completude do que foi observado, ou seja, as reconstruções a partir das palavras-chave. Tal ação deve ser feita, com tranquilidade, mas em um tempo o mais próximo possível da experiência de campo "[...] A regra ideal é dentro de 24 horas [...]". (Rockwell, 1987ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnográfico (1982-85). Mexico: Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987., p. 26, tradução nossa). No caso desta pesquisa as reconstruções foram realizadas sempre no intervalo entre o término da aula observada e início da próxima.

Mesmo assim, a autora alerta para o fato de que a transcrição de diálogos e falas nunca reflete com exatidão a realidade observada, pois:

[...] a textualidade não é de todo possível, mesmo quando se grava; ao escutar e transcrever continuamente, interpretamos de alguma maneira, entre as várias possíveis, o que foi "dito" pelo sujeito. Ao registrar nos escapam palavras e frases desconhecidas, ouvimos nossas próprias intervenções, resumimos o sentido do que foi dito, eliminamos repetições, etc. Não obstante, é possível, em certa medida, distinguir e marcar maiores níveis de "textualidade" do discurso gravado [...]. A partir desses fragmentos e regularidades, já é possível, como em qualquer ciência, reconstruir relações, estruturas e processos cuja generalidade excede a particularidade das situações presenciadas. (Rockwell, 1987ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnográfico (1982-85). Mexico: Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987., p. 16, tradução nossa).

De qualquer modo é importante salientar que o material que o pesquisador elabora se trata de uma documentação que tem, segundo Rockwell (1987ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnográfico (1982-85). Mexico: Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987., p. 15, tradução nossa), "[...] a intenção de coletivizar o processo de construção do conhecimento, de socializá-lo com o uso de registros de campo inteligíveis para outros [...]". Isso requer que se realizem registros que permitam reconstruir o observado à luz de contextualizações posteriores mais elaboradas que as que surgiram no momento inicial.

Resultados e discussão

Foram observadas cinco (5) aulas dos sujeitos participantes, no decorrer de três meses, totalizando 15 horas-aula. Todas essas aulas se realizaram no ateliê de projeto e tiveram como atividade proposta, com exceção da primeira - que foi uma conversa do professor A com toda a turma sobre o plano de ensino -, a orientação individual dos alunos observados. Tais orientações visaram o acompanhamento do trabalho definido pelos professores, quer seja: o de um projeto5 5 Mais especificamente essa etapa do trabalho é denominada de Estudo Preliminar e trata da concepção da proposta de um problema espacial. Corresponde, pois, à primeira das etapas de um projeto arquitetônico, a saber: Estudo Preliminar, Anteprojeto e Projeto Executivo; cada qual atendendo a um propósito específico cujo produto final resulta em informações precisas para a construção de um determinado edifício. de uma capela católica em um parque da cidade.

As aulas de orientação individual tiveram duração de três (3) horas, tempo este em que os professores A e B orientavam - na média de dez (10) minutos por orientação - todos os alunos.

Durante a observação da primeira aula, percebeu-se que o professor A6 6 O professor B, de acordo com as justificativas expostas pelo professor A para a turma, não pode participar nesse primeiro dia de aula. explicou o método de trabalho da disciplina:

É um trabalho de duas vias: vocês desenvolvendo seus trabalhos individualmente na prancheta: projetando; e o trabalho crítico: as orientações individuais, durante as quais ocorrerá uma conversa entre vocês, aqueles que concebem, com o professor ou os professores, que vão discutir, interrogar... instigar, trocar ideias e avaliar os seus trabalhos.

E enfatizou o uso do desenho como prática pedagógica da disciplina:

O desenho no papel... impresso, caso o projeto tenha sido feito no computador, permite que o professor interaja com vocês, o professor não vai manipular o desenho no computador, no papel o professor vai riscar, vai desenhar! É a reflexão em cima do desenho!

Na primeira aula destinada às orientações individuais os professores A e B chamaram os alunos à frente do ateliê para uma conversa que resultou em três diretrizes de trabalho: a primeira foi a instrução para que os alunos pensassem as suas capelas em uma macrodefinição, quer dizer, que eles pensassem o edifício junto com os elementos de seu entorno, a destacar: a vegetação, o caminho, a topografia, as vistas. Para tanto, a sugestão dos professores A e B para os alunos foi a de que realizassem os seus desenhos na escala 1:200, pois, assim, poderiam, em um desenho menor, trabalhar com todos os elementos em conjunto.

A segunda foi a de reforçar que os alunos deveriam realizar desenhos para representar as suas ideias e trazê-los para a aula, por conseguinte, substanciar o uso do Sketchbook 7 7 A palavra sketch significa esboço e aqui se aproxima mais da ideia de croqui. O Sketchbook, portanto, na disciplina de projeto, tem a função de ser um Caderno de Croquis a fim de registrar o "itinerário", por assim dizer, das ideias concebidas para a solução projetual. como um hábito para tais registros.

E a terceira foi uma solicitação para que os alunos produzissem uma maquete do terreno destacando suas curvas de níveis. Esse exercício, proposto em paralelo às atividades do projeto, quer dizer extrassala, tinha como propósito a observação e a compreensão, em três dimensões, dos níveis do terreno. Isso certamente facilitaria a articulação entre conteúdo e forma para que os alunos construíssem conhecimentos, conceitos e valores sobre diferenças de níveis, ou seja, topografia. A interpretação dos dados contidos nessa maquete (e no seu próprio fazer) possibilitaria aos alunos atingir outra finalidade básica, porém imprescindível, para o trabalho de Arquitetura: a transposição desses conceitos e valores para as duas dimensões dos desenhos. A partir de então os alunos retornaram às suas pranchetas e os professores iniciaram os trabalhos de orientação individual.

Na sequência são apresentadas as categorias de análise:

a) Alunos que se autoavaliaram com dificuldades de se expressar por meio de desenhos

Nas quatro (4) aulas observadas os alunos 1, 2 e 3 fizeram orientação com os professores A e B apenas no primeiro dia da atividade. No segundo dia os alunos 1, 2 e 3 se ocuparam, em todo o tempo da aula, fazendo a maquete do terreno (tarefa que foi solicitada para execução extrassala). Na terceira aula de orientação individual o aluno 1 ficou a aula toda montando a maquete que deveria estar pronta no início da aula. O aluno 2 saiu da sala logo após as explicações dos professores A e B sobre o desenvolvimento da aula e retornou próximo ao final, mas não ficou em sua prancheta trabalhando e o aluno 3 permaneceu em sua prancheta fazendo o desenho de implantação. Na última aula os alunos 1 e 2 saíram da sala logo no começo da primeira aula e retornaram apenas na metade da segunda aula. A partir desse momento o aluno 1 ficou desenhando no Sketchbook em uma prancheta com mais dois alunos e o aluno 2 ficou pesquisando sobre o tema (capelas) na internet. O aluno 3 ficou trabalhando na maquete volumétrica do terreno.

A observação do primeiro dia de aula, quando ocorreram as orientações, revelou que as ideias dos alunos 1, 2 e 3 ainda eram primárias e continham poucos desenhos que permitiram um rápido diálogo com os professores A e B. Esses poucos desenhos podem ser explicados pelo fato de os alunos não saberem exatamente o percurso a traçar, isto é, por fazer o projeto no próprio ato de sua ação, eles não têm certezas sobre seu ponto de partida e, por isso, é muito frequente, nesse primeiro processo analítico do projeto, o aluno se comunicar com o professor sobre o que está pensando em palavras, tentando "pré-explicar" aquilo que ainda não fez (no sentido de registrar esse pensamento com um desenho), dizendo o que irá fazer e por que irá fazê-lo.

Em virtude disso, ao ter que reproduzir esses elementos informativos através do desenho, o aluno experimenta um grande conflito: o de compatibilizar explicitamente a sua habilidade em desenhar, a partir das informações adquiridas na análise do problema a ser resolvido com a solução ou soluções imaginadas, ao mesmo tempo em que parece querer do professor um aval para essa primeira ideia e, daí, seguir em frente.

Por outro lado, o professor fica, também, num impasse, isto é, em uma posição na qual não possui nenhum, ou uma quantidade mínima de desenho para ser analisado e que precisa, inicialmente, eliciar sua realização. Então: "Pode ser que, durante o diálogo, ele sinta-se preso em um dilema [...] que ele gostaria de responder às perguntas [...] mas não pode fazê-lo porque está longe de ter-se apresentado como um esquema que torne as idéias [...] compreensíveis [...]." (Schön, 2000SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul, 2000., p. 107).

Entretanto, a não participação dos alunos 1, 2 e 3 nas atividades de orientação individual das aulas seguintes enfatizou o prejuízo que eles apontaram a si próprios, ou seja, o da dificuldade de se expressar por meio de desenhos. Essa não participação dos alunos 1, 2 e 3 pode ser caracterizada como uma forma de inibição produzida pela ideia de que o que vale seja o desenhar bem de acordo com critérios do avaliador externo. Assim, desenhar corretamente torna-se mais importante do que representar a imagem. Essa atitude e seus corolários obstaculizam a aprendizagem da própria técnica do desenho, técnica passível de ser apreendida e imprescindível de ser utilizada não apenas como modelo de apresentação, mas como processo projetivo, uma vez que, sem tal instrumento, o diálogo aluno/professor e a evolução de seus conhecimentos ficam prejudicados.

No primeiro dia de aula o professor A foi bastante enfático ao ponderar que os alunos deveriam aproveitar ao máximo as atividades do ateliê com a produção do projeto e as orientações individuais (diálogos). Todavia, os professores A e B não se manifestaram, em nenhum momento, contra ou a favor, sobre a participação dos alunos 1, 2 e 3 nas orientações individuais. Aqui, a ausência do posicionamento delimitador8 8 O ideário do professor não autoritário, que nada mais foi do que uma interpretação equivocada de parte da educação dos efeitos adversos do autoritarismo (que definia a escola tradicional plasmado à compreensão, também equivocada, do sugerido pela Escola Nova), levou muitos professores a abdicarem de seu papel de coordenação do processo de ensino e aprendizagem, ao que se chamou de laissez-faire. com relação aos alunos 1, 2 e 3, no sentido de que o tempo do ateliê deveria ter sido aproveitado para os trabalhos de concepção do projeto e seus consequentes diálogos, produziu efeitos danosos ao desenvolvimento da alfabetização desses alunos em projetar Arquitetura.

b) Alunos que se autoavaliaram com facilidades de se expressar por meio de desenhos

Nas quatro (4) aulas observadas somente o aluno 4 realizou a orientação individual em todas. O aluno 5 realizou a orientação individual na segunda e terceira aula, mas apresentou uma grande quantidade de desenhos explicativos de seu projeto em seu Sketchbook. O aluno 6 só não realizou a orientação individual na primeira aula, mas tinha, assim como o aluno 5, uma produção considerável de desenhos em seu Sketchbook.

As ideias discutidas, nos diálogos entre os professores e esses alunos, caminharam na direção do entendimento sobre escala e proporção do volume imaginado para o edifício da capela e, principalmente, sobre o problema da implantação do volume no terreno. Os alunos 4, 5 e 6 demonstraram soluções possíveis dos espaços da capela, a partir das reflexões do diálogo que tiveram com os professores, mas tiveram grandes dificuldades em pensar o edifício em seu contexto, isto é, a implantação e suas consequentes variáveis como acessos, declives, vistas.

Esses elementos, uma vez configurados conjuntamente com o edifício, iam permitindo uma nova avaliação da proposta, quer dizer, novos diálogos com os professores.

A partir dessas observações pode-se reforçar que, nesses primeiros estágios do processo de projeto, os desenhos atuam como registro das imagens que já estão na mente de quem concebe e assumem a sua principal função: ir revelando o percurso do pensamento, mostrando as hesitações, as reinterpretações e os novos caminhos, enfim, as decisões até que o aluno (o desenhador) esteja suficientemente seguro das suas escolhas.

Desenhar, pois, nesse momento das e para as orientações individuais, consiste em "produzir" as pistas para a solução do projeto, bem como ordenar o pensamento, uma vez que:

Abundante material é produzido, e deste, pistas significativas poderão ser selecionadas e utilizadas para fazer emergir conceitos. Na seleção das pistas, imagens mentais são utilizadas para interpretar, no rascunho, mais informação do que foi investido no seu traçado. Quando traçamos uma linha, novas combinações podem surgir entre esses elementos, sem que tenhamos planejado isso. (Medeiros, 2004MEDEIROS, L. M. S. Desenhística: a ciência da arte de projetar desenhando. Santa Maria, RS: SCHDS Editora, 2004. , p. 58).

Os primeiros desenhos do processo de projeto são, assim, investigações, frutos de pesquisa e que precedem a exposição do conhecimento, que se torna deliberadamente organizada a fim de que o conhecimento ou o fenômeno estudado se reverta visível, ou melhor, como sugere Kosik (1976KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.):

[...] transparente, racional e compreensível. Enquanto na investigação o início é arbitrário, na explicitação se apresenta seu desenvolvimento e sua evolução interna e necessária. Aqui um início verdadeiramente autêntico é um início necessário, a partir do qual se desenvolvem necessariamente as demais determinações [...] onde se apresenta o desenvolvimento da coisa como transformação necessária do abstrato em concreto. (Kosik, 1976KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976., p. 31).

Isso quer dizer que, se no início do processo de projetar, o aluno desenha em busca de soluções para os problemas do projeto a partir de um início arbitrário - o que, muitas vezes se considera como gênio inventivo -, já no processo das orientações individuais, o objetivo da explicitação dos desenhos determina a organização dos elementos essenciais do conteúdo para que o diálogo entre o professor e o aluno ocorra e promova o desencadeamento da construção do conhecimento em projetar Arquitetura.

O desafio do processo educativo, nesses momentos de diálogo entre professores e aluno, radica, desse modo, a realização da passagem da síncrise à síntese pela mediação da análise - neste caso, dos desenhos produzidos no e para o ateliê de projeto -, no decorrer do processo de ensino.

Em virtude disso, nesses diálogos entre os professores e os alunos se encontram, também, as ideias de desequilibração, em uma perspectiva da teoria piagetiana que, por consequência, possibilita aos alunos uma alteração qualitativa da compreensão da prática projetual e da capacidade de expressão dessa compreensão mediante a produção de desenhos, bem como o papel articulador do professor, ora provocador, ora facilitador e ora desenhador ou, ainda, de um modo mais alegórico: ora ele serve de régua, ora de compasso, ora de trampolim, ora de vara, ora de freio, ora de fermento.

Portanto, a observação dos alunos 4, 5 e 6, neste ínterim das atividades de orientações individuais, foi permitindo que se constatasse que: (1) os alunos, ao se expressarem melhor por desenhos, constituíram uma linha de pensamento de suas ideias com uma produção maior de desenhos; (2) consequentemente estavam em melhores condições de dialogar com os professores; (3) os diálogos foram mais minuciosos dado o grau em que se encontravam representadas as suas ideias; e, por fim, (4) esses sujeitos foram se desenvolvendo como desenhadores.

Considerações finais

Ao final do estudo é possível afirmar duas questões fundamentais. A primeira é que os alunos 1, 2 e 3 só realizaram orientação no primeiro dia da orientação individual e tiveram uma produção de desenhos consideravelmente inferior as dos alunos 4, 5 e 6. Por conseguinte, a falta de desenhos levou à falta de diálogos com os professores, resultando em um processo estagnado e uma produção incipiente.

A outra revelou que os alunos 4, 5 e 6, que se autoautorizaram a desenhar, desenvolveram, nesse momento do processo de alfabetização em projeto arquitetônico - na ação de projetar desenhando e aprender a projetar, mediante o estabelecimento de diálogos com os professores -, capacidades de refletir pelo desenho e, consequentemente, tiveram um rendimento melhor durante todo o processo.

Em outras palavras, é possível afirmar que a produção de desenhos realizada pelo desenhador para desencadear as suas ideias é, de fato, um fator necessário para o desenvolvimento da ação projetual em Arquitetura. Facilita tanto o processo individual de concepção como o diálogo com o(s) professor(es). Já a ausência de desenhos, ou melhor, da ação de desenhar, provoca, sem dúvida, um efeito contrário, isto é, obstaculiza ou até impossibilita que as ideias se desenvolvam, tanto em um estágio primário de concepção, quanto como produto para avaliação e crítica nos momentos de diálogos.

E é nessa direção que vai se confirmando como e quanto o desenho fundamenta e sustenta as reflexões, ordenando o pensamento, nos diálogos entre os professores e os alunos, no ateliê de projeto. Entendendo sempre a reflexão, como a define Saviani (1996SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Autores Associados, 1996., p. 23): "[...] o ato de retomar, reconsiderando os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado", e que Freire (2001FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.) reforça em seus dizeres como o movimento entre o fazer e o pensar, entre o pensar e fazer, isto é, no "pensar para o fazer" e no "pensar sobre o fazer".

Assim, a reflexão surge da curiosidade sobre a prática projetual, em que o desenho ingênuo e tateante do início do processo, com o exercício constante, vai se transformando em objeto consistente para a crítica e evolução das ideias. Pois, também como afirma Freire (2001FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001., p. 39): "[...] o importante é que a reflexão seja um instrumento dinamizador entre teoria e prática". Por isso, não basta apenas pensar e refletir, é preciso que tal reflexão conduza a uma ação transformadora, fazendo o sujeito pensar sobre os seus desejos, vontades e histórias.

Dessa forma, se percebe que o diálogo entre professor(es) e aluno, mediante o desenho, vai se constituindo, paulatinamente, encontro a encontro, aluno a aluno, em uma prática pedagógica necessária e imperativa para a alfabetização e, por conseguinte, para a construção do conhecimento em projetar Arquitetura.

Por fim, destaca-se a importância do papel do professor nesse processo de alfabetização dos alunos, em criar condições para que tal exercício se efetue, além de estar preparado para o trabalho com alunos com dificuldades em se expressar por meio de desenhos. Ficou evidente que eles "apadrinharam" os alunos 4, 5 e 6, isto é, os já desenhadores e "marginalizaram" os não desenhadores, ou seja, os alunos 1, 2 e 3, ainda que de forma não intencional ou consciente.

Essas condições consolidam a ideia de que é necessário compreender a docência universitária como uma profissão que exige um conhecimento aprofundado do conteúdo específico, mas que é necessário haver uma interlocução entre estes conhecimentos técnicos com os conhecimentos pedagógicos. Por essa razão se concorda com Cunha (2010CUNHA, M. I. da. Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Brasília, DF: CAPES/CNPq, 2010.), quando afirma que:

Entendemos que é importante que o professor perceba que para definir sua identidade profissional como docente precisará, além de ter o domínio do conhecimento específico, considerar a "prática" que desenvolve em sala de aula como condição que também exige conhecimentos pedagógicos. (Cunha, 2010CUNHA, M. I. da. Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Brasília, DF: CAPES/CNPq, 2010., p. 198).

Referências

  • ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.
  • CUNHA, M. I. da. Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Brasília, DF: CAPES/CNPq, 2010.
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  • FLEIG, K. Sobre la relación de las artes ligadas a la materia. In: PALLASMAA, J. Conversaciones con Alvar Alto. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2010.
  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
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  • POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre, RS: Artmed, 2002.
  • ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnográfico (1982-85). Mexico: Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987.
  • SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Autores Associados, 1996.
  • SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul, 2000.
  • SOARES, M. Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2013.
    » http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40142/1/01d16t07.pdf
  • 1
    O ensino de projetar, no ateliê, segue sendo uma derivação da École de Beaux Arts de Paris, do início do século XIX, onde o aluno - aprendiz - desenhando em sua prancheta fica à espera da supervisão do professor - mestre. (Martinez, 2000, p. 04).
  • 2
    Para padronizar a estrutura do trabalho foram intitulados de professores e alunos, de acordo com a norma da língua portuguesa, todos os participantes deste estudo para indicar as categorias que inclui tanto o gênero masculino quanto o feminino.
  • 3
    A disciplina tinha quarenta e três (43) alunos matriculados, conforme dados obtidos na Secretaria do curso.
  • 4
    A fim de se atingir este objetivo, o pesquisador informou aos alunos que o questionário tinha fins específicos de uma pesquisa que se prolongaria durante as atividades da disciplina que eles estavam cursando e que, por isso, diferentemente do padrão dos questionários de pesquisas, neste eles teriam que se identificar. Desta forma, os que não quisessem responder não precisariam, mas os que sim deveriam aceitar as condições. Todos os vinte e sete (27) alunos que compareceram responderam o questionário.
  • 5
    Mais especificamente essa etapa do trabalho é denominada de Estudo Preliminar e trata da concepção da proposta de um problema espacial. Corresponde, pois, à primeira das etapas de um projeto arquitetônico, a saber: Estudo Preliminar, Anteprojeto e Projeto Executivo; cada qual atendendo a um propósito específico cujo produto final resulta em informações precisas para a construção de um determinado edifício.
  • 6
    O professor B, de acordo com as justificativas expostas pelo professor A para a turma, não pode participar nesse primeiro dia de aula.
  • 7
    A palavra sketch significa esboço e aqui se aproxima mais da ideia de croqui. O Sketchbook, portanto, na disciplina de projeto, tem a função de ser um Caderno de Croquis a fim de registrar o "itinerário", por assim dizer, das ideias concebidas para a solução projetual.
  • 8
    O ideário do professor não autoritário, que nada mais foi do que uma interpretação equivocada de parte da educação dos efeitos adversos do autoritarismo (que definia a escola tradicional plasmado à compreensão, também equivocada, do sugerido pela Escola Nova), levou muitos professores a abdicarem de seu papel de coordenação do processo de ensino e aprendizagem, ao que se chamou de laissez-faire.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2015
  • Aceito
    04 Ago 2015
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