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Resenha

ZABALZA, Miguel A.. La enseñanza universitaria. . El escenario y sus protagonistas.Madrid: Narcea, 2004

Quando se realiza a recensão de uma obra existem sempre alguns motivos que justificam a sua escolha. Neste caso, a opção por este livro baseou-se, essencialmente, no tema do dossiê deste número da Revista - o Ensino Superior - e na pertinência e atualidade do texto de Miguel A. Zabalza, pese embora tenha sido escrito há cerca dez anos. O livro enquadra-se na coleção "Universitaria", uma coleção de livros sobre docência universitária onde se incluem estudos que, sem descurar a necessária fundamentação teórica, se centram em problemas com que os docentes se deparam na sua prática diária, apresentando, por isso, propostas de reflexão e de ação que visam enriquecer o seu desenvolvimento profissional. Assim se compreende que o principal objetivo do autor ao escrever este livro se circunscreva a uma reflexão sobre o trabalho que se desenvolve na universidade, numa perspetiva em que concilia a descrição com a proposta de alternativas de melhoria.

Considerando a universidade como um espaço de tomada de decisões de vária ordem, Zabalza direciona o texto para um conjunto de aspetos que interferem de forma direta na docência e na formação de estudantes e professores universitários. Tendo consciência de que se trata de um cenário formativo complexo, em que se entrecruzam diversas dimensões e uma multiplicidade de elementos, tanto internos - contexto institucional, conteúdos dos cursos, professores e alunos - como externos - políticas para o ensino superior, avanços da ciência, cultura e investigação e associações profissionais -, o autor define quatro eixos de análise que permitem abordar, de forma mais circunstanciada, cada um desses aspetos: (i) o primeiro, Universidade-política universitária, relativo ao contexto institucional e influências externas que o condicionam, em particular as legislativas e financeiras; (ii) o segundo, Conteúdos curriculares, Ciência e Tecnologia, que incide na substância formativa do trabalho universitário e se organiza em torno das componentes cultural e técnica, isto é, dos conhecimentos e habilidades que se ensinam e aprendem na universidade; (iii) o terceiro, Professores - Mundo Profissional, envolve os professores das universidades e os grupos e associações profissionais de diversos campos científicos e se analisam as influências tanto da cultura docente - essencial no modo como os professores concebem o seu trabalho e a sua carreira profissional e na forma como constroem o conhecimento e o apresentam aos estudantes -, como das associações científicas e culturais - cujo papel é determinante na legitimação dos conhecimentos e das habilidades exigidas para a profissão; (iv) o quarto, Estudantes - Mundo do emprego, centra-se nos estudantes universitários, nomeadamente nas suas características sociais, necessidades, condições e expetativas, o que condiciona, em muito, o trabalho que se desenvolve na universidade. Neste domínio de análise, assume particular relevância a influência que o mundo do emprego exerce sobre a universidade, já que condiciona, de forma mais ou menos explícita, as opções dos estudantes.

O livro estrutura-se em cinco capítulos, organizados em função dos eixos de análise referidos. Além disso, o compromisso da universidade com a sociedade civil e a necessidade de refletir sobre o trabalho que aí desenvolvemos como professores, imprescindível para aprofundar o nosso nível de conhecimentos e estimular o nosso envolvimento na melhoria da qualidade, são propósitos que surgem de forma recorrente ao longo de todo o texto.

O 1º Capítulo, intitulado A Universidade, cenário específico e especializado de formação, exemplifica o que acabamos de referir. Baseando-se na relação de confiança entre a sociedade e a universidade, resultante em grande parte dos contributos que esta propicia em termos de desenvolvimento social, científico e económico, o autor alerta para a necessidade de as universidades se reconfigurarem internamente, de modo a consignar um novo sentido ao trabalho que desenvolvem e a dar resposta aos intensos desafios de mudança com que se confrontam atualmente. Para o efeito, dimensiona esse processo de reorganização interna em torno de três aspetos, essenciais para compreender o sentido da docência universitária e o nosso papel como docentes: a transformação do cenário universitário; o sentido formativo da universidade e a formação como processo ao longo da vida; e a posição da universidade na "sociedade do conhecimento".

No que diz respeito à transformação do cenário universitário, Zabalza sinaliza algumas mudanças de largo espectro que têm perpassado o mundo contemporâneo e que concorreram para lançar novos reptos e alterar a missão consignada à própria universidade, com implicações diretas na forma como se organiza e resolve os dilemas que eclodiram no seu interior. Referimo-nos, especificamente, à globalização e internacionalização, massificação do ensino e progressiva heterogeneidade dos estudantes que frequentam a universidade, à redução de fundos por parte do Estado, às novas exigências do mundo produtivo e dos empregadores, à incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação e da educação a distância, às novas orientações para a formação, com a passagem de uma orientação centrada no ensino para uma orientação centrada na aprendizagem, entre outros, o que exige que as universidades deixem de se cingir à transmissão dos conhecimentos e passem a investir na sua produção, conferindo assim um sentido prático e profissionalizante à formação que oferecem aos seus estudantes. Aspetos que, em conjunto, concorreram para a afirmação de um novo conceito de formação ao longo da vida e que viria interpelar o papel que as universidades têm desempenhado nesse domínio.

Relativamente ao segundo aspeto - o sentido formativo da universidade e a necessidade de formação ao longo da vida -, o autor considera que a evolução dissonante entre as funções que hoje se espera que as universidades como instituições sociais desenvolvam - preservação e transmissão crítica do conhecimento, cultura e valores, revelação das capacidades individuaise aumento da base de conhecimentos da sociedade - e aquelas que, de facto, têm concretizado, reafirma a necessidade de uma profunda mudança ao nível da formação. É necessário consignar um outro sentido à formação que se desenvolve na universidade de modo a vinculá-la a um efetivo crescimento e melhoria das pessoas. Uma formação que não se restrinja a conteúdos convencionais e a aprendizagens académicas, isto é, que sem descurar o valor do conhecimento aborde temáticas atuais e seja uma oportunidade de ampliar o repertório de experiências dos formandos. Uma formação que interligue desenvolvimento pessoal e desenvolvimento profissional e muna os estudantes de conhecimentos, capacidades, atitudes, valores e competências que lhes permitam integrar-se e participar num mundo em constante evolução e, por isso, cada vez mais complexo e exigente.

Este novo cenário, cujas condições e exigências são bem diferentes das existentes até há algum tempo atrás, remete-nos para o terceiro aspeto que o autor considera fundamental neste processo de mudança: a posição da universidade na "sociedade do conhecimento". Neste sentido, o autor considera que a universidade do século XXI tem de ser pensada e atuar a partir de perspetivas muito diferentes e muito mais abertas às novas dinâmicas da globalização e da formação contínua. Tal ensejo só será possível na base de uma nova cultura universitária, mais aberta, que permita que as universidades se sintonizem com as novas circunstâncias que caracterizam a vida social dos nossos dias e com as condições sob as quais as pessoas se desenvolvem atualmente. Porém, Zabalza considera que essa nova cultura universitária só será viável se ancorada nos seguintes elementos: (i) assumir uma visão de aluno e de processo de aprendizagem em conjunto - o que permitirá desenhar itinerários formativos mais concordantes com as necessidades e interesses dos sujeitos e reconhecê-los como protagonistas nesses processos; (ii) definir objetivos a médio e a longo prazo - o que permite projetar a formação para além da universidade; (iii) manter uma orientação baseada no desenvolvimento pessoal e não na seleção - ainda que a universidade não possa despojar-se de um certo sentido seletivo, isso não obsta que a sua missão fundamental seja a formação e não a seleção; (iv) valorizar preferentemente as capacidades de alto nível; (v) atualizar e dinamizar os conteúdos do currículo formativo - de modo a adaptá-lo à ideia de aprendizagem ao longo da vida; (vi) utilizar novas metodologias - abandonando o secular papel transmissivo que caracterizou as nossas instituições de ensino para recorrer a novos meios, novas tecnologias, reservando-se ao professor a assunção de funções de tutoria e orientação. Além disso, é necessário desenvolver modelos interdisciplinares que ajudem os estudantes a visualizar a projeção complementar das diversas disciplinas e que favoreçam o trabalho colaborativo por parte dos professores e que se desenvolvam estratégias que estimulem o trabalho ativo e autónomo por parte dos estudantes; (vii) propiciar cenários alargados de formação - de cariz mais horizontal, próprios de uma sociedade do conhecimento, onde as competências profissionais, a cultura, as destrezas úteis para a vida se adquirem em contextos muito diversos e na base de uma policromia de orientações e agentes formativos. Daí a importância de estabelecer redes interuniversitárias que permitam estabelecer vínculos entre as várias instituições; (viii) incorporar no currículo de atividades formativas extracurriculares - isto é, atividades que, não fazendo parte das propostas curriculares, propiciam o desenvolvimento de habilidades e competências muito importantes para a vida dos sujeitos. No fundo, um leque de possibilidades que permitirão transformar as universidades em verdadeiras instituições de formação, adaptadas aos novos cenários e desafios sociais.

O 2º Capítulo, intitulado Estruturas Organizativas das Instituições Universitárias, incide num conjunto de aspetos que caracterizam as universidades e sobre quais é necessário agir se pretendermos mudar e melhorar a instituição. Partindo da ideia de que a estrutura organizativa de uma instituição configura e funciona não só como contexto (isto é, o marco em que os processos e atuações institucionais se produzem) mas também como texto (enquanto objeto de estudo e de intervenção), Zabalza afiança que ninguém pode compreender de forma adequada o que sucede nas universidades, e muito menos fazer propostas válidas de melhoria, sem saber como estão organizadas e como funcionam. É nesta linha de pensamento que convoca uma série de aspetos que considera fundamentais e que interferem com a forma como se estrutura e funciona a formação que a universidade desenvolve no seu seio.

Dos vários aspetos convocados, salientam-se alguns mais marcantes e que, pela influência que assumem, tanto em termos organizacionais como dinâmicos, é necessário ter em atenção quando se pensa em transformar a universidade e adequá-la aos tempos de mudança que se vivem atualmente.

Desde logo a democracia e a autonomia são duas grandes aspirações institucionais que constituem duas constantes do pensamento e da cultura organizativa das universidades. Parece não suscitar controvérsia a afirmação de que a autonomia e a participação democrática permitiram a incorporação do mundo universitário na dialética social e política do momento histórico que vivemos. No que se refere à autonomia, elemento chave na construção de uma identidade institucional, a verdade é que, do ponto de vista político, a universidade tem vindo a perder, paulatinamente, a sua autonomia. Para isso tem contribuído a presença, cada vez mais evidente, de determinados poderes económicos no âmbito universitário, o que contribuiu para que a tradicional contraposição entre poderes económicos e poderes culturais e científicos se fosse diluindo, a ponto de ter chegado a uma virtual integração entre ambos. Zabalza considera mesmo que, na sua relação com o exterior, a autonomia universitária se foi deteriorando progressivamente, reforçando-se, pelo contrário, a sua dependência dos poderes políticos e económicos.

Um outro aspeto relevante refere-se à universidade como sede de uma cultura organizacional particular, expressão de uma determinada conceção de cultura, o que a converte num fenómeno social com tanto de complexo como de dinâmico. E, se a cultura característica da universidade é um fator preponderante na construção da sua identidade, essa cultura interfere, também, nas relações e nos jogos de poder que ocorrem no seu interior e na determinação do conjunto de normase valores partilhados pelos membros dessa organização. É na influência que esta cultura gera, tanto ao nível das relações da universidade com o meio em que está inserida, quando das relações que se geram no seu interior, que levam o autor a considerar a colegialidade, a colaboração, a reflexão e a internacionalização como os seus principais elementos nutritivos, deles dependendo, em grande parte, a manutenção de rotinas e modos mais tradicionais de agir ou a introdução de programas e projetos inovadores.

Os últimos dois aspetos, relativos à organização universitária, referidos por Zabalza, dizem respeito à liderança e gestão dos recursos humanos e à capacidade da universidade se assumir como uma organização que aprende. No primeiro caso, para salientar que a liderança tem tanto a ver com o poder como com a autoridade que, em ambos os casos, influenciam os acontecimentos que acontecem na organização. Se, por um lado, são necessários mecanismos institucionais que dotem de legitimidade e recursos quem toma as decisões (poder formal), por outro lado, a capacidade de influência interpessoal e o reconhecimento por parte dos membros da organização (autoridade) é tão importante como aquele. Trata-se de lideranças essenciais para que a universidade consiga cumprir a sua missão formativa, ainda que a liderança que se requer não seja tanto de caráter personalista ou impositivo, mas uma liderança partilhada que viabilize tarefas de dinamização e coordenação institucional.

No segundo caso, a universidade como organização que aprende, o autor alerta para o facto de não ser suficiente acreditar que as universidades podem aprender e melhorar o seu funcionamento. É necessário antecipar o processo que se pretende levar a efeito, isto é, planificá-lo. Além disso, a aprendizagem ou mudança institucional requer a mudança das ideias e das práticas dos sujeitos nelas envolvidos, o que, por um lado, nos remete para a importância da comunicação e do intercâmbio nesses processos, e, por outro lado, confirma a ideia de que não funcionam nem as "mudanças por decreto", nem as mudanças que se pretendem levar a efeito de uma forma rápida, sem dar tempo para que mudem as mentalidades. O autor termina o capítulo alertando para a necessidade de aprender desaprendendo, garantindo que para aceder a fases superiores de desenvolvimento é necessário desaprender certos procedimentos, desconstruir práticas, significados e preconceitos que parecem estar bem enraizados nas rotinas institucionais, o que contribuirá, também, para diluir certas resistências à mudança.

O 3º capítulo desenvolve-se em torno dos protagonistas da formação, Os professores universitários. Inseridos num ecossistema laboral e profissional muito peculiar, a universidade, os docentes constroem a sua identidade profissional, essencialmente, a partir da produção científica que geram e/ou de atividades produtivas que lhes conferem mérito académico e das quais resultam benefícios económicos e profissionais, e não tanto a partir da formação que desenvolvem.

Para analisar o papel dos professores universitários, Zabalza identifica três dimensões que considera essenciais - a dimensão profissional, a dimensão pessoal e a dimensão laboral - mas que a têm fragilizado em termos identitários.

Em termos profissionais, o professor universitário assume geralmente três tipos de funções - o ensino (que o autor denomina como docência), a investigação e a gestão -, embora mais recentemente lhe estejam associadas novas obrigações - captação de financiamento, assessorias, estabelecimento de relações institucionais com outras universidades, entre outras. Zabalza privilegia, neste texto, a docência universitária como tarefa associada à formação e ao conhecimento, embora, à semelhança do que se passa na própria instituição, se trate de uma área que tem vindo a sofrer alterações significativas - a passagem de um professor expositor de matérias para um professor facilitador das aprendizagens dos estudantes, por exemplo -, o que torna a função formativa do professor universitário algo vaga e de difícil concretização. De facto, a docência universitária é uma função algo contraditória quanto aos seus parâmetros de identidade socioprofissional. Primeiro, porque não existe unanimidade quanto ao facto de estarmos em presença de uma profissão. Depois porque muitos professores universitários se identificam mais com a sua área científica de formação (matemática, engenharia, medicina, biologia) do que com a área da docência, dois aspetos que interferem tanto com o papel que o professor desempenha na docência, como na construção da sua própria identidade. Para esta debilidade identitária têm contribuído alguns dilemas na base dos quais a profissão se tem estruturado e que importa resolver, se pretendermos uma efetiva mudança a este nível: individualismo versus coordenação (os professores universitários têm construído a sua identidade e desenvolvido o seu trabalho de forma individualista, o que dificulta, ou torna desnecessário, qualquer procedimento de coordenação); investigação versus docência (a dialética investigação-docência é hoje reconhecida como essencial para o desenvolvimento de um ensino universitário de qualidade); generalistas versus especialistas (prevalecendo, neste caso, a tendência da especialização e fragmentação disciplinar do conhecimento); ensino versus aprendizagem (sendo necessário que o ato formativo se centre mais na aprendizagem do que no ensino, prática ainda prevalecente no terreno universitário). Urge, por isso, reinventar a forma como os professores universitários desempenham as funções que lhes estão consignadas, o que, na opinião do autor, só será viável na base de novos parâmetros que estruturem a profissionalidade docente, tais como: a reflexão sobre a própria prática, o trabalho em equipa, a organização das tarefas orientadas para o mundo do emprego, a estrutura do ensino a partir da aprendizagem e a recuperação da dimensão ética da profissão docente.

Em termos pessoais, Zabalza recorre ao "velho" adágio pedagógico de que os "professores ensinam com o que sabem como com aquilo que são", para lembrar que este tem merecido pouca atenção no contexto universitário, o que contribui para depreciar a dimensão pessoal no exercício profissional dos docentes. Lembra, por isso, que é necessário ter em conta dois aspetos que interferem, de forma substancial, com a profissão: (i) a satisfação pessoal e profissional (fundamental para despoletar uma nova dinâmica institucional); e (ii) a carreira docente (alertando para a necessidade de distinguir carreira académica de carreira profissional, uma vez que a primeira tem sido merecedora de maior reconhecimento a nível institucional sendo, no entanto, a segunda que mais se interliga com a autoestima e a identidade profissional).

Em termos laborais, isto é, em termos de direitos e deveres profissionais, o autor considera que, num contexto de transformações como o que se vive atualmente, são necessárias mudanças significativas, nomeadamente ao nível dos critérios de seleção, da diferenciação das diversas categorias profissionais e das condições de trabalho, realçando, neste último caso, a importância de novas políticas de formação e atualização para o exercício profissional, aspeto que escalpeliza no capítulo seguinte.

O 4º Capítulo, Formação do docente universitário, aborda uma das temáticas mais sensíveis do empreendimento universitário. Não só porque o exercício da profissão docente requer uma sólida formação, quer ao nível dos conteúdos científicos relativos à área de trabalho do docente quer dos aspetos relativos à sua utilização, mas também porque a qualificação científica e pedagógica é um dos fatores básicos da qualidade universitária.

Só que, para alterar o paradigma formativo que tem prevalecido no terreno universitário, Zabalza considera necessário resolver as seguintes questões de fundo: Qual o sentido e a relevância da formação? Que conteúdos devem ser privilegiados? A quem se destina a formação? Quem deve fazer essa formação? Que formatos e metodologias são mais eficazes?

Só a partir das respostas a estas questões, a universidade estará em condições de poder enfrentar os grandes reptos que hoje se colocam na formação dos professores universitários, nomeadamente: (i) passagem de uma docência baseada no ensino para uma docência que privilegia a aprendizagem; (ii) a incorporação de novas tecnologias; (iii) a revalorização da prática, através da incorporação de novas metodologias de aprendizagem baseadas no trabalho; (iv) a flexibilização do currículo universitário; e (v) a procura de qualidade através da mudança das práticas docentes.

O 5º Capítulo, Os estudantes universitários, conclui a reflexão de Zabalza sobre o ensino universitário. Trata-se de um capítulo que merece uma atenção particular, desde logo porque, à semelhança do que se passa com os docentes, também os estudantes possuem características especiais, bem como itinerário formativo que desenvolvem na universidade, já que existe um conjunto de fatores que afetam tanto a forma como se integram na instituição como o modo como se formam e aprendem nela. Na reflexão desenvolvida, o autor diferencia dois eixos de análise: os estudantes como membros da comunidade académica e os estudantes como aprendentes.

No primeiro caso, são analisados alguns dos principais efeitos produzidos pelo processo de massificação, realçando quer a progressiva concentração de estudantes em certos cursos, quer as consequências que daí resultaram - nomeadamente, a necessidade de trabalhar com grupos muito grandes, a maior heterogeneidade dos grupos, a menor motivação pessoal, a necessidade de recrutar rapidamente novos docentes, o retorno aos modelos clássicos de docência, a menor possibilidade de responder a necessidades individuais e a dificuldade de trabalhar em cenários profissionais reais -, o que tem constituído um obstáculo à introdução de inovações. Além disso, são realçados outros aspetos - o processo de feminização da universidade, o processo de seleção dos estudantes no momento de ingresso e a consideração dos estudantes universitários como adultos - que têm dificultado a introdução de mudanças tanto a nível estrutural como metodológico.

No segundo caso, os estudantes como aprendentes, é necessário ter em conta que, na generalidade dos casos, a forma como os estudantes aprendem, isto é, como transitam pela sua cabeça e pelo seu coração os conteúdos que lhe explicamos, é algo alheio à esfera de preocupações e de saberes dos docentes, o que, para além de tornar o ensino universitário mais impessoal, responsabiliza cada estudante pela sua própria aprendizagem. Ora, se a aprendizagem requer que existam motivação, conhecimentos prévios, expetativas pessoais, capacidade de trabalho e esforço por parte dos estudantes, ela precisa de ser orientada por parte dos professores, já que surge na confluência destas duas dimensões. É nesta ordem de ideias que o autor considera que a profissionalidade docente se dimensiona tanto aos processos de ensinar, como aos processos de aprender. Sendo a aprendizagem um complexo "jogo" social, que deve concretizar-se de forma progressiva através de espaços e tempos de interação e intercâmbio, é essencial uma intervenção fundamentada e contextualizada por parte dos professores, capaz de criar condições para que cada estudante se vá tornando progressivamente mais autónomo e desenvolva as suas capacidades de aprender a aprender.

Para que isso seja possível, o autor alerta para a necessidade de os professores terem em conta alguns referentes cognitivos necessários para que a aprendizagem aconteça, nomeadamente o facto de a aprendizagem ser condicionada por capacidades e habilidades dos alunos e que podem utilizar adequadamente, ser também um produto da prática do estudante, isto é, do tipo de trabalho que se lhe solicita e das condições de que dispõe para a sua concretização, ter muito a ver com a perceção da tarefa e dos processos instrutivos que os estudantes possuem e por ser um processo condicionado pela negociação de expetativas que se realiza entre o professor e os alunos, pela implicação pessoal dos estudantes e pelo feedback que os professores fornecem sobre ele. Em suma, um conjunto de aspetos que determina, em grande parte, a forma como os alunos aprendem e a sua maior ou menor predisposição para participar nas tarefas que lhes são propostas.

Em jeito de nota final, importa referir que, pese embora estejamos em presença de uma obra publicada há alguns anos, as análises, as reflexões e as propostas feitas por Zabalza continuam perfeitamente atuais e pertinentes, constituindo um ótimo contributo para uma formação com sentido, tão necessária para transformarmos e inovarmos as práticas docentes que desenvolvemos na universidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2015
  • Aceito
    04 Ago 2015
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