Acessibilidade / Reportar erro

Campo, habitus e illusio - a tríade conceitual de Pierre Bourdieu no exercício de investigar a constituição de um subcampo acadêmico (das mídias e tecnologias) na Educação Física brasileira1 1 O texto contou com apoio do Edital n. 06/2022/PPGED/PROAP/UFS - Programa de Apoio ao Pesquisador à Pós-Graduação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe.

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa caracterizada como uma sociologia histórica do subcampo das mídias e tecnologias (M&T) no interior do campo da Educação Física (EF) brasileira, com os conceitos bourdieusianos de campo, habitus e illusio, procurando inventariar e analisar a constituição e consolidação desse movimento na EF. Metodologicamente, configurou-se como uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, procurando compreender esse campo e suas condições de possibilidades. Apresentamos e analisamos as entrevistas com nove agentes do referido espaço social, que ocuparam/ocupam estruturas de poder no interior do subcampo, coordenando o Grupo de Trabalho Temático Comunicação e Mídia do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Foi possível organizar cinco eixos interpretativos, fortemente relacionados aos três conceitos que sustentaram epistemologicamente a pesquisa: (1) O subcampo das M&T no campo da EF brasileira: origem, conflitos, contemporaneidade; (2) A legitimidade social e acadêmica da EF; (3) Formação cultural e aspectos interdisciplinares: o habitus e as implicações na universidade e na escola; (4) Sociodinâmica cultural e implicações na universidade e na escola; (5) Afeto como interesse desinteressado: decodificação de mecanismos da illusio. Concluímos que todo esforço de capitalização desse “jogo científico” realizado pelos agentes (enquanto rede de sociabilidades) vai dando destaque ao subcampo, como estratégia e esforço coletivo de seguir de maneira intensa o objetivo de aumentar a legitimidade acadêmica, científica e social da EF brasileira, agora com as contribuições das ciências sociais e humanas.

Palavras-chaves:
Sociologia histórica; Campo da Educação Física; Mídias e tecnologias; Legitimação; Habitus; Illusio

ABSTRACT

This article presents a research characterized as a historical sociology of the subfield of media and technologies (M&T) within the field of Brazilian Physical Education (PE), with the Bourdieusian concepts of field,habitusandillusio, seeking to inventory and analyze the constitution and consolidation of this movement in PE. Methodologically, it was configured as a qualitative research, of the case study type, seeking to understand this field and its conditions of possibilities. We presented and analyzed the interviews with nine agents of the aforementioned social space, who occupied/occupy structures of power within the subfield, coordinating the Communication and Media Thematic Working Group of the Brazilian School of Sport Sciences. It was possible to organize five interpretative axes, strongly related to the three concepts that epistemologically supported the research: (1) The subfield of M&T in the field of Brazilian PE: origin, conflicts, contemporaneity; (2) The social and academic legitimacy of PE; (3) Cultural formation and interdisciplinary aspects: thehabitusand the implications in the university and in school; (4) Cultural sociodynamics and implications in the university and school; (5) Affect as a disinterested interest: decodingillusio’s mechanisms. We conclude that every effort to capitalize on this “scientific game” carried out by the agents (as a network of sociability) is giving prominence to the subfield, as a strategy and collective effort to intensely pursue the objective of increasing the academic, scientific and social legitimacy of Brazilian PE, now with contributions from the social sciences and humanities.

Keywords:
Historical sociology; Physical Education Field; Media and technologies; Legitimation; Habitus; Illusio

Considerações iniciais: contextualização da pesquisa

Conforme aprendemos com Bourdieu (2005BOURDIEU, Pierre. Esboço para uma auto-análise. Tradução de Victor Silva. Lisboa: Edições 70 Lda., 2005., p. 15), “Compreender é, em primeiro lugar, compreender o campo em que nos fizemos e contra o qual nos fizemos.” Nesse sentido, o texto em tela é síntese de uma pesquisa de doutoramento em Educação (MEZZAROBA, 2018MEZZAROBA, Cristiano. A formação e constituição de um subcampo acadêmico: a mídia-educação na Educação Física - configurações, perspectivas e inflexões, 2018. 493f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.), que procurou investigar e compreender, a partir de uma perspectiva da sociologia do conhecimento, o interior de um subcampo acadêmico (das mídias e tecnologias - M&T) na Educação Física (EF) brasileira, entendendo-o como um microcosmo de um campo científico.

Para tal intento, acionou-se o constructo teórico do sociólogo francês Pierre Bourdieu, com os conceitos de “campo”, “habitus” e “illusio”, que permitiu constatar novos saberes que vão se espalhando pelo campo da EF, ou seja, para além da histórica influência das ciências biológicas, evidenciou-se a participação das ciências sociais e humanas (CSOH) neste campo. Com isso, temáticas específicas ganharam visibilidade nas últimas décadas, impulsionando uma produção e veiculação do conhecimento que parece indicar, pelo salto quantitativo identificado, certa autonomia específica de cada um desses temas no interior da EF, embora isso ainda não seja convertido em razão da legitimidade acadêmica, escolar e social da EF.

Assim, neste caso específico investigado, consideramos como subcampo um determinado microcosmo, isto é, dos agentes que vêm se debruçando às questões da M&T no campo da EF. Para isso, procuramos entender os contornos desse subcampo, as práticas de seus agentes, as configurações e movimentações que ocorrem nesse interior enquanto relação dialética entre subcampo-campo, bem como, melhor compreender os fins dessas práticas (no campo científico, nas formações de professores, nos contextos escolares), em que nossa hipótese lançou como possível resposta a incessante busca pela legitimidade científica da EF.

O objetivo geral da pesquisa foi inventariar e analisar a constituição e consolidação desse movimento na EF brasileira, que vem se aproximando e relacionando com um conjunto de saberes, práticas e investigações que tem na mídia e nas tecnologias seu foco de interesse e intervenção (gerando o que se tem denominado de mídia-educação na EF), bem como, analisar o papel dos agentes (e o habitus que vai sendo produzido e incorporado) que são considerados precursores e mantenedores dessa produção de conhecimento específica, identificando e compreendendo mecanismos de como seguem “jogando o jogo” (a illusio).

Com o conceito de campo de Bourdieu (2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004a.), aprendemos que estamos diante de uma estruturação objetiva e social, definido como um espaço de lutas relacional entre agentes que compartilham das mesmas práticas, saberes e discursos, tendo como elemento de disputa o poder simbólico que tais agentes produzem e dão seu valor/reconhecimento. Esse poder simbólico pode ser convertido em capital econômico, ou capital cultural, ou mesmo em capital científico, no caso do campo científico. Bourdieu (2004b, p.20) assim define “campo”: “[...] o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. [...] A noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis próprias.”

Para acessar, atuar e participar de um campo é necessário ser iniciado em seus códigos, dinâmicas internas e suas práticas. Todos esses elementos podem ser considerados formas de incorporação de estruturas de percepção oriundas dos espaços sociais, ou seja, temos nesses exemplos a noção de habitus, que, conforme Bourdieu (2001aBOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a., p.61), trata-se de uma “hexis” e “[...] indica a disposição incorporada, quase postural [...] de um agente em acção”, algo que vai sendo interiorizado pelos sujeitos, pela incorporação de esquemas: “[...] as estruturas mentais através das quais eles [agentes] apreendem o mundo social” (BOURDIEU, 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004a., p.158).

Nessa relação entre campo e habitus, entre espaço social e agente, há que se considerar o conceito de illusio, que se trata da noção de estar e se constituir no jogo, “jogar o jogo”, para poder legitimar essas práticas e esses interesses, ao mesmo tempo que capitaliza esse campo nas trocas que ele faz acontecer. Conforme Bourdieu (1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b.), a illusio é uma libido, um interesse que proporciona um enorme “prazer de jogar” dentro do contexto de um campo de acordo com o habitus já incorporado. É ela, a illusio, que permite a manutenção do campo para se reforçar e ganhar autonomia, almejando a sua consolidação e legitimidade, porque ao se ampliar o poder simbólico de um determinado grupo, amplia-se o do campo.

Assim, nosso interesse foi articular como ocorre a construção social desse subcampo das M&T no interior do campo da EF, pois, existindo esse espaço social, há a possibilidade das trajetórias sociais se materializarem a partir de outras formas de conhecimento, não mais pela matriz das ciências biológicas, e sim, pela “contaminação” das CSOH.

Se os conhecimentos em torno daquilo que inicialmente se denominou de “educação para as mídias” (BELLONI, 2001BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2001.) e que hoje vimos chamando de “mídia-educação” (FANTIN, 2006FANTIN, Monica. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil-Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.) tem sua origem ainda na década de 60, na Europa, e no Brasil, por volta dos anos 80, é importante considerar que esse movimento de aproximação e tematização das M&T quando pensadas pela EF tem seu início em meados da década de 90 do século XX (CARVALHO; HATJE, 1996CARVALHO, Sérgio; HATJE, Marli. Proposta de desenvolvimento de um novo conhecimento na e para a EF e a Comunicação Social no Brasil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 17, n. 3, p. 260- 265, 1996. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/858. Acesso em: 22 jul. 2022.
http://revista.cbce.org.br/index.php/RBC...
; BETTI, 1998BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte, televisão e EF. Campinas/SP: Papirus, 1998.; PIRES, 2002PIRES, Giovani De Lorenzi. Educação Física e o discurso midiático: abordagem crítico-emancipatória. Ijuí/RS: Unijuí, 2002.), portanto, algo bastante recente.

Passados esses anos, em torno de duas décadas, vemos um conjunto de agentes investigando possibilidades quanto à M&T em relação aos conteúdos da EF, como por exemplo, o “Grupo de Trabalho Temático Comunicação e Mídia do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte2 2 O CBCE, criado em 1978, configura-se como uma das principais entidades científicas da EF brasileira com foco na EF/Ciências do Esporte, e congrega professores(as) e pesquisadores(as), a partir de Secretarias Estaduais e de 13 Grupos de Trabalhos Temáticos (GTT): Atividade Física e Saúde; Comunicação e Mídia; Corpo e Cultura; Epistemologia; Escola; Formação profissional e mundo do trabalho; Gênero; Inclusão e Diferença; Lazer e Sociedade; Memórias da EF e Esporte; Movimentos Sociais; Políticas Públicas; Treinamento Esportivo. ”. Foi a partir dos 9 (nove) coordenadores desse espaço científico, entre 1997 e 2017, que selecionamos os sujeitos da pesquisa e com eles realizamos entrevistas semiestruturadas para analisar esse microcosmo científico da EF.

Em decorrência da limitação espacial para a realização deste artigo, o texto foi organizado de modo a apresentar uma visão panorâmica e abrangente da pesquisa como um todo, tratando de expor os resultados obtidos nos 5 (cinco) eixos analíticos constituídos por meio do cruzamento entre os objetivos da investigação, as questões teóricas e parte do material empírico produzido por meio das entrevistas. Assim, na sequência, após descrevemos os procedimentos metodológicos empregados, apresentamos e analisamos esses eixos interpretativos, e, depois, retomar aspectos centrais das análises nas considerações finais.

Procedimentos metodológicos

Dentro de uma perspectiva da sociologia do conhecimento (BERGER; LUCKMANN, 2014BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014.), o estudo empreendeu uma sociologia histórica (VALLE, 2018VALLE, Ione Ribeiro. Sociologia histórica ou história sociológica? Diálogos a partir de Pierre Bourdieu. Tempos e Espaços em Educação, v.11, n.25, p.49-60, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v11i25.7502. Acesso em: 18 jul. 2022.
https://doi.org/10.20952/revtee.v11i25.7...
; BOURDIEU, 1996aBOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996a.) do campo da EF brasileira, mais especificamente de agentes que têm se dedicado a pesquisá-la a partir dos aspectos sociocultural e pedagógico, pensando em implicações acadêmicas e escolares em relação à M&T na EF. Assim, operou-se uma “perspectiva de dentro” (VELHO, 2003VELHO, Gilberto. O desafio da proximidade. In: VELHO, Gilberto.; KUSCHNIR, Karina. Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 11-19.), em que os autores se propuseram a uma “conversão do olhar”, estranhando e desnaturalizando o campo do qual fazem parte, na dialética entre familiaridade e estranhamento.

O microcosmo neste estudo de caso foram professores/as pesquisadores/as que exerceram mandato de coordenação no GTT Comunicação e Mídia3 3 O referido grupo atua em relação a estudos relacionados à comunicação, mídia e documentação, notadamente os meios (jornal, revista, TV, rádio, internet e cinema) no âmbito das Ciências do Esporte/EF. Além disso, segundo consta em sua ementa, procura realizar análise crítica e interpretação dos processos de produção, difusão e recepção das informações, das mídias e tecnologias comunicacionais e suas implicações políticas, econômicas, culturais e pedagógicas. no interior do CBCE, desde seu surgimento, em 1997, até o momento de realização da investigação (final de 2017).

A partir da eleição dos agentes que seriam os sujeitos da pesquisa (9 ex-coordenadores do GTT, posição de destaque nesse espaço social), fez-se um mapeamento de sua produção científica, que, em seu conjunto, permitiu uma análise documental, inserida no trabalho como uma “genealogia do subcampo”4 4 Foram analisadas publicações dos agentes deste campo científico ao longo de 20 anos (1996-2016), totalizando 13 textos. Em função de priorizar os dados relativos às entrevistas, não traremos essa discussão neste texto. Sugerimos ver Mezzaroba (2020) para compreender a análise genealógica da produção acadêmica desses sujeitos. . A partir da análise desse conjunto de fontes documentais, um roteiro de entrevista foi sistematizado, composto por dois blocos de questões, o primeiro, de identificação e caracterização dos sujeitos da pesquisa e suas relações com a EF, M&T e esporte (com 7 questões), e o segundo bloco focado em questões específicas quanto à mídia-educação e EF, possibilidades, perspectivas e inflexões (com 11 perguntas).

As entrevistas ocorreram individualmente, tiveram o áudio gravado, foram transcritas e retornaram para os sujeitos para ajustes e correções. Resultaram em cerca de 20 horas de gravações, gerando 350 páginas de material transcrito, além das fontes que compuseram a etapa de análise documental (mas que, como dito, não serão objeto detalhado deste artigo).

Apresentação e análise dos dados: os cinco eixos interpretativos

Bourdieu (1996aBOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996a., p.292) considera que “Toda trajetória social deve ser compreendida como uma maneira singular de percorrer o espaço social, onde se exprimem as disposições do habitus”. Assim, os 9 (nove) sujeitos da pesquisa5 6 Para garantir o anonimato, utilizaremos a abreviação de seus nomes. Temos, assim, os/as seguintes sujeitos: GI, AL, MA, CE, TA, GU, FE, ON, DO. Ao observar e analisar suas trajetórias e capital científico, percebemos que há uma diversidade nas suas trajetórias, bem como na maneira como lidam com as práticas acadêmicas e seus interesses. Todos/as demonstram seu envolvimento com o jogo acadêmico-científico, expondo habitus e implicações nas universidades e nas escolas. foram selecionados por serem pesquisadores que, nas suas trajetórias, alimentaram esse subcampo das M&T, ao mesmo tempo que foram produtos dessa estruturação social na EF brasileira. Na sequência, apresentamos o material empírico, organizado em 5 eixos interpretativos, operação realizada a partir das interpretações oriundas por aglutinação, recorrência e regularidade dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa.

O subcampo das M&T no campo da EF brasileira: origem, conflitos, contemporaneidade

Trazemos aqui uma relação entre o contexto de surgimento histórico daquilo que temos denominado como o subcampo das M&T na EF, as dinâmicas internas do próprio campo/subcampo - e aí suas cisões e conflitos, uma das principais premissas do conceito de campo bourdieusiano -, e outras duas importantes questões que emergem nesse transcurso histórico e que foram apontadas e explicitadas pelos sujeitos da pesquisa, isto é, a preocupação com a endogenia e inflexões que se realizam no próprio subcampo, e o surgimento daquilo que denominamos como “gerações” ou “linhagens” no desenvolvimento do subcampo.

Observamos nas falas dos sujeitos da pesquisa a identificação de um lócus de origem6 7 O campo da EF está em contínua transformação: inicialmente amparado em modelos médicos/biológicos e sob várias influências (militares, esportiva, pedagógica), hoje também recebe influência das CSOH. Dois momentos costumam ser reconhecidos como marcadores históricos da EF: a década de 1930 (engendramento do campo) e a década de 1980 (com a “contaminação” dos elementos sociais e das humanidades) (PAIVA, 2004). dessa movimentação no interior da EF brasileira quanto à temática das M&T, ou seja, pesquisadores citados - como Sérgio Carvalho, Mauro Betti, Giovani Pires e Alfredo Feres Neto - transitavam pelo estado de São Paulo, realizando suas pós-graduações em instituições como USP e UNICAMP, no início da década de 1990. Após tal momento histórico, esses pesquisadores retornam às suas instituições de origem (como UFSM e UFSC), e iniciam seus trabalhos acadêmicos articulando mídia, comunicação e tecnologias com a EF.

Observou-se, nas falas, que ocorre um discurso autorreferente, uma autoimagem que o (sub)campo faz de si mesmo, ou seja, os agentes relatam, contextualizam, justificam suas ações sempre a partir de determinadas estruturas sociais/históricas do próprio campo, no qual se moveram ou se movem, sendo determinados e determinando possibilidades formativas das questões das M&T com EF, evidenciando a dialética campo/habitus que Bourdieu (2001aBOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a., p.62) exprimiu quanto às estruturas cognitivas serem homólogas à própria estrutura do campo.

É possível constatar nas entrevistas que essas primeiras iniciativas ocorreram no decorrer dos anos de 19907 7 Esse dado também é corroborado na referida análise genealógica da produção acadêmica dos sujeitos da pesquisa/agentes do campo (MEZZAROBA, 2020). , com o “Grupo de Santa Maria/RS8 8 A informação sobre o “Grupo de Santa Maria” é mencionado nas entrevistas de GI e MA. ”, seguindo-se com a criação do GTT Comunicação e Mídia no CBCE9 9 Conforme citado na entrevista de AL e de FE. Este último, por sua vez, comentou: “[...] eu participo do GTT pela primeira vez em 1997 [...] Então, eu penso que o campo começa [...] ali no início da década de 1990, mas ele começa a se consolidar com o Conbrace de 1997 [...]” (FE, 2017, p.26-27). , em paralelo com a criação do Grupo Temático Comunicação e Esporte pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

A partir da teoria bourdieusiana sobre o campo e o trabalho de seus agentes, podemos inferir que esses professores, ao longo de suas trajetórias, angariaram um tipo de capital científico que no campo da EF permitiu um tipo de reconhecimento dos demais agentes que seguiram-se pelo (sub)campo, a partir daquilo que Bourdieu (2001aBOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a., p.53) considerou quanto ao capital científico ser uma “[...] espécie particular de capital simbólico”.

Contemporaneamente, esse subcampo das M&T na EF muitas vezes é também chamado de mídia-EF ou mídia-Educação (Física) ou mesmo mídia-educação na EF - o que, já se revela, nas próprias terminologias, possíveis disputas internas no subcampo, como veremos a seguir -, e conforme observamos na análise das publicações dos agentes do subcampo (MEZZAROBA, 2020MEZZAROBA, Cristiano. A mídia, as tecnologias e a Educação Física no Brasil: uma descrição genealógica. Revista Tempos e Espaços em Educação, v.13, n.32, p.1-12, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.13065. Acesso em: 08 jul. 2022.
https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.1...
), vem apresentado um grande aumento quantitativo e transformações nas abordagens qualitativas, embora seus agentes sigam considerando que ainda falta uma transposição desse conhecimento para as práticas pedagógicas da EF escolar.

Pertencer aos quadros de liderança de grupos de pesquisa, constituir-se membro de entidades científicas, como o próprio CBCE, atuando na comissão científica dos grupos de trabalho temáticos, como foi/é o caso dos sujeitos investigados, garante-lhes condições de possibilidades diferenciadas, seja nas decisões políticas tanto do GTT como do próprio CBCE, convites a eventos, possibilidades de publicações etc. - evidenciando um trabalho que, ao mesmo tempo que impulsiona os agentes, move e estrutura o subcampo.

Os conflitos internos e as cisões apareceram com muita frequência nos relatos dos entrevistados, corroborando os escritos de Hallal e Melo (2017HALLAL, Pedro C.; MELO, Victor Andrade de. Crescendo e enfraquecendo: um olhar sobre os rumos da EF no Brasil. Rev. Bras. Ciências Esporte, n. 39, v.3, p. 322-327, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.002. Acesso em: 23 jul. 2022.
https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.0...
, p.325), de que a EF é uma “[...] área muito fragmentada, composta por subáreas diversas que pouco interagem”. O simples ato de nomear momentos, configurações e movimentos teóricos já explicita um conflito no interior do campo (M&T, comunicação e mídia, educação para/com as mídias/meios, mídia-educação etc.). A delimitação dos objetos de investigação também (cultura corporal, cultura de movimento, cultura corporal de movimento, atividade física etc.). As disputas curriculares evidenciam cisões maiores, principalmente quanto à formação de licenciados e a de bacharéis.

Em síntese, o campo configura-se como heterogêneo (quanto às origens, formações, filiações teóricas, atuações profissionais, interesses de pesquisa etc.) e essa heterogeneidade, ao mesmo tempo, pode pender para algo positivo, no sentido do campo abraçar as diversidades temáticas (e ampliar as fronteiras da própria EF), como também para algo negativo, interpretado como um campo de difícil interlocução e diálogo diante de tantas diferenças.

Um dos conflitos10 10 FE (2017, p.48): “[...] temos dois campos, que não dialogam, como se fossem duas coisas diferentes!”. TA (2017, p.16), questionou: “[...] que campo da EF é esse, por que que eu preciso estudar biologia e preciso estudar anatomia e preciso estudar filosofia e estudar psicologia”. Na entrevista de ON (2017, p.11), novamente é explicitado: “[...] de que saber trata a EF... a matriz vem de onde? Se eu me filio mais às humanas né, eu tenho uma série de respostas... se eu me filio mais a qualquer outra, se for pensar, por exemplo, as subáreas na pós-graduação [...] são essas três: sociocultural, pedagógica e biodinâmica.” Na entrevista de MA (2017, p.9) há exposição desses conflitos: “[...] é um campo extremamente heterogêneo... tenho dificuldade de definir o que tá acontecendo...” e “A EF trata de algo que é simultaneamente biológico e cultural!” (MA, 2017, p.24). aparece nas disputas quanto à EF pertencer às ciências naturais versus CSOH, ou mesmo quando já se considera a sedimentação das CSOH nesses saberes da EF e os conflitos que são gerados em decorrência disso, o qual também tem ressonância nos discursos relacionados às divisões da formação em EF11 11 Conforme Mezzaroba e Zoboli (2013), os cursos de licenciatura e bacharelado seriam uma das implicações de um “casamento mal sucedido” entre Educação Física e ciência, configurando-se em duas perspectivas de formação acadêmica em nível de graduação que possuem tênues limites de conceituação epistemológica, atravessados por relações e jogos de poder movidos pelas tensivas geradas por fundamentos ideológicos e praxiológicos assujeitados ao mercado de trabalho. E esse conflito na divisão da formação profissional em EF foi mencionado explicitamente nas entrevistas de GI (2017, p.7-8), GU (2017, p.8), TA (2017, p.14) e ON (2017, p.10). , ou seja, entre licenciatura versus bacharelado.

Outro tipo de conflito no interior do campo ocorre nas propostas dos programas de pós-graduação, pois, segundo Manoel e Carvalho (2011MANOEL, Edison de J.; CARVALHO, Yara Maria de. Pós-graduação na EF brasileira: a atração (fatal) para a biodinâmica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.37, n.2, p.389-406, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022011000200012. Acesso em: 06 jul. 2022.
https://doi.org/10.1590/S1517-9702201100...
, p.400), estas “[...] também resultam de lutas internas e externas pela hegemonia acadêmica”, até porque, neste nível de ensino - a pós-graduação - é que o “jogo” é jogado com mais intensidade pelos agentes, pela disputa política através das práticas científicas de produção/reprodução do campo (dominação/subordinação).

Também podem ser observados indícios de conflitos nas diferenciações teórico-epistemológicas dos investigados, que se expressam tanto em suas “preferências” quanto a um modo de ver o mundo, de pensar a EF ou mesmo a formação humana, como nas bases teórico-conceituais que declaram adotar, implicando, possivelmente, em modos de ação heterogêneos.

De acordo com Bourdieu (2001aBOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a., p.89), essa tensão dos agentes no interior dos campos científicos explicita-se porque se confrontam “[...] no interior deste jogo que é o campo, numa luta para fazer reconhecer uma maneira de conhecer (um objecto e um método), contribuindo para conservar ou transformar o campo de forças.” Especificamente em relação às disputas epistemológicas, Bourdieu (2001a, p.90) afirmará que o que está em jogo nas guerras epistemológicas “[...] é sempre a valorização de uma espécie de capital científico”. Nesse sentido, interrogar(-se) como o próprio subcampo se (auto)denomina é parte dessa disputa. Ao longo das entrevistas - assim como também é possível observar na análise da produção acadêmica do subcampo em questão (MEZZAROBA, 2020MEZZAROBA, Cristiano. A mídia, as tecnologias e a Educação Física no Brasil: uma descrição genealógica. Revista Tempos e Espaços em Educação, v.13, n.32, p.1-12, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.13065. Acesso em: 08 jul. 2022.
https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.1...
) - são explicitadas várias denominações quanto a este subcampo: educação para/com as mídias (BELLONI, 2001BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2001.), mídia-educação (FANTIN, 2006FANTIN, Monica. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil-Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.), mídia-Educação (Física), mídia-EF, mídia-educação na EF.

Falta-nos, ainda, dentro desse primeiro eixo interpretativo que foca o engendramento do subcampo das M&T no campo da EF brasileira, destacar a preocupação dos entrevistados com a endogenia, as inflexões sobre o próprio campo, bem como, a questão das gerações/linhagens.

Estar envolvido no/com o campo permite a cada um dos agentes um trabalho em rede de interações que ao longo do tempo vai se ampliando, principalmente pela rede de contatos e pela imersão no objeto M&T em relação à EF. O campo (e o subcampo) são produzidos também pela reprodução, afinal, todos os processos de socialização acontecem pela reprodução de estratégias, de ações, de habitus. Há uma abertura em relação aos processos de reflexão, de crítica e de produção acadêmico-científica que deve estar sempre presente em razão do próprio crescimento, fortalecimento e consolidação de qualquer campo, enfim, considerar que a heterodoxia envolve a possibilidade de oxigenar o que o campo produz, circula e reproduz.

Nesse sentido, a endogenia é considerada um problema que existe no campo da EF brasileira e que deve ser problematizada e evitada. Endogenia, academicamente, seriam práticas de produção, manutenção e reprodução contínuas e muitas vezes irrefletidas, dentro de um espaço social, que se dedicam a operar uma circularidade de uma produção específica que se retroalimenta e não dialoga, nem recebe críticas, tampouco questionamentos de uma comunidade externa, a fim de “desequilibrar” critérios de verdade criados por essa comunidade.

Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2015BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. 8ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2015., p.96) consideram a imprescindibilidade da crítica quando se está em jogo a produção do conhecimento, tendo em vista que “[...] a eficácia científica da crítica depende da forma e estrutura das trocas pelas quais ela se realiza [...]”.

Nas entrevistas, tivemos, muitas vezes, a utilização de termos como “gueto” (ON, 2017, p.30), “quintais” (DO, 2017, p.21), “faca de dois gumes” (MA, 2017, p.35), espaços “muito fechados” (TA, 2017, p.14) etc., ou seja, menções que direcionam para possíveis práticas endógenas no subcampo/campo. Hallal e Melo (2017HALLAL, Pedro C.; MELO, Victor Andrade de. Crescendo e enfraquecendo: um olhar sobre os rumos da EF no Brasil. Rev. Bras. Ciências Esporte, n. 39, v.3, p. 322-327, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.002. Acesso em: 23 jul. 2022.
https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.0...
, p.325), embora não tratem explicitamente quanto ao termo, ao exporem dados e argumentos quanto ao crescimento quantitativo da produção acadêmica da EF brasileira, consideram que paralelamente “[...] se dramatizaram os conflitos candentes”, enquanto espaços de convivência que se fragilizaram e se desvalorizaram em relação às trocas na produção/circulação do conhecimento na EF.

Percebe-se que a questão da endogenia é abordada no campo da EF, ainda que com algum “mal-estar”, isto é, sabe-se da sua existência, crê-se que é algo que deve ser colocado no debate, problematizado, combatido, evitado, mas não é um assunto que merece mais que breves comentários12 12 Como, por exemplo, em Molina Neto et al. (2006). quando aparece nas publicações, afinal, o campo costuma consagrar e explicitar apenas elementos que considera “positivos”, por isso seus “problemas” internos não devem ser expostos. Mas a saída para essa prática está, segundo Bourdieu (2001aBOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a., p.127), na reflexividade como crítica sociológica de todos por todos, a partir do que o referido sociólogo alertou quanto à necessidade da “vigilância epistemológica sociologicamente armada”.

Para encerrar as discussões no interior deste primeiro eixo interpretativo referente ao subcampo das mídias e tecnologias no campo da EF brasileira, falta-nos a discussão quanto às gerações ou linhagens. Foram termos que apareceram nas próprias entrevistas, sendo que “gerações” foi menção de CE (2017, p.19) e “linhagens” foi mencionado por FE (2017, p.37). Também apareceram expressões similares ou próximas de significado, como “organização linhageira” (FE, 2017, p.37-38) e “filiais” (TA, 2017, p.34). Tais denominações indicam haver, a partir de uma determinada matriz teórica/conceitual/metodológica, uma convergência de um trabalho individual e também coletivo, via incorporação de esquemas de percepção (o habitus), cuja formação acadêmica se realiza em escala geracional, diante de hierarquias acadêmicas e de formas de “joga o jogo” (a illusio).

Elas permitem o desenvolvimento de um trabalho em coletivos que alimentam o campo/subcampo, o que, sob determinada análise, configura-se como algo ambíguo, pois, ao mesmo tempo em que comporta um fortalecimento e consolidação dessas experiências, também pode ser uma estratégia que fragiliza esse espaço, no sentido dessas práticas levarem aos perigos da endogenia e falta de oxigenação das discussões/pesquisas/práticas, pela “obrigação” que alguns novos pesquisadores podem sentir nas suas relações com ex-orientadores/as.

Essas estratégias de reprodução e conservação do subcampo ocorrem via processos de socialização, como nos mostra Bourdieu (2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004a., p.95). O termo “gerações” é entendido aqui não em relação a uma faixa etária específica, mas às formas observadas de visualizar o engendramento de quadros acadêmico-científicos que se comportam como se fossem de uma mesma “família” (filiação teórica/metodológica, geograficamente localizada, com objetos de interesse em comum), que vão se ramificando. Como descreve Bourdieu (2004a), o espaço social define proximidades e afinidades, e esse mesmo espaço social produz, em alguns contextos, linhagens que vão se reproduzindo, seja para conservar o campo, seja para trazer novas possibilidades à ele (trata-se da luta por volume de capital científico).

Esse processo de formação de linhagens específicas também se relaciona, sob a ótica bourdieusiana, na atração que um capital tem sobre outro, neste caso, ocupar uma posição de destaque no campo, com poder de distribuir esse capital simbólico (pertencer aos quadros de programas de pós-graduação, o melhor exemplo neste caso), permite “repassar” heranças teórico-conceituais àqueles que pretendem herdar esse capital científico, inicialmente conservando o campo, a partir de sua inserção e atuação neste mesmo campo - sob a ótica bourdieusiana, temos a possibilidade de pensar o campo pelas posições e disposições.

A indeterminação nos processos de produção e reprodução das “gerações” ou “linhagens” pode permitir que nas sucessões geracionais haja espaço para a heterodoxia, para o novo, para o diferente daquilo que vem sendo feito devido aos processos de reprodução do campo, que majoritariamente tendem a conservá-lo, evitando qualquer forma de “revolução”.

A legitimidade social e acadêmica da EF

Reiteradamente os sujeitos investigados apontaram a questão da legitimidade da EF quando relatam o trabalho diante de uma temática ou de um conjunto de saberes aos quais se dedicam, ou seja, o esforço realizado “se soma” às estratégias de pesquisadores, professores e agentes do campo da EF como um todo, no sentido de batalhar por uma maior legitimidade. Esta, como se sabe, advém do reconhecimento social, busca incessante e consciente por todos/as aqueles/as que se dedicam à EF, e, claro, também almejam prestígio acadêmico-científico.

De acordo com Berger e Luckmann (2014BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014.), a legitimação envolve um processo de objetivação, sedimentação e acumulação do conhecimento. Para tais autores, é esse processo de “explicação” e justificação na transmissão a uma nova geração, que implica valores, mas também conhecimento: “A legitimação não diz apenas ao indivíduo por que deve realizar uma ação e não outra; diz-lhe também por que as coisas são o que são. [...] o ‘conhecimento’ precede os ‘valores’ na legitimação das instituições.” (BERGER; LUCKMANN, 2014BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014., p.124).

O CBCE é reiteradamente citado pelos entrevistados como uma instituição responsável por permitir uma aglutinação de temáticas e concepções que, do ponto de vista epistemológico, alargaram o campo da EF brasileira, ou seja, a institucionalização dessa temática das M&T se dá a partir do surgimento do GTT Comunicação e Mídia em 1997 (e em paralelo, com a criação de um mesmo espaço temático no campo da comunicação social, na INTERCOM).

Talvez o CBCE seja citado como a instituição cujo espaço social permita aglutinar as coletividades em prol de seguir a tentativa de legitimar socialmente a EF no Brasil, principalmente aquela relacionada à área sociocultural e pedagógica. Conforme Molina Neto et al. (2006, p.150), essa instituição científica se “[...] constitui um fórum privilegiado de certificado da qualidade científica das pesquisas desenvolvidas no campo de conhecimento EF/CE”, atuando como “órgão legitimador de conhecimento” (p.160).

Podemos considerar também que é pelo GTT Comunicação e Mídia desta entidade científica que se “legitima” a principal forma de “entrar” no campo, pois mesmo que haja várias entradas para o subcampo, é o referido GTT que organiza e permite “jogar” esse jogo com as M&T na EF brasileira. O papel do CBCE como instituição fomentadora de “outras e novas Educações Físicas” pode ser analisado a partir daquilo que Berger e Luckmann (2014BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014., p.77) comentam quanto às instâncias institucionalizadoras que produzem o conhecimento da sociedade, implicando “[...] a historicidade e o controle”.

É possível identificar nas entrevistas aspectos relativos à dificuldade pela busca de legitimidade para EF brasileira, pois, de um lado, há considerações que pendem para características que confirmam a dificuldade de atribuirmos importância a este campo (o “olhar estigmatizado” - TA, 2017, p.9) a quem é “da EF”, a escassez de políticas educacionais e de fomento à pesquisa, as opiniões que consideram que “a EF não avançou” (GU, 2017, p.7), a não repercussão da produção do conhecimento no campo de intervenção, bem como a força da “tradição” (GU, 2017, p.20). Por outro, os exemplos também explicitam elementos que indicam uma trajetória de legitimação à EF: quando mencionam a “visibilidade de boas práticas” (GI, 2017, p.29, p.57), quando consideram o aumento da produção (AL, 2017, p.28) e veiculação desse conhecimento, assim como utilizam suas próprias ações (ON, 2017, p.29) para mostrar o que cada um tem feito para “comprovar” a importância desse campo no Brasil (CE, 2017, p.16).

Temos um paradoxo importante aqui: se considerarmos apenas os aspectos quantitativos, pelo fato dos agentes apontarem que têm havido grande crescimento quantitativo na produção do conhecimento da EF brasileira, é possível se falar em consolidação e, portanto, em legitimação. Mas esse movimento ocorre em relação à produção acadêmica, sem gerar implicações diretas e na mesma proporção no contexto escolar. Verifica-se, neste caso particular dentro do campo da EF, aquilo que Hallal e Melo (2017HALLAL, Pedro C.; MELO, Victor Andrade de. Crescendo e enfraquecendo: um olhar sobre os rumos da EF no Brasil. Rev. Bras. Ciências Esporte, n. 39, v.3, p. 322-327, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.002. Acesso em: 23 jul. 2022.
https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.0...
) identificaram como sendo um processo paradoxal quanto ao crescimento quantitativo da produção não gerar um aumento qualitativo em torno de sua consolidação e, portanto, da legitimação da EF.

Portanto, a busca por legitimação configura-se como um elemento constitutivo da ideia de campo na EF brasileira, sendo que os sujeitos (1) apontam reflexões e problemáticas em torno dessa questão tanto para a EF, de forma geral, (2) como para àqueles que se dedicam às M&T, bem como (3) chamam atenção para a necessidade de se aproximar do contexto escolar e lá reverberar esse conhecimento, mencionando o distanciamento entre universidade e escola. Uma das maneiras de dar conta dessa tarefa passa pelo contínuo exercício de inventariar e avaliar essa produção, algo em constância no interior do CBCE (MOLINA NETO et al., 2006MOLINA NETO, Vicente et al. Reflexões sobre a produção do conhecimento em EF e Ciências do Esporte. Rev. Bras. Ciências Esporte, Campinas, v.28, n.1, p.145-165, 2006. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/44/52. Acesso em: 13 jul. 2022.
http://revista.cbce.org.br/index.php/RBC...
).

Nessa mesma direção, Pires e Pereira (2016PIRES, Giovani De Lorenzi; PEREIRA, Rogério Santos. Educação Física, esporte, lazer e TICs: trajetória, demandas e perspectivas para a docência e a pesquisa no Século XXI. In: MOREIRA, W.W Wagner Wey et al.; NISTA-PICCOLO, V.L. EF e esporte no Século XXI. Campinas: Papirus, 2016, p.235-266.) argumentam que a consolidação (no subcampo investigado) está relacionada ao próprio movimento da mídia-educação no Brasil, entendido como um espaço de atuação pedagógica e que a EF, nesse contexto, também contribui quanto aos desafios da cultura midiatizada no que tange as questões da cultura corporal de movimento. Esses autores expõem limitações quanto à consolidação do subcampo: (1) número reduzido de pesquisas e propostas de intervenção; (2) dificuldades de inserção nos currículos dos cursos de formação; (3) concentração de estudos quanto a produtos midiáticos/meios.

Como nos dizem Berger e Luckmann (2014BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014., p. 143), “[...] o material do qual são feitas as legitimações de conservação do universo é principalmente uma elaboração posterior, em um nível mais alto de integração teórica, das legitimações das várias instituições.” Observando e analisando todas essas movimentações, ações, estratégias e disputas que vão acontecendo, é possível considerarmos que, embora haja dificuldade em afirmar que o campo da EF esteja consolidado, não restam dúvidas que tais agentes que se dedicam à temática das M&T, ainda que representem uma pequena parcela dentro do grande campo da EF, de forma intensa e incessante se utilizam das mais diversas estratégias para capitalizar cientificamente tal campo.

Formação cultural e aspectos interdisciplinares: o habitus e as implicações na universidade e na escola

Entendendo a formação cultural como algo mais abrangente, em seu sentido, inclusive, erudito, que permita ao sujeito realizar uma leitura crítica do mundo, alinhando-se àquilo que Bourdieu denomina como capital cultural; e considerando que aspectos interdisciplinares referem-se ao trânsito permeável e necessário das diferentes áreas do conhecimento, como uma espécie de “mestiçagem” que cria uma disputa e uma tensão ao mesmo tempo e que permite aos sujeitos terem outra postura (ampla/complexa) em relação aos seus objetos do conhecimento, este eixo interpretativo trata sobre a incorporação de esquemas de percepção dos agentes (habitus) que atuam e se dedicam ao campo da EF, explicitando implicações tanto na formação acadêmica, quanto nas práticas pedagógicas que ocorrem no contexto escolar.

Observar a trajetória dos sujeitos nos permitiu identificar particularidades em cada um/a deles, principalmente quanto às suas formações culturais mais amplas, geralmente com elementos interdisciplinares em suas formações e atuações. Trata-se de pensar a trajetória circunscrita e construtora de um campo social, com a incorporação de esquemas de pensamento e ações, no sentido como Bourdieu (2001aBOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a., p. 66) propõe quanto ao conceito de habitus: “[...] O habitus, como repeti inúmeras vezes, não é um destino [...] manifesta-se continuamente nos exames orais, nas exposições em seminários, nos contactos com os outros e, mais simplesmente, no aspecto físico, um porte, uma postura, que é a sua transcrição mais diretamente visível”.

O fato dos sujeitos da pesquisa se destacarem no interior do campo da EF, traçando novos rumos e possibilidades (com a potencialidade das M&T), deve-se, indubitavelmente, ao fato de serem agentes que em suas formações singulares de alguma maneira estiveram em contato com outros campos, como a comunicação social (caso de GI), a sociologia (caso de MA), a antropologia (FE), as artes (TA), a filosofia (AL), a semiótica (MA), a economia (DO), a pedagogia (CE), observável nas suas respostas, nas suas publicações, projetos de extensão, nas ementas e trato pedagógico das disciplinas que lecionam, nas orientações etc.

Esse conjunto de saberes das CSOH faz surgir no campo da EF brasileira uma particularidade que se manifesta na complexidade de pensá-la para além de seus aspectos tradicionais, historicamente vinculados ao conhecimento biomédico (que ainda predomina no campo) e à tecnicidade esportiva. Essas questões interdisciplinares impactam na maneira de “jogar o jogo”, em acessar e atuar - via illusio - na construção, manutenção e dinâmica do subcampo, conforme pode ser observado na entrevista de MA (2017, p.29): “[...] Eu não vejo um problema teórico que é só do campo, de EF e mídia, mesmo porque é um campo que é interdisciplinar, um campo atravessado por outros”. Assim, interdisciplinaridade pode ser compreendida como intercomplementaridade, em que uma especialidade se torna necessária à outra, e essa união “[...] de uma área potencializa as ações de outra(s)” (AUTH, 2005AUTH, Milton Antonio. Interdisciplinaridade. In: GONZÁLEZ, Fernando J.; FENSTERSEIFER, Paulo E. Dicionário crítico de EF. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 243-245., p.244).

No campo da formação acadêmica foi possível identificar, a partir das entrevistas, algumas estratégias dos agentes do campo, quanto às tentativas de incluir na formação em EF aspectos que outrora eram desconsiderados, como por exemplo, abordagens sociológicas (MA, FE), antropológicas (FE), filosóficas (TA), pedagógicas (DO), artísticas (ON) e estéticas (TA), e, claro, as relações com a M&T (aparecendo de forma unânime entre todos/as sujeitos da pesquisa), no sentido de promover o acesso à instrumentalidade desses artefatos, mas principalmente, abordagens críticas, reflexivas e criativas.

Bourdieu (1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b.) considera que o trabalho coletivo dos agentes que ocupam determinadas posições nos espaços sociais é realizado a partir da consciência de uma função e intencionalidade no sentido de se conservar ou transformar um campo: “[...] se o mundo social, com suas divisões, é algo que os agentes sociais têm a fazer, a construir [...] essas construções não se dão no vazio social” (BOURDIEU, 1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b., p.27). Os agentes investigados certamente têm essa noção, porque, estando no jogo, são sabedores da teia formativa da qual participaram e foram socializados. Por isso, agora, na condição de “formadores”, sabem da importância dessas práticas culturais “diferenciadas” no contexto formativo, ou seja, a tentativa consciente de gerar e garantir a transmissão de habitus, que, como explicitou Bourdieu (1996b, p.21-22), são “[...] princípios geradores de práticas distintas e distintivas [...].”

Como uma implicação desse contexto formativo que vislumbra ampliar possibilidades à EF, agora a partir da conjunção com as CSOH, os sujeitos pesquisados relatam a necessidade de dialogar com o campo escolar13 13 Absolutamente todos/as entrevistados fizeram menção às questões escolares. quando comentam seus interesses, ações e motivações.

É possível identificar nas declarações dos sujeitos da pesquisa-agentes do campo maneiras pelas quais procuram realizar transferências de suas trajetórias formativas interdisciplinares, no sentido de gerar implicações na formação de novos professores, evidenciando a dialética entre agentes e campo (BOURDIEU, 1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b., 2001a).

Em síntese, podemos considerar que a EF não se fecha em um campo, e só há possibilidade de um subcampo, o das M&T, por exemplo, por conta dos aspectos interdisciplinares e da formação cultural desses agentes.

Na discussão que operamos aqui a partir da empiria, o capital cultural está sendo entendido como formação cultural dos agentes, ou seja, a incorporação de vários conhecimentos ao longo de uma trajetória - contínua, incessante, acumuladora -, que lhes permitem uma compreensão sobre a realidade, o mundo, as formações, enfim, sobre suas práticas, que implica, também, em ocupar determinadas posições no campo/subcampo a ponto de, na sequência, realizarem suas intervenções com uma faceta mais sociocultural e pedagógica, principalmente, em como ativar todo essa diversidade de conhecimento num arsenal de proposições no campo escolar (com projetos de pesquisa, projetos de extensão, formações continuadas etc.).

Sociodinâmica cultural e implicações no campo da EF

Denominamos “sociodinâmica cultural” como um fenômeno que se revela pelo dinamismo das transformações sociais e culturais que a sociedade moderna produz e por elas é afetada, causando modos distintos de ação e reflexão em contínua e incessante atividade de interações sociais, como com as implicações das M&T, que vão surgindo e transformando as relações humanas, socializando novas gerações e impactando nossos modos de vida.

É perceptível nas considerações dos sujeitos investigados que os estudos que articulam mídia, comunicação e tecnologia no campo da EF brasileira vêm seguindo uma sociodinâmica de como as próprias tecnologias vão se configurando e, de certa forma, “ditando” padrões de comportamento, de conhecimento, de acesso à informação e de interações humanas, ou seja, há constantemente uma necessidade emergente em tratar como pauta investigativa (em relação à forma, ao conteúdo e aos seus objetos) aquilo que o momento presente traz como mais atrativo às questões que afetam os conhecimentos pertinentes ao campo da EF como prática científica (objeto de estudo) e como prática pedagógica (formas de intervenção).

Assim, num primeiro momento de configuração deste subcampo na EF brasileira, aparecem os estudos que se debruçaram em torno da mídia impressa. Na sequência, final dos anos 80 e início dos anos 90, a televisão foi se tornando meio hegemônico de comunicação. Em seguida, chega a internet, com todos seus avanços e possibilidades, e em sua esteira histórica, vemos, agora, as redes sociais se destacarem nos mais diversos dispositivos, como os móveis, por exemplo. Atualmente, poderíamos alargar esse conjunto midiático a partir do entendimento da cultura digital como algo intrinsicamente vinculada à vida diária e todas suas dimensões.

A maneira como essa sociodinâmica cultural afeta e é capturada pela dimensão investigativa expressa pelos sujeitos da pesquisa, revela a importância de estar atento a essas transformações e ao que é circulado na esfera midiática, porque implicam no fazer da EF (corpo e esporte, por exemplo), devendo ser desvelado, compreendido, criticado. Também revela uma riqueza e diversificação de formas metodológicas para dar conta dessas dinâmicas culturais.

Ao mesmo tempo, também podemos observar que, ao descreverem esses olhares e essas metodologias, os sujeitos da pesquisa novamente demonstram que são autorreferentes ao próprio subcampo, relatando e exemplificando suas práticas dentro de uma determinada estruturação possibilitada pelo subcampo, do qual são construtores e mantenedores, explicitando, assim, que as M&T se apresentam como novas formas de seguir a sua illusio no campo da EF, alargando as fronteiras do campo da EF com as M&T e os saberes das CSOH.

Significa dizer, a partir dos pressupostos bourdieusianos quanto à noção de campo, que a autonomia da EF é relativa, ela não está separada ou isolada de um contexto maior da própria sociedade, em que a mídia, por exemplo, é um desses elementos que a afetam, assim como documentos oficiais governamentais ou mesmo parâmetros curriculares que incidem em formas de abordagens pedagógicas no contexto escolar, bem como entidades científicas e de representações profissionais, ou mesmo o campo esportivo (pela sua legitimidade e poder econômico que adquiriu nas últimas décadas no mundo). Afinal de contas, como nos lembra Bourdieu (2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora da Unesp, 2004b.), o grau de autonomia de uma ciência depende de recursos econômicos.

Ao finalizarmos este eixo, salientamos que essas dinâmicas sociais e culturais no âmbito da sociedade implicam em formas de se repensar a EF, alargando, complexificando e trazendo novas questões (seja como objeto investigativo, seja como implicações na formação profissional e nas práticas pedagógicas da EF escolar), em que novos habitus vão sendo necessários para se constituir na illusio desse campo.

Afeto como interesse desinteressado: decodificação de mecanismos da illusio

Ao ouvirmos os agentes desse subcampo, reiteradamente ganha ênfase a questão da rede de relações afetivas (aparecendo, aqui, como um elemento desvelador das relações em torno daquilo que se diz do jogo científico, na figura de um capital simbólico que se reconverte em capital acadêmico-científico), que se estabeleceram no universo acadêmico e que vão sendo alimentadas com o passar dos anos, tendo o objeto de estudo (M&T) como aglutinador dessas relações que se mantêm e se consolidam, além, é claro, das apostas desses agentes do campo.

Podemos considerar, então, que a menção aos afetos que se circunscrevem àqueles/as que circulam pelo subcampo, trazendo suas pesquisas e discutindo publicamente, propondo parcerias em projetos diversos, ou mesmo mantendo relações interpessoais afetivas no interior do subcampo é uma maneira de “jogar o jogo” (seguir a illusio, portanto). Eles destacariam, num primeiro plano, um suposto caráter pretensamente desinteressado (BOURDIEU, 1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b.), embora haja claramente o interesse no capital científico e nas estruturas de poder e no que isso tudo implica ao agente no subcampo do qual participa/atua, ou seja, as “trocas”.

Segundo Bourdieu (2001bBOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro/RJ: Bertrand Brasil, 2001b., p.123-124), a illusio “[...] faz parte da ação, da rotina, das coisas que se faz e que se faz porque se fazem e na verdade sempre se fez assim. Todos aqueles engajados no campo, defensores da ortodoxia ou da heterodoxia, partilham a adesão tácita à mesma doxa que torna possível a concorrência entre eles”. Estar envolvido nesse “jogo” gera um sentimento de pertencimento em relação à necessidade de estar constantemente criando interesses. Segundo Bourdieu (1996b, p.140), “Todo campo social [como o campo científico] [...] tende a obter daqueles que nele entram essa relação com o campo que chamo de illusio.”

Enquanto “adesão coletiva ao jogo” (BOURDIEU, 1996aBOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996a.), a illusio produz uma disputa, que é velada, não necessariamente um embate, e assim os agentes se reconhecem como parte de um lócus social a partir de uma circularidade, tanto de capital científico como de aceitação no microcosmo, e dele acessarem posições de poder e reconhecimento, sendo o afeto um modo de circulação desse capital que funcionaria como uma “moeda de troca” (uma reciprocidade).

Observando a configuração do subcampo e as menções dos sujeitos da pesquisa, o interesse no objeto M&T é o que deu sentido de jogo no campo da EF aos que se dedicaram à temática, “[...] porque eles foram impostos e postos em suas mentes, em seus corpos, sob a forma daquilo que chamamos de o sentido do jogo.” (BOURDIEU, 1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b., p.140).

Assim, estar envolvido no jogo14 14 Devido à limitação espacial, trazemos alguns exemplos das entrevistas que explicitam como os sujeitos demonstraram seu “interesse desinteressado”: FE comentou que a constituição do subcampo ocorreu “por causa das correlações das relações pessoais, [...] de atores que resolve bancar as coisas juntos”, e que sua última participação em eventos foi “mais por motivo festivo do que acadêmico”, para “ver os amigos”. GI comentou que vibra “quando vem alguém de outras áreas para compor no GTT”. AL falou sobre sua admiração e carinho por um professor do grupo: “não só um colega, mas um mestre [...] uma pessoa que me acompanhou, me acompanha”. GU mencionou que foi “aderindo” e “ficando no jogo”, como “formas de interação, de estabelecer redes, comunidades”. TA elencou redes de contato e conexões, além de citar seu encantamento pelos participantes do GTT. ON considerou “ser muito bem acolhido no GTT”, utilizando expressões como “admiração profunda”, “uma pessoa queridíssima por mim”, “respeito”, “gosto muito”, enfim, expõe as “trocas”. DO também expõe seu interesse no jogo, ao se “envolver” com a discussão de mídia “também por conta dessa relação do grupo”. é o que nos permite observar todos esses elementos até então apresentados: a possibilidade de, a partir de uma temática específica (M&T), ir relacionando dinâmicas (sociodinâmicas culturais) no universo científico/profissional/escolar do campo da EF, com a incorporação de habitus específicos, que permitem seguir com certos interesses em jogo, em busca da sempre perseguida consolidação da EF.

A crença coletiva no jogo é o que permite com que o subcampo seja capitalizado, permitindo que grupos se formem (inclusive com os perigos da endogenia), que eventos aconteçam (e neles, as trocas, científicas e afetivas), que mais pesquisas sejam feitas, que novos pesquisadores e professores sejam formados a partir de um determinado referencial epistemológico (ocorrendo o que identificamos anteriormente, as gerações ou linhagens), é por se aceitar jogar o jogo que cada um se envolve neste jogo e com isso esse mecanismo passa a ser levado a sério, mantendo a constância da produção e reprodução do subcampo.

Ao considerarmos os agentes investigados como pesquisadores de destaque no subcampo, tanto porque o engendraram, mas, principalmente, por alimentá-lo/capitalizá-lo, passam, na condição de coordenadores do GTT e membros de uma comissão científica, a ser agentes bem ajustados ao jogo, porque sabem o sentido do jogo (BOURDIEU, 1996bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b.).

Ao observamos as entrevistas, comentam recorrentemente aspectos das relações interpessoais e afetivas nas suas formas de arrolarem suas trajetórias e atuação no subcampo. Visualizamos, então, o afeto sendo colocado como uma forma desinteressada que demonstra o interesse em seguir jogando, apostando15 15 Como aparecem essas “apostas” ou essa “vontade de seguir jogando”? Resumidamente: Observamos movimentações quanto aos novos interesses desses agentes, tanto em relação a parcerias com pesquisadores no exterior (Portugal, Espanha, Nova Zelândia, EUA), explicitando um desejo de internacionalização para dar circularidade e visibilidade a essas práticas “singulares” da EF brasileira, como ao prosseguimento de produção acadêmica, atuação em cursos de graduação e pós-graduação; papel político dos grupos de pesquisa; experimentações no contexto escolar e desejo de trabalhar na pós-graduação. , seguindo na crença coletiva do jogo, porque as relações afetivas vão se configurando como parte da adesão fundamental ao jogo. No “prazer de jogar”, com suas teorias, metodologias, pesquisas e orientações, há o prazer do embate dos objetos teóricos, discussões e divergências, e há o prazer do reencontro e das trocas afetivas.

Seguir tendo interesse e apostando no jogo, portanto, torna-se uma necessidade que o próprio campo, como uma “atração”, desperta em seus agentes. Almejar perspectivas para além do já realizado, para além do que vem sendo considerado como um “conhecimento consolidado”, só é possível àqueles que, estando em determinadas posições de poder, possuem a possibilidade de antever devido a sua presença dentro dessa estrutura social (o campo científico) e devido ao habitus já incorporado ao longo de uma trajetória.

O afeto, neste caso, pode ser a maneira sutil de mostrar-se interessado desinteressadamente, porque os tempos atuais do fazer científico exigem que seus agentes sejam pesquisadores produtivos, que construam suas redes, suas pequenas comunidades científicas, realizem o maior número de trocas possíveis, entre agentes ou entre seus grupos, acessando posições de poder e acumulando capital simbólico na forma de capital científico. Isso se verifica, por exemplo, na quantidade das publicações, bem como nas concorrências em editais de financiamentos para pesquisas, em bolsas, em atrativos para que novos pesquisadores acessem na temática e façam com que se repita o “ciclo”: o campo produz determinados habitus, que são os propulsores da illusio, essa forma invisível e poderosa de seguir o jogo estando preso nele.

Talvez o habitus mais incrível e potente que um campo tenha condições de produzir e reproduzir seja a illusio: querer estar no jogo e jogá-lo, pelo prazer de jogá-lo. Identificar mecanismos de illusio demanda constante questionamento em relação às coisas mais corriqueiras que as práticas e interações possam aparentar enquanto externalidade, porque a “obviedade” só é possível àqueles que estão imersos no campo e que, mesmo praticando a illusio, afinam e ampliam o olhar para seu próprio campo, o que não é um exercício fácil.

Além disso, a tentativa de compreender os interesses dos agentes, ou seja, em explicar o porquê fazem o que fazem e do jeito que fazem, coloca uma vez mais em questionamento a pretensa neutralidade da construção do conhecimento dito científico, porque onde há seres humanos, haverá objetividade, haverá racionalidade, mas também haverá princípios de trocas afetivas que provocam aproximações e distanciamentos (quanto a objetos e objetivos comuns), além, é claro, de constantes tensões de toda ordem, pois, o campo é um espaço concorrencial permanente de disputas por posições, sendo a illusio o combustível disso tudo.

Considerações Finais

A diversidade teórico-prática, a riqueza de experiências relatadas, o ímpeto em procurar articular outros saberes e práticas diante dos temas/conteúdos/práticas da EF, a busca pelo embasamento nas CSOH, a necessidade de produzir e veicular conhecimento, enfim, todas essas ações que são apresentadas no conjunto dos dados empíricos desta investigação nos levam a acreditar que o trabalho para consolidar esse subcampo é um trabalho coletivo ininterrupto e que procura cada vez mais ganhar volume. É uma busca pelo reconhecimento que envolve tanto a dimensão individual como coletiva, que implica em questões maiores do próprio campo.

As estratégias e ações dos agentes são possíveis porque passou a existir esse espaço social, esse “campo de possibilidades” que rompeu certa tradicionalidade na EF. O campo tem permitido, embora com prestígio e reconhecimentos diferenciados, que outros saberes sejam colocados/discutidos, não mais matizados pelo saber biomédico, mas pelos saberes das humanidades e da comunicação. E os agentes que se dedicam ao subcampo das M&T apontaram uma série de rupturas, possibilidades, características e inflexões, explicitando suas maneira próprias de “jogar”, mobilizando sua illusio a partir do habitus já incorporado.

A contribuição dos conceitos bourdieusianos - campo, habitus e illusio - permitiu desvelar e potencializar análises em relação à compreensão desse espaço social sendo produção humana, a partir da socialização dos agentes sociais (trajetória social no/pelo campo), que, sendo subjetivados por esses conhecimentos e saberes/práticas desse campo (com a incorporação desses habitus ), por ele lutam, demonstram seus interesses e participam do “jogo social” (a illusio ), perspectivando estratégias, disputas e novas ações, que, com certo grau de consciência, explicitam seus motivos por prestígio e reconhecimento a partir do capital científico (e com isso, consolidar e legitimar socialmente esses espaços sociais).

Como tais configurações futuras se darão entre campo/subcampo não foi o propósito desta investigação indicar, porque não cabe nem à sociologia, tampouco à história, operar “futurologias”. Sob a perspectiva de uma sociologia histórica, podemos apontar que o campo da EF, embora com todas suas limitações e problemáticas, descortinou, há algum tempo, um espaço de possibilidades com as M&T e com as CSOH que merece ser ampliado e aprofundado, pela sua riqueza científica e praxiológica que o atual nível de produção acadêmica já evidencia.

REFERÊNCIAS

  • AUTH, Milton Antonio. Interdisciplinaridade. In: GONZÁLEZ, Fernando J.; FENSTERSEIFER, Paulo E. Dicionário crítico de EF. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 243-245.
  • BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2001.
  • BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014.
  • BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte, televisão e EF. Campinas/SP: Papirus, 1998.
  • BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996a.
  • BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1996b.
  • BOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001a.
  • BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro/RJ: Bertrand Brasil, 2001b.
  • BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004a.
  • BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora da Unesp, 2004b.
  • BOURDIEU, Pierre. Esboço para uma auto-análise. Tradução de Victor Silva. Lisboa: Edições 70 Lda., 2005.
  • BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. 8ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2015.
  • CARVALHO, Sérgio; HATJE, Marli. Proposta de desenvolvimento de um novo conhecimento na e para a EF e a Comunicação Social no Brasil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 17, n. 3, p. 260- 265, 1996. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/858 Acesso em: 22 jul. 2022.
    » http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/858
  • FANTIN, Monica. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil-Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.
  • HALLAL, Pedro C.; MELO, Victor Andrade de. Crescendo e enfraquecendo: um olhar sobre os rumos da EF no Brasil. Rev. Bras. Ciências Esporte, n. 39, v.3, p. 322-327, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.002 Acesso em: 23 jul. 2022.
    » https://doi.org/10.1016/j.rbce.2016.07.002
  • MANOEL, Edison de J.; CARVALHO, Yara Maria de. Pós-graduação na EF brasileira: a atração (fatal) para a biodinâmica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.37, n.2, p.389-406, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022011000200012 Acesso em: 06 jul. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/S1517-97022011000200012
  • MEZZAROBA, Cristiano. A formação e constituição de um subcampo acadêmico: a mídia-educação na Educação Física - configurações, perspectivas e inflexões, 2018. 493f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.
  • MEZZAROBA, Cristiano. A mídia, as tecnologias e a Educação Física no Brasil: uma descrição genealógica. Revista Tempos e Espaços em Educação, v.13, n.32, p.1-12, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.13065 Acesso em: 08 jul. 2022.
    » https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.13065
  • MEZZAROBA, Cristiano; ZOBOLI, Fabio. Reflexões e problematizações sobre a pesquisa em Educação Física: perspectivas para os “filhos do casamento (in)feliz”. Kinesis, Santa Maria/RS, v.31, n.1, p.107-124, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/kinesis/article/view/10077 Acesso em: 01 abr. 2018.
    » https://periodicos.ufsm.br/kinesis/article/view/10077
  • MOLINA NETO, Vicente et al. Reflexões sobre a produção do conhecimento em EF e Ciências do Esporte. Rev. Bras. Ciências Esporte, Campinas, v.28, n.1, p.145-165, 2006. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/44/52 Acesso em: 13 jul. 2022.
    » http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/44/52
  • PAIVA, Fernanda. Notas para pensar a EF a partir do conceito de campo. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, número especial, p. 51-82, 2004. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-54732004000300004&lng=en&nrm=iso Acesso em: 18 jul. 2022.
    » http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-54732004000300004&lng=en&nrm=iso
  • PIRES, Giovani De Lorenzi. Educação Física e o discurso midiático: abordagem crítico-emancipatória. Ijuí/RS: Unijuí, 2002.
  • PIRES, Giovani De Lorenzi; PEREIRA, Rogério Santos. Educação Física, esporte, lazer e TICs: trajetória, demandas e perspectivas para a docência e a pesquisa no Século XXI. In: MOREIRA, W.W Wagner Wey et al.; NISTA-PICCOLO, V.L. EF e esporte no Século XXI. Campinas: Papirus, 2016, p.235-266.
  • VALLE, Ione Ribeiro. Sociologia histórica ou história sociológica? Diálogos a partir de Pierre Bourdieu. Tempos e Espaços em Educação, v.11, n.25, p.49-60, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v11i25.7502 Acesso em: 18 jul. 2022.
    » https://doi.org/10.20952/revtee.v11i25.7502
  • VELHO, Gilberto. O desafio da proximidade. In: VELHO, Gilberto.; KUSCHNIR, Karina. Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 11-19.
  • 1
    O texto contou com apoio do Edital n. 06/2022/PPGED/PROAP/UFS - Programa de Apoio ao Pesquisador à Pós-Graduação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe.
  • 2
    O CBCE, criado em 1978, configura-se como uma das principais entidades científicas da EF brasileira com foco na EF/Ciências do Esporte, e congrega professores(as) e pesquisadores(as), a partir de Secretarias Estaduais e de 13 Grupos de Trabalhos Temáticos (GTT): Atividade Física e Saúde; Comunicação e Mídia; Corpo e Cultura; Epistemologia; Escola; Formação profissional e mundo do trabalho; Gênero; Inclusão e Diferença; Lazer e Sociedade; Memórias da EF e Esporte; Movimentos Sociais; Políticas Públicas; Treinamento Esportivo.
  • 3
    O referido grupo atua em relação a estudos relacionados à comunicação, mídia e documentação, notadamente os meios (jornal, revista, TV, rádio, internet e cinema) no âmbito das Ciências do Esporte/EF. Além disso, segundo consta em sua ementa, procura realizar análise crítica e interpretação dos processos de produção, difusão e recepção das informações, das mídias e tecnologias comunicacionais e suas implicações políticas, econômicas, culturais e pedagógicas.
  • 4
    Foram analisadas publicações dos agentes deste campo científico ao longo de 20 anos (1996-2016), totalizando 13 textos. Em função de priorizar os dados relativos às entrevistas, não traremos essa discussão neste texto. Sugerimos ver Mezzaroba (2020) para compreender a análise genealógica da produção acadêmica desses sujeitos.
  • 6
    Para garantir o anonimato, utilizaremos a abreviação de seus nomes. Temos, assim, os/as seguintes sujeitos: GI, AL, MA, CE, TA, GU, FE, ON, DO. Ao observar e analisar suas trajetórias e capital científico, percebemos que há uma diversidade nas suas trajetórias, bem como na maneira como lidam com as práticas acadêmicas e seus interesses. Todos/as demonstram seu envolvimento com o jogo acadêmico-científico, expondo habitus e implicações nas universidades e nas escolas.
  • 7
    O campo da EF está em contínua transformação: inicialmente amparado em modelos médicos/biológicos e sob várias influências (militares, esportiva, pedagógica), hoje também recebe influência das CSOH. Dois momentos costumam ser reconhecidos como marcadores históricos da EF: a década de 1930 (engendramento do campo) e a década de 1980 (com a “contaminação” dos elementos sociais e das humanidades) (PAIVA, 2004).
  • 7
    Esse dado também é corroborado na referida análise genealógica da produção acadêmica dos sujeitos da pesquisa/agentes do campo (MEZZAROBA, 2020).
  • 8
    A informação sobre o “Grupo de Santa Maria” é mencionado nas entrevistas de GI e MA.
  • 9
    Conforme citado na entrevista de AL e de FE. Este último, por sua vez, comentou: “[...] eu participo do GTT pela primeira vez em 1997 [...] Então, eu penso que o campo começa [...] ali no início da década de 1990, mas ele começa a se consolidar com o Conbrace de 1997 [...]” (FE, 2017, p.26-27).
  • 10
    FE (2017, p.48): “[...] temos dois campos, que não dialogam, como se fossem duas coisas diferentes!”. TA (2017, p.16), questionou: “[...] que campo da EF é esse, por que que eu preciso estudar biologia e preciso estudar anatomia e preciso estudar filosofia e estudar psicologia”. Na entrevista de ON (2017, p.11), novamente é explicitado: “[...] de que saber trata a EF... a matriz vem de onde? Se eu me filio mais às humanas né, eu tenho uma série de respostas... se eu me filio mais a qualquer outra, se for pensar, por exemplo, as subáreas na pós-graduação [...] são essas três: sociocultural, pedagógica e biodinâmica.” Na entrevista de MA (2017, p.9) há exposição desses conflitos: “[...] é um campo extremamente heterogêneo... tenho dificuldade de definir o que tá acontecendo...” e “A EF trata de algo que é simultaneamente biológico e cultural!” (MA, 2017, p.24).
  • 11
    Conforme Mezzaroba e Zoboli (2013), os cursos de licenciatura e bacharelado seriam uma das implicações de um “casamento mal sucedido” entre Educação Física e ciência, configurando-se em duas perspectivas de formação acadêmica em nível de graduação que possuem tênues limites de conceituação epistemológica, atravessados por relações e jogos de poder movidos pelas tensivas geradas por fundamentos ideológicos e praxiológicos assujeitados ao mercado de trabalho. E esse conflito na divisão da formação profissional em EF foi mencionado explicitamente nas entrevistas de GI (2017, p.7-8), GU (2017, p.8), TA (2017, p.14) e ON (2017, p.10).
  • 12
    Como, por exemplo, em Molina Neto et al. (2006).
  • 13
    Absolutamente todos/as entrevistados fizeram menção às questões escolares.
  • 14
    Devido à limitação espacial, trazemos alguns exemplos das entrevistas que explicitam como os sujeitos demonstraram seu “interesse desinteressado”: FE comentou que a constituição do subcampo ocorreu “por causa das correlações das relações pessoais, [...] de atores que resolve bancar as coisas juntos”, e que sua última participação em eventos foi “mais por motivo festivo do que acadêmico”, para “ver os amigos”. GI comentou que vibra “quando vem alguém de outras áreas para compor no GTT”. AL falou sobre sua admiração e carinho por um professor do grupo: “não só um colega, mas um mestre [...] uma pessoa que me acompanhou, me acompanha”. GU mencionou que foi “aderindo” e “ficando no jogo”, como “formas de interação, de estabelecer redes, comunidades”. TA elencou redes de contato e conexões, além de citar seu encantamento pelos participantes do GTT. ON considerou “ser muito bem acolhido no GTT”, utilizando expressões como “admiração profunda”, “uma pessoa queridíssima por mim”, “respeito”, “gosto muito”, enfim, expõe as “trocas”. DO também expõe seu interesse no jogo, ao se “envolver” com a discussão de mídia “também por conta dessa relação do grupo”.
  • 15
    Como aparecem essas “apostas” ou essa “vontade de seguir jogando”? Resumidamente: Observamos movimentações quanto aos novos interesses desses agentes, tanto em relação a parcerias com pesquisadores no exterior (Portugal, Espanha, Nova Zelândia, EUA), explicitando um desejo de internacionalização para dar circularidade e visibilidade a essas práticas “singulares” da EF brasileira, como ao prosseguimento de produção acadêmica, atuação em cursos de graduação e pós-graduação; papel político dos grupos de pesquisa; experimentações no contexto escolar e desejo de trabalhar na pós-graduação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2022
  • Aceito
    28 Ago 2022
Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: educar@ufpr.br