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Apresentação: Gestão da Escola Pública

Presentation: Public School Administration

Presentación: Gestión de la Escuela Pública

Este dossiê, “Gestão da Escola Pública”, coloca em tela, pela primeira vez na Educar em Revista, uma temática que há muito é discutida no cenário nacional e que ganhou inclusive corpo no texto constitucional (art. 206, VI). Trazemos um conjunto de artigos dedicados a observar, a partir de entradas distintas, a questão da gestão da escola pública, particularmente destacando a dimensão do princípio democrático como estabelecido na Carta Magna.

Afora a determinação constitucional, replicada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Federal nº 9.394/1996BRASIL. Lei Federal nº 9.394/1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm >. Brasília, 1996. Acesso em: 16 jan. 2018.
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(art. 3º, VIII), a lei que aprovou o novo Plano Nacional de Educação (Lei Federal nº 13.005/2014BRASIL. Lei Federal nº 13.005/2014. Lei de Plano Nacional de Educação. Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm >. Acesso em: 16 jan. 2018.
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), para o decênio 2014/2024, também estabelece a necessidade de que os estados da federação e os municípios brasileiros constituam legislação própria regulamentando a gestão democrática (GD) no âmbito dos seus sistemas ou redes de ensino. Isto quer dizer que mesmo com uma história de discussões que remonta ao início da década de 1980, a gestão democrática continua muito atual no cenário educacional brasileiro. Todavia, o que a legislação intenciona é que indicar as “condições de gestão democrática” (SOUZA, 2017SOUZA, A. R. As condições de democratização da gestão da escola pública brasileira. Anais do XIII Congresso Nacional de Educação. Curitiba: PUC-PR, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/24617_12725.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2018.
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).

O uso da expressão “condições de gestão democrática” tem relação com o fato de que os usuais procedimentos adotados nas escolas e redes públicas de ensino com vistas à constituição ou incremento da GD são, a nosso ver, ferramentas. Isso significa que não é a existência de um ou vários desses procedimentos que garante o desenvolvimento democrático das escolas públicas, por isso, são tratados como condições para a gestão democrática, vale dizer, estruturas que contribuem ou potencializam a GD, mas, per si, não são capazes de edificá-la.

De resto, a primeira consideração a ser feita sobre isso se relaciona justamente à disposição democrática que os sujeitos do universo escolar (e educacional) devem ter, sem a qual, ferramenta alguma parece possível de alcançar êxito. A questão de fundo é: a democracia demanda participação e disposição ao diálogo. As ferramentas, em geral, são elementos de incentivo à participação e, por isso, potencializadores do contraditório, uma vez que a participação cria as condições para a gestão democrática e incita o diálogo (SOUZA, 2009SOUZA, A. R. Explorando e construindo um conceito de gestão democrática. Educação em Revista, v. 25, n. 3. p. 123-140, dez. 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edur/v25n3/07.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2018.
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). Sem o diálogo, não há espaço para a contradição, para o pensamento diferente, para a diversidade de opiniões, o que significa que sem contradição, sem diversidade, não há democracia.

Contudo, a democracia somente tem força quando penetra e transforma as relações sociais concretas. E isto demanda colocar a democracia em ação, vale dizer, para além do princípio, implica considerá-la como procedimento. Mas, se os sujeitos não estão dispostos ao diálogo, pouco espaço restará de fato à democracia.

No universo escolar, isto é particularmente importante, visto que a qualidade da gestão escolar se mensura também pelo nível de democracia e de diálogo presente na instituição, com vistas a se enxergar a escola como um espaço de construção da cidadania (SOUZA, 2017SOUZA, A. R. As condições de democratização da gestão da escola pública brasileira. Anais do XIII Congresso Nacional de Educação. Curitiba: PUC-PR, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/24617_12725.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2018.
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).

Articulada à democracia, a gestão da escola e da educação tem por escopo central ampliar a compreensão e efetivação do direito à educação, nas distintas perspectivas alcançáveis: acesso à escolaridade; condições de permanência na escola; qualidade de ensino e aprendizagem; justiça social.

Por isso, e buscando ampliar o olhar sobre a gestão da escola pública em um sentido também mais lato, este dossiê foi pensado e organizado. Seu objetivo é contribuir com a atualização do debate, promovendo a divulgação do conhecimento sobre o tema mencionado, apresentando novos aspectos, percepções e olhares sobre o problema por meio da divulgação de resultados de pesquisa de autores especialistas do campo.

Uma compilação de textos como os que apresentamos é inovadora, pois é composta por autores com forte experiência de pesquisa sobre a temática, advindos de diferentes regiões do país e do exterior, com olhares complementares, de maneira a produzir um desenho articulado entre os artigos e que permite uma visão bastante abrangente sobre o campo de investigação e, em particular, o objeto da gestão escolar e da educação.

A abertura do dossiê é feita pelo artigo do Prof. Dr. Licínio C. Lima, catedrático da Universidade do Minho/Portugal e muito conhecido do público brasileiro, tendo em vista suas constantes visitas e trabalhos em nosso país. No artigo, intitulado “Por que é tão difícil democratizar a gestão da escola pública?”, o autor luso constata que a gestão democrática da escola pública, mesmo com sua consagração no plano legal, continua sendo algo de difícil operacionalização cotidiana no plano da ação organizacional efetiva, em cada escol, em cada sistema de ensino. Assim, o texto aponta que, mesmo com a importância do referencial legal que sustenta a matéria, eles se mostram como insuficientes para garantir o cumprimento do princípio democrático da gestão escolar. O autor, então, na exploração dos elementos que se articulam com tal insuficiência, apresenta alguns dos entraves políticos, organizacionais, históricos e culturais que têm tornado complexa a efetivação da gestão democrática das escolas.

O artigo seguinte é de outro pesquisador estrangeiro. O Prof. Dr. Sebastián Donoso-Diaz coordena o IIDE da Universidad de Talca, no Chile, e é um autor muito conhecido na América Latina no tocante às temáticas da gestão e das reformas educacionais. Neste texto, “La nueva institucionalidad subnacional de educación pública chilena y los desafíos de gestión para el sistema escolar”, o autor discute a crise da educação pública em seu país considerando a reforma educacional de 1981 e seus efeitos sobre a gestão educacional, que conduziram tal política a um contexto muito complexo e controverso, no qual a luta dos estudantes nos anos de 2006 e 2011 foi um processo denunciador publicamente e internacionalmente reconhecido. Esses movimentos levaram a um conjunto de propostas de alterações na política e gestão da educação chilena, cuja principal peça é uma nova lei educacional que começou a vigir agora em 2018, a qual, mesmo que ainda sem efetiva implementação (e sem condições de avaliação de resultados) não dá mostras de que conseguirá dar respostas à altura das demandas sociais, podendo representar um impacto negativo sobre a gestão da educação e das escolas do país vizinho.

Os professores doutores Cristiane Machado e Pedro Ganzeli, da UNICAMP, são os autores do terceiro trabalho deste dossiê, intitulado “Gestão educacional e materialização do direito à educação: avanços e entraves”. Neste artigo, os autores colocam em foco a gestão da educação no Brasil, questionando de que maneira o direito à educação, como disposto na Constituição Federal de 1988, tem se efetivado. Os autores fazem uma recuperação história do direito à educação no nosso país e analisam dados do Censo Escolar, para reconhecer que nas etapas da educação básica, os principais problemas que a gestão tem a enfrentar para garantir aquele mencionado direito tem relação com o acesso à educação infantil e ao ensino médio e com a qualidade de aprendizagem no ensino fundamental.

O próximo artigo é de autoria do organizador deste dossiê, Prof. Dr. Ângelo Ricardo de Souza (UFPR), em parceria com o Prof. Dr. Pierre André Garcia Pires (UFAC), e se intitula “As leis de gestão democrática da Educação nos estados brasileiros”. O texto versa sobre as leis de gestão democrática da Educação nos estados brasileiros, em diálogo com a exigência, já mencionada, feita pelo artigo 9º do novo Plano Nacional de Educação, referente à normatização da gestão democrática no âmbito dos sistemas de ensino. O trabalho analisa todas as legislações estaduais com proximidade ao tema e produz um levantamento atualizado com o estado legal do campo, mostrando a extensão do (não) cumprimento legal, bem como os avanços e limites desta legislação. A leitura e análise dos documentos demonstrou uma excessiva dedicação da legislação na gestão da escola, sendo que pouquíssimas leis estaduais tratam da gestão democrática do sistema de ensino.

A Profa. Dra. Alice Miriam Happ Botler, da Universidade Federal de Pernambuco, nos brinda, na sequência, com o artigo “Gestão escolar para uma escola mais justa” que coloca em escrutínio um atualíssimo problema concernente à gestão escolar e diz respeito à naturalização e afrontamento das injustiças escolares. A condição da ambiência democrática e horizontal no universo escolar é atravessada e tensionada pelos contextos da indisciplina e violência. A autora discute o conceito de escola justa neste dilema entre violência e democracia, observando casos escolares em Portugal e no Brasil.

O sexto artigo é de autoria da Profa. Dra. Graziela Zambão Abdian, da UNESP-Marília, que se intitula “Revezamento teoria e prática na análise da escola pública democrática”. Neste artigo, a professora desenvolve um trabalho teórico-conceitual sobre gestão escolar democrática, abordando algumas perspectivas e experiências de pesquisas sobre o tema, em um processo de crítica e autocrítica à produção do campo de investigação, para tanto, trabalha com o conceito de revezamento teoria e prática.

O penúltimo artigo, denominado “Gestão democrática do ensino público na educação básica: dimensões comuns e arranjos institucionais sinalizados em bases normativas de sistemas municipais de ensino”, é de autoria do Prof. Dr. Elton Luiz Nardi, da Universidade do Oeste Catarinense. Neste texto, o autor apresenta resultado de pesquisa de longa duração e olha para o estado de Santa Catarina buscando observar os arranjos constituídos pelos sistemas de ensino para promover a democratização da gestão da educação básica pública. No trabalho, busca-se observar os mecanismos de participação e de organizações, produzidos pelos municípios do estado catarinente em busca da democratização da gestão da educação pública.

O oitavo e último artigo do dossiê é de autoria dos professores doutores Rodrigo da Silva Pereira (UFBA) e Maria Abádia da Silva (UnB), intitulado “Políticas educacionais e concepção de gestão: o que dizem os diretores de escolas de ensino médio do Distrito Federal”. Neste trabalho, os autores nos apresentam o resultado de pesquisa que colocou em tela as concepções dos dirigentes escolares sobre gestão e política educacional. Os autores discutem as origens históricas do objeto, identificam as disputas em torno da temática e analisam os sentidos atribuídos pelos gestores aos elementos constitutivos da gestão escolar. O texto coloca em questão a falta de continuidade das políticas para gestão democrática no âmbito do Distrito Federal, bem como observa as formas como tal movimento tem impacto na fala e nas práticas dos diretores escolares de ensino médio. Com esta observação, o artigo evidencia uma mescla de concepções e ideias sobre a temática com o público analisado e que suas práticas são efetivadas a partir de apreensões contraditórias.

Teremos ainda uma resenha da obra Design-Based School Improvement: A Practical Guide for Education Leaders, de Heinrich Mintrop, ou Rick Mintrop, que é professor da UCLA, Estados Unidos, ainda sem tradução para o português; mas, exatamente por isso, muito útil e adequada ao escopo desta seção do dossiê, de divulgação de obras importantes no campo de pesquisa, em especial na apresentação de novos e inéditos trabalhos e autores. Esta obra é, segundo o próprio autor, uma tentativa de conjugação do mundo acadêmico à prática cotidiana escolar e é resultado de cerca de dez anos desenvolvendo projetos ligados à formação de lideranças para a equidade educacional.

Observando este conjunto de trabalhos, temos textos com diversas entradas na temática da gestão da escola pública. O texto de Lima coloca um debate conceitual central, que perpassa todas as demais temáticas, ou, pelo menos, auxilia a compreender de maneira mais ampliada os objetivos dos demais artigos, ao cotejar gestão e democracia. Os trabalhos de Donoso-Díaz, Machado & Ganzeli e Souza & Pires, colocam em perspectivas a política educacional e seus desdobramentos legais, na mirada do direito à educação e da gestão democrática. Botler identifica outro elemento no coração da gestão democrática, a justiça. Já Abdian observa como esses e outros aspectos aparecem nas pesquisas sobre a GD no Brasil. E, finalmente, os trabalhos de Nardi e de Pereira & Silva que buscam analisar casos regionais brasileiros, no que tange à concepção e implementação de políticas de gestão (democrática) na educação básica. São, portanto, textos que abarcam um universo amplo de temáticas no campo da gestão da educação e da escola.

Escola que só se faz no coletivo. O trabalho escolar é essencialmente coletivo. Assim, o desenvolvimento de ações que promovam maior horizontalidade nas relações de trabalho na escola, contribui para o incremento da própria natureza do trabalho escolar. Ou, dito de outra forma, quão mais horizontal a escola consegue operar, mais coletiva ela se faz. Quão mais coletiva ela se produz, mais se aproxima da sua função formadora e de promoção da ação comunicativa, portanto, um lugar de diálogo, o que a torna uma instituição com mais qualidade educacional.

O princípio e os instrumentos que constroem tal ambiente democrático são o eixo para os artigos deste dossiê. Portanto, nossa esperança com este dossiê é, como dito, socializar e fazer avançar o conhecimento, pois isto, além da contribuição para a pesquisa, se faz pré-condição para o desenvolvimento do diálogo e do trabalho coletivo ampliado no universo escolar, por isso, nossa expectativa é que esses textos também cheguem aos docentes que atuam diretamente na educação básica, de maneira que possam auxiliar com a reflexão e com a prática democrática nas escolas e sistemas de ensino.

Referências

  • BRASIL. Lei Federal nº 9.394/1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm >. Brasília, 1996. Acesso em: 16 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm
  • BRASIL. Lei Federal nº 13.005/2014 Lei de Plano Nacional de Educação. Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm >. Acesso em: 16 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm
  • SOUZA, A. R. Explorando e construindo um conceito de gestão democrática. Educação em Revista, v. 25, n. 3. p. 123-140, dez. 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edur/v25n3/07.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2018.
    » http://www.scielo.br/pdf/edur/v25n3/07.pdf
  • SOUZA, A. R. As condições de democratização da gestão da escola pública brasileira. Anais do XIII Congresso Nacional de Educação Curitiba: PUC-PR, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/24617_12725.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2018.
    » http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/24617_12725.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018
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