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Resenha

CAPPELLETTI, Isabel Franchi. Avaliação da aprendizagem. : discussão de caminhos. São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola, 2007

A realização da resenha deste livro pretende ser também uma homenagem póstuma à professora Isabel Franchi Cappelletti, falecida em janeiro de 2014, por sua inestimável contribuição aos estudos na área de avaliação educacional no contexto brasileiro, sendo este livro uma de suas principais obras. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, foi mestre em Educação pela PUC/SP e doutora em Distúrbios da Comunicação Humana (Fonaudiologia) pela Universidade Federal de São Paulo - UFSP. Dentre as principais obras de sua vasta produção destacam-se: "Avaliação e currículo: políticas e projetos" (2010), "Análise crítica das políticas públicas" (2005), "Avaliação de políticas e práticas educacionais" (2002), "Avaliação educacional: fundamentos e práticas" (2001). A obra ora resenhada - "Avaliação da aprendizagem: discussão de caminhos" - foi organizada pela professora Isabel e desenvolve-se em 116 páginas, nela reúnem-se seis textos de diferentes autores buscando aprofundar e ampliar as reflexões sobre avaliação da aprendizagem.

O significado etimológico de avaliar é o ponto de partida da reflexão proposta por Alípio Casali no primeiro capítulo da coletânea, intitulado "Fundamentos para uma avaliação educativa". O autor destaca que a riqueza semântica do termo foi mais influenciada pelas áreas econômica e da saúde. Tendo como ponto de partida da discussão que avaliar é reconhecer ou atribuir valor a algo, ele analisa no texto os conceitos e princípios da avaliação educativa destacando sua posição ética e epistemológica. Afirma que o valor ético por excelência é a vida e que toda ética justifica-se, em última instância, em função do valor da vida. Defende que no contexto escolar deve estar presente esse cuidado com o desenvolvimento da vida do aluno como um processo de mediação e considera que o conceito-chave na epistemologia é validação, como resultado positivo de uma avaliação epistemológica destacando quatro observações daí decorrentes: 1- os valores são históricos e culturalmente construídos, a avaliação, portanto, também é histórica e cultural; 2- o valor da própria avaliação considera a ordem hierárquica dos valores; 3- a avaliação envolve também atitudes e condutas concretas, não apenas conteúdos; 4- o alcance dos valores, das validações, das avaliações em diferentes âmbitos: do sujeito, da cultura, da humanidade. Para o autor a avaliação é um credenciamento, um uso de poder. Com essa afirmação, demonstra entender a avaliação como um dispositivo de poder e de autorização, mas destaca o sentido de poder como possibilidade e não como imposição ou domínio. Para o autor, o poder decisório do professor deve ser usado "educativamente", na medida em que revele os fundamentos e recursos a que os alunos foram submetidos no processo de avaliação. A prática da avaliação educativa pressupõe a possibilidade de alteração de um estado ou condição para outro, de uma situação para outra, a partir da mobilização de esforços e recursos para atingir determinado resultado. Desse pressuposto o autor destaca que a avaliação educativa deve ser abrangente, contínua, conjunta e incorporar quantidade e qualidade, e ainda que os mesmos princípios elencados também se referem à avaliação institucional, pois o autor destaca que a avaliação institucional precisa considerar a tensão entre o instituído e o instituinte.

A autora Ana Maria Saul, no segundo capítulo, "Referenciais freireanos para a prática da avaliação", inicia afirmando a necessária coerência entre a teoria e prática da avaliação educacional e esclarece seus pressupostos na perspectiva crítico-transformadora, tendo como fundamentos as ideias de Paulo Freire. Afirma que o conceito de avaliação é diretamente relacionado à compreensão da educação e que ela estará a serviço dessa concepção. Destaca que numa educação libertadora há a intencionalidade da avaliação democrática. A autora explicita como foi criado e em que se constitui o paradigma de avaliação emancipatória, de sua autoria, e destaca seus objetivos: iluminar o caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas indicando dois aspectos fundamentais nesse paradigma - o comprometimento com o futuro e o valor emancipador proposto. Portanto, são fundamentais nesse paradigma os conceitos de emancipação, decisão democrática, transformação e crítica educativa. Coerentes com esses conceitos estão os pressupostos metodológicos de antidogmatismo, autenticidade e compromisso, restituição sistemática, ação-reflexão numa ótica de análise de natureza qualitativa. A autora defende que mudar a prática da avaliação requer trabalhar na direção de uma escola democrática.

O texto que compõe o terceiro capítulo, de autoria da professora Isabel Franchi Cappelletti, "Avaliação a serviço da aprendizagem: um inédito viável", tem por objetivo apresentar três situações de avaliação da aprendizagem em diferentes níveis de ensino e em diferentes décadas, e discuti-las, segundo a autora, na intersubjetividade com a teoria. A autora relata sua experiência de avaliação da aprendizagem quando atuava como professora num Grupo Escolar na década de 1960. A referida escola já realizava processos avaliativos próximos ao que hoje se denomina avaliação formativa. No entanto, reflete a autora, trabalhava ainda com uma visão de avaliação centrada na docimologia, sendo que o que favoreceu sua compreensão e sua prática foi a formação em serviço, realizada aos sábados na troca de experiências com as professoras da escola. A outra experiência relatada refere-se à disciplina ministrada em curso de graduação em licenciatura a partir da vivência de um processo avaliativo diferenciado. Destaca que os alunos foram aos poucos percebendo que a mudança de concepção e prática de avaliação envolve trabalho, compromisso e a autorresponsabilização pelos resultados que deseja alcançar. A autora destaca dessa experiência que o processo de avaliação só ganha sentido quando analisadas as situações e circunstâncias que envolvem a aprendizagem dos alunos. A autora relata ainda a sistemática de ações desenvolvidas nos diferentes cursos conforme o objeto da avaliação. Destaca a importância do processo de analisar o empírico e desenvolver a crítica teórica a partir da análise feita. Nesse aspecto demonstra a importância do fazer e refazer trabalhos avaliativos e refletir sobre eles no coletivo, levando os alunos à prática da autoavaliação. A metodologia utilizada levou em consideração a integração ensino e avaliação como componentes de uma ação pedagógica.

No quarto capítulo, "Avaliação: contribuições para o debate sobre ciclos e progressão continuada", as autoras Mere Abramowicz e Maria Isabel d'Andrade de Souza Moniz abordam a organização do sistema de ciclos com progressão continuada no Brasil e a avaliação nesses novos/antigos cenários. Expõem suas preocupações em relação à organização dos ciclos, que substitui o sistema seriado, no sentido de que há que se garantir quantidade na mesma proporção da qualidade. Não basta oferecer mais tempo de escolarização, sem que se invista efetivamente nas práticas que se dão na escola. A esse respeito, as autoras defendem a importância de se considerar a diversidade dos alunos como sendo um dos maiores desafios da progressão continuada. As autoras destacam a importância da avaliação formativa nesta organização em ciclos, com progressão continuada, uma vez que o foco das atenções deve estar voltado para a continuidade da aprendizagem do aluno ao longo dos ciclos. A avaliação formativa é defendida pelas autoras enquanto concepção de avaliação a ser assumida nos ciclos por se constituir como possibilidade concreta de observação, acompanhamento, registro, reflexão e intervenção sobre a aprendizagem do aluno.

A autora Sandra Zákia Sousa, no quinto capítulo, "As práticas de avaliação de aprendizagem como negação do direito à educação", encadeia uma análise sobre o fracasso escolar reportando-a num primeiro momento às formas de organização da escola, suas regras, normas, rituais, práticas, relações e interações que nela se estabelecem. Em seguida, a autora direciona a análise para a avaliação como instrumento de legitimação do fracasso escolar, uma vez que o processo ensino-aprendizagem permanece de acordo com os padrões e expectativas definidas pela escola e não com as características próprias dos alunos enquanto grupo social. Essa realidade se dá sob o discurso de que as oportunidades são iguais para todos. Desta forma, a autora nos faz um alerta em relação ao projeto educacional dominante que está presente nas escolas que é o de reprodução cultural e econômica da estrutura de classes. Como possibilidade de transformação dessa realidade nas escolas, a autora acredita na importância dos professores fazerem opções axiológicas bem definidas quanto ao "para quê avaliar" e "a quem está servindo a avaliação", no sentido de terem clareza quanto ao projeto social e o projeto de escola pelo qual se definem.

No último capítulo, "O processo de avaliação de docentes e sua implicação na avaliação da aprendizagem no ensino superior", a autora Mônica Piccione Gomes Rios analisa a avaliação de docentes enquanto possibilidade desta constituir-se num instrumento de reflexão da prática do professor. No entanto, alerta para o fato de que não é qualquer avaliação que transforma a prática pedagógica do professor. Há que se considerar que para que se alcance essa perspectiva transformadora da avaliação, ela deve estar articulada ao seu propósito formativo maior. A autoavaliação do docente, nesse sentido, cumpre um importante papel na medida em que pode se tornar desencadeadora da metacognição, ou seja, a tomada de consciência sobre a própria prática. A partir de larga experiência profissional acumulada no desenvolvimento de processos de avaliação de docentes em Instituição de Ensino Superior, a autora relata que os encontros pedagógicos de formação, oferecidos ao longo desses anos, foram aos poucos sendo incorporados e sistematizados na cultura avaliativa da instituição, em função das necessidades colocadas na avaliação dos docentes, realizada pelos alunos, coordenadores de curso e pelos próprios docentes. Esclarece, ainda, que os docentes da instituição relataram, no momento da meta-avaliação, que a avaliação de docentes significou para eles um instrumento de reflexão/autoavaliação/mudança.

De forma clara e objetiva, os autores dos capítulos do livro nos levam a refletir sobre os fundamentos éticos e epistemológicos, e sobre as questões operacionais e instrumentais da avaliação educativa. A compreensão desses fundamentos/questões se constitui a base para uma prática avaliativa coerente e crítica.

O tema da avaliação educacional, principalmente da avaliação da aprendizagem, foi tratado pelos diferentes autores a partir de uma concepção libertadora na qual o ser humano é entendido como sendo inconcluso e, dessa forma, a avaliação deve valorizar esse vir a ser.

O livro traz uma discussão importante e bastante crítica sobre o fracasso escolar, analisado como sendo produzido pela própria escola, pela sua forma de organização, de acordo com uma lógica dominante e elitista, que se reproduz na avaliação do aluno, fundamentada no paradigma tradicional, privilegiando o resultado em detrimento do processo de aprendizagem.

Também analisados de forma relacionada ao tema do fracasso escolar, o sistema de ciclos e a progressão continuada são defendidos pelos autores enquanto possibilidade que se abre para as escolas irem contra uma lógica reprodutivista, que preconiza a homogeneização do conteúdo, do tempo, dos ritmos de aprendizagem e caminhar a favor de uma lógica cíclica, com diferentes tempos e ritmos. Além disso, a organização não seriada dos ciclos pode contribuir sobremaneira para que a função classificatória da avaliação deixe de ter importância para que essa seja direcionada para o ponto central da avaliação que é o processo ensino-aprendizagem.

O texto de Isabel Franchi Cappeletti é concluído numa perspectiva esperançosa, pois, se existem dificuldades, também existem possibilidades. Ciente dos entraves que a própria máquina administrativa das instituições impõe, vislumbra que se possa realizar uma avaliação da aprendizagem diferenciada a partir de estratégias de ensino também diferenciadas.

O livro ora apresentado ao leitor traz importantes contribuições teórico-práticas aos estudiosos da área da avaliação da aprendizagem, aos iniciantes no estudo do tema e aos professores de um modo geral, atuantes na profissão, que avaliam seus alunos no cotidiano da sala de aula.

A organizadora da obra conseguiu compilar textos teóricos que contribuem com os conhecimentos do leitor e reflexões sobre experiências relatadas/realizadas, que podem apoiar os professores no enfrentamento de questões vivenciadas em sala de aula.

Assim, esta é uma obra que marca a produção na área de avaliação educacional/da aprendizagem dos últimos anos no Brasil.

Referências

  • CAPPELLETTI, Isabel Franchi. (Org.). Avaliação educacional: fundamentos e práticas. São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola, 2001.
  • CAPPELLETTI, Isabel Franchi. (Org.). Avaliação de políticas e práticas educacionais, São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola 2002.
  • CAPPELLETTI, Isabel Franchi. (Org.). Análise crítica das políticas públicas., São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola 2005.
  • CAPPELLETTI, Isabel Franchi. (Org.). Avaliação da aprendizagem: discussão de caminhos., São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola 2007.
  • CAPPELLETTI, Isabel Franchi. (Org.). Avaliação e currículo: políticas e projetos., São Paulo: Editora Articulação Universidade/Escola 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2015
  • Aceito
    10 Jun 2015
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