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Alunos falam sobre a escola: do mundo dos adultos à Terra do Nunca

Students talk about school: from the adults' world to Neverland

RESUMO

A discussão que trazemos neste artigo é parte de nossa leitura das falas de alunos que frequentavam os anos finais do ensino fundamental em 2009 e 2010. Temos como objetivo evidenciar os significados que eles produziram para a escola à luz das noções de significado, objeto, legitimidade e espaço comunicativo que fazem parte do Modelo dos Campos Semânticos e de um ensaio da história de Peter Pan, que nos permitiu distinguir que quando os alunos falam sobre a escola os significados que eles produzem, de que a escola é importante para o futuro deles, vão em direção ao Mundo dos Adultos. Mas, quando eles se colocam dentro da escola, suas falas contemplam o encontro com os amigos e a hora do recreio, aproximando-se mais da lógica da Terra do Nunca.

Palavras-chave:
escola; alunos; significado; objeto; espaço comunicativo

ABSTRACT

The discussion we bring in this paper is part of our reading of students' speeches who attended Middle School in 2009 and 2010. Our purpose is to evidence the meanings they produced about school based in notions of meaning, object, legitimateness and communicative space which compose the Model of Semantic Fields and an essay on Peter Pan's story that allowed us to distinguish that when students speak about school the meanings they produce, on how important is school for their future, go in the direction of the Adults' World. But, when they put themselves inside the school, their speeches were about getting together with friends and the break period, approaching more the Neverland's logic.

Keywords:
school; students; meaning; object; communicative space

Introdução

No segundo semestre de 2009 e no primeiro semestre de 2010 entrevistamos 28 alunos dos anos finais do ensino fundamental de duas escolas municipais de Bagé-RS, Brasil, como parte de nossa pesquisa de doutorado. (ANGELO, 2012ANGELO, C. L. Uma leitura das falas de alunos do ensino fundamental sobre a aula de Matemática. 160 f. 2012. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012.). Nosso objetivo era fazer uma leitura das falas desses alunos em torno de questões sobre a escola, sobre a Matemática e sobre a aula de Matemática e identificar que significados eles produziam para essas enunciações. Neste artigo vamos nos deter apenas nas falas dos alunos sobre a escola e em nossa leitura dessas falas.

Mas, para mostrarmos onde queremos chegar, precisamos discutir inicialmente algumas noções do Modelo dos Campos Semânticos (MCS), desenvolvido por Lins (1999LINS, R. C. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 75-94. (Seminários & Debates)., 2004LINS, R. C. Matemática, monstros, significados e educação matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (Org.). Educação Matemática: Pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 92-120., 2008LINS, R. C. A diferença como oportunidade para aprender. In: PERES, E. et al. (Org.). Processos de ensinar e aprender: Sujeitos, currículos e cultura: livro 3. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 530-550., 2012LINS, R. C. O Modelo dos Campos Semânticos: Estabelecimentos e notas de teorizações. In: ANGELO, C. L. et al. (Org.). Modelo dos Campos Semânticos e Educação Matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012. p. 11-30.), e como elas nos permitiram escrever um ensaio da história de Peter Pan no qual destacamos dois mundos que possuem lógicas diferentes: o Mundo dos Adultos e a Terra do Nunca.

Posteriormente, as falas de alguns alunos sobre a escola e a nossa leitura dessas falas, permeada por referências de autores que também discorrem sobre a escola, permitiram-nos concluir que quando os alunos foram solicitados a produzir significados para a escola, eles a constituíram como um local onde eles recebem educação, têm acesso a diversos conhecimentos, convivem com pessoas diferentes e que possibilita que no futuro eles tenham uma vida melhor, indo ao encontro da lógica do Mundo dos Adultos. Mas, quando eles falaram da escola, colocando-se como parte dela, ela tomou outro significado - local de diversão, de conversas, de encontro com os amigos, aproximando-se da lógica da Terra do Nunca.

Sobre o Modelo dos Campos Semânticos

Existe uma quantidade significativa de trabalhos publicados em Educação Matemática que falam sobre o Modelo dos Campos Semânticos (MCS). No entanto, talvez esta teoria não seja de conhecimento de pesquisadores de outras áreas da Educação. Por esse motivo consideramos importante trazer algumas noções que configuram o MCS, tanto para conhecimento do leitor que ainda não teve contato com ele, quanto para destacar de que forma tais noções fazem parte deste trabalho.

Nosso foco de estudo foram as falas de alunos do ensino fundamental sobre a escola, que foram obtidas através de entrevistas gravadas em áudio e posteriormente transcritas. Durante a análise dessas transcrições, fizemos uma leitura, a nossa leitura, das falas dos alunos. Nessa metodologia de trabalho fizemos parte de um processo comunicativo que envolveu os alunos e os pesquisadores. Convém, então, começarmos esclarecendo como o processo comunicativo é entendido no MCS.

Lins (1999LINS, R. C. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 75-94. (Seminários & Debates).) adota as noções de texto, autor e leitor para esclarecer como ele assume o processo de comunicação no MCS. Quando falamos, escrevemos ou gesticulamos, estamos sempre falando, ou escrevendo ou gesticulando para um alguém que constituímos.

Quando o autor fala, ele sempre fala para alguém, mas por mais que o autor esteja diante de uma platéia este alguém não corresponde a indivíduos nesta platéia, e sim a um leitor que o autor constitui: é para este "um leitor" que "o autor" fala. (LINS, 1999LINS, R. C. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 75-94. (Seminários & Debates)., p. 81).

E este "um leitor" não é, necessariamente, um ser biológico, mas um ser cognitivo que o autor constitui, também chamado de interlocutor, para o qual o autor dirige o texto, ou a fala ou o gesto.

Por outro lado, quando o leitor lê, ele também constitui "um autor" e "[...] é em relação ao que este 'um autor' diria que o leitor produz significado para o texto (que assim se transforma em texto)." (LINS, 1999LINS, R. C. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 75-94. (Seminários & Debates)., p. 82, grifo do autor). E somente na medida em que o leitor fala, colocando-se na posição de autor, é que ele produz significado para o texto e se constitui como leitor.

No MCS, tanto não há leitor sem texto, quanto não há texto sem leitor. O que falamos, ou escrevemos, ou gesticulamos, são resíduos de enunciação que só serão transformados em texto para o leitor que produzir significado para aquela fala, aquela escrita ou aquele gesto. Nesse Modelo, resíduos de enunciação podem ser entendidos como tudo aquilo que está posto no mundo como demanda para produção de significados.

Além do processo de comunicação, a produção de significados e a constituição de objetos são também noções centrais no MCS. Segundo Lins e Gimenez (1997LINS, R. C.; GIMENEZ, J. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997. (Perspectivas em Educação Matemática).), "[...] significado é o conjunto de coisas que se diz a respeito de um objeto. Não o conjunto do que se poderia dizer, e, sim, o que efetivamente se diz no interior de uma atividade. Produzir significado é, então, falar a respeito de um objeto." (LINS; GIMENEZ, 1997LINS, R. C.; GIMENEZ, J. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997. (Perspectivas em Educação Matemática)., p. 145-146, grifos dos autores). E objeto é algo para o qual se produz significado no sentido acima. (LINS, 2008).

No entanto, "[...] não é tudo que pode ser dito, já que qualquer dada cultura aceita alguns, mas nunca todos os modos possíveis de produzir significados." (LINS; GIMENEZ, 1997LINS, R. C.; GIMENEZ, J. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997. (Perspectivas em Educação Matemática)., p. 143, grifo dos autores). Sendo assim, produzimos significados para que pertençamos a um espaço comunicativo, uma cultura, por acreditarmos que dentro desse espaço comunicativo ou dessa cultura outros interlocutores compartilharão conosco estes significados.

Quando Lins (1999LINS, R. C. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 75-94. (Seminários & Debates).) afirma que significado é o que efetivamente se diz a respeito de um objeto dentro de uma atividade, este termo atividade é tomado de acordo com os estudos de Alexei Leontiev. Tentaremos esclarecer essas noções de produção de significados, constituição de objetos, atividade e interlocutor a partir de um exemplo. Numa determinada atividade como a de responder a uma criança que pergunta "O que é caneta?", podemos lhe dizer que "Caneta é um instrumento que serve para escrever". Nesta atividade estamos produzindo um significado para caneta: "instrumento que serve para escrever", ao mesmo tempo em que constituímos um objeto caneta. Este "um significado" não é o único significado para caneta, mas aquele que foi produzido nessa atividade. Ao respondermos para a criança, constituímos um interlocutor que acreditamos que a criança compartilharia e falamos na direção desse interlocutor. Se a atividade fosse, por exemplo, responder à questão "O que é caneta?" de um teste de Português sobre classificação de substantivos, poderíamos dizer que "Caneta é um substantivo comum, simples, primitivo e concreto". Nesta atividade, estaríamos produzindo outro significado para caneta e, portanto, estaríamos constituindo outro objeto. A direção para a qual estaríamos falando (interlocutor) seria aquela que acreditamos que o professor de Português compartilharia.

Algumas dessas noções que constituem o MCS como espaço comunicativo, significado e objeto estarão sendo postas em movimento no item a seguir no qual destacamos algumas partes de um ensaio da história de Peter Pan (ANGELO, 2012ANGELO, C. L. Uma leitura das falas de alunos do ensino fundamental sobre a aula de Matemática. 160 f. 2012. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012.) que permitam ao leitor compreender também o que estamos chamando de Mundo dos Adultos e de Terra do Nunca.

Recortes de um ensaio da história de Peter Pan

A história de Peter Pan, escrita pelo escocês James Matthew Barrie, só foi publicada em forma de livro em 1911. Nessa obra o autor narra as aventuras de Peter Pan, um menino que mora na Terra do Nunca e consegue voar usando pó mágico da sua amiga fada chamada Sininho.

Ao descrever a Terra do Nunca, Barrie (2011BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011.) comenta que nós, adultos, também já estivemos lá e "[...] ainda podemos ouvir a rebentação das ondas, mas nunca mais desembarcaremos." (BARRIE, 2011BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011., p. 14).

No ensaio que escrevemos (ANGELO, 2012ANGELO, C. L. Uma leitura das falas de alunos do ensino fundamental sobre a aula de Matemática. 160 f. 2012. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012.) denominamos Mundo dos Adultos ao mundo dos que não desembarcam mais na Terra do Nunca. Essa denominação também foi utilizada por Barrie (2011BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011.) numa passagem da história em que os filhos da Senhora Darling, Wendy, John e Michael, conhecem Peter Pan e começam a aprender a voar. No entanto, num determinado momento, Peter Pan faz um gesto solicitando que todos fiquem em silêncio e os rostos de Wendy, John e Michael mostram "[...] uma expressão de criança que escuta os sons do mundo dos adultos." (BARRIE, 2011BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011., p. 41, grifo nosso).

Associada ao Mundo dos Adultos está a lógica do Mundo dos Adultos. Da mesma forma, a lógica das crianças ou lógica da Terra do Nunca refere-se a modos de produção de significados que são legítimos na Terra do Nunca. Tanto o Mundo dos Adultos quanto a Terra do Nunca não delimitam lugares, apenas representam espaços comunicativos nos quais modos de produção de significados são compartilhados.

Por exemplo, os significados produzidos no Mundo dos Adultos para "aquele menino está voando" poderiam ser "ele está num avião", ou "ele saltou de asa delta", ou "ele está com os pensamentos no mundo da lua", porque esses modos de produção de significados para o resíduo de enunciação "aquele menino está voando" são compartilhados no Mundo dos Adultos. Mas, se algum adulto produzisse o significado "ele está com pó das fadas e saiu voando", não encontraria legitimidade no Mundo dos Adultos. No entanto, o modo de produção de significado para "aquele menino está voando" na Terra do Nunca seria "ele está com pó das fadas e saiu voando", pois é um significado compartilhado pelos que habitam esse espaço comunicativo.

Alguns episódios da história exemplificam as lógicas presentes nesses espaços comunicativos. Em um deles a senhora Darling adormeceu no quarto dos filhos, que ficava no terceiro andar da casa, e Peter Pan entrou pela janela. No momento em que ela acordou e viu o menino, soltou um grito. Peter, ao perceber que estava diante de uma adulta, pulou de volta pela janela arrancando outro grito da senhora Darling, pois ela pensou que ele estaria caído no chão, morto:

De novo a sra. Darling gritou, desta vez por preocupação pelo garoto, pois pensou que ele estaria morto, e então correu para baixo, até a rua, para procurar o pequeno corpo, mas ele não estava lá; então olhou para cima, e na noite negra não pôde ver nada além do que lhe pareceu ser uma estrela cadente. (BARRIE, 2011BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011., p. 19).

Quando a senhora Darling viu Peter Pan se atirando pela janela, pensou que ele tivesse caído três andares e estivesse morto. Tanto que desceu correndo e foi até a rua para ver se encontrava o corpo dele caído no chão. Não encontrando nada, olhou para cima, talvez na esperança de encontrá-lo pendurado na janela ou em qualquer parte externa da casa, pois não poderia acreditar que o menino saíra voando, ou que não estivesse no chão, contrariando a lei da gravidade. Na lógica do Mundo dos Adultos uma pessoa voar sem instrumentos de voo é algo inconcebível e, para a senhora Darling, o Peter Pan era uma pessoa comum.

Mas, nos encontros de Peter com os filhos da senhora Darling, a lógica presente nos diálogos e acontecimentos era a da Terra do Nunca. Já nos primeiros encontros que aconteceram em Londres, eles não estranharam que Peter podia voar, que era amigo de uma fada ou que vivia num lugar habitado por sereias. Eles compartilhavam o mesmo espaço comunicativo. Tudo que Peter falava era legitimado por Wendy, John e Michael.

Embora o Peter Pan que se apresentou tanto para a senhora Darling quanto para os filhos dela fosse o mesmo, para a senhora Darling ele era um objeto diferente do que era para Wendy, John e Michael, pois o significado que ela produziu para ele era diferente do significado que as crianças produziram.

Um diálogo que aconteceu também em Londres exemplifica melhor esse processo de produção de significados e de constituição de objetos. Wendy estava satisfeita por Peter ter declarado que uma menina vale mais que vinte meninos e sentou-se ao lado dele perguntando se ele queria que ela lhe desse um beijo. Como Peter não entendeu o que ela queria dizer com isso, estendeu-lhe a mão esperando receber alguma coisa:

- Você certamente sabe o que é um beijo - ela falou, embasbacada.

- Vou saber quando você me der um - ele retrucou, sério.

Para não magoá-lo, Wendy lhe deu um dedal.

- E agora eu devo dar um beijo para você? - ele perguntou.

E ela respondeu, com certa afetação:

- Se for do seu agrado.

Wendy se ofereceu um pouco além do limite, inclinando-se e aproximando seu rosto de Peter, mas ele meramente depositou na mão dela um botão feito de bolota de carvalho; então ela recuou o rosto até o lugar de origem, devagar, e disse de modo gentil que usaria aquele beijo em sua correntinha de pescoço. (BARRIE, 2011BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011., p. 34).

Fazendo a leitura desse diálogo na perspectiva do MCS, podemos afirmar que, para Peter, "beijo" era um resíduo de enunciação, pois ele não havia produzido significado nenhum para essa palavra, antes de Wendy lhe dar o dedal. Mas, depois que Wendy lhe entregou o dedal, Peter produziu um significado para beijo que, em nossa leitura, seria: "algo meu que eu posso dar a alguém". Portanto, beijo passou a existir como objeto para Peter, mas o significado que ele produziu para "beijo" foi completamente diferente daquele produzido por Wendy. Tanto que o beijo dele para Wendy foi um botão da sua camisa: "algo meu que eu posso dar a ela". Mas, para Wendy, beijo continuava tendo o mesmo significado que tem para nós, tanto que ela aproximou o rosto de Peter para recebê-lo. Portanto, para Wendy e Peter "beijo" eram objetos diferentes.

Essa passagem da história envolvendo o beijo e o dedal exemplifica o quanto estamos incessantemente constituindo objetos através dos significados que produzimos para eles numa determinada atividade.

Até aqui acreditamos que o leitor já tenha se apropriado do que estamos chamando de Mundo dos Adultos, de Terra do Nunca e de alguns elementos que caracterizam o MCS. No próximo item vamos mostrar várias falas de alunos sobre a escola e durante nossa leitura dessas falas estaremos fazendo uso desses elementos.

Uma leitura das falas de alunos sobre a escola

As falas que vamos apresentar aqui são de alunos dos anos finais do ensino fundamental de duas escolas mantidas pelo município de Bagé-RS, Brasil, obtidas por entrevistas semiestruturadas nos anos 2009 (Escola 1 - E1) e 2010 (Escola 2 - E2). Cada fala será seguida pelo pseudônimo escolhido pelo próprio aluno, pelo ano que frequentava e pela escola a que pertencia (E1 ou E2).

Quando questionados sobre como explicariam para alguém que não sabe nada sobre a escola o que é escola, um dos significados que alguns alunos produziram para o objeto escola foi "Lugar onde a gente estuda, aprende, tem aulas e recebe educação", como mostram as falas seguintes:

Ah... um lugar pra onde a gente vai aprender as coisas... faz a gente a ler, a escrever, essas coisas. (Bruno, 9° ano, E2).

Bah, eu... falaria que é onde eu aprendo... aonde... te dão educação, assim, além da... de casa. (Lídia, 9° ano, E2).

[...] escola é um lugar muito bom, que a gente vai pra aprender... e que... todos precisam saber o quê que é escola. Que esta cidade tá meia... é meia secundária, assim. (Yasmim, 9º ano, E2).

Outros alunos produziram para escola o significado de "Lugar onde a gente aprende coisas que vamos precisar no futuro, para conseguirmos um emprego bom, termos uma vida melhor, sermos alguém na vida":

Sei lá, que é... onde a gente aprende... as coisas, assim... pra poder ter um serviço bom. (Luca1 1 Luca é do sexo feminino. , 9° ano, E2).

Eu ia dizer que era bom pra ele estudar porque depois quando ele crescesse ele ia precisar dos estudos pra fazer curso... pra ele fazer curso pra poder trabalhar arrumando um serviço bom, não ficar limpando chão dos outros. (Ana Carolina, 9º ano, E2).

Que escola é um lugar onde ensina a gente... os estudos... pra gente ser uma pessoa melhor na vida. (Luiza, 9º ano, E2).

Mas responderia que eu estava ali estudando pro meu futuro, né? Porque sem a escola a gente não seria nada. Só diria isso. (Cinquenta2 2 Cinquenta é do sexo masculino. , 8º ano, E1).

Um grupo de alunos enfatizou também que, além de ser um local de aprendizado, "A escola é lugar de diversão, de convívio, de fazer amigos":

Ah, eu contaria que a escola... é um lugar onde tu... aprende várias coisas, tu... tem tempo de educação, tem várias coisas de conhecimento... tu conhece várias pessoas pra... arrumar amigos, se diverte bastante também. (Beyoncé, 9° ano, E2).

A escola é um lugar aonde a gente aprende a ler e a escrever e aprende outras várias coisas. [...] A... a ter amizade, a conviver com outras... com pessoas diferentes da gente, a respeitar os outros... (Marta, 9º ano, E1).

Como pode ser visto nas falas dos três grupos acima, os significados que os alunos produziram para o objeto escola são muito próximos daqueles que circulam, de modo geral, nas famílias, nas escolas, na sociedade e que já estão constituídos culturalmente.

Para eles a escola é um lugar de formação, onde eles têm aulas, aprendem diversos conhecimentos, recebem educação além da proporcionada pela família, aprendem a conviver e que possibilita que no futuro eles tenham uma vida melhor para, entre outras coisas, "[...] não ficar limpando chão dos outros", como nos disse a Ana Carolina (9º ano, E2).

Yasmim (9º ano, E2), quando fala que a cidade está meio secundária, coloca na escola também a esperança de transformação social, de que através da educação propiciada pela escola os habitantes possam se mobilizar para promover mudanças no município onde residem.

Em seu artigo de introdução ao livro A escola tem futuro?, no qual entrevista seis educadores brasileiros, Costa (2007COSTA, M. V. A escola rouba a cena! Um início de conversa. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina , 2007. p. 10-21.) nos conta que ao realizar sua tese de doutorado frequentou por três anos uma escola de periferia onde teve oportunidade de conversar com professores, alunos e moradores da vila que a circundava, "[...] para conhecer um pouco mais os ditos sobre ela", a escola. (COSTA, 2007COSTA, M. V. A escola rouba a cena! Um início de conversa. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina , 2007. p. 10-21., p. 13). Na conversa com os alunos ela percebeu que o sonho de ser alguém na vida ainda se encontra ligado à escola, como mostram as seguintes frases "[...] 'Estou na escola para ser alguém na vida'; 'O estudo é para o futuro!'; 'Nossos pais querem que a gente estude mais para alcançar uma posição melhor' [...]". (COSTA, 2007, p. 13).

No entanto, Arroyo (2007ARROYO, M. A escola é importantíssima na lógica do direito à educação básica. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 119-149.), um dos entrevistados de Costa (2007COSTA, M. V. A escola rouba a cena! Um início de conversa. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina , 2007. p. 10-21.), nos diz que este modo de ver a escola como um passaporte para uma vida melhor faz parte da cultura brasileira, muito mais do que de outras culturas.

A questão que vamos ter que colocar é como essa visão se construiu e por que se construiu de maneira tão forte entre nós. Construiu-se dessa forma porque somos uma sociedade muito excludente, em que se nega tudo aos setores populares; a única coisa que aparece como uma janelinha é a escola. Mas isso tem sido explorado pela ideologia - essa ideologia de que pela escola você vai a todo lugar, que a escola (ou a escolarização) é a chave que lhe abrirá as portas para um bom emprego, para melhores condições de vida. (ARROYO, 2007ARROYO, M. A escola é importantíssima na lógica do direito à educação básica. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 119-149., p. 122-123).

Este autor salienta que os pais, principalmente os que tiveram menos escolarização, acreditam ainda muito neste modo de pensar, mais do que os filhos; porém, alerta que esta visão está sendo, em parte, desconstruída, pois os que alcançaram algum tipo de escolarização e continuam desempregados já não colocam tanta esperança na escola, assim como o "[...] rapaz que vê seu irmão com o ensino médio completo continuar vendendo pipoca nos sinais, tampouco acredita nisso." (ARROYO, 2007ARROYO, M. A escola é importantíssima na lógica do direito à educação básica. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 119-149., p. 123).

Para Arroyo (2007ARROYO, M. A escola é importantíssima na lógica do direito à educação básica. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 119-149.), quem continua insistindo na crença da escola como mudança de vida é a mídia, as políticas públicas, as políticas educativas e a própria escola, que continua falando para os alunos que se eles não estudarem não serão nada na vida.

E estes significados produzidos no Mundo dos Adultos (pais, professores, gestores, políticos, governantes, pesquisadores, mídia) para escola - como formadora e mobilizadora de transformação social - foram produzidos também pelos alunos que entrevistamos. Eles falaram numa direção na qual teriam certeza que seriam ouvidos, que outras pessoas compartilhariam com eles aqueles modos de produção de significados para escola.

Silvino (2009SILVINO, F. C. S. Juventude e escola: Reflexões dos jovens em torno da relação professor/aluno. 2009. 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.) realizou um estudo sobre a relação juventude/escola, onde observou uma turma de 2º ano noturno do ensino médio de uma escola estadual de Belo Horizonte-MG, durante um semestre. As falas dos alunos dessa turma foram expressas em questionários e entrevistas e permitiram à pesquisadora perceber que, mesmo que os diplomas não garantam mais um emprego ao final dos estudos,

[...] esse imaginário que responsabiliza a escola pelo o único caminho possível para uma vida melhor ainda é forte, impregnando o discurso de alunos ao buscarem um sentido para irem até ela, como uma condição para alcançar um desejado patamar social. (SILVINO, 2009SILVINO, F. C. S. Juventude e escola: Reflexões dos jovens em torno da relação professor/aluno. 2009. 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009., p. 98).

Quando perguntamos aos alunos de nossa pesquisa como imaginariam que seria a vida se a escola não existisse, um grupo de alunos respondeu nessa direção apontada por Silvino (2009SILVINO, F. C. S. Juventude e escola: Reflexões dos jovens em torno da relação professor/aluno. 2009. 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.), da escola como garantia de emprego, de futuro, de ser alguém na vida:

Eu imagino que... deve ser... todo mundo, assim, sem... emprego fixo. (Dalessandro, 9º ano, E2).

Seria muito ruim, porque a gente não ia ser nada na vida. (Luiza, 9º ano, E2).

Ué... seria como... daí se eu não estudasse, o amanhã ia ser completamente diferente do que poderia ser. (Camila, 9º ano, E2).

Outro grupo respondeu em relação à ausência de conhecimentos:

Bah... O mundo ia... ser muito ignorante. (Lídia, 9º ano, E2).

Ah, todo mundo seria burro, não ia entender nada. (Luciano, 6º ano, E1).

Alguns responderam apenas que seria ruim ou chato ficar em casa o dia todo sem fazer nada, na mesma linha das respostas dos seguintes alunos:

Imagino, mas... devia ser... é... um pouco chato, né? Porque aí tu não fazeria [sic] nada... Tu viveria solto. (Cristiano Ronaldo, 9º ano, E1).

Ah, eu imagino que seria ruim ficar em casa todo dia, né... sem fazer nada. Seria ruim. (Ramires, 9º ano, E2).

Três alunos responderam simplesmente "Não". Que não imaginavam a vida sem escola.

Olhando para as falas dos alunos produzidas em resposta a essa questão de imaginar a vida sem escola, percebemos que dentre aqueles que conseguiram visualizar esta situação, alguns mencionaram o caráter formador da escola, como a única possibilidade de se ter acesso aos conhecimentos, outros enfatizaram questões relacionadas à escola como passaporte para um emprego ou para uma mudança de vida, mas outros mencionaram ou priorizaram que sem a escola não teriam nada para fazer, ficariam em casa o dia inteiro, o que seria "um pouco chato". Essas respostas, bem como outras que mostraremos a seguir, nos fizeram pensar que para boa parte dos alunos ficar sem a escola é muito mais ficar sem aquele local de encontro com os amigos, de conversas, de brincadeiras, do que ficar sem aquele local de aprendizagem de parte dos conhecimentos historicamente construídos.

Marco Aurélio (9º ano, E2), por exemplo, também disse que gosta de ir para a escola porque "[...] tem os amigos aqui, meus, né? Eu gosto de vir falar com eles e tudo. A gente planeja sair, assim, conversa tudo... e também aprender, assim, que é bom, né? A gente aprende umas coisas legal, até, na escola, né?[...]".

A primeira coisa que Marco Aurélio falou foi sobre estar com os amigos. Só depois de pensar um pouquinho que ele mencionou também a aprendizagem, mas de uma maneira não muito entusiasmada, se comparada com a forma com que ele falou dos amigos.

Quando perguntamos para Cinquenta (8º ano, E1) por que ele gostava de ir para a escola, ele respondeu: "Ah, os meus amigos, né... Ãh, gosto de vir pro colégio, gosto de algumas aulas, né, tem umas que não é muito boa, mas...". Assim como na resposta de Marco Aurélio (9º ano, E2), os amigos vieram em primeiro lugar.

Ronaldo (9º ano, E1) falou que gosta de ir para escola "[...] Porque sim... Eu... pra te dizer a verdade eu... a mãe faz eu vim na escola, mas eu gosto por causa dos colegas, coisa e tal, né." Então perguntamos a ele o que aconteceria se a mãe dele não o fizesse ir para escola e ele respondeu: "Não, eu vinha igual, mas... mas não... não digo que vim assim pra estudar, eu venho mais por causa dos colegas... com os amigos, conversar, recreio, coisa e tal, mas é assim."

Claudia (7º ano, E1) falou que na escola "[...] a gente faz muita bagunça [...], a gente copia, a gente conversa com a professora, a gente incomoda a professora, mas a gente faz exercícios também." A primeira coisa que ela se lembrou de um dia na escola foi a bagunça que eles fazem na sala de aula.

Miguel e Luca também colocaram as brincadeiras e os amigos em primeiro plano ao contarem como era um dia deles na escola:

[...] Brincadeira e... a gente conversa... aprende... só, né. (Miguel, 9º ano, E2).

Sei lá. Com os colegas, assim... com os professores, às vezes brincando, explicando. Falaria mais ou menos isso. (Luca, 9º ano, E2).

Olhando para essas falas, percebemos que dentre aqueles alunos que num primeiro momento, ao produzirem significados para a escola, não mencionaram o convívio, a diversão e a oportunidade de fazer amigos, em resposta a outros questionamentos sobre a escola, as falas da maioria deles mostraram que no dia a dia os conhecimentos ficam em segundo plano e a escola se mostra mais presente como um espaço de convívio.

De acordo com Arroyo (2009ARROYO, M. Imagens quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.), a sociabilidade é um dos traços mais fortes nos grupos infantis, adolescentes e juvenis e, por isso, a escola passou a ser mais um espaço de ocupação, de convívios e de sociabilidade.

A grande maioria dos alunos que entrevistamos falou que o que mais gosta na escola é a hora do recreio e/ou de conversar com os amigos. Alguns falaram que gostam de namorar, jogar pingue-pongue, jogar basquete e poucos mencionaram que gostam de estudar, de aprender ou de uma disciplina específica. Isto reforça a nossa leitura de que as falas da maioria destes alunos indicam que a escola se constitui, para eles, muito mais como um local de convívio do que como um local de aprendizagem.

Quando eles foram solicitados a produzir significados para escola, inicialmente eles falaram na direção do Mundo dos Adultos, de acordo com a lógica do Mundo dos Adultos, constituindo a escola como um local onde eles recebem educação, tem acesso a diversos conhecimentos, convivem com pessoas diferentes e que possibilita que no futuro eles tenham uma vida melhor. Portanto, quando os alunos tentaram explicar o que é escola para alguém que não sabe nada sobre a escola, eles constituíram um objeto. Mas, quando eles se colocaram dentro da escola - falando do que eles mais gostavam, de como era um dia na escola -, o convívio com os amigos, as brincadeiras e a diversão ocuparam um lugar muito mais relevante, para a maioria dos alunos, do que a aprendizagem dos conteúdos escolares. Isto é, quando eles falaram da escola, colocando-se como parte dela, eles falaram na lógica da Terra do Nunca e ela tomou outro significado - local de diversão, de conversas, de encontro com os amigos - tornando-se outro objeto.

Portanto, enquanto o professor está na escola cumprindo o que entende como seu papel para que os alunos tenham acesso àquele conjunto de conhecimentos, a maioria dos alunos está sentada nas cadeiras (ou não), quando muito, esperando o momento do sinal tocar para poder ir para o recreio conversar com os colegas. A lógica com que os professores entendem a aula e a escola é diferente da lógica com que a maioria dos alunos as vivenciam.

Arroyo (2009ARROYO, M. Imagens quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.) concorda com este modo de pensar:

As formas adolescentes e juvenis de sobreviver, de pensar e de comportar-se se chocam com nossas formas pedagógicas e docentes de pensar e de pensá-los. Formas a que não estamos acostumados, uma vez que os alunos parecem revelar que vêem o mundo, a escola e o conhecimento, a vida e seus mestres em outra lógica do que a nossa. (ARROYO, 2009ARROYO, M. Imagens quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2009., p. 36).

Em outras palavras, a maioria dos professores pensa e age de acordo com a lógica do Mundo dos Adultos e a maioria dos alunos pensa e age de acordo com a lógica das crianças ou da Terra do Nunca. Nesse desencontro de mundos, a sala de aula, muitas vezes, torna-se um lugar de imposição de uma lógica sobre a outra, causando desconfortos e insatisfações de ambos os lados.

Considerações finais

Diante do quadro apresentado o que propomos é que nas diversas salas de aula da educação básica predomine a tentativa de manutenção da interação e a possibilidade de entendermos de que lugar os alunos estão falando, que interlocutor estão constituindo e que significados estão produzindo.

Quando os alunos foram solicitados a produzir significados para escola, eles a constituíram como um local onde eles recebem educação, têm acesso a diversos conhecimentos, convivem com pessoas diferentes e que possibilita que no futuro eles tenham uma vida melhor - um objeto. Mas, quando eles falaram da escola, colocando-se como parte dela, ela tomou outro significado - local de diversão, de conversas, de encontro com os amigos - e, portanto, tornou-se outro objeto, diferente daquele que os professores constituem quando leem a escola.

Enquanto o professor está no mundo dele, tentando passar aos alunos aquele conjunto de conhecimentos historicamente construído, os alunos estão em outro lugar. O mundo deles é outro. E por ser outro, muito pouco daqueles conhecimentos cabe no mundo dos alunos.

Como efeito desse desencontro de mundos, temos o desinteresse dos alunos, a decepção do professor e muitas vezes uma guerra em sala de aula pela imposição de uma lógica sobre a outra.

O leitor pode se perguntar "Mas e daí? O que fazer?". Nossa resposta é que não temos como prescrever soluções porque entendemos que cada sala de aula, cada professor, cada aluno e cada escola têm suas particularidades e todas devem ser levadas em consideração num projeto de Educação. Nossa contribuição está em mostrar uma possibilidade de leitura que revela o que está acontecendo nas muitas salas de aula em que o professor parece estar diante de alunos de outro mundo.

Um projeto de Educação apoiado no MCS tem como pressuposto olhar para onde os alunos estão na intenção de conhecer as legitimidades que estão em jogo e os significados que eles estão produzindo.

Alguns alunos indicaram esse caminho quando formularam conselhos para um futuro professor, como nos mostra a fala de Cristiano Ronaldo (9º ano, E1):

[...] [o professor] tem que saber entender a turma e em certos momentos tem que saber entender cada aluno, né. Tipo, conhecer melhor o aluno. No momento que [...] o professor conhecer melhor o aluno... ele... com certeza ele vai ter... vai facilitar pra ele, né, passar a aprendizagem pro aluno, o conteúdo, a matéria. (Cristiano Ronaldo, 9º ano, E1).

Talvez saber onde eles estão também não facilite que eles aprendam mais e melhor. Podemos encontrar alunos que simplesmente não querem aprender, que não se interessem pelos conteúdos das disciplinas. Os estudos sobre diferença nos dizem que a diferença é um movimento sem lei, que a diferença simplesmente difere. (SILVA, 2002SILVA, T. T. Identidade e diferença: Impertinências. Educação & Sociedade, ano 13, n. 29, p. 65-66, ago. 2002.). Nesses casos, o melhor a fazer é seguir a sugestão de Oliveira (2011OLIVEIRA, V. C. A. Uma leitura sobre formação continuada de professores de matemática fundamentada em uma categoria da vida cotidiana. 2011. 207 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2011.):

Uma das dificuldades em lidar com a diferença quiçá resida no fato de ela ser experimental; não há como antecipar o que fazer com ela. Há apenas a possibilidade de se acumular experiência de leitura e a intenção de, nessas e em outras leituras, buscar compreender a produção dos significados dentro de um processo. (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, V. C. A. Uma leitura sobre formação continuada de professores de matemática fundamentada em uma categoria da vida cotidiana. 2011. 207 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2011., p. 27).

Mas para tal compreensão é preciso ouvir o outro: "É apenas na medida em que o outro fala é que a diferença devém. Por isso, para nós [que utilizamos o MCS], é tão cara a fala do outro; em especial, a fala do aluno." (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, V. C. A. Uma leitura sobre formação continuada de professores de matemática fundamentada em uma categoria da vida cotidiana. 2011. 207 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2011., p. 188, comentário nosso).

Mostrar as falas de alunos sobre a escola e uma perspectiva de leitura dessas falas foi a intenção deste trabalho. Outras leituras poderão ser feitas e outros significados poderão ser produzidos a partir dessas falas ou de outras pesquisas que também levem em consideração as falas dos alunos.

Referências

  • ANGELO, C. L. Uma leitura das falas de alunos do ensino fundamental sobre a aula de Matemática. 160 f. 2012. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012.
  • ARROYO, M. A escola é importantíssima na lógica do direito à educação básica. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 119-149.
  • ARROYO, M. Imagens quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
  • BARRIE, J. M. Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens. Porto Alegre: L&PM, 2011.
  • COSTA, M. V. A escola rouba a cena! Um início de conversa. In: COSTA, M. V. (Org.). A escola tem futuro? 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina , 2007. p. 10-21.
  • LINS, R. C. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 75-94. (Seminários & Debates).
  • LINS, R. C. Matemática, monstros, significados e educação matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (Org.). Educação Matemática: Pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 92-120.
  • LINS, R. C. A diferença como oportunidade para aprender. In: PERES, E. et al. (Org.). Processos de ensinar e aprender: Sujeitos, currículos e cultura: livro 3. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 530-550.
  • LINS, R. C. O Modelo dos Campos Semânticos: Estabelecimentos e notas de teorizações. In: ANGELO, C. L. et al. (Org.). Modelo dos Campos Semânticos e Educação Matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012. p. 11-30.
  • LINS, R. C.; GIMENEZ, J. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997. (Perspectivas em Educação Matemática).
  • OLIVEIRA, V. C. A. Uma leitura sobre formação continuada de professores de matemática fundamentada em uma categoria da vida cotidiana. 2011. 207 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2011.
  • SILVA, T. T. Identidade e diferença: Impertinências. Educação & Sociedade, ano 13, n. 29, p. 65-66, ago. 2002.
  • SILVINO, F. C. S. Juventude e escola: Reflexões dos jovens em torno da relação professor/aluno. 2009. 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
  • 1
    Luca é do sexo feminino.
  • 2
    Cinquenta é do sexo masculino.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2015
  • Aceito
    29 Jun 2016
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