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Um ambiente-escola entre poéticas, narrativas e experimentações1 1 Pesquisa financiada através de bolsa de estudos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

RESUMO

Na busca de repensar os clichês que circundam tanto o espaço escolar quanto a educação ambiental, perguntamo-nos: quais as potências que pulsam no que poderíamos chamar de ambiente-escola? Ao propormos uma porosidade de fronteiras entre os termos “ambiente” e “escola”, referimo-nos a um ambiente escolar que existe na sua diversidade de afetos, encontros e acontecimentos. Escola que atualmente é alvo de discursos ultraconservadores que visam suprimir sua potencialidade inventiva de espaços-tempos outros. No percurso dessa pesquisa, abrimo-nos às possibilidades de educações ambientais inventivas e nos movimentamos também rumo a uma ressignificação do espaço escolar, adentrando nas narrativas, poéticas e diferenças que o habitam. Em uma escola pública municipal situada em Florianópolis (SC), convidamos estudantes do nono ano do ensino fundamental e distintos trabalhadores a participarem de oficinas que possibilitaram experimentações em educação ambiental em torno das seguintes perguntas: quais narrativas e poéticas povoam este ambiente-escola? De que forma estes narrares se relacionam com as diferenças e multiplicidades presentes neste ambiente-escola? O diário de campo foi um importante dispositivo para o delineamento dessas questões. Num processo coletivo de criação de outros modos de nos relacionarmos com tal espaço, ao realizarmos diferentes experimentações com narrativas e poéticas junto a essa diversidade de sujeitos escolares, mobilizaram-se as dimensões do afeto e do encontro em distintas práticas em educação ambiental.

Palavras-chave:
Narrativa; Experimentações; Educação ambiental; Escola; Diferença

ABSTRACT

To rethink the clichés that surround both the school space and the environmental education field, we ask ourselves: what are the potentialities that flourish in what we could call the school-environment? By proposing an intersection of boundaries between the terms "environment" and "school", we refer to a school environment that exists in its diversity of affections, encounters and events. Schools are currently the target of ultraconservative discourses that aim to suppress their inventive potential of creating other spaces and temporalities. In the course of this research, we opened ourselves up to the possibilities of inventive environmental forms of education and we also moved towards a resignification of the school space, while we experience the narratives, poetics and differences that inhabit it. In a municipal public school located in Florianópolis (SC), we invited ninth grade students and a group of workers to participate in workshops that enabled experimentations in environmental education on the following questions: what narratives and poetics populate this school-environment? How do these narratives relate to the differences and multiplicities present in this school-environment? The field diary was an important device for delineating these issues. In a collective process of creating other ways of relating to such a space, we carried out different experimentations with narratives and poetics along with this diversity of collectives that exist inside a school.

Keywords:
Narrative; Experimentations; Environmental education; School; Difference

O desvelar-se de um ambiente-escola

A escola atualmente passa por inúmeros questionamentos, sendo que, como apontam Masschelein e Simons (2014MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.), seus críticos mais enfáticos normalmente a posicionam como lugar de aborrecimento, desatualização e apatia. Como temos acompanhado recentemente, ela também é criticada por seus posicionamentos políticos e formas de se relacionar com os saberes, como se dá com projetos ultraconservadores como o “Projeto Escola sem Partido”, para o qual professores são considerados potenciais abusadores de uma “audiência cativa”, no caso os estudantes menores de idade, comparando-os inclusive a pedófilos (PENNA, 2017PENNA, Fernando de Araújo. "Escola sem Partido" como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola. In: MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida(org.). Golpes na história e na escola: o Brasil e a América Latina nos Séculos XX e XXI, São Paulo: Cortez; ANPUH, 2017. p. 247-260.). Uma das consequências mais imediatas é que os termos “gênero”, “sexualidade” e “raça” estão sendo sistematicamente expulsos dos planos municipais, estaduais e nacional de educação, ocorrendo também uma perseguição aos docentes que tratam as temáticas da diferença e da identidade em sala de aula.

Entretanto, na conjuntura pandêmica da doença da COVID-19, que inviabilizou o contato presencial entre os diferentes sujeitos que passam pela escola, a importância da escola como ambiente de afetos e possibilidades de encontros, de socialização e sociabilidade, faz-se ainda mais explícita.

Quando se fala acerca da educação ambiental que se realiza em escolas, podemos considerar que tanto tal campo teórico-prático quanto o espaço de ensino formal antes citado são amplamente problematizados pela pesquisa acadêmica. Ao refletirmos sobre as práticas tradicionalmente realizadas em educação ambiental, costumamos nos deparar com uma série de elaborações que por vezes parecem cristalizar e limitar as possibilidades desse campo. Barchi (2014BARCHI, Rodrigo. Entre a atividade política e a ação policial: sobre a institucionalização das relações que envolvem a educação e o meio ambiente. Pro-Posições, Campinas, v. 25, n. 3, p. 229-247, 2014. Disponível em:Disponível em:https://www.scielo.br/j/pp/a/k4JQYPqhvX9Yz4QNRq3wY5D/abstract/?lang=pt . Acesso em:18 jun. 2021.
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) questiona acerca dos perigos existentes numa educação ambiental de viés pastoral, que busca impor uma forma única de compreensão do meio ambiente, ignorando as multiplicidades de existência possíveis. O autor sugere que educações ambientais outras, frequentemente vistas como desajustadas e desadequadas para uma institucionalidade hegemônica, também querem afetar e se fazer presentes nos espaços educativos. Como acrescenta:

É um agir nas brechas, nas fendas, por trincheiras labirínticas de avanço e ultrapassagem, de fuga e escape, nas quais essas perspectivas buscam agir, pois sabem que não podem, sozinhas, estabelecer verdades supremas e únicas, incontestáveis, sobre a educação ambiental e sobre uma polícia normatizadora e controladora de ações ecológicas (BARCHI, 2014BARCHI, Rodrigo. Entre a atividade política e a ação policial: sobre a institucionalização das relações que envolvem a educação e o meio ambiente. Pro-Posições, Campinas, v. 25, n. 3, p. 229-247, 2014. Disponível em:Disponível em:https://www.scielo.br/j/pp/a/k4JQYPqhvX9Yz4QNRq3wY5D/abstract/?lang=pt . Acesso em:18 jun. 2021.
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, p. 243).

A educação ambiental pode ser considerada, na sua forma mais comumente apresentada, como um dos principais caminhos para atingir uma visão idealizada de “harmonia” com o ambiente, a despeito dessa visão de equilíbrio dificilmente ter amparo nas teorias biológicas sobre a natureza. Os mesmos autores colocam que a educação ambiental está a se constituir numa promessa ecocivilizatória, preconizada pelos valores de um bem viver ecológico. Essa missão se aproxima a uma crença de estrutura moral, onde a consolidação do sujeito ecológico é compreendida como uma resolução para o conflito entre cultura e natureza. Dessa forma, tem-se como perspectiva a superação de um mal-estar civilizatório, que está a gerar degradação, desconforto e infelicidade. Conforme argumentam:

No sentido da ambientalização das práticas sociais, pode-se dizer que a gramática da ecologia no nosso tempo é, sobretudo, moral: conhecimento que nos serve para andar corretamente por nossa “casa”. Ou seja, a busca de operacionalizar um ambiente saudável para todos entremeia processos de aprendizagem e de construção de identidades ecológicas que, em algum grau, remetem a aspectos normativos da formação do indivíduo, gerando implicações para as maneiras como os indivíduos e grupos se conduzem ou deveriam se conduzir (CARVALHO et al., 2011CARVALHO, Isabel Cristina Moura et al. A missão "ecocivilizatória" e as novas moralidades ecológicas: a educação ambiental entre a norma e a antinormatividade. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 14, n. 2, p. 35-49, 2011. Disponível em:Disponível em:https://www.scielo.br/j/asoc/a/RjZmRYwLjdY6FGcLtYpQsKh/?lang=pt . Acesso em:18 jun. 2021.
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, p. 38).

Sampaio e Wortmann (2007SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini; WORTMANN, Maria Lúcia Castagna. Ecoalfabetização: ensinando a ler a natureza. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 133-152, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/pesquisa/article/view/6147 . Acesso em:18 jun. 2021.
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) problematizam, no campo da educação ambiental, o que está a ser considerado como natural ou não, “de forma que o que se entende por "natural" não possui um significado intrínseco, mas é construído na cultura” (SAMPAIO; WORTMANN, 2007SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini; WORTMANN, Maria Lúcia Castagna. Ecoalfabetização: ensinando a ler a natureza. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 133-152, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/pesquisa/article/view/6147 . Acesso em:18 jun. 2021.
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, p. 137). Ao analisarem falas de professores da educação básica que participavam de um curso de formação continuada para educadores ambientais, as autoras viram que seus discursos buscavam “definir o que é natural, colocando-se em evidência o que não é, devendo essa última possibilidade ser revista e transformada” (SAMPAIO; WORTMANN, 2007SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini; WORTMANN, Maria Lúcia Castagna. Ecoalfabetização: ensinando a ler a natureza. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 133-152, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/pesquisa/article/view/6147 . Acesso em:18 jun. 2021.
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, p. 137). Antes de querer julgar ou qualificar os modelos de educação ambiental que seriam certos ou errados, as autoras nos convidam a pensar que eles são importantes produtores das formas de ver, pensar e se relacionar com o ambiente.

A educação ambiental está constantemente tendo que lidar com seus próprios clichês, dentre eles a repetição de imagens de medo e angústia impulsionados por um mundo em colapso ambiental, social e político (HENNING et al., 2015HENNING, Paula Côrrea et al. Mobilizar o medo para disciplinar as práticas: uma análise dos modos de persuasão das campanhas ambientais. Remea, Rio Grande, v. Especial, p. 185-192, 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.furg.br/remea/article/view/4858 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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), que frequentemente nos direcionam a formas de exercer um consumismo “ecologicamente responsável”, submetido às lógicas de mercado e que não promove transformações mais profundas no âmbito social. Como palco para a criação de atividades de educação ambiental, a escola pode cair na repetição dos mesmos temas e discursos, mas é necessário demarcar que também são possíveis ressignificações e experimentações nesse espaço. Henning et al. (2015HENNING, Paula Côrrea et al. Mobilizar o medo para disciplinar as práticas: uma análise dos modos de persuasão das campanhas ambientais. Remea, Rio Grande, v. Especial, p. 185-192, 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.furg.br/remea/article/view/4858 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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) defendem a importância de se “provocar os sujeitos com os quais convivemos a pensar possibilidades de resistência e criação ao olhar a educação ambiental para além do discurso do medo e da periculosidade” (HENNING et al., 2015HENNING, Paula Côrrea et al. Mobilizar o medo para disciplinar as práticas: uma análise dos modos de persuasão das campanhas ambientais. Remea, Rio Grande, v. Especial, p. 185-192, 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.furg.br/remea/article/view/4858 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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, p. 195), a fim de apostarmos nos encontros possíveis com a experimentação, a política e a filosofia. Rupturas que podem ampliar seu campo de possibilidades:

Quando pensamos em práticas de educação ambiental na escola, algumas ações vêm imediatamente à mente: fazer uma horta, trabalhar com a reciclagem do lixo, elaborar uma campanha ligada a algum problema ambiental enfrentado pela comunidade em questão, visitar uma área preservada, entre outras. Pode-se dizer que esses são alguns clichês pedagógicos da cena atual da educação ambiental. Não queremos dizer que, por serem clichês, não sejam práticas que produzam significados, formas de pensar o ambiente e as nossas relações com ele. São ações que costumam fazer parte dos cotidianos escolares e podem propiciar aproximações entre alunos, professores e comunidade de questionamentos sobre o ambiente, instigando o envolvimento dos mesmos com atividades coletivas (SAMPAIO, 2017SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini de. Pedagogias culturais e educação ambiental: mídia e cotidiano na sala de aula. In: SCHWANTES, Lavínia; RIBEIRO, Paula Regina Costa (org.). Ecos terrestres do Sul: articulando os ecossistemas ao ensino de ciências. Rio Grande: Editora FURG, 2017. p. 29-46., p. 29).

Desta forma, será que o trabalho escolar com o ambiente pode estar além dessas questões lidas como tipicamente “ambientais”? Por mais importantes e necessárias que sejam essas atividades vistas como típicas da educação ambiental, o que é ou o que deveria ser um “meio ambiente”? Um ambiente também pode ser lido e vivido pelo seu conjunto de relações, sensibilidades e acontecimentos (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, Leandro Belinaso. A invenção de dispositivos pedagógicos sobre o ambiente. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 11-26, 2010. Disponível em:Disponível em:https://www.revistas.usp.br/pea/article/download/30083/31970/0 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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). Ademais, ao nos colocarmos atentos às multiplicidades que habitam o espaço escolar, as questões relativas às diferenças foram se tornando centrais no debate teórico que buscamos adentrar. Como nos provoca Hartmann: “se a escola é pensada no singular, como poderia acolher a pluralidade de corpos, vozes e saberes de seus alunos?” (HARTMANN, 2017HARTMANN, Luciana. Desafios da Diversidade em Sala de Aula: Um Estudo Sobre Performances Narrativas de Crianças Imigrantes. Cad. Cedes, Campinas, v. 37, n. 101, p. 45-64, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/vG9dksbMq5TWfFBQmdQbzJx/abstract/?lang=pt . Acesso em:18 jun. 2021.
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, p. 59).

Skliar (2003SKLIAR, Carlos Bernardo. Pedagogia (improvável) da diferença e se o outro não estivesse aí?Rio de Janeiro: DP & A, 2003.) aponta uma pedagogia do Outro que volta e reverbera dentro de nós, que possa vibrar com o Outro e não pretenda revelar ou desnudar seus mistérios. Esse mesmo autor nos traz um deslocamento possível entre o outro que nos é “próximo”, e, portanto, compreensível, visível e assimilável; e um outro radical, portanto inassimilável, incompreensível e impensável. Ademais, Skliar nos sugere a potência que existe no encontro e na afetação com as diferenças, em especial nos espaços educativos.

Dessa forma, esse artigo tem por objetivo articular encontros inventivos e afetivos entre a educação ambiental, a escola e a diferença. Movimentamo-nos pelas (re)criações possíveis que podem ser catalisadas por maneiras distintas de pensar e fazer educações ambientais nesse espaço. Nosso ponto de partida está nos deslizamentos e linhas de fuga que irrompem no campo da educação ambiental. São as rupturas com um tipo de educação ambiental que afirma um viés pastoral em direção a uma “salvação global” através da formulação de consensos vistos como universais. Desviamos de uma visão que procura ser totalizante, que prescreve comportamentos e juízos considerados ideais para atingir seus objetivos e que descreve ambientes sem os sujeitos nas suas infindas multiplicidades.

Ao mesmo tempo, observamos nas rachaduras e frestas quais são as educações ambientais “outras” que estão a germinar, tais como ervas daninhas de crescimentos incontroláveis. Educações ambientais que podem (ou não) se constituir como menores (GODOY, 2008GODOY, Ana. A menor das ecologias. São Paulo: EDUSP, 2008.), que estão atentas às potências que emergem dos sujeitos que advêm “das margens” (REIGOTA, 2010REIGOTA, Marcos. A contribuição política e pedagógica dos que vêm das margens. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 1-6, 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24105 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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) e se abrem à multiplicidade e à invenção (GUIMARÃES; SAMPAIO, 2014GUIMARÃES, Leandro Belinaso; SILVEIRA, Eduardo. Imagens que atuam: entre sonhos, silêncios, ambientes... In: ANDRADE, Nívea; ALVES, Nilda (org.). Sonhos de escolas: conversas com Kurosawa. Petrópolis: De Petrus, 2014. v. 1, p. 16-29.). Educações ambientais que criam fissuras no chamado dispositivo da sustentabilidade, o qual nos enreda continuamente através de suas redes de saber, poder e subjetivação (SAMPAIO; GUIMARÃES, 2012SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini de; GUIMARÃES, Leandro Belinaso. O dispositivo da sustentabilidade: pedagogias no contemporâneo. Perspectiva, Florianópolis, v. 30, n. 2, p. 395-409, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-795X.2012v30n2p395 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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).

Esta pesquisa é um recorte da dissertação de Martins (2019MARTINS, Daniel Ganzarolli. Um ambiente chamado escola: Narrativas atravessadas por afetos e encontros. 2019. 187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.), de título “Um ambiente chamado escola: Narrativas atravessadas por afetos e encontros”. Ao adentrarmos uma escola em particular como pesquisadores, como será narrado na próxima seção, sentimos a necessidade de nos aproximar teoricamente dos conceitos de ambiente e escola. Ao propormos uma porosidade de fronteiras entre esses dois termos, inventamos por composição a palavra “ambiente-escola”, ambiente que existe pela sua multiplicidade de afetos, encontros e acontecimentos, que se multiplica numa infinidade de subjetividades, sejam estas humanas ou não: dos estudantes que se agitam pela sala de aula aos passarinhos que visitam a goiabeira da escola; dos professores que, reunidos, tomam seus cafés durante o intervalo, às plantas que brotam, crescem e se ramificam nas áreas externas, talvez ocultas aos olhos desatentos. Ambiente que se faz presente mesmo num apagador esquecido em algum canto dessa escola. A escola que não é um ambiente único e homogêneo, mas inúmeros que existem dentro de si. Arriscar criar o termo “ambiente-escola” nos despertou esse tipo de reflexão.

Experimentar (n)a escola com diferenças, poéticas, narrativas...

Estamos afirmando um modo de nos relacionar com o outro, com as outras ideias, com as outras escolas, com as outras vidas. Pode ser um pensamento, um livro, um prédio, um caminho, uma pergunta, uma escola, um ser humano. Trata-se do outro, do estranho, do estrangeiro. O movimento que gera a presença do outro, no pensamento e na vida, é sempre desestabilizador, comovente, inquietante. É também o motor para que o mundo possa ser (visto, pensado e vivido) de outra maneira (KOHAN, 2017KOHAN, Walter Omar. Entre nós, em defesa de uma escola. Educação Temática Digital, Campinas, v. 19, n. 4, p. 590-606, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.20396/etd.v19i4.8648631. Acesso em: 18 jun. 2021., p. 604).

Na citação acima, o autor nos fala da alteridade, que necessariamente nos desestabiliza, nos comove e nos inquieta, nos transforma, e também a esses outros que habitam as salas de aula, os pátios, as cantinas com suas presenças indeléveis. A escola é esse espaço de encontro entre tantos outros, que trazem memórias, histórias, saberes. Mas esse espaço de encontro pode ser potencializado ou pode ser obliterado. Kohan coloca que “a escola sem partido é uma das formas em que se materializa esse medo à potência renovadora da escola” (KOHAN, 2017KOHAN, Walter Omar. Entre nós, em defesa de uma escola. Educação Temática Digital, Campinas, v. 19, n. 4, p. 590-606, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.20396/etd.v19i4.8648631. Acesso em: 18 jun. 2021., p. 595). Ele diz que essa renovação se baseia na premissa de Hannah Arendt, na qual a educação somente faz sentido como resposta ao fato de que nascem seres humanos no mundo, sendo estas novas gerações as que têm em si o potencial de reinventar o mundo. Kohan aponta um pensamento aberto às inventividades como uma das formas de resistência a esse projeto, criações escolares que rechaçam o mundo cinzento e autoritário de uma “escola sem partido”.

Skliar apresenta contribuições importantes sobre a questão das diferenças na escola, assim como aponta possíveis caminhos de ruptura com as lógicas de homogeneização dos sujeitos nesse espaço. Como ele argumenta:

Não acrescentaria nada nessa discussão acrescentar algo que já foi muito estudado: a educação institucional, a instituição educativa, a escola, é um produto do que denominamos modernidade. As conclusões, já conhecidas, sobre a relação entre modernidade, educação e escola são evidentes: o tempo da modernidade e o tempo da escolarização costumam ser, como folhas reproduzidas, como decalques, temporalidades que só desejam a ordem, que ficam obsessivas para classificar, por produzir mesmidades homogêneas, íntegras, textuais, sem fissuras, a salvo de toda contaminação do outro; a espacialidade da modernidade e o espaço escolar costumam ser, como irmãs de sangue, espacialidades que só procuraram reduzir o outro longe de seu território, de sua língua, de sua sexualidade, de seu gênero, de sua idade, de sua raça etc. (SKLIAR, 2003SKLIAR, Carlos Bernardo. Pedagogia (improvável) da diferença e se o outro não estivesse aí?Rio de Janeiro: DP & A, 2003., p. 198).

Quais possibilidades de experimentações pedagógicas vão ao encontro de vibrar com as diferenças dos sujeitos na escola ao invés de ignorá-las? Ao pensar caminhos outros para a educação ambiental no espaço escolar, além de nos aproximarmos dos teóricos que refletem sobre a diferença, também dialogamos com os processos de invenção descritos e propostos por Kasper (2014)KASPER, Kátia Maria; TÓFFOLI, Gabriela de Sousa. Errâncias: cartografias em trajetos de-formativos. Leitura: Teoria & Prática, Campinas, v. 36, n. 72, p. 85-98, 2018. Disponível em: Disponível em: https://ltp.emnuvens.com.br/ltp/article/view/666 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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e Guimarães (2010GUIMARÃES, Leandro Belinaso. A invenção de dispositivos pedagógicos sobre o ambiente. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 11-26, 2010. Disponível em:Disponível em:https://www.revistas.usp.br/pea/article/download/30083/31970/0 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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). Adentramos também nos afetos e nos encontros como formas de desestabilizar o “método de pesquisa”, se este for tomado como nos modelos do mensurável, do representativo, do impessoal e do desafetado. As narrativas são um potente meio para o estabelecimento desse diálogo:

Nesse sentido, nos interessa indagar sobre como um ambiente (uma rede de relações ampla e dispersa) poderia ir se configurando em um lugar (uma trama mais específica, mais focada, mas não menos intricada), através de uma narrativa (repleta de significados e experiências) construída por nós, pesquisadores, a partir de falas, de desenhos, de fotografias tecidas pelos sujeitos que em determinado território executam suas existências (GUIMARÃES, 2010GUIMARÃES, Leandro Belinaso. A invenção de dispositivos pedagógicos sobre o ambiente. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 11-26, 2010. Disponível em:Disponível em:https://www.revistas.usp.br/pea/article/download/30083/31970/0 . Acesso em: 18 jun. 2021.
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, p. 14).

Considerando a articulação do ambiente com a escola, e inspirados pelas possibilidades de invenção narrativa e poética com a diferença, propusemos a realização de oficinas junto aos funcionários e estudantes da Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, localizada em Florianópolis (SC). O primeiro contato com essa escola pública se deu pelo fato do primeiro autor deste artigo haver trabalhado temporariamente nesse espaço como professor no ano letivo de 2016, ainda que nesse momento não tivesse pretensões de realizar uma pesquisa acadêmica. Ao trabalhar na Escola Beatriz, esteve junto a uma comunidade escolar que acolhia uma multiplicidade de sujeitos: alunos-professores-funcionários de distintas orientações sexuais, raças, classes sociais, religiões, nacionalidades (alguns estudantes haviam emigrado de países tão distintos como Paraguai e Guiné-Bissau, assim como havia alunos vindos do interior de Santa Catarina e estados do nordeste do Brasil).

O ambiente-escola também é múltiplo e é nessa multiplicidade que reside sua potência de criação de mundos outros. Algumas perguntas foram mobilizadas a partir desse primeiro encontro, questionamentos disparadores de fazeres e pensares sobre as relações entre educação ambiental e a escola, foram elas: como essas multiplicidades convergem, interagem, conflitam e transpassam neste ambiente-escola? Quais narrativas e poéticas, sejam estas orais, escritas ou visuais, estão a povoar este ambiente-escola? De que forma esses narrares se relacionam com os sujeitos que o habitam, com suas diferenças e multiplicidades? Como dar vazão às múltiplas potências vindas dos afetos e encontros que perpassam tal ambiente?

O conceito de ambiente-escola busca borrar os limites que normalmente são imaginados ao se discutir as questões ambientais na escola. A escola é também um ambiente por si própria, num sentido mais aproximado a um palco de relações, um retalho de subjetividades bordado em encontros. Espaço de atravessamentos de diferentes cores, crenças e modos de existir. Salientamos que a escola não está de forma alguma isolada da comunidade ao redor, de maneira que não existem fronteiras precisas que delimitam onde começa e onde termina esse ambiente-escola.

A Escola Beatriz está localizada no bairro do Pantanal, que está próximo da Universidade Federal de Santa Catarina, o que proporciona à escola uma intensa interação com a comunidade universitária através de projetos de extensão, estágios de ensino, ações de diferentes grupos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID’s), dentre outros. No período da ida a campo desta pesquisa, no segundo semestre de 2018, a Escola Beatriz atendia 486 alunos do 1º ao 9º ano do fundamental, funcionando nos períodos matutino e vespertino, e tinha uma equipe de 35 funcionários, dentre professores e profissionais de apoio pedagógico e administrativo. É importante destacar que a direção da escola é eleita de forma democrática pela comunidade escolar, característica importante para sua gestão democrática e no envolvimento comunitário com as questões escolares

As oficinas de cunho experimental e investigativo se deram dois anos após a vivência do primeiro autor como professor nessa escola2 2 Esta pesquisa foi apresentada e aceita pelo Comitê de Ética da universidade a qual essa pesquisa está filiada, assim como os funcionários da escola e os responsáveis dos estudantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Já os estudantes assinaram um Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). . Nesse (re)encontro com os seus sujeitos, foram propostas duas principais linhas de encontro e experimentação. A primeira delas envolveu a realização de quatro oficinas no horário escolar regular com uma turma de estudantes do 9º ano do ensino fundamental, numa parceria estabelecida com o professor de Ciências da escola. A escolha de tal grupo se deveu principalmente pelo fato de uma grande parte dos estudantes haver sido aluno do primeiro autor deste artigo no seu exercício de docência, em 2016, quando eles ainda estavam no 7º ano. Essas oficinas tiveram propostas bastante diversificadas, buscando propiciar momentos de criação de narrativas e poéticas acerca do ambiente-escola em diferentes linguagens, sejam elas orais, imagéticas, escritas e mesmo o a partir do próprio corpo dos estudantes, no caso de uma oficina que teve a proposta de abordar a teatralidade e a performance de suas narrativas, numa perspectiva embasada pelo trabalho de Hartmann (2017HARTMANN, Luciana. Desafios da Diversidade em Sala de Aula: Um Estudo Sobre Performances Narrativas de Crianças Imigrantes. Cad. Cedes, Campinas, v. 37, n. 101, p. 45-64, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/vG9dksbMq5TWfFBQmdQbzJx/abstract/?lang=pt . Acesso em:18 jun. 2021.
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).

Já a segunda parte das oficinas ocorreu junto a uma parcela dos professores, gestores e demais funcionários da escola. Houve o interesse pela multiplicidade de vozes e posições dentro da escola na seleção desses funcionários, sem a pretensão de apresentar a fala de determinados indivíduos como “representativa” de um determinado grupo ou categoria. Todavia, a apresentação e discussão dessas atividades não serão enfocadas neste artigo, mas podem ser lidas em Martins (2019MARTINS, Daniel Ganzarolli. Um ambiente chamado escola: Narrativas atravessadas por afetos e encontros. 2019. 187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.).

A criação de um diário de campo pelo primeiro autor, que foi o principal mediador das oficinas com os estudantes e funcionários, foi central neste processo investigativo. O diário foi elaborado no decorrer das oficinas que foram realizadas com os estudantes e funcionários, atuando como um importante companheiro na construção de narrativas. Medrado et al. (2014MEDRADO, Benedito; SPINK, Mary Jane; MÉLLO, Ricardo Pimentel. Diários como atuantes em nossas pesquisas: narrativas ficcionais implicadas. In: SPINK, Mary Jane Paris et al. (org.). A produção de Informação na Pesquisa Social: Compartilhando Ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014. p. 273-294.) destacam que os diários foram constituídos historicamente como um gênero confessional, que engloba registros autobiográficos, diários pessoais, memórias, correspondências etc. Como tais pesquisadores aprofundam na sua discussão sobre esse gênero textual:

Na mesma medida, precisamos reconhecer que esses textos assumem nas vidas de quem escreve e de quem os lê muito mais do que uma simples relação entre linguagem e ação. São objeto de amor e ódio, a depender do momento de construção da pesquisa. São objeto de curiosidade por aqueles que alimentam o desejo de acessá-lo. Teme-se perdê-los, como a um amigo. Enfim, eles se constituem em ações que, portanto, produzem efeitos, mobilizam afetos, são atuantes em jogo (MEDRADO; SPINK; MÉLLO, 2014MEDRADO, Benedito; SPINK, Mary Jane; MÉLLO, Ricardo Pimentel. Diários como atuantes em nossas pesquisas: narrativas ficcionais implicadas. In: SPINK, Mary Jane Paris et al. (org.). A produção de Informação na Pesquisa Social: Compartilhando Ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014. p. 273-294., p. 277).

Medrado, Spink e Méllo (2014MEDRADO, Benedito; SPINK, Mary Jane; MÉLLO, Ricardo Pimentel. Diários como atuantes em nossas pesquisas: narrativas ficcionais implicadas. In: SPINK, Mary Jane Paris et al. (org.). A produção de Informação na Pesquisa Social: Compartilhando Ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014. p. 273-294.) propõem que os diários não sejam utilizados como “instrumentos de coleta de dados”, e sim como personagens “atuantes” na elaboração da pesquisa, buscando rupturas do binarismo sujeito-objeto e sugerindo que sejam também atores/atuantes na potencialização da pesquisa. Dessa forma, o diário não é visto como objeto instrumental, que registra informações puras, mas como um ser que produz intensidades e mobiliza afetos.

Como tais pesquisadores acrescentam, os diários são “um conjunto de fragmentos (em formato de tópicos, trechos de fala, fluxos), que posteriormente são submetidos a uma organização narrativa” (MEDRADO; SPINK; MÉLLO, 2014MEDRADO, Benedito; SPINK, Mary Jane; MÉLLO, Ricardo Pimentel. Diários como atuantes em nossas pesquisas: narrativas ficcionais implicadas. In: SPINK, Mary Jane Paris et al. (org.). A produção de Informação na Pesquisa Social: Compartilhando Ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014. p. 273-294., p. 282). É no diário em que as falas, contextos e dinâmicas do campo-tema emergem, onde o pesquisador é estimulado a expor “suas opiniões, impressões, incômodos, enfim as ‘afetações’ produzidas no encontro com os interlocutores” (MEDRADO; SPINK; MÉLLO, 2014MEDRADO, Benedito; SPINK, Mary Jane; MÉLLO, Ricardo Pimentel. Diários como atuantes em nossas pesquisas: narrativas ficcionais implicadas. In: SPINK, Mary Jane Paris et al. (org.). A produção de Informação na Pesquisa Social: Compartilhando Ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014. p. 273-294., p. 285). Ele é um importante meio de reflexão sobre nossas dúvidas e anseios, angústias e prazeres, um verdadeiro “arquivo-vivo” a ser reinventado e reescrito. Propomo-nos, portanto, a ver o diário de campo como um atuante desta pesquisa, em especial ao narrar os afetos e encontros que atravessam nossos corpos no gesto de pesquisa.

Esse caderno de campo foi elaborado principalmente antes e após a realização das oficinas, buscando desenvolver questões que afetaram o primeiro autor, tendo como ponto de partida os encontros desencadeados com esse ambiente-escola e seus sujeitos. Nele estão inscritas e escritas as sensações e desejos que estavam mais atuantes em cada momento no decorrer no processo investigativo. Não consideramos um impeditivo revisitá-lo e reescrevê-lo em momentos posteriores, justamente devido a sua organicidade.

Narrar, poetizar, afetar...

Como provoca Oliveira (2014OLIVEIRA, Thiago Ranniery Moreira de. Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em educação. In: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias pós-críticas de pesquisa em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2014. p. 281-305.): “pode a pesquisa em educação bailar?”; E lança outra pergunta instigante: “Qual a vida que pulsa e não para de se movimentar nos territórios educacionais?” (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Thiago Ranniery Moreira de. Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em educação. In: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias pós-críticas de pesquisa em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2014. p. 281-305., p. 284). A cartografia foi uma inspiração para a pesquisa como método que se abre à experimentação. Ao pintar mundos, o pesquisador afeta e é afetado nos encontros que se sucedem. Como complementa o autor antes citado: “Nesses encontros cartográficos, os elementos de determinado território de investigação estão sempre em relação de movimento, definem-se apenas pelo seu poder de afetar e ser afetado” (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Thiago Ranniery Moreira de. Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em educação. In: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias pós-críticas de pesquisa em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2014. p. 281-305., p. 296). O cartógrafo tem, portanto, o desafio de “dar língua para os afetos que pedem passagem” (ROLNIK, 2007ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental. Porto Alegre: Sulina, 2007., p. 23), ver-se deslocar pelos mesmos.

Nesta seção iremos apresentar algumas das experimentações pedagógicas que foram feitas com os estudantes da Escola Beatriz, de forma a pôr em movimento os conceitos e proposições teóricas que formulamos, em especial os que se relacionam com o que estamos nomeando como ambiente-escola. Fizemos a escolha de apresentar os trechos dos diários de campo de duas das oficinas realizadas com uma turma do 9º Ano do Ensino Fundamental da Escola Beatriz. Cabe colocar que elas são apenas uma fração dentre uma grande diversidade de narrativas visuais, orais e imagéticas que foram criadas durante oficinas.

No ano de 2016, ainda como professor formal dos estudantes, o primeiro autor fez uma proposta a eles. Antes de desenvolver o tema de “meio ambiente” com a turma, sugeriu a ela um desafio fotográfico. Armados de seus celulares, os alunos vagaram pela escola em busca de flashes do que seria esse “meio ambiente” dentro do espaço escolar. Nesse primeiro momento não se buscou conceituá-lo aos alunos, buscando uma impressão mais ou menos aproximada do que seriam seus “conhecimentos prévios” acerca desse termo. As imagens, numa primeira mirada, trazem a natureza sem a presença humana. Apenas em uma delas (num total de 112 fotografias) há uma parte do corpo de uma estudante, no caso, os seus pés. Entretanto, algumas construções e intervenções humanas, como parte do prédio da escola, as casas do bairro e mesmo um corredor, estão presentes em algumas fotos.

No decorrer dessa pesquisa, os processos que acompanharam a produção de cada fotografia e a multiplicidade de sentidos tornaram-se o alvo da nossa mirada investigativa. Quais são as potências que habitam essas imagens? Quantas vezes a “pedagogização” da imagem pode empobrecê-la e enclausurá-la? Ao invés de explicar e dissecar seus significados, buscamos transbordar a poesia dessas imagens, expandir seus sentidos e sensibilidades ao invés de circunscrevê-los. Trabalhos como o que Conceição (2017CONCEIÇÃO, Nayara Elisa Costa da. Sustentabilidade no Cotidiano: Uma Investigação de Sentidos por Meio de Redes de Imagens, Oficinas e Histórias. 2017. 169 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.) coloca como as imagens consideradas clichês, feitas a partir de conceitos como o de sustentabilidade, podem ser reelaborados através da construção de novas narrativas. No mesmo sentido, Guimarães e Silveira (2014GUIMARÃES, Leandro Belinaso; SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini de. Educação ambiental nas pedagogias do presente. Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 123-134, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.emaberto.inep.gov.br/ojs3/index.php/emaberto/article/view/2492 . Acesso em: 18 jun. 2021.
http://www.emaberto.inep.gov.br/ojs3/ind...
) apresentam a possibilidade de reconfiguração e reinterpretação dos clichês, tendo como ponto de partida os repertórios culturais e as experiências cotidianas que carregamos ao nos encontrarmos com uma imagem. Os autores nos provocam com uma inquietante pergunta: “as imagens atuam?”. Tomando como afirmativa a resposta a essa pergunta, como responder ao fluxo de sua força, que muitas vezes nos é impossível estancar?

Apresentamos, a seguir, um trecho do diário de campo feito no dia 10 de agosto de 2018, onde há o relato sobre a atividade feita com as fotografias tiradas pelos estudantes dois anos antes:

Chego cedo na sala de aula, tendo bastante tempo para preparar o ambiente. Disponho três barbantes esticados em frente à lousa, compondo um varal de imagens e palavras. Nas duas cordas acima, dispus vinte distintas imagens que haviam sido tiradas pelos estudantes há dois anos, quando havia lançado a eles o desafio de fotografar o “meio ambiente” escolar. Desafiei-me a quebrar em cacos os versos de poesias que havia escrito inspirado nas fotografias deles. Coloquei, na corda mais abaixo, presas em grampos, as palavras decompostas que haviam formado essas experimentações poéticas que tive com suas imagens. A partir da potência dessas narrativas imagéticas e das “palavras-cacos”, buscava possibilitar que o olhar dos estudantes diferenciasse novas poéticas e narrativas. Narrares grávidos de outros narrares.

Com a chegada dos estudantes, noto como essa turma tem uma grande pluralidade de sujeitos, totalizando 31 indivíduos na lista de chamada. Mais da metade da turma é negra. Há um número praticamente igual de meninas e meninos. Dois dos estudantes desta turma têm deficiência intelectual. Essas são somente algumas das diferenças que existem entre esses sujeitos, dentre tantas outras.

Apresento o projeto a uma turma de olhar atento e compenetrado. Explico a eles como será meu projeto de pesquisa e digo como ele trará alguns desafios ao longo de sua construção. Ressalto que eles serão cocriadores dessa pesquisa, a qual terá seu foco nos encontros, afetos e relações entre as pessoas da escola, e que trabalharemos com criação de histórias e poéticas, com fotografias e jogos teatrais.

Vou tirando do varal algumas das fotografias expostas e conversando com eles sobre esse processo de criação de imagens do “meio ambiente” escolar. Como deixamos passar, às vezes, detalhes interessantes nas imagens, como a casa de um joão-de-barro sobre uma das árvores do colégio, ou um tucano-de-bico-preto oculto sobre as ramagens. Coloco a importância de desenvolver a capacidade de lermos imagens. Uma habilidade que utilizamos cotidianamente, quase que sem perceber, ao realizar a leitura de fotografias, de pessoas, de paisagens... Digo como as imagens deles me fizeram arriscar escrever poesia. Poesia que decompus nas palavras que estão no varal mais abaixo.

Pensamos juntos em como, nas fotografias, há a recorrência de alguns padrões, como, por exemplo, as flores. Por que há pouquíssimas pessoas nas fotos? Há de fato uma ausência de pessoas e seus corpos nesse ambiente-escola? Entretanto, como estava posicionado o corpo na hora de tirar a fotografia? Como você interviria o próprio corpo nessas imagens? Que imagem desse ambiente-escola faríamos se o víssemos com o dedão do pé, com o calcanhar direito ou com o joelho esquerdo?

O que lhe chamou atenção? Como estava esse dia? Quais caminhos que os fotógrafos fizeram pela escola? Como os mapearíamos? Por quais lugares escondidos atravessaram? Olhar pelos olhos do outro.

O que a imagem diz do outro que a criou? Como você se colocaria na imagem do outro? Como você narraria o que está acontecendo ali? Busco propiciar pequenos exercícios, aberturas de espaço, para um diálogo com as diferenças. Deslocamentos e deslizamentos no olhar.

Por fim, concluo: o que essa imagem te desperta? Peço a duplas de estudantes que escolham uma imagem e uma palavra que de alguma forma os afetou, que os despertou o interesse. O afeto como principal mobilizador dessa escolha.

A partir da imagem e da palavra escolhidas, que tipo de história ou narrativa inventada poderia ser imaginada? O desafio é criar ou um poema, ou pequena narrativa ficcional sobre o ambiente da Escola Beatriz, tendo como inspiração uma imagem e uma palavra. Essas narrativas podem ser sobre os fotógrafos que tiraram a foto e o que estavam fazendo na escola. O que a goiabeira da escola, presente em uma das fotos, teria a nos narrar? Brotar narrativas dos olhares para esses ambientes-escolas (Figura 1).

FIGURA 1
PROLIFERAM BROTAMENTOS, RIOS, NATUREZAS...

A outra oficina que gostaríamos de apresentar, realizada no dia 15 de agosto de 2018, inspirou-se parcialmente por dinâmicas teatrais da obra de Augusto Boal (1983BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. 4. ed.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.), criador do teatro do oprimido3 3 O teatro do oprimido reúne reflexões teóricas, exercícios teatrais e jogos corporais elaborados pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal. Algumas de suas características são a busca pela democratização do teatro, a prática reflexivo-crítica com finalidade de uma transformação política e social, como também a contestação dos lugares de oprimido/opressor na sociedade. Uma pesquisa que apresenta com maiores detalhes a potência do teatro do oprimido, em especial nas suas aproximações e distanciamentos com a educação ambiental, é a dissertação “Educação Estética Ambiental e Teatro do Oprimido: Fundamentos e Práticas Comuns”, de Eduardo Silveira (2009). , assim como em experiências pessoais do primeiro autor com improvisação teatral:

Janela sobre o corpo A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa. - EduardoGaleano (1994GALEANO, Eduardo.As Palavras Andantes. São Paulo: L&PM, 1994.)

Após encontrar o professor Arthur e os estudantes, falo que a aula será no pátio de cima, onde faremos algumas dinâmicas um tanto diferentes. Uma atividade que envolverá o corpo, o ambiente e as relações entre eles.

Após subirmos todos em direção à quadra da escola, nós formamos um círculo no centro do pátio. Começamos por despertar corpos ainda sonolentos. Peço para que cada um inicie um alongamento (ou que inventasse um), para que o restante possa copiar. Eu e o prof. Arthur sugerimos, brincando, como os professores de ciências andam com o corpo travado.

Ponho para tocar uma música instrumental e peço para os alunos caminharem ao redor do círculo que está no meio da quadra, tendo primeiramente o desafio de ficar em silêncio. Os estudantes têm olhares de estranhamento... O que o nosso antigo professor de Ciências está querendo propor? Peço atenção para perceberem a forma que caminham e as sensações que acompanham esse deslocamento. Vagar aberto para a experiência e o acontecimento. Depois de um estranhamento inicial, o gelo vai derretendo e o corpo se aquecendo.

Solicito que olhem os companheiros. Como é difícil olhar o outro, e, reciprocamente, ser observado de volta. E, com as narrativas que vou construindo, o ambiente-escola se transforma. O corpo vai ficando pesado, denso, como se estivesse caminhando no fundo do mar. Sentir o ambiente como um escafandrista. Poucos instantes depois, o corpo é leve como uma pluma ou borboleta e a vontade é de pular, gritar, voar! Num dado momento, peço para inventarem um jeito estranho de caminhar, uma forma de se deslocar bizarramente pelo espaço. Única, singular. Gargalhadas reverberam no ambiente com as performances extravagantes que inventam.

Falo um número e uma parte do corpo. Que tal inventar encontros improváveis entre essas partes? Dois dedos indicadores. De forma bastante introspectiva, todos colam firmemente a ponta dos indicadores de suas mãos direita e esquerda. Três joelhos. Fica claro que isso só será possível numa relação com o outro. Quatro costas. E os corpos dos alunos compõem as mais curiosas arquiteturas na paisagem escolar (Figura 2). Parecem pitorescas pessoas-flores pululando pelo pátio da escola Beatriz!

FIGURA 2
RELAÇÕES QUE FLORESCEM.

Cinco dedões do pé. Seis calcanhares. Ocorre algum tipo de arte do encontro nesse ambiente-escola. Em especial quando nos permitimos afetar e desacostumar as sensações.

Solicito que os estudantes voltem a caminhar individualmente; porém logo já faço outro pedido pouco convencional: que eles se juntem com quem considerem ser o mais semelhante possível a si mesmos. Alguns alunos se juntam quase que instantaneamente em pares, como velhas amizades que se reencontram. Entretanto, vários deles ficam sós, esperando com quem se encontrar ou se relacionar. E não é que um desses estudantes afirma, enfaticamente:

- Ninguém é parecido comigo.

Logo após peço que formem dupla com alguém que é muito diferente de si mesmo. É instigante perceber como ninguém permanece sozinho dessa vez. Peço para observarem por alguns largos segundos nos olhos dessa pessoa que é tão diferente de si. Inclusive um dos estudantes reverbera seu olhar com o meu. Vibrar com a diferença, dançar com ela, como os escritos de Skliar me convidaram a fazer. E os sorrisos e risadas, mesmo que com certa timidez, invadem o espaço.

Num instante posterior, eu explico para eles a ideia dos planos alto, médio e baixo de ocupar o espaço no teatro. O desafio é criar as estátuas mais inventivas possíveis nesses diferentes planos. E as estátuas desses estudantes narram histórias surpreendentes de bailarinas e monges, garças e dragões, poetas e atletas, super-heroínas e funkeiros... Que incrível é o corpo, e como a performance o faz transmutar, revirar, reinventar! É curioso também observar as relações que vão se improvisando entre as estátuas (Figura 3).

FIGURA 3
OS CORPOS NARRAM, PERFORMAM E AFETAM.

Mas já vamos chegando na finalização... Acalmando os passos... Paramos. E voltamos ao círculo. Peço para que socializem essa breve experiência e as sensações que a acompanharam. Uma das estudantes fala sorridente como todas as aulas na escola deveriam começar assim, que faz a turma se unir e aproximar, “sair das panelinhas”.

Também converso com a turma sobre o quão desafiador é, como professor, fugir do encaixotamento disciplinar. Romper com a ideia do corpo-máquina que um tipo de ciência traz e pensar como esse mesmo corpo pode se constituir em criação, sensação, arte, dentre outras infinitas possibilidades. Rasurar também o ambiente desumanizado, e vê-lo se multiplicar nos encontros, nas relações e nos afetos.

Após me despedir do Professor Arthur e da turma, deixo o ambiente-escola da Beatriz com uma prazerosa festa no corpo.

A potência de vida do ambiente-escola

Neste artigo, propusemos o conceito de ambiente-escola com o intuito de destacar o quanto consideramos imbricados os dois elementos dessa composição conceitual, salientando como isso nos abriu possibilidades para criarmos práticas de educação ambiental instigadas pelas noções de encontros e afetos. Encontros que nos afetam. Afetos que nos encontram. Assim escolhemos pensar e fazer educação ambiental: compondo poéticas e narrativas a partir das multiplicidades, das diferenças que povoam o espaço da escola. Dessa forma, apontamos como tal conceito pode ser potente ao provocar estranhamentos e deslocamentos com relação a clichês e cristalizações que muitas vezes acompanham a educação ambiental que acontece nas escolas. Na nossa compreensão, a noção de ambiente-escola nos ajuda a romper com a ideia de que a escola seria um lugar sem naturezas - que entendemos como plurais -, ou que o ambiente é desumanizado, ausente das relações sensíveis e afetivas que podemos estabelecer com ele.

Dessa maneira, a educação ambiental que colocamos em experimentação pôde expandir o escopo do que ela é potencialmente capaz de mobilizar num ambiente escolar. Ao constituirmos uma compreensão mais ampla do que é um ambiente - lido, por sua vez, através da chave das diferenças e das relações -, experiências relevantes e singulares puderam ser desenvolvidas junto aos sujeitos que coabitam a escola. Nesse sentido, é interessante comentar que em alguns momentos, durante o desenvolvimento das oficinas na escola, percebemos reações de estranhamento, ou melhor, de não reconhecimento das ações que eram realizadas, como práticas de educação ambiental. Isso nos fez refletir sobre o quão familiares se tornaram algumas atividades escolares em educação ambiental, de tal modo que propostas que se diferenciam, escapando desses formatos, são vistas como algo que não é educação ambiental. Por isso, referimo-nos a uma educação ambiental enrijecida e cristalizada e nos movemos em busca de outras experimentações, conexões, narrativas, criações, tentando transfigurar o que se entende e se espera que seja educação ambiental.

Resgatando as perguntas lançadas na segunda seção desse artigo, entendemos como tais questionamentos foram fundamentais no movimento inventivo de uma pesquisa com inspiração cartográfica. As multiplicidades convergem, interagem, conflitam e transpassam o ambiente-escola de infindas maneiras. Pudemos ver, tanto na narrativa da primeira oficina quanto na segunda, como os estudantes afetaram e foram afetados por uma multiplicidade de seres e acontecimentos: uma goiabeira, um passarinho, uma fotografia, o olhar mútuo junto a um colega, os gestos teatrais a serem descobertos no próprio corpo...

Através desses encontros, a pesquisa proliferou narrativas e poéticas no ambiente-escola. Um exemplo instigante foram as escritas poéticas feitas pelos estudantes na primeira oficina, ao se defrontarem com as imagens familiares-estrangeiras feitas por eles mesmos há dois anos. Nessas experimentações, tecendo relações com as diferenças e as multiplicidades dos sujeitos presentes, buscamos deflagrar processos inventivos pela possibilidade de “deslizamento do olhar”. Contrapomos, assim, uma visão tecnocrata e produtivista de educação, que busca desertificar o ambiente-escola da sua potência de encontros e afetos para com a diferença. Portanto, apostamos na escola como uma força renovadora e inventiva, capaz de proporcionar espaços-tempos outros.

Antes de finalizar o texto, gostaríamos de dizer que consideramos fundamental levar de volta à escola algumas reflexões e produções que a mesma nos proporcionou com a pesquisa. Para isso, escolhemos um dia em que a escola abriu para a comunidade, possibilitando apresentações de suas produções, realização de oficinas, apresentações musicais, dentre outras atividades lúdicas e interativas. Fizemos, então, uma exposição das narrativas e poéticas dos estudantes e funcionários da Escola Beatriz, dentre um rico mosaico de atividades, afetos e encontros que aconteceram nesse dia. Encerramos o texto deixando ressoar um trecho do diário de campo escrito nessa ocasião:

Meus tsurus, os passarinhos de papel de diferentes cores e tamanhos que cuidadosamente dobrei nos dias que antecederam o evento, espalharam-se pela escola. Eles voam para debaixo dos galhos de hibisco na escola. Penduram-se numa corda de varal. Ocupam as paredes externas das salas de aula. Estão nos corredores, em frente à secretaria da escola. Cada um traz consigo narrativas e poéticas sob suas asas. São as imagens, falas e escritas que foram produzidas pelos sujeitos com os quais cruzei por essa escola. Tsurus que são uma tentativa de corporificar os afetos esvoaçantes que vivi na Escola Beatriz. Escola que é asa, vida em movimento, deslocamentos.

Abrem-se os portões e começam a chegar as crianças e os adolescentes. Alguns ainda sonolentos, outros já correndo e fazendo estripulias pelas áreas verdes da escola. Sons de vidas em devir, afetações no cotidiano. Antes de se perguntar o que será esse estudante quando crescer, o que é ele ou ela nesse instante? Em toda sua plenitude de ser e sentir? Força criadora que reinventa constantemente o ambiente ao seu redor.

Entre encontros e comprimentos, os profissionais dessa escola caminham para mais um dia de trabalho, seja na secretaria, no refeitório ou na coordenação. O professor entra na sala de aula. A lousa está vazia e nela cabem muitos, talvez infinitos, mundos.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Pesquisa financiada através de bolsa de estudos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • 2
    Esta pesquisa foi apresentada e aceita pelo Comitê de Ética da universidade a qual essa pesquisa está filiada, assim como os funcionários da escola e os responsáveis dos estudantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Já os estudantes assinaram um Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
  • 3
    O teatro do oprimido reúne reflexões teóricas, exercícios teatrais e jogos corporais elaborados pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal. Algumas de suas características são a busca pela democratização do teatro, a prática reflexivo-crítica com finalidade de uma transformação política e social, como também a contestação dos lugares de oprimido/opressor na sociedade. Uma pesquisa que apresenta com maiores detalhes a potência do teatro do oprimido, em especial nas suas aproximações e distanciamentos com a educação ambiental, é a dissertação “Educação Estética Ambiental e Teatro do Oprimido: Fundamentos e Práticas Comuns”, de Eduardo Silveira (2009)SILVEIRA, Eduardo. Educação Estética Ambiental e Teatro do Oprimido: Fundamentos e Práticas Comuns. 2009. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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