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A Linguagem e o Nascimento do Outro: contribuições para a formação do professor

Language and the Birth of the Other: contributions to teacher education

RESUMO

Este artigo visa explicitar como a linguagem constitui o ser humano, a percepção de si e do outro, contribuindo para a atribuição de significados educativos resultantes das experiências sociais. Estabelecer trocas sociais relaciona-se com a percepção positiva do sujeito e com a superação das crenças de incapacidade, relacionadas à deficiência física, sensorial e intelectual, disseminadas no estado de natureza. A posse da linguagem pode contribuir para formação da autonomia, da cidadania e da participação social da pessoa com deficiência, tornando-se o fundamento das tecnologias, para promover o rompimento de todas as outras barreiras sociais. Neste artigo, são analisadas as relações entre a Educação Dialógica e o processo de formação da alteridade, buscando contribuir para os fundamentos da pedagogia inclusiva e a conquista da autonomia dos sujeitos com ou sem deficiência. Toma-se como pressuposto que o outro não se constitui como um ato de vontade individual, mas como fruto da posse da linguagem e das construções dialógicas de que participa. Considerando a concepção de Bakhtin, os sujeitos constituem-se a partir das trocas sociais, valendo-se das mediações e dos signos adequados, que propiciam a percepção de si e do outro, a percepção das capacidades, a constituição da subjetividade e da singularidade.

Palavras-chave:
Educação Inclusiva; Alteridade; Singularidade; Dialogicidade e Linguagem.

ABSTRACT

This article aims to explain how language constitutes the human being, the perception of self and the other, contributing to the attribution of educational meanings resulting from social experiences. Establishing social exchanges is related to the positive perception of the subject and overcoming the beliefs of disability, related to physical, sensory and intellectual disability, disseminated in the state of nature. The possession of language can contribute to the formation of autonomy, citizenship and social participation of people with disabilities, becoming the foundation of technologies, to promote the breaking of all other social barriers. In this article, the relationship between dialogic learning and the otherness constitution process is discussed, intending theoretical contributions to the inclusive education paradigm. The assumption is that the other one is not an individual act of will, but is the product of the possession of language and the dialogic constructions in which he participates. Considering Bakhtin’s conception, human beings are made by social exchanges, using the appropriate signs that produce the perception of self and others, the perception of one’s capacities, the constitution of subjectivity and singularity.

Keywords:
Inclusive Education; Otherness and Singularity; Dialog and Language.

Introdução

Este artigo discute a relação entre uma concepção de dialogicidade, centrada na diferença, e a tomada de consciência da alteridade, relacionada à pessoa com deficiência e todas as pessoas excluídas dos fluxos comunicativos convencionais. Parte-se do pressuposto de que a comunicação pode implicar a formação da consciência da alteridade, conferindo empoderamento, participação social e respeito às diferenças. Na Educação Tradicional, professor e aluno ocupavam lugares opostos, hierarquizados e verticais. A escola, como espaço público, era concebida para submeter os indivíduos às regras sociais. A familiaridade, as trocas afetivas, as fantasias, haviam de dar lugar à racionalidade. Na Modernidade, a racionalidade foi instrumento de estabilidade e de conformação da sociedade. Nas palavras de Libâneo (2005LIBÂNEO, J. C. As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo debate contemporâneo na educação. In: LIBÂNEO, J. C.; SANTOS, A. (Org.). Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. Campinas - SP: Editora Alínea, 2005.), as Teorias pedagógicas modernas são relacionadas à ideia de natureza humana universal, de autonomia do sujeito, educabilidade humana universal, emancipação humana pela razão de libertação da ignorância e do obscurantismo pelo saber. Na pedagogia moderna, valoriza-se o poder da razão no processo formativo, capacidade do humano de gerir seu próprio destino, autodomínio e de se comprometer com o destino da história em função de ideais (LIBÂNEO, 2005LIBÂNEO, J. C. As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo debate contemporâneo na educação. In: LIBÂNEO, J. C.; SANTOS, A. (Org.). Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. Campinas - SP: Editora Alínea, 2005.).

A criança, a condição de filho ou filha, era reduzida ao lugar estrito de aluno. Para Durkheim (2012DURKHEIM, É. A educação moral. 2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes , 2012. ), a criança reproduz um traço das sociedades primitivas. Tal como os selvagens, elas seriam contidas em suas paixões por meio da educação escolar. Haveria uma dicotomia e polarização entre o mundo selvagem das crianças e o mundo civilizado dos adultos (Durkheim, 2012DURKHEIM, É. A educação moral. 2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes , 2012. ). Ao professor caberia transmitir-lhes o conhecimento acumulado pelas gerações anteriores, conferindo-lhes obediência, disciplina e ajustamento. Aos alunos caberia a repetição nas avaliações. Suas tendências seriam vigiadas, medidas, avaliadas, instigadas e fortalecidas aos moldes do adulto civilizado.

A homogeneização era a precondição para conferir-lhes estabilidade ao trabalho de ensinar. A moral coletiva determinaria a almejada “solidariedade orgânica”, preconizada por Émile Durkheim (2011DURKHEIM, É. Educação e sociologia. Trad. Stephania Matousek. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.), em Educação e Sociologia. Durkheim (2011) entende que nem todos os homens são feitos para refletir; será preciso que sempre haja homens de sensibilidade e homens de ação. Os homens não podem dedicar, todos, ao mesmo gênero da vida; existem diferentes funções a preencher. É preciso construir uma harmonia para o trabalho. A educação é um fenômeno social que consiste em socializar os indivíduos. Educar uma criança é prepará-la para participar de comunidades, ajustar-se às regras e aderir aos consensos. Tal como acontece com os povos, as crianças se sentem bem quando são bem governadas, isto é, quando cada qual ocupa seu “lugar” (DURKHEIM, 2012DURKHEIM, É. A educação moral. 2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes , 2012. ).

As verdades centradas no professor resultavam na anulação dos saberes e das diferenças do outro. A dialogicidade era cerceada, pois o outro não teria história para partilhar. O conhecimento era tomado como universal, objetivo e imutável. Não havia lugar para o pensamento crítico, nem decisão, nem conflito de ideias nem de valores, mas tão-somente homogeneização e anulação da alteridade. Os homens só agem e se educam segundo as necessidades da sociedade (DURKHEIM, 2012DURKHEIM, É. A educação moral. 2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes , 2012. ). Desejando adaptar-se à sociedade, o indivíduo melhoraria a si mesmo.

Este artigo pode contribuir com os fundamentos da Educação Inclusiva e a ética da diversidade, tomando elementos de outras ciências. Da Antropologia, toma-se a tese segundo a qual a conquista da linguagem pelos homens confere-lhes o poder de ultrapassar a dimensão do sensível, alcançando cada vez mais o simbólico, as abstrações, o planejamento e o acolhimento. Com a linguagem, o homem obtém o mínimo de estabilidade psíquico-emocional para superar o estado de natureza e estabelecer acordos, em favor do benefício de si e do grupo. Com a linguagem, a deficiência é deslocada do corpo individual para o corpo social. A pessoa é erigida à condição de semelhante ao outro membro do grupo.

Na Psicologia, localizam-se os elementos fundantes do Eu e do Outro, desde a relação mãe x bebê até a formação dos sentimentos de “eu posso”, de culpa, de pertencimento, de empatia e toda a estrutura psíquico-emocional. O ser humano constitui-se, toma consciência de si e do outro, por meio da linguagem, das idealizações e simbolizações do outro. Forjados com a posse dos signos linguísticos, movidos pelos afetos, resultantes das relações com o outro, o ser humano desenvolve estabilidade, permanência e percepção de sua identidade, o que é e o que pode tornar-se.

Da Pedagogia, toma-se a tese segundo a qual a Educação Inclusiva é compreendida como o campo de manifestação das vozes e o exercício da autonomia de cada sujeito. Cada enunciado manifesto confere empoderamento, dignidade, aprendizado e pertencimento social.

Da Política, toma-se o princípio da Educação para Todos como um direito à diferença, direito à equidade, direito às condições adequadas para acesso aos currículos. A manifestação de suas vozes são mais do que palavras. São narrativas de empoderamento, de identidade. São versões da história que produzem. Suas vozes são o texto e o contexto em que se situam. Suas vozes revelam o presente, suas memórias, o que são e o que lhes falta: os obstáculos a romper e os objetivos a alcançar. Quando os sujeitos se apossam do direito à comunicação, adentram no fluxo de poder e de cidadania, que altera sua forma original e todas as relações sociais. A deficiência é revestida de possibilidades, em vez de incapacidade.

A teoria do conhecimento é deslocada da universalidade científica para os contextos nos quais se localizam e em que os sujeitos o ressignificam e fazem-se a si mesmos. Na ética da convivência inclusiva, a alteridade, as diferenças, a flexibilidade, as disputas, o contraditório e as percepções subjetivas são asseguradas e respeitadas.

Tem-se como pressuposto que o nascimento do outro localiza-se na constituição da singularidade, não como um corpo faltante, silenciado e disfuncional, tal como ocorria na perspectiva mística de criança, bem como no modelo médico-clínico da Educação Especial e na concepção de incapacidade associada à pessoa com deficiência. Tomada como sujeito singular, cada pessoa poderá participar dos fluxos de energia, conquistar sua emancipação, fazer suas escolhas, exercer sua liberdade de existir e de estabelecer as trocas sociais. Tomado como sujeito, o outro modifica-se e modifica o contexto em que se situa.

O conhecimento e a coisificação das pessoas: negação da alteridade

A Educação Tradicional fundava-se numa ficção de comunicação. Acreditava-se no “ouvinte entendedor”, supondo a transferência do fluxo discursivo do professor para a compreensão do estudante. Os sujeitos eram ficcionados, logo, desconstituídos em suas diferenças e suas possibilidades criativas e responsivas.

Os padrões e a uniformidade são buscados nos produtos industrializados, produzidos em série, nas máquinas. Ali, é possível enxergar o espelho, a réplica, a homogeneidade e a perfeição aparentes. No ser humano, não há homogeneidade nem espelho, mas a beleza do seu fluxo e do seu olhar sobre nós. No conhecimento e no ser humano, vamos buscar o contrassenso, a ambiguidade, não a linearidade, não o espelho do que somos, porque também alternamos a tomada de consciência sobre nós e sobre o outro, conforme o lugar que ocupamos. Nosso poder singular é díspare. Não há correspondência entre nossas capacidades éticas de nos avaliarmos e a estética de nos contemplarmos. No paradigma científico, fomos interpretados como coisas: como perfeitos ou como imperfeitos, produtivos ou como improdutivos. A classificação dos sujeitos apresentava-se como uma necessidade histórica, isto é, conferia estabilidade às relações de poder. A exclusão da pessoa com deficiência, da mulher, do negro, das pessoas idosas e de orientação sexual não hétero era naturalizada. Havia violência, segregação e rotulação, mas as pessoas eram invisibilizadas, logo, suas dores não deviam ser sentidas nem protestadas. Suas vozes deveriam permanecer caladas. Não eram aceitos seus discursos. Suas críticas à injustiça e à ausência de acessibilidade comunicativa produziriam confrontos e desconfortos contrários à ordem de poder vigente.

A crítica à Educação homogeneizadora é compreendida quando resgatamos, na história do conhecimento, a concepção de homem, de pessoa com deficiência e da realidade social, vinculadas às ciências naturais e aos modelos teológicos. A condição biológica, o gênero, o tempo de vida, os atributos étnicos, raciais e a orientação sexual predeterminavam a exclusão social e a anulação das vozes das pessoas, impedindo-as de perceber a agrura de suas vidas, os obstáculos que ofuscavam a visão de si e do mundo. Se, no modelo teológico, o homem era tomado como efeito da vontade divina, no paradigma da racionalidade científica, o pensamento axiomático, calcado na lógica matemática, chegava a abolir as diferenças entre pessoas e coisas. A pessoa é tornada coisa quando é enquadrada em padrões de produtividade, comparada, rotulada, tomada como desviante e desconsiderada em seu poder de comunicação e de participação. Na Educação, a pessoa é reificada, tal como o é nos espaços políticos, no ordenamento normativista. Tal como coisa, a pessoa com deficiência é silenciada para garantir a ditadura da oratória do falante, o professor, o governante. A “ordem” de transmissão do conhecimento precisa ocultar a posse da língua, as manifestações comunicativas dos autistas, dos surdos, das pessoas com deficiência neuromotora. O ensino é revestido de impessoalidade e de formalismo, equivalendo a um processo de coisificação do humano.

Essa abordagem positivista na Educação revela a negação da alteridade, a negação das diferenças, logo, a negação de nós mesmos. Há ainda a questão de se saber quais as razões ideológicas que ficcionam as homogeneidades e ocultam as ambiguidades e, principalmente, as capacidades de interação, de pensamento e de comunicação de cada sujeito. Restam os fragmentos de explicação, reduções do complexo a momentos de ajustamento e de inclusão. Observamos as adaptações dos currículos, não para formar singularidades, mas para equiparar desempenhos e enunciados.

Observamos um determinismo que simplifica as complexas linguagens que formam o humano, reduzindo a fragmentos sensoriais. Estimula-se a classificação de cores e objetos, em detrimento da criação artística e das trocas e da posse das construções simbólicas sobre o real. A pessoa é cindida em fragmentos, como o corporal, o sensorial, apoiando-se numa concepção que desconsidera as possibilidades de abstração, produção do pensamento e participação social. A pessoa é forjada numa imagem idealizada, não para tornar-se sujeito histórico, mas para ser equiparada, anulada e silenciada.

O imaginário da pessoa com deficiência é forjado em representações retiradas do senso comum, desde o misticismo religioso, o primitivismo naturalista, até o positivismo racionalista.

De acordo com Kosik (1976KOSIK, K. Dialética do concreto. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1976.), a falsa compreensão da realidade manifesta-se no método do princípio abstrato, que despreza a riqueza do real, isto é, sua contraditoriedade e sua multiplicidade de significados, considerando apenas aqueles fatos que estão de acordo com o princípio abstrato. O conhecimento, quando busca a universalidade, procura respostas definitivas e sistemáticas sobre o real. Nessa perspectiva, a subjetividade é negada, a diferença precisa ser oculta. A verdade, na qualidade de ideia, é pura expressão traduzindo a essência do real. O conhecimento se concretiza com base em uma lógica no interior de um sistema explicativo. O conhecimento pode ser ensinado, independentemente de quem sejam os sujeitos aprendentes. A verdade pode ser transmitida. Aquilo que se transmite no conhecimento é da ordem da informação, mas a construção do conhecimento se dá pelas vias da linguagem, não por comunicação de conteúdos, mas por expressão, elaboração, troca, confrontação e manifestação da singularidade. A língua, tal como a arte, não apenas forja o humano, mas cria e revela o real, distinto do conhecimento empírico do real.

O paradigma do conhecimento e a formação docente

Na concepção dialógica do conhecimento, a voz dos sujeitos nasce de sua condição biológica. A percepção de si não resulta de um ato de vontade individual. Nenhuma voz fala sozinha. Nossa palavra vale-se da palavra do outro para enunciar ou calar o discurso. Nas interações entre os sujeitos, são ressignificadas múltiplas vozes, signos e experiências sociais, vozes que remetem a visões de mundo, saberes e conhecimentos. O ser humano constitui-se por meio de relações dialógicas, nascidas das interações e trocas sociais.

Na Educação Escolar homogeneizadora, porém, a crença na verdade objetiva exerce a hegemonia na prática pedagógica, separando-se dos sujeitos, impedindo a formação do pensamento crítico e da singularidade. Pauta-se não no outro, mas na semelhança do adulto e na idealidade do ser humano. Não importa o tempo, a linguagem, a crítica e a decisão do outro. Sob o conhecimento objetivo, instaura-se o dualismo entre bem e mal, entre esfera do sensível e do inteligível.

O paradigma do conhecimento objetivo opõe-se à constituição da subjetividade e à prática da contextualização. O discurso da homogeneização, da seletividade e do controle exerce a hegemonia, erguendo barreiras à manifestação das diferenças e da singularidade de cada sujeito. As trocas simbólicas, a metacognição, a intertextualidade são secundarizadas. Cada sujeito é convertido em um bloco homogêneo de estudantes ideais, destituídos de historicidade, dos benefícios da problematização, da manifestação do pensamento e das diferenças. A deficiência converte-se em falta, em perda, em incapacidade. A aparência não familiar tributa um risco, um perigo, uma afronta ao poder estabelecido. Trata-se do estranho, diante do qual negamos nossos próprios limites.

A não compreensão da dialogicidade como constituinte dos sujeitos, relacionada à formação docente, implica a não tomada de consciência das próprias capacidades, ideias e valores, nem as dos outros sujeitos. Docente e estudante se percebem ocupando um lugar fixo, exercendo uma função imutável: ensinar e reproduzir o que é ensinado. Não aprendem o que são nem o que não são. Não aprendem a perceber o outro como ente de direitos, de afetos e dotados de potência de agir.

Assim, desconstituídos das possibilidades de singularidade, a concepção dialógica não ocupa a centralidade do trabalho pedagógico. O conhecimento é revestido de objetividade, neutralidade e universalidade. Os objetivos e os procedimentos são planejados face à necessidade de controle. Os sujeitos não são percebidos nem identificados como seres capazes, porque, socialmente, o poder é exercido por aqueles que ocupam a centralidade, a superioridade. Importa que os enunciados epistemológicos retratem o real, não as percepções subjetivas. A busca da verdade subordina e escraviza os sujeitos. O docente é desconstituído do pensamento crítico para distinguir o fundamental do assessório e para perceber o sujeito que aprende.

Mas as vozes que presidem o currículo estão subordinadas à dimensão política, uma vez que não há neutralidade na direção do trabalho pedagógico. A homogeneização do outro é apenas um instrumento de preenchimento das suas carências.

Na perspectiva homogeneizadora, o conhecimento é fixo, estável, hegemônico e superior em relação ao outro e ao contexto. O outro, por sua vez, é percebido como incompleto, incapaz, limitado, uma “Tábula Rasa”, que deverá ocupar-se de absorver o conhecimento, sem reflexão, sem crítica, sem decisão.

A relação entre professor e aluno é indutora de exclusão, de silenciamento e desconstituinte da historicidade do sujeito. Os objetivos escolares são instrumentos de unificação das ações, mas resultam na seletividade e no sentimento de incapacidade daqueles que não comunicam os saberes, tal como lhes é esperado. Erguem-se barreiras aos fluxos comunicativos, à produção dialógica, em favor da objetividade do conhecimento. Desprovido da mediação perceptiva do professor sobre as capacidades singulares, o sujeito não se sente empoderado para a manifestação do pensamento crítico, para a dialogicidade e para o reconhecimento do outro. Estabelece-se o controle para inibir a produção da dialogicidade e o fluxo das percepções. Assim, o sujeito não é autorizado a assenhorar-se dos discursos, da crítica, da localização no lugar ou do contexto próximo e distante, da tomada de decisão e da reelaboração do conhecimento. Diante do conhecimento objetivo, convertido em voz unívoca, monolítica, fechada para a percepção do outro, são selecionados aqueles que alcançam os objetivos, localizados nos resultados, como produto da aprendizagem. Mas o pensamento do pensamento, a metacognição, os erros hipotéticos e o processo são desconsiderados.

O sujeito terá um único espaço de registro: a avaliação. Não se trata do exercício da liberdade de discutir controvérsias, mas há exigência diante da repetição de verdades transmitidas. Não há escolha nem alteridade. Há apenas mesmidade.

A relação entre professor e aluno é desigual, autoritária e hierárquica. Sem a perspectiva da dialogicidade discursiva, há o apagamento da singularidade, da subjetividade e das diferenças do outro, resultando a formação de seres apenas competitivos, discriminatórios e intolerantes com o que não for espelho de suas crenças e verdades. A homogeneidade dos estudantes localiza-se apenas na abstração do professor. A fronteira que o separa do outro poderá ser rompida com a superação das verdades e das convicções consideradas imutáveis. Diante de verdades universais, o sujeito local é apagado, em prejuízo da autopercepção, da manifestação de suas capacidades intelectuais, sociais e pessoais. Nessa perspectiva, a ação de educar forjava uma ficção, porque tomava o processo de aprender como linear e homogêneo.

Mas educar produz confrontos entre sujeitos únicos, inéditos, resultando situações de trocas idiossincráticas. A educação é erguida pelos diálogos, pelas representações, possibilidades de ação e capacidades nascidas dessa relação. A educação constitui os diálogos, as interações entre os sujeitos que participam do processo educativo. As trocas comunicativas resultam, em cada sujeito singular, a percepção de si e do outro. A cada conquista, o sujeito assenhora-se da produção histórica, tomando para si o que a sociedade lhe herdou. O professor, além de organizar as etapas de aquisição do conhecimento, elabora um fluxo comunicativo que simbolizará as capacidades alcançadas pelo estudante. A educação é dialética, porque não se trata de um monólogo proferido pelo professor. Trata-se de relação, na qual um sujeito constitui o outro, é modificado pelo outro.

A aceitação e a emancipação do outro não ocorrem naturalmente. O outro, o sujeito com deficiência, é situado na invisibilidade, no lugar da indiferença, a não alteridade. Todo e qualquer signo linguístico é arbitrário. Assim, são propagados modelos e estereótipos para justificar as dificuldades de participação, o silenciamento, a “incapacidade” de certos alunos e o bom desempenho de outros. Esses “saberes ora ocultos, ora explícitos são atributos sociais que passarão a justificar a percepção de capacidade ou de incapacidade, o vitimalismo ou o empoderamento, a naturalização da dependência ou a defesa do direito à comunicação, à acessibilidade e à participação nas trocas sociais e nas tomadas de decisão. O professor é aquele que conhece, não apenas o que ensina, mas é capaz de identificar as formas mais desenvolvidas do conhecimento, suas origens históricas, as tendências de transformação, bem como os canais de manifestação e de enunciação discursiva de cada sujeito singular (SAVIANI, 2011SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. ).

A percepção de si e do outro, a alteridade, nasce da participação nas relações dialógicas, não unívocas nem fundadas na lógica dualista. Os diálogos não são apenas afirmações de concordância nem de unicidade nem de harmonia nem dos consensos aparentes, que ofuscam as vozes discordantes, as condições desiguais, as necessidades comunicativas que ocultam determinados sujeitos. Ao contrário, oportunizar a dialogicidade significa produzir em cada sujeito a tomada de consciência das vozes que lhe precedem e contra as quais se antagoniza. Assim, diálogo implica a posse de si mesmo, logo, um jogo de convergências e divergências. Na dialogicidade, as crenças sociais e políticas são retratadas nos enunciados.

Educacão plural: reflexão e percepção

A percepção da individualidade e do mundo social é dialógica. A tríade de questões: como o educador percebe o educando; como o educando percebe a si mesmo; como as outras pessoas de suas relações o percebem estabelece conflitos e contribuem para a formação do autoconceito, do sentimento de confiança, de capacidade e o protagonismo na defesa dos seus direitos pelo exercício da autonomia do pensamento e a participação nas trocas sociais. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 247). [...] Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 348).

Assim, a dialogicidade produz uma nova relação pedagógica, menos centrada no caráter unilateral da verdade objetiva, interpretada pelo professor, mais centrada na reflexão dos sujeitos, mais problematizadora dos sentidos, das origens, dos contextos, gerando mais conflitos, hipóteses, localizações, valorações, criticidade, constituindo as diferenças e a tomada de consciência da subjetividade. A dialogicidade produz relações de horizontalidade, marcadas por trocas e disputas, cooperações e filiações, assertivas e revisões, possibilitando a percepção das singularidades e a metacognição. As interações dialógicas modificam e constituem os sujeitos.

O conhecimento subjetivo não resulta do caráter mimético da transmissão, mas é ressignificado nos conflitos discursivos, na pluralidade e nas diversidades empoderadas, reconhecidas pelas narrativas e sentidos que produzem. A complexidade do conhecimento é convertida em subjetividade, alteridade e singularidade, por meio das trocas e disputas discursivas.

Tudo o que vale para mim vale para o outro. [...] Não se trata aqui, de modo algum, de relações unilaterais com um objeto-Em-si, mas sim de relações recíprocas e moventes. O conflito é o sentido originário do ser-para-outro. (SARTRE, 2005SARTRE, J. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Traduzido por: Paulo Perdigão. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. , p. 453).

A tomada de consciência de cada sujeito guarda relação com a percepção do outro. O outro localiza-se na experiência, nas interações sociais, nas simbolizações, nas expectativas, nos sentimentos de gozo, de culpa, no temor, na vaidade, no orgulho e em outras vozes da cultura que inundam nossa constituição psíquica. Assim, o conhecimento de cada sujeito significa a reelaboração do outro em si, a síntese contemporânea das afetações pelo outro.

O outro me olha e, como tal, detém o segredo de meu ser e sabe o que sou; assim, o sentido profundo de meu ser acha-se fora de mim, aprisionado em uma ausência; o outro leva vantagem sobre mim [...] Sou experiência do outro: eis o fato originário. (SARTRE, 2005SARTRE, J. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Traduzido por: Paulo Perdigão. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. , p. 453).

O sentido do “ser professor” encontra-se na confluência do outro, na tensão entre o conhecimento interpretado, enunciado discursivamente e a resposta que o sucede, o replica, o contesta, produzida pelos sujeitos. Essa tensão o afirma e o nega simultaneamente como sujeito. O professor afirma-se, fundado no discurso que professa, mas a pluralidade das vozes dos estudantes simboliza a dimensão inédita do outro: o outro replica com a compreensão, a dúvida, o saber prévio, as mediações, as hipóteses, a metacognição, as diferentes linguagens.

O distanciamento do professor em relação ao outro representa a necessidade de manter o lugar de dominação, pois autorizar o nascimento do outro poderá significar perda da univocidade, do poder unilateral e do controle. Já a dialogicidade permite a cada sujeito a posse dos signos e dos instrumentos, para reelaborar os discursos que retratem seu conhecimento, a percepção de si mesmos, suas decisões e participar das trocas sociais.

Na dialogicidade, a verdade unilateral e dogmática dá lugar à polifonia, à polissemia e à pluralidade dos sujeitos. A linearidade do ensino dá lugar à problematização, à manifestação de hipóteses, à investigação das relações entre texto e contexto e à crítica e análise da historicidade do conhecimento. A objetividade do conhecimento poderá ser debatida e permitir a apropriação subjetiva, isto é, confrontar os diferentes e antagônicos pontos de vista. Na dialogicidade, a transmissão passa a contemplar a pedagogia das perguntas e a escuta como reconhecimento da diversidade dos sujeitos. Na dialogicidade, os alunos são perpassados por múltiplas vozes, saberes gerados na experiência, memórias de narrativas, emoções advindas de afetos, encontros, alegrias atribuídas à singularidade presente, desejos resultantes da falta e das idealizações. Suas vozes resgatam o passado, as projeções futuras e os presentificam tacitamente. São sujeitos historicamente situados, isto é, suas percepções e narrativas expressam os medos, as culpas, a confiança, as possibilidades e os limites do seu tempo e do seu lugar.

As capacidades de cada sujeito são as capacidades produzidas socialmente no mundo da cultura. Reconhecer a voz e o poder do outro como sujeito discursivo, sujeito singular, implica não silenciar sua voz, nem o tomar como estranho, nem como inferior, nem como incapaz de aprender. O conceito “Professor”, aquele que detêm o saber, e o conceito “Aluno”, aquele que almeja o saber, não são fixos, estáveis, homogêneos. O caráter impreciso da linguagem nos permite dizer que tanto o aluno quanto o professor são sujeitos, são diversos, são plurais, são produtores de discursos inconclusos e são flexíveis para modificar-se e modificar o real, antevendo necessidades e possibilidades do outro.

Nas práticas dialógicas, nas trocas de saberes, nas controvérsias e nas tomadas de decisões, os sujeitos se constituem reciprocamente e aprendem a se perceber como seres distintos.

As relações professor-aluno, quando se entrelaçam pelos signos da dialogicidade, os sujeitos dessa relação modificam a percepção de si, do mundo e do outro. Os sujeitos produzem os conflitos não como morte nem como perda do poder, mas como emancipação do outro. Sem a formação na perspectiva dialógica, o sujeito não se percebe como pertencente da coletividade e das demandas mais complexas. Ao contrário, todos os conflitos e problemas da sociedade são produtos de nossas ações e omissões, de nossas participações, trocas e ausências.

“Não há educação sem o outro”. A dialogicidade contempla a complexidade do real, a pluralidade das singularidades, as relações entre parte e todo, entre texto e contexto, a autoria, a provisoriedade do conhecimento, a autopercepção, resultando na consciência do pertencimento, na consciência planetária, diante do que temos, o que somos e o que queremos nos tornar.

Com a perspectiva dialógica, todo sujeito pode aprender o que lhe for conferido, isto é: o poder de participar. A dialogicidade estabelece a manifestação das capacidades, permitindo as trocas sociais e simbólicas. A escuta da palavra e da linguagem do outro permitirá a tomada de consciência do "eu" e das diferenças em relação ao "outro". Nesse sentido, a fala do professor, como réplica e como atribuição de valor à produção do estudante, fará nascer um novo sujeito, aquele que se manifesta e obtém a percepção do professor. Dar a voz ao estudante cumpre a função metacognitiva de se ascender, do real para o abstrato, o pensamento de cada sujeito. O que estava desarticulado converte-se em hipótese de investigação. Assim, o professor deixa de ser um gabarito para tornar-se um organizador do conhecimento e dos conflitos discursivos, em virtude do nascimento do outro.

A experiência empírica de cada sujeito ascende à condição de conhecimento prévio. A mediação do professor passa a ser adequada às possibilidades de cada estudante. Cada capacidade demonstrada é tomada pelo professor e convertida em potencial para apropriação do novo conhecimento.

A Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas com a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes , 1998., p. 112).

O outro não é concebido como objeto, mas como subjetividade, a ser mediada para tomada de consciência do que já sabe e para compreensão do que necessita aprender. O outro não é um instrumento a ser homogeneizado e desconstituído em sua identidade, em sua subjetividade e em sua historicidade. Ninguém poderá ser domesticado intelectualmente. O exercício da liberdade supõe a expressão do pensamento, a argumentação, a participação, não apenas no produto do conhecimento, mas no processo de sua reelaboração. O sujeito, concebido como outro, será mobilizado para argumentar, posicionar-se, perceber sua singularidade. Consciente de ser historicamente situado, o outro relata as implicações projetadas sobre si nas expectativas e utopias, produzidas no contexto social a que pertence.

Mais do que falar em uma educação do outro, importaria falar, então, em educação pelo outro, e sua chave é o acontecimento. [...] Educação pelo outro, uma vez que se a educação é uma mudança de estado, se o aprendizado é a passagem do não-saber ao saber, este movimento é feito pela mediação do outro, seja este outro uma singularidade (um professor ou um amigo, por exemplo), ou uma coisa qualquer (um livro, um filme, uma ideia capturada ao léu...). O momento da passagem do não-saber ao saber é um acontecimento, um momento infinitesimal que dura uma eternidade. [...] Educar significa lançar convites aos outros; mas o que cada um fará - e se fará - com estes convites, foge ao controle daquele que educa. (GALLO, 2008GALLO, S. Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. In: CONGRESSO INTERNACIONAL COTIDIANO: DIÁLOGO SOBRE DIÁLOGOS, 2., Rio de Janeiro, 2008. Anais ... Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2008. , p. 15).

Portanto, educar significa desprender-se da necessidade do controle. Quem educa não esperará um espelho, mas o outro em formação, o inédito que emprestará parte do que somos. As dialogicidades são antecipações sociais das trilhas subjetivas de cada sujeito. Na dialogicidade, somos capazes de tomar posse do lugar onde estamos e daquele aonde queremos chegar. Assim, modificamos nossa trajetória, tornando-nos filósofos de nós mesmos e referência para autopoiesis do outro.

Conclusão

A linguagem que dá origem às concepções do Professor e do Outro é imprecisa, instável, indeterminada. Trata-se de um princípio de diferenciação, arraigado em um sistema de representação, que desvela relações de poder, visões políticas, delimitando fronteiras e territórios, fixando quem são os porta-vozes dos grupos sociais.

Os conceitos “Professor’’ e “Aluno” não são essências ou entes imutáveis, estáveis, permanentes, homogêneos, mas se constituem nas relações enunciativas discursivas. O professor e o aluno são sujeitos inéditos em formação. Cada subjetividade utiliza-se dos seus instrumentos, seus signos e símbolos, seu tempo e seu lugar afetivo. O sujeito torna-se singular para aprender, para perceber a si mesmo e o outro. A posse da língua e as trocas simbólicas oportunizam a formação da identidade e da alteridade.

Quando a singularidade do outro é percebida, rompe-se o método da equiparação, da homogeneização, como fundamento da relação pedagógica. Ao valorizar a singularidade do outro, as diferenças e as capacidade são percebidas e elevadas ao plano da consciência, favorecendo a organização do grupo social. A manifestação do pensamento crítico passa a ser indício de identidade e de pertencimento, mobilizando cada pessoa a tomar parte dos diálogos e conflitos discursivos que lhes permitem apropriar-se do conhecimento. Como diz Paulo Freire (1989FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, 1989., p. 11) “A leitura de mundo precede a leitura da palavra”, mas os diálogos lhes permitem situar-se no contexto local como sujeitos, como pessoa implicada de expectativas sociais, como singularidade distinta, como unidade inteira que contém os afetos e as possibilidades das relações sociais, não como menos nem como um ser inferiorizado. A manifestação do outro não é objeto de avaliação, mas fragmentos de suas leituras. A manifestação é um exercício da constituição de sua subjetividade e a posse de suas capacidades.

Na narrativa de cada sujeito, o outro será retratado, ressignificado e reelaborado, porque toda relação o afeta e o constitui. Toda manifestação o situa historicamente, revelando e ocultando as condições e circunstâncias que o rodeiam. Já o silenciamento do outro equivale à morte, à redução ao estágio de animalidade. Assegurar o exercício da condição humana corresponde à posse dos signos e códigos, ocupando os espaços que propiciem interação e participação, apropriação do conhecimento, identificando as controvérsias, tomando decisões, comunicando ideias, valores, necessidades e perspectivas.

Na pedagogia da alteridade, a manifestação do outro precede a avaliação do outro. A metacognição precede o resultado. As práticas discursivas são ao mesmo tempo interpretações da realidade empírica, do vivido e posse de si mesmo. Os sujeitos não só promovem soluções para os problemas objetivos, mas tomam consciência de suas capacidades e de suas singularidades. A mediação de práticas discursivas torna o sujeito da ação um ser reflexivo, consciente dos limites que o distinguem do outro e dos laços que os unem. Tornado discursivo, o sujeito ascende da homogeneidade da cotidianidade para as construções abstratas, às hipóteses de transformação e de crítica ao vivido. O sujeito toma posse para si do sentido do que aprende, compreendendo os aspectos objetivos, o significado social e histórico do conhecimento. O mediador não apenas identifica o “certo e o errado”, mas cria diálogos, propicia a posse da língua, relata as singularidades, projetando as possibilidades e as adequações para cada sujeito. As formas hierárquicas e autoritárias dão lugar às relações de empoderamento e manifestação das identidades em formação.

Os diálogos produzem conflitos de ideias e valores, frustração, concentração, disciplina, observação das diferenças entre o eu e o outro, atribuição do significado e de sentido ao conhecimento e a liberdade de fazer escolhas. O trabalho pedagógico centrado na dialogicidade os emancipa da impulsividade do pensamento e do mecanicismo da sensorialidade. Com a mediação do professor, a abordagem dialógica possibilita ultrapassar a repetição mecanicista do lecionamento, bem como a sensorialidade da experiência, propiciando a formação da alteridade dos sujeitos, perspectiva na qual as semelhanças e as diferenças são elementos fundantes que os aproximam e os constituem. As diferenças não os afastam nem os separam nem os anulam.

Diálogo é espaço de contradição, mas, fundamentalmente, implica a autopercepção, a percepção do outro, a tomada de consciência das capacidades para abstrair as alternativas e recursos para solução de problemas de qualquer natureza. Na dialogicidade, são consideradas as memórias sociais e individuais, a autopercepção, os processos políticos de dominação e de subordinação, a cultura de inclusão do outro, as forças centralizadoras e as forças das diversidades. Se a dialogicidade constitui o sujeito, então, educação significa a posse dos instrumentos de participação. Assim, assegurar a participação implica a opção e a busca pela escola inclusiva.

REFERÊNCIAS

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  • DURKHEIM, É. Educação e sociologia Trad. Stephania Matousek. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.
  • DURKHEIM, É. A educação moral 2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes , 2012.
  • FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, 1989.
  • FREIRE, P. Educação como prática da liberdade 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
  • GALLO, S. Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. In: CONGRESSO INTERNACIONAL COTIDIANO: DIÁLOGO SOBRE DIÁLOGOS, 2., Rio de Janeiro, 2008. Anais ... Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2008.
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  • LIBÂNEO, J. C. As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo debate contemporâneo na educação. In: LIBÂNEO, J. C.; SANTOS, A. (Org.). Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade Campinas - SP: Editora Alínea, 2005.
  • SARTRE, J. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Traduzido por: Paulo Perdigão. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
  • SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
  • VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes , 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2017
  • Aceito
    31 Out 2017
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